Todas as orações

O Abandono à Providência Divina

Padre Jean Pierre de Caussade

Livro Terceiro: Da assistência paternal com que Deus envolve as almas que se abandonam inteiramente a ele

CAPÍTULO III - As desolações que Deus faz experimentar a essa alma são amorosos artifícios, dos quais ela um dia se há de regozijar

As almas que caminham na luz cantam cânticos de luz; as que caminham nas trevas cantam o cântico das trevas. Deixai cantar a umas e as outras, até ao fim, a parte e o motete que Deus lhes destina. Quando é Deus a encher a alma nada temos nós que ajuntar, mas deixar correr todas as gotas desse fel das amarguras divinas. Assim faziam os profetas Jeremias e Ezequiel: todas as suas palavras não eram senão gemidos e suspiros, só encontrando a consolação nesses continuados lamentos. Quem tivesse detido o curso dessas lágrimas, ter-nos-ia privado de alguns dos trechos mais belos da Sagrada Escritura. Só o espírito que produz a desolação é capaz de dar a consolação: são águas diferentes, mas que brotam da mesma nascente divina.

Quando Deus atemoriza uma alma, ela treme; quando a ameaça, ela sente-se tomada de pavor. Deixai desenvolver-se a operação divina, que em toda a sua extensão traz consigo o mal e o remédio. Chorai, queridas almas, tremei na vossa inquietação e agonia; não façais esforços para mudar esses divinos temores e esses celestes gemidos. No fundo do vosso ser recebei os arroios desse mar que inundou a alma santa de Jesus. Ide sempre para diante, semeando lágrimas, enquanto o sopro da graça as fizer correr; e insensivelmente o mesmo divino sopro as fará secar. As nuvens dissipar-se-ão, o sol voltará a espalhar a sua luz, a primavera cobrir-vos-á de flores, e na sequência do vosso abandono encontrareis a admirável variedade, produzida pela ação divina em toda a sua extensão.

Verdadeiramente, o homem perturba-se em vão! Tudo o que por ele passa é semelhante a um sonho. Vem uma sombra que faz desaparecer a outra. Nos que dormem, as imaginações vão se sucedendo: umas afligem, outras consolam. A alma é joguete destas aparências, que umas às outras se destroem. O despertar faz ver como todas eram igualmente vãs; dissipa todas as impressões, e o homem não liga importância nem aos perigos nem às felicidades que passou durante o sono.

Senhor, não poderei eu em verdade dizer que tendes adormecidos a todos os vossos filhos no vosso seio, durante a noite da fé, e que vos comprazeis de fazer perpassar pelas suas almas uma infinita variedade de sentimentos, que no fundo são apenas santos e misteriosos sonhos? No estado a que a noite e o sono os reduzem, experimentam neles verdadeiros e dolorosos temores, angústias e aflições, que Vós no dia da glória dissipareis e convertereis em verdadeiras e sólidas alegrias.

É neste despertar, e como consequência dele, que as almas santas, tornadas a elas mesmas e à plena liberdade de apreciação, não poderão cansar-se de admirar as indústrias, as invenções, as delicadezas e os enganos amorosos do Esposo; e compreenderão quanto são impenetráveis os seus caminhos, como era impossível adivinhar os seus enigmas, surpreendê-lo nos seus disfarces, sem admitir consolação alguma quando Ele queria espalhar o temor e o alarme. Neste despertar, verão os Jeremias e os Davis como o que em Deus e nos anjos era motivo de alegria, a eles os desolava inconsolavelmente.

Espíritos fortes, indústrias e ações humanas, não desperteis a esposa; deixai-a gemer, tremer, correr, buscar, mas deixai-a dormir. É verdade que o Esposo a engana e se disfarça: ela sonha, mas as suas penas são as da noite e do sonho; deixai o Esposo trabalhar esta alma querida e representar nela o que só Ele sabe pintar e exprimir, deixai-o desenvolver toda a sequência dessa aparência: quando for tempo, Ele a despertará. José faz chorar Benjamim: criado de José, não reveleis o seu segredo a esse irmão querido. José engana-o; mas o engano vem demonstrar toda a sua penetração e toda a sua indústria. Benjamim e seus irmãos vêem-se submersos em uma dor irremediável. Não é senão um jogo de José; os pobres irmãos não vêem nisso senão um mal sem remédio. Não digais nada; ele tudo remediará; ele mesmo os despertará e admirarão a sua sabedoria, fazendo-lhes reconhecer em tantos males e desesperos, o motivo mais real de alegria que jamais houve para eles no mundo.


Conheça este livro:

O Abandono à Providência Divina
(Padre Jean Pierre de Caussade)
Clique aqui para ler online

Clique aqui para comprar