Catecismo
O QUE A BÍBLIA DIZ SOBRE O DIVÓRCIO?
por André Aloísio • Você e mais 59 pessoas leram este artigo Comentar
O divórcio é uma realidade cada vez mais presente nas famílias da atualidade, inclusive cristãs. Diante desse fato, muitas pessoas se questionam sobre qual a vontade de Deus em relação a isso. Afinal, o que a Bíblia diz sobre o divórcio? Podemos ou não podemos nos divorciar?
Existem duas passagens bíblicas principais que tratam dessa questão, que examinaremos à luz do restante da Escritura: Mt 19, 3-12 e 1Cor 7, 10-16. Ao final, faremos uma síntese do ensino bíblico a partir da doutrina da Igreja.
O divórcio em Mateus 19, 3-12
Em Mt 19, 3-12 (e na passagem paralela de Mc 10, 2-12), Jesus é posto à prova pelos fariseus, que lhe perguntam: “É permitido ao homem repudiar sua mulher por qualquer motivo?” (Mt 19, 3).
Certamente, os fariseus tinham ouvido que Jesus era contra o divórcio (Mt 5, 31-32). Assim, com tal pergunta, eles pretendem colocá-lo contra Moisés, que permitiu o divórcio em Dt 24, 1-4, onde, especialmente no versículo 1, é dito: “Se um homem tomar uma mulher e se casar com ela, e esta não agradar a seus olhos porque encontrou nela algo inconveniente, escreverá um documento de repúdio, o entregará na mão dela e a despedirá de sua casa”.
O “algo inconveniente” mencionado por Moisés em Deuteronômio, que dava direito ao homem de se divorciar da mulher, era motivo de controvérsia entre os judeus. Havia duas escolas de interpretação: a Escola de Shammai entendia que essa coisa inconveniente se referia a pecados sexuais, como o adultério, enquanto a Escola de Hillel a entendia como qualquer coisa desagradável na mulher, como cozinhar mal. Por isso, os fariseus perguntam se o divórcio pode acontecer “por qualquer motivo”.
Jesus responde usando o próprio Moisés, em Gênesis, que narra a instituição do matrimônio por Deus: “Nunca lestes que o Criador, desde o princípio, os fez homem e mulher e disse: ‘Por isso, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne’? De modo que eles já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe” (Mt 19, 4-6). A partir de Gn 2, 24, citado da Septuaginta (tradução grega do Antigo Testamento), Jesus traz o princípio de que, ao se casarem, homem e mulher se tornam uma só carne, de modo que tal união, efetuada pelo próprio Deus, não pode ser desfeita pelo homem.
Os fariseus, então, perguntam: “Como então Moisés mandou dar documento de divórcio e repudiar a mulher?” (Mt 19, 7). Eles estão pensando na passagem de Dt 24, 1-4, mencionada acima. Jesus responde: “Moisés permitiu repudiar a mulher, por causa da dureza do vosso coração, mas não foi assim desde o princípio” (Mt 19, 8). Ou seja, a vontade de Deus para o divórcio deve ser buscada, não na permissão temporária de Moisés, motivada pela dureza do coração do povo, mas na instituição permanente de Deus, desde o princípio.
Nesse ponto, em Marcos, que foi provavelmente o primeiro Evangelho a ser escrito, Jesus declara a indissolubilidade do matrimônio e a proibição do divórcio em termos absolutos: “Quem repudia sua mulher e se casa com outra, comete adultério contra a primeira. E se uma mulher, tendo repudiado seu marido, se casa com outro, comete adultério” (Mc 10, 11-12). Como o matrimônio é indissolúvel, tanto um homem quanto uma mulher que toma a iniciativa de se divorciar para se casar com outra pessoa, está cometendo adultério, porque o primeiro matrimônio não é dissolvido pelo divórcio.
Entretanto, em Mateus, o autor acrescenta uma cláusula de exceção a essa declaração de Jesus: “Ora, eu vos digo: quem repudia sua mulher – fora o caso de união ilícita – e se casa com outra, comete adultério” (Mt 19, 9). A palavra grega para “união ilícita” é “porneia”, que pode indicar uniões ilícitas como o incesto (1Cor 5, 1), proibido na lei de Moisés (Lv 18, 1-17). O ponto de Jesus é que, se um matrimônio aconteceu dentro dos graus de consanguinidade proibidos na Palavra de Deus, ele é inválido por definição, e a separação é não só uma possibilidade, mas uma necessidade. Fora essa exceção do matrimônio inválido, o divórcio é proibido.
Jesus havia ensinado a mesma coisa em Mt 5, 31-32: “Foi dito também: ‘Quem repudia sua mulher, dê-lhe um documento de divórcio’. Eu, porém, vos digo: todo aquele que repudia sua mulher – fora o caso de união ilícita – torna-a adúltera; e quem se casa com uma repudiada, comete adultério”. Linguagem semelhante é usada em Lucas, sem a cláusula de exceção: “Todo o que repudia sua mulher e se casa com outra, comete adultério; e quem se casa com uma que foi repudiada pelo marido, também comete adultério” (Lc 16, 18). Nessas passagens, acrescenta-se que comete adultério até aquele que se casa com alguém divorciado, mesmo que o divorciado não tenha tomado a iniciativa do divórcio, porque permanece o princípio, mesmo para a parte inocente, de que o matrimônio é indissolúvel.
Desse modo, Jesus não está nem com a Escola de Shammai nem com a Escola de Hillel. Para ele, um matrimônio válido não pode ser dissolvido por nenhum motivo e por nenhum poder humano.
São Paulo ensina a indissolubilidade do matrimônio na mesma linha de Jesus, reconhecendo apenas a morte como fim do matrimônio: “Ora, a mulher casada está ligada por lei ao marido, enquanto ele vive. Se, porém, ele vier a falecer, ela estará livre da lei que a vincula ao marido. Portanto, se enquanto o marido ainda vive, ela se unir a outro homem, será chamada de adúltera. Se o marido, porém, vier a falecer, ela estará livre da lei, e não será adúltera, se unir-se a outro” (Rm 7, 2-3).
Isso parece muito radical hoje e assim também pareceu aos discípulos naquele tempo. Diante da declaração de Jesus em Mt 19, 9, eles dizem: “Se tal é a condição do homem em relação à mulher, é melhor não se casar” (Mt 19, 10). Nessas condições, eles acham o celibato superior ao matrimônio, e de fato o é (1Cor 7, 1. 7. 8. 25-40).
Jesus responde aos discípulos: “Nem todos são capazes de entender essa palavra, mas só aqueles a quem foi dado” (Mt 19, 11). Isso pode se referir ao seu ensino sobre o matrimônio e o divórcio, ou à fala dos discípulos sobre o celibato. De qualquer modo, Jesus continua falando sobre o celibato, usando a palavra “eunuco”, que indica originalmente um homem castrado para cuidar das mulheres do harém real: “Com efeito, há eunucos que nasceram assim do ventre da mãe”, como pessoas que nascem com algum problema de ordem sexual, “e há os que foram feitos eunucos por mão humana”, como os eunucos castrados, “e há os que a si mesmos se fizeram eunucos por causa do Reino dos Céus”, que são os que se tornam celibatários para se dedicarem desimpedidamente ao Senhor. “Quem puder entender, entenda” (Mt 19, 12). Esse ensino é radical, mas está alicerçado no propósito original de Deus para o matrimônio.
Terminamos essa primeira parte observando que toda a discussão entre Jesus e os fariseus diz respeito ao matrimônio contraído entre pessoas pertencentes ao povo de Deus. Mas o que dizer do matrimônio entre pessoas que estão fora da Igreja? É disso que São Paulo trata na próxima passagem que examinaremos.
O divórcio em 1 Coríntios 7, 10-16
Em 1Cor 7, 10-11, São Paulo relembra o ensino de Jesus sobre a indissolubilidade do matrimônio entre pessoas da Igreja: “Aos casados ordeno, não eu, mas o Senhor: a mulher não se separe do marido. Caso se separe, que ela fique sem casar ou, então, que se reconcilie com o marido. E o marido não repudie sua mulher”. O divórcio não pode acontecer e, se uma separação ocorrer por alguma razão, não se pode casar novamente.
Na sequência, São Paulo fala de uma nova situação, não tratada por Jesus: “Aos demais sou eu que digo, não o Senhor: se um irmão tem uma mulher não cristã, mas que concorda em morar com ele, não a repudie; e se uma mulher tem um marido não cristão, mas que concorda em morar com ela, não o repudie. Pois o marido não cristão é santificado por sua mulher cristã, e a mulher não cristã é santificada por seu marido cristão. Caso contrário, vossos filhos seriam impuros; no entanto, agora, são santos” (1Cor 7, 12-14). A situação aqui abordada é aquela em que duas pessoas não batizadas são casadas e, então, apenas uma delas se converte e é batizada. Para os cristãos nesse tipo de casamento, São Paulo também proíbe o divórcio, se a parte não cristã deseja continuar casada. Ele diz, inclusive, que o não cristão se beneficia desse tipo de união, assim como os filhos.
Entretanto, São Paulo prossegue: “Se, porém, a parte não cristã quiser se separar, que se separe. Neste caso, o irmão ou a irmã ficam livres do vínculo: foi para viver em paz que Deus vos chamou. Ademais, ó mulher, como podes saber se salvarás teu marido? Ou tu, marido, como podes saber se salvarás tua mulher?” (1Cor 7, 15-16). Nessa situação específica, em que o matrimônio foi contraído quando as duas partes não eram batizadas, e depois da conversão de uma das partes, o não cristão deseja a separação, tanto o divórcio quanto o novo casamento são possíveis para o cristão.
O ensino bíblico sobre o divórcio de acordo com a Igreja
Diante desses dados da Escritura, o que a Igreja ensina sobre o divórcio?
Primeiro, o matrimônio válido entre batizados é indissolúvel, e tanto o divórcio quanto o novo casamento são proibidos em qualquer circunstância (Mc 10, 11-12; Lc 16, 18; Rm 7, 2-3):
“O matrimônio válido entre batizados diz-se somente rato, se não foi consumado; rato e consumado, se os cônjuges entre si realizaram de modo humano o ato conjugal de si apto para a geração da prole, ao qual por sua natureza, se ordena o matrimônio, e com o qual os cônjuges se tornam uma só carne […] O matrimônio rato e consumado não pode ser dissolvido por nenhum poder humano nem por nenhuma causa além da morte” (Código de Direito Canônico, cânones 1061 e 1141).
“O vínculo matrimonial é, portanto, estabelecido pelo próprio Deus, de maneira que o matrimônio ratificado e consumado entre batizados não pode jamais ser dissolvido. Este vínculo, resultante do ato humano livre dos esposos e da consumação do matrimônio, é, a partir de então, uma realidade irrevogável e dá origem a uma aliança garantida pela fidelidade de Deus. A Igreja não tem poder para se pronunciar contra esta disposição da sabedoria divina” (Catecismo da Igreja Católica, número 1640).
Segundo, pessoas batizadas num matrimônio válido podem, por uma causa legítima, se separarem, sem que o vínculo do matrimônio seja rompido: “Os cônjuges têm o dever e o direito de manter a convivência conjugal, a não ser que uma causa legítima os escuse” (Código de Direito Canônico, cânone 1151). Nessa situação de separação de corpos, o novo casamento é proibido e a reconciliação é esperada (1Cor 7, 10-11). Causas legítimas para tal tipo de separação são o adultério e a violência doméstica (Código de Direito Canônico, cânones 1152-1155).
Terceiro, o matrimônio válido entre não batizados pode ser dissolvido quando uma das partes se converte e se batiza, e a outra não deseja mais permanecer no matrimônio, o que permite que o crente se case novamente (1Cor 7, 12-16):
“O matrimônio celebrado entre duas partes não batizadas dissolve-se pelo privilégio paulino em favor da fé da parte que recebeu o batismo, pelo mesmo fato de esta parte contrair novo matrimônio, contanto que a parte não batizada se afaste” (Código de Direito Canônico, cânone 1143, parágrafo 1).
Finalmente, pessoas num matrimônio inválido podem e, em alguns casos, como de incesto (Mt 5, 31-32; 19, 9; cf. Código de Direito Canônico, cânones 1091-1094), devem se separar. Como o matrimônio é inválido, as partes envolvidas estão livres para contraírem um matrimônio válido. Além do incesto, são inválidas uniões que se enquadram nas seguintes situações: entre homem menor de dezesseis anos e mulher menor de catorze; entre católico e não católico não casados na Igreja Católica; onde haja impotência permanente e anterior à união; onde não tenha havido consentimento matrimonial; etc. (cf. Código de Direito Canônico, cânones 1083-1090). Em alguns desses casos, como do casamento entre católico e não católico fora da Igreja Católica, é possível seguir o caminho da validação do casamento (cf. Código de Direito Canônico, cânones 1156-1165) ao invés da separação.
Concluindo, podemos certamente dizer com Tertuliano:
“Onde irei buscar forças para descrever, de modo satisfatório, a felicidade do Matrimônio que a Igreja une, que a oblação eucarística confirma e a bênção sela? Os anjos proclamam-no, o Pai celeste ratifica-o […] Que jugo o de dois cristãos, unidos por uma só esperança, um único desejo, uma única disciplina, um mesmo serviço! Ambos filhos do mesmo Pai, servos do mesmo Senhor; nada os separa, nem no espírito nem na carne; pelo contrário, eles são verdadeiramente dois numa só carne. Ora, onde a carne é só uma, também um só é o espírito” (cf. Catecismo da Igreja Católica, número 1632).
André Aloísio
Teólogo