Evangelho
Por que os Evangelhos falam tão pouco da infância de Jesus?
por Guilherme Pavan • Você e mais 244 pessoas leram este artigo Comentar
O silêncio quase ensurdecedor sobre a infância de Jesus nos Evangelhos e os chamados “anos ocultos” — os cerca de trinta anos entre Seu nascimento e o início de Seu ministério — frequentemente gera questionamentos entre os fiéis que levam a Palavra de Deus a sério.
De fato, muitos gostariam de ouvir algumas anedotas sobre as férias da Sagrada Família no Mar da Galileia, ou mesmo relatos inspiradores sobre a devoção de Jesus à oração e à virtude na adolescência. No entanto, o Espírito Santo, por razões que só Ele conhece, não considerou essas informações essenciais para os Evangelhos. Por quê?
A vida simples na infância de Jesus nos Evangelhos
A principal razão para o silêncio dos Evangelhos sobre a infância de Jesus parece ser o destaque à normalidade e humildade vividas pela Sagrada Família. Nas palavras do Catecismo da Igreja Católica: “Durante a maior parte de sua vida, Jesus compartilhou a condição da imensa maioria dos homens: uma vida diária sem qualquer aparência de grandeza, uma vida de trabalho manual” (§531).
Certamente, esses anos ocultos mostram algo profundo: a Encarnação de Jesus é radical e completa. Como Shakespeare sabiamente disse, “o silêncio é o mais perfeito arauto”. Muitas vezes, ele comunica mais do que palavras poderiam expressar. Durante esse período, Jesus assumiu plenamente nossa humanidade. Ele santificou o trabalho, a rotina e a simplicidade da vida cotidiana. Por isso, esse exemplo reforça a mensagem da infância de Jesus nos Evangelhos, que, mesmo sem muitos detalhes, demonstra a plenitude de Sua humanidade.
Os anos ocultos e o exemplo de Jesus
Os anos silenciosos da Sagrada Família revelam um Deus que escolheu viver como um obscuro “ninguém” por três décadas. Em Nazaré, Jesus mergulhou totalmente em nossa humanidade. Ele elevou a simplicidade do trabalho diário, mostrando que o ordinário também pode ser extraordinário. Assim, aprendemos que a rotina comum, quando vivida com amor e dedicação, pode ser santificada. São Josemaría Escrivá descreveu esses anos com as seguintes palavras:
“Toda a vida do Senhor me enche de amor por Ele, mas tenho uma fraqueza especial pelos seus trinta anos ocultos em Belém, Egito e Nazaré. Esse período, tão longo em comparação com sua vida pública e que os Evangelhos quase não mencionam, pode parecer vazio de significado especial para quem o analisa superficialmente. No entanto, sempre sustentei que esse silêncio sobre a vida inicial de Nosso Senhor fala de forma eloquente e contém uma lição maravilhosa para nós, cristãos. Foram anos de intenso trabalho e oração, em que Jesus levou uma vida comum, como a nossa, ao mesmo tempo divina e humana. Em sua simples oficina, despercebido, fazia tudo com perfeição, como mais tarde faria diante das multidões.”
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Essa descrição enfatiza que o Deus eterno e todo-poderoso assumiu a simplicidade da vida humana e a transformou em fonte de graça. Por isso os anos ocultos e a infância de Jesus nos Evangelhos são tão significativos para a nossa fé.
A lição de Nazaré sobre a infância de Jesus
Talvez uma pista para entender os anos ocultos esteja no único episódio registrado entre o nascimento de Jesus e o início de Seu ministério: a perda e o reencontro de Jesus no Templo. Quando o menino de 12 anos é encontrado e a família retorna a Nazaré, São Lucas comenta: “Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52).
Esse versículo reflete a antiga máxima escolástica: a graça aperfeiçoa a natureza. Durante trinta anos, Jesus viveu uma vida comum, comendo, dormindo, trabalhando, socializando, estudando e rezando. Ele refinava continuamente Seu corpo e mente, oferecendo-nos o exemplo do que é ser plenamente humano e plenamente vivo. Dessa forma, a infância de Jesus nos Evangelhos ensina que cada ato ordinário pode ter um valor extraordinário quando vivido com santidade.
A santificação do cotidiano na vida de Jesus
Como cristãos, somos chamados a reconhecer que Deus está presente na simplicidade do cotidiano. Por isso, não devemos ignorar as tarefas diárias. Pelo contrário, devemos vê-las como oportunidades de santificação. Afinal, a graça nos capacita a realizar tanto obras espirituais quanto corporais.
Os cristãos, compreendendo essa verdade, criaram as mais belas obras de arte, compuseram músicas sublimes, escreveram romances elegantes e construíram edifícios magníficos. Além disso, eles fundaram hospitais, escolas e instituições de caridade, porque entenderam que a graça aperfeiçoa a natureza. Essa mensagem ecoa nos anos ocultos de Cristo, que mostram como o divino pode entrar em nossa humanidade.
Embora desejemos que os Evangelhos trouxessem mais histórias sobre a infância de Jesus, percebemos que o silêncio divino tem uma pedagogia profunda. Ele nos convida a divinizar nossas vidas, nossos corpos e o mundo ao nosso redor.
Artigo traduzido, originalmente publicado em St. Paul Center.
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