Catecismo
A indiferença mata: por que ignorar o sofrimento do outro é pecado?
por Thiago Zanetti em 28/07/2025 • Você e mais 294 pessoas leram este artigo Comentar

Tempo de leitura: 4 minutos
Vivemos num tempo em que a dor do outro se tornou pano de fundo. Passamos por pessoas em sofrimento como quem muda de canal. A frieza se disfarça de neutralidade. Mas a verdade é dura e precisa ser dita: a indiferença mata. E, para a fé cristã, ignorar o sofrimento alheio não é apenas falta de empatia — é pecado.
“A globalização da indiferença”
Em sua primeira mensagem para a Quaresma como Papa, Francisco fez um alerta incisivo:
“A indiferença para com o próximo e para com Deus é uma tentação real também para nós, cristãos.”
(Mensagem para a Quaresma de 2015).
Ele classificou essa postura como um dos maiores perigos espirituais de nosso tempo:
“Quando estamos bem e comodamente instalados, esquecemo-nos certamente dos outros (isto, Deus Pai nunca o faz!), não nos interessam os seus problemas, nem as tribulações e injustiças que sofrem; e, assim, o nosso coração cai na indiferença: encontrando-me relativamente bem e confortável, esqueço-me dos que não estão bem!” (Papa Francisco, Mensagem para a Quaresma, 2015)
Essa “anestesia espiritual” é incompatível com o Evangelho, que nos chama ao amor concreto, à solidariedade vivida e à compaixão atuante.
O pecado da omissão
Muitas vezes pensamos o pecado apenas como algo que fazemos. Mas a Igreja ensina que também pecamos pelo que deixamos de fazer:
“O pecado é (…) ‘uma palavra, um ato ou um desejo contrários à lei eterna’” (Catecismo da Igreja Católica, n. 1849)
E completa que comete-se pecado também pela “omissão” (CIC, n. 1853).
Ignorar o sofrimento do próximo, portanto, não é apenas uma falha de caráter — é um pecado de omissão. Deixar de ajudar quando se pode é colocar-se contra a caridade, que é o centro da vida cristã:
“Aquele que souber fazer o bem, e não o faz, peca” (Tiago 4,17).
O julgamento final será baseado no amor
Jesus foi claro em relação ao Juízo Final: não seremos julgados apenas pelo que dissemos ou fizemos, mas também — e sobretudo — por como tratamos os necessitados. A parábola do julgamento das nações, em Mateus 25, não poderia ser mais direta:
“Tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes de beber; era peregrino e não me acolhestes; estava nu e não me vestistes; enfermo e na prisão, e não me visitastes.” (Mateus 25,42-43).
E a consequência é contundente:
“E estes irão para o castigo eterno, e os justos, para a vida eterna.” (Mateus 25,46).
Perceba: os condenados não fizeram mal diretamente a Cristo — apenas deixaram de fazer o bem. Foram indiferentes.
A indiferença é o oposto da caridade
No coração da vida cristã está o amor. Não o amor romântico ou genérico, mas a caridade, que é o amor que age. Santo Tomás de Aquino afirma:
“A caridade é a forma de todas as virtudes.”
(Suma Teológica, II-II, q. 23, a. 8)
Portanto, onde falta caridade, falta tudo. A indiferença é, nesse sentido, a negação ativa da caridade, pois é o silêncio diante da dor do outro. E esse silêncio tem consequências espirituais.
Papa Francisco nos alertou:
“(…) o oposto mais frequente ao amor de Deus, à compaixão de Deus, é a indiferença.”
(Não à cultura da indiferença, 08/01/2029)
Quem ama não é neutro. Quem ama se compromete. Quem ama se envolve. A indiferença é a escolha de não amar.
A indiferença como raiz da violência
Papa Francisco, em sua encíclica Fratelli Tutti, aprofunda ainda mais essa ideia ao mostrar que a indiferença social é semente de violência:
“Habituamo-nos a olhar para o outro lado, passar à margem, ignorar as situações até elas nos caírem diretamente em cima”. (Fratelli Tutti, n. 64).
Ao nos fechar no próprio conforto, nos tornamos cúmplices do sofrimento do outro. E essa cumplicidade pode gerar morte — seja física, seja espiritual.
“Mas revela-nos uma caraterística essencial do ser humano, frequentemente esquecida: fomos criados para a plenitude, que só se alcança no amor. Viver indiferentes à dor não é uma opção possível; não podemos deixar ninguém caído «nas margens da vida»” (Fratelli Tutti, n. 68).
O exemplo de Cristo: Ele nunca foi indiferente
Jesus nunca ignorou a dor humana. Ao ver a viúva de Naim, por exemplo:
“Vendo-a o Senhor, movido de compaixão para com ela” (Lucas 7,13).
Diante dos cegos, dos leprosos, dos marginalizados, Jesus se comovia e agia. E este deve ser o nosso modelo. O cristão não pode passar “de largo”, como fizeram o sacerdote e o levita na parábola do bom samaritano (cf. Lc 10,31-32).
Ser indiferente é negar Cristo
Ao ignorar a dor do outro, não estamos apenas falhando na caridade — estamos ignorando o próprio Cristo, que se faz presente nos pequeninos, nos pobres e nos feridos da vida. Como diz São João:
“Quem possuir bens deste mundo e vir o seu irmão sofrer necessidade, mas lhe fechar o coração, como pode estar nele o amor de Deus” (1 João 3,17).
A indiferença é pecado porque é a recusa de amar. E quem se recusa a amar, recusa o próprio Deus.

Por Thiago Zanetti
Jornalista, copywriter e escritor católico. Graduado em Jornalismo e Mestre em História Social das Relações Políticas, ambos pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). É autor dos livros Mensagens de Fé e Esperança (UICLAP, 2025), Deus é a resposta de nossas vidas (Palavra & Prece, 2012) e O Sagrado: prosas e versos (Flor & Cultura, 2012).
Acesse o Blog: www.thiagozanetti.com.br
Siga-o no Instagram: @thiagoz.escritor
Compartilhar:
Voltar para artigos