A Esmola  Onde Comprar

 
CAPÍTULO I

 
FREQUENTE FALÊNCIA DE BANCOS

Todo ano, nas principais cidades da Europa e da América, os jornais anunciam a falência de algum banco, que arrasta à miséria muitas famílias e lança na desolação regiões inteiras. São desgraças terríveis, que, ao invés de diminuírem com o avançar da civilização e do progresso, aumentam em proporção espantosa; e dão o que fazer aos homens de Estado, os quais, debalde, procuram medicar essa chaga social, que assassina o comércio e flagela os povos. Mal se acalmaram os gritos de dor pela quebra de um banco, que roubou o patrimônio a inúmeras famílias, eis logo se divulga a funesta notícia da falência de outro banco, que renova as mesmas cenas de desventura, lançando na rua um número grande de pessoas, que da opulência passam à mais esquálida miséria.
São muitas as causas de tais bancarrotas, que constituem um estudo sério para os legisladores que tentam impedi-las por meio de leis.
Algumas vezes é a má administração e a falta de treino no manejo dos negócios; outras vezes é uma crise que paralisa a administração, os negócios de toda uma região. Mas, na maior parte dos casos, a falência provém da fraude ou furto de algum dos administradores. São aleivosias indignas, que desonram o homem e mostram até que ponto de baixeza pode levar o amor ao ouro, o qual bem considerado não é senão um pouco de terra reluzente.
Eis aqui uma triste história: Um dos diretores do banco apodera-se do dinheiro, das letras e dos valores e foge para o estrangeiro, onde a lei o não pode alcançar, a fim de gozar das riquezas roubadas, que pertencem a inúmeras famílias, as quais talvez suaram por muitos anos, fazendo economia, mesmo do necessário, para assim garantir o futuro. Então o banco abre falência; e o tribunal institui o processo para examinar os delinquentes. Que deplorável espetáculo não apresenta a sala judiciária! Aqui, um pobre pai de família, que tinha posto no banco todo seu dinheiro, reduzido agora à miséria; triste, raivoso, assiste ao processo, pedindo justiça. Ali uma criada que serviu por muitos lustros, trabalhando da manhã à noite, e pondo no banco, mês por mês, os frutos de suas economias. Já possuía um bom capital, aumentado pelos juros, e esperava ter um arrimo na sua decrepitude, quando fosse impotente para o trabalho. O pensamento do descanso próximo, após duras fadigas, fazia saltar de alegria a boa da mulher; de repente o banco quebra e ela perde tudo. Agora está lá, furiosa, no tribunal, a dirigir imprecações contra os autores de sua irreparável desventura. Quem é aquele ancião, que chora qual uma criança e, de onde em onde, mostra os punhos aos que se assentam no mocho dos acusados? É um pobre operário que tinha posto no banco boa parte dos ordenados recebidos desde os primeiros anos da mocidade. Não podendo mais trabalhar, vivia dos juros e passava tranquilo os anos da senilidade; mas a falência do banco o arruinou e o lançou na miséria e, se quer comer, deve estender a mão e implorar a caridade ao transeunte. Estais vendo aquele senhor de modos corteses, vestido de pobre operário? Era um rico proprietário de palacetes e terras. A falência do banco arrebatou-lhe todo o capital; agora é coagido a trabalhar para viver.
Felizes aqueles que sabem transmudar em mérito a sua desgraça, recebendo-a das mãos de Deus e aprendendo à sua custa a não confiar nos homens, nem nas riquezas terrenas, mas a depositar a confiança nos bens eternos do Céu. Todavia, são bem poucas tais pessoas. Quantas, invés, reduzidas à miséria, não sabem resignar-se e põem termo aos seus dias com o suicídio, sem refletir que depois da morte cairão numa miséria mil vezes pior.
 
CAPÍTULO II

 
UM BANCO INFALÍVEL
Há, porém, um banco infalível, no qual deveriam pôr seus capitais todos os cristãos, certos de que se locupletarão no tempo e na eternidade, na terra e no Céu. Esse banco conta já milhares de anos de existência e nunca abriu falência, e temos firme certeza que há de durar até o fim do mundo. As pessoas sábias e previdentes, que pensam, seriamente nos seus verdadeiros interesses, sempre confiaram a ele os seus bens e dele tiraram riquezas inexauríveis.
Moisés recomenda este banco ao seu povo em muitíssimos lugares de sua lei e a maior parte dos livros do Antigo Testamento o exaltam com louvores magníficos. O livro de Tobias parece escrito unicamente para demonstrar a sua utilidade, a sua grandeza, as vantagens imensas que traz consigo; e um Anjo descido do Céu tece-lhe o mais belo elogio, recomendando-o a todos.
Jesus Cristo, vindo à terra, falou muitas vezes de tal banco, altamente, e encomiou e o propôs aos seus sequazes.
Mas, que banco misterioso é esse? Os nossos corteses leitores já adivinharam; esse banco privilegiado é a esmola.
O próprio Deus, criador de todas as coisas, senhor de todo o ouro do mundo, é o banqueiro, que não pode falir, e é fiel a pagar os juros. Os agentes do banco são os pobres, que recebem em nome d’Ele. Tudo quanto damos aos necessitados para aliviá-los nas suas misérias, em dinheiro, alimento, vestuário ou abrigo, é como se o déssemos ao mesmo Deus. Os pobres são uma continuação, uma imagem real, um retrato perfeito de Jesus sofredor, o qual é honrado e servido na pessoa deles. Nosso Senhor considera feito a Si mesmo tudo quanto fazemos em favor dos pobres. Até o copo d’água dado em seu nome ao sedento terá recompensa. O Divino Redentor repetiu muitas vezes esta confortadora doutrina, que o pobre é Seu representante na terra. Na descrição do juízo universal Ele a tornou óbvia e familiar com um diálogo que vale por um tratado e contém a mais alta filosofia.
No dia em que os homens deverem dar contas das riquezas que Deus lhes colocou nas mãos, Ele dirá com ar de júbilo aos eleitos: «Vinde, benditos de meu Pai, vinde possuir o Reino que vos está preparado desde o início dos tempos. Pois que, Eu tive fome e vós Me destes de comer; Eu tive sede e vós Me destes de beber; andava peregrino e Me destes pousada; estava nu e Me destes de vestir; estava enfermo e Me visitastes; estava preso e Me consolastes» Admirados de tal modo de falar, dirão os justos: «Quando vos vimos faminto, sedento, peregrino, nu, enfermo e preso, e fomos em vosso socorro?» E responderá Jesus: «Tudo que tendes feito aos pobres, Eu o considero feito à Minha pessoa».
Voltando-se depois para os maus, os exprobará por terem-no desprezado nos pobres, afirmando que todas as vezes que negaram uma esmola aos necessitados fizeram uma injúria a Ele.
Os pobres são, pois, os agentes do banco divino, que recebem os capitais, em nome de Deus; e o que depusermos em suas mãos será entregue a Jesus Cristo, que nos recompensará nesta vida e na outra. O nosso bom Anjo da Guarda, à guisa de fiel secretário, toma nota das esmolas e das obras de caridade que fazemos.
Ora, se esta é a verdade, porque não pomos os nossos capitais nesse banco? Deus, que é o banqueiro, pode talvez falir? Ele que é o Senhor do mundo, que depositou o ouro e os diamantes nas entranhas das rochas e no seio dos montes, pode talvez tornar-se pobre e nos arrastar à miséria, como fazem os banqueiros deste mundo? Não. Ele é infalível e nos enriquecerá no tempo e na eternidade.
 
CAPÍTULO III

 
JUROS VANTAJOSOS NESTA VIDA E A GLÓRIA ETERNA NA OUTRA
O banco de que falamos, não abriu falência, nem abrirá jamais; não só, mas também é o mais vantajoso, pois multiplica os capitais em pouco tempo. Os bancos terrenos dão ordinariamente cinco ou seis por cento de juros; mas o divino banco da esmola oferece nada menos que o cêntuplo nesta vida, como penhor, e depois, na outra, as riquezas do Céu, tesouros que não podem ser roubados pelos ladrões, nem estragados pelas traças; pérolas e diamantes que formarão a nossa coroa para sempre.
Não é exagero para engrandecer a beleza e utilidade da esmola mas a pura realidade, promessa formal de Jesus Cristo; de fato, lemos no Evangelho (S. Marcos X, 30): «Quem abandonar as suas coisas por amor de Mim, diz Ele, receberá centies tantum nunc in tempore hoc, et in sæculo futuro, vitam æternam». Receberá o cêntuplo das bênçãos que Deus enviará à sua pessoa, a seus bens, a seus negócios; o cêntuplo na paz do coração; o cêntuplo na concórdia da família; o cêntuplo nas graças espirituais na vida e na morte. E não é só: os juros do divino banco da esmola vão além do túmulo e obtêm-nos lá no Céu uma glória eterna, uma coroa imarcescível, um trono firme. Este banco, fundado por Deus no tempo, é destinado principalmente a enriquecer-nos de riquezas imortais, que são as verdadeiras riquezas, as únicas que merecem ser amadas e procuradas pelo homem, pois não nos podem ser roubadas.
O Profeta-rei cantava na harpa as alegrias inefáveis da esmola e dizia no salmo quarenta: «Feliz aquele que vem em auxílio do pobre e do mísero; o Senhor defendê-lo-á na hora da tribulação, conservá-lo-á ileso, dar-lhe-á a vida de Sua graça, torná-lo-á feliz na terra e não o entregará nas mãos de seus inimigos».
A magnitude dos lucros prometidos não deve causar maravilha. Nosso Senhor é um banqueiro riquíssimo e embora dê muito e enriqueça os homens, nunca empobrece. Os seus haveres são infinitos e não ficam diminuídos, como o mar que não se esvazia quando os homens lhe tiram as águas.
Todos, os ricos, principalmente, deveriam pensar na prodigiosa fecundidade do celestial banco da esmola e nele pôr os seus capitais. Porventura não é melhor receber cem por um, que seis por cento? Não é melhor ficar rico no tempo e na eternidade, do que enriquecer-se somente cá na terra? Pondes os vossos capitais nos bancos da terra e os deixareis quando tiverdes de deixar a terra. Se, invés, colocais o dinheiro no banco da esmola, depois de terdes gozado juros centuplicados nesta vida, levá-lo-eis convosco e sereis ricos por toda a eternidade. É horripilante pensar a um avaro que passou a vida ajuntando dinheiro, confiando seus bens ora a este, ora àquele banco, sem socorrer os pobres, sem enxugar uma lágrima, sem desalterar a fome a um infeliz, alimentando, quiçá, galgos ou cavalos de raça, para fazer bela figura diante dos homens. Ei-lo agora estendido no leito de morte, e em breve deve deixar tudo e baixar à sepultura, sem poder levar nem um ceitil.
Por outro lado, como não deve consolar o rico no ponto de morte o pensamento de ter socorrido generosamente os pobres! Suas riquezas ele as achará na outra vida convertidas em méritos e glória eterna e morre consolado com a esperança do Céu.
Procuremos, pois, acertar na escolha do banco e demos preferência ao divino banco da caridade, pondo nele os nossos capitais, porque apresenta tais garantias, que torna-se impossível uma bancarrota, e porque dá rendas vistosas. Destarte evitaremos a triste sorte do rico epulão e daquele outro infeliz que, depois de ter enchido os celeiros para gozar da vida, foi logo chamado ao outro mundo e obrigado a deixar tudo.
Não esqueçamos a promessa do Redentor: «Dai e vos será dado; e derramar-vos-ão no seio uma boa medida, cheia, e recalcada, e acogulada; porque com aquela mesma medida que tiverdes medido, se vos há de medir a vós» (S. Lucas, VI, 38).
Na vida dos santos vemos confirmada retribuição do cem por um. Quanto mais davam, mais recebiam.
S. João, Patriarca de Alexandria, foi chamado o Esmoler por causa das abundantes e continuadas esmolas que distribuía. Ele confessou ter-lhe Deus dado a correspondência fiel do cêntuplo por um. Jovem de quinze anos, tendo dado um manto a um pobre, no mesmo dia foi-lhe entregue o dinheiro no seu valor centuplicado.
De outra feita, ordenou ao seu esmoler que desembolsasse quinze escudos e os desse a um pobre forasteiro espoliado pelos ladrões; ao mordomo pareceu demasiada aquela soma e deu apenas cinco. No mesmo dia uma rica senhora mandou quinhentos escudos para os seus pobres. O santo, que já se habituara a receber cem por um, e vendo que isto agora não se verificara, suspeitou do mordomo, e procurou saber como este cumprira a ordem recebida; confessou sem ambages, que tinha dado cinco escudos somente.
Foi o santo agradecer à piedosa senhora, e qual não foi a sua admiração ao saber que ela determinara mandar-lhe mil e quinhentos escudos e ao dar a ordem ao seu caixa, errara o número, anotando só quinhentos.
S. João via a Jesus Cristo na pessoa dos pobres e por isso os chamava seus senhores. Enquanto, certo dia, um dos pobres por ele socorrido se desabafava nos mais ternos afetos de reconhecimento, o santo Bispo, lançando-se a seus pés, o interrompe com estas belas palavras: «Meu caro irmão, eu ainda não derramei o meu sangue por ti, como fez Jesus Cristo pela minha salvação e como está obrigado a fazer, se preciso for, um Pastor fiel» .
Reproduzo da vida de S. José Cottolengo o fato seguinte: Quando lhe pediram em Utelle, que mandasse algumas Irmãs para atenderem ao hospital e abrirem um educandário, notou que não só não tinha dinheiro para fornecer o necessário às religiosas, mas nem ainda um ceitil para a viagem. Confiando na Divina Providência, sai tranquilo de casa e na rua Milão dá com o senhor Henry, seu conhecido e amigo. O Santo foi-lhe logo dizendo: — Devo ir a Utelle, a fim de erigir uma casa das nossas Irmãs e não tenho no bolso nem sequer um centésimo quereríeis emprestar-me mil liras? — Darei com muito gosto, respondeu o amigo. Horas após, o Santo tinha a quantia necessária; ao recebê-la, pronunciou infalível Deo gratias; e sorrindo acrescentou: — Recordai-vos caro Henry, cinquenta por um. Henry não compreendeu. Cottolengo ao se despedir disse mais uma vez. — Recordai-vos, Henry, cinquenta por um.
Passaram-se meses. Um belo dia, Henry recebia cinquenta mil liras por um bilhete de loteria que lhe custara mil. Só então compreendeu que Deus para premiar a sua caridade, o recompensava precisamente como lhe fora predito.
S. Vicente de Paulo, paupérrimo como era, chegou a distribuir em esmolas aos pobres milhões de francos. E donde tirava tanto dinheiro? Deus dera-lhe o cêntuplo por um e, mais ainda, inspirava aos ricos a proverem-no de dinheiro.
Alfredo o Grande, rei da Inglaterra destronado pelos dinamarqueses e obrigado em tempo de inverno a homiziar-se no castelo de Athelney, por pouco morria de fome. Um dia, se lhe apresentou um mendigo pedindo comida; mandou que lhe dessem alguma coisa. Sua mãe, porém, advertiu que em casa só havia um pão. Alfredo roga à sua mãe que dê metade ao pobre, e tenha confiança naquele Senhor que saciara cinco mil pessoas com cinco pães e dois peixes e prometera o cêntuplo por um do que fosse dado por seu amor. A fé viva do monarca foi logo recompensada e a sua caridade heroica atraiu as bênçãos do Céu sobre si e sua família. Porquanto, Deus lhe concedeu vitória completa sobre os dinamarqueses e o restabeleceu no trono.
— Mas, objetará alguém, eu dou tanta esmola e não acho que Deus me de cem por um. — Vós vos enganais, respondo; a promessa de Jesus Cristo não pode falir. Certamente que Deus não manda ter por vez um anjo a pagar-vos cem por um; mas Ele vo-lo dá abençoando a vossa família, fazendo prosperar os vossos negócios, dando saúde, e o que é mais importante, colmando-vos de graças espirituais. Uma só graça, embora pequena vale mais que todo o ouro do mundo.
E, se não obstante, virmos pessoas esmoleres visitadas pela tribulação, é sinal que assim exige a salvação de sua alma. Quereis um exemplo? Lede: Santa Teresa de Jesus recebia abundantes esmolas de um negociante que se recomendava sempre às suas orações; uma vez a Santa lhe falou assim: «Tenho rogado muito por vós e foi me revelado que o vosso nome está escrito no livro da vida pela generosa caridade que haveis usado para comigo; mas, no entanto, é mister que passeis antes por muitas provações».
Tal aconteceu; uma tempestade pôs a pique as naus carregadas de mercadoria sua. Abriu falência. Cientes da desgraça, os seus amigos lhe subministraram o necessário para continuar o negócio. Novo desastre e nova falência. Pelo que ele, espontaneamente, fechou-se numa prisão. Seus credores, conhecendo a magnanimidade de seu coração, libertaram-no.
Reduzido à miséria, deu-se todo ao serviço divino e às obras de caridade e morreu santamente, cheio de méritos.
Ora, pergunto eu, deixou talvez de se cumprir a palavra do Divino Redentor neste negociante esmoler? Absolutamente. Ele recebeu cem por um nas desgraças que lhe deram ampla ocasião de conseguir méritos, na paciência que Deus lhe concedeu, nas boas obras que praticou. Do Céu deve certamente bendizer a caridade para com Santa Teresa e aquelas desventuras, que, suportadas por amor de Deus, lhe fruíram o paraíso.
Se tivesse tido prosperidade, apegaria o coração às coisas desta terra e talvez se condenaria.
Demos pois, esmola, confiados que Deus nos recompensará largamente nesta vida e na outra e procuremos imitar os luminosos exemplos que os santos nos deixaram.
 
CAPÍTULO IV

 
O OURO É TERRA BRILHANTE
Afinal de contas, que é esse ouro ao qual tanto nos afeiçoamos, ao ponto de nos esquecermos das necessidades da alma? É um pouco de terra brilhante, lodo reluzente, um metal que Deus escondeu no seio das rochas e nas entranhas dos montes, e que os rios levam ao mar com a areia e os cascalhos. O ouro não serve para alimento, nem remédio; e para nós são mais úteis e preciosos o trigo da campina, a lenha do bosque, o carvão mineral.
Referem as fábulas que um rei da antiguidade andava tão apaixonado pelo ouro que pediu com insistência aos deuses lhe concedessem o favor de transformar em ouro tudo o que tocasse. Por desgraça foi ouvido. Ébrio de alegria deu ordens para que se sacrificasse em agradecimento aos deuses. A sua alegria, porém, foi breve e converteu-se para logo em amargo desengano, em profundo desespero. Ele transformara em ouro brilhante o paço e os móveis, tudo em roda dele luzia daquele metal que tanto amava. Chegou a hora da refeição e pôs-se à mesa. Apenas tocava uma iguaria ou bebida, elas se transformavam em ouro, pelo que não pode mais comer, nem beber. Só então caiu em si o infeliz rei e maldisse seu amor desordenado ao vil metal; mas, era tarde. Morreu dias após, consumido pela fome e pela sede
Conta-se também de um avaro que juntara muito dinheiro, e de medo dos ladrões tinha-o escondido no fundo dum subterrâneo fechado por uma grande porta de ferro. Todo dia, ele descia sozinho para ver e contar seu tesouro levando sempre novo dinheiro, que sabia ganhar, trabalhando assiduamente e comendo mal. Entrando no subterrâneo tinha sempre o cuidado de tirar a chave da fechadura e levá-la consigo, porque a porta, uma vez fechada, não se abria senão com a chave. Um dia, porém, que tinha ganho mais que de costume, ébrio de alegria, abriu a porta e a fechou para sempre. Contou o seu tesouro, como sabia fazer, ajuntou os novos ganhos e, ao ver tanto dinheiro, exultou de alegria, julgando-se o mais feliz dos mortais. Mas, ai! Dirigindo-se para a porta, percebe que a chave foi esquecida fora e que a saída está irrevogavelmente fechada. Que fazer? Pedir socorro? O subterrâneo é fundo e isolado e nenhuma voz pode ser ouvida. Arrombar a porta? É de ferro, e dez homens o não fariam. O infeliz avarento cavara a sua sepultura e nela se fechara para sempre. Teria com certeza dado todo aquele ouro por uma fatia de pão ou para ser posto em liberdade; mas só ele conhecia o esconderijo de sua riqueza. Depois de alguns dias os vizinhos, tendo ido à procura dele, revistaram toda a casa, desceram ao subterrâneo e o encontraram cadáver com sinais de desespero no rosto e com as mãos apertando moedas de ouro...
Portanto, o ouro considerado em si mesmo não tem nenhuma utilidade e deixar-vos-ia perecer de fome. Se o considerarmos como metal, não é certamente o mais útil, pois o homem encontra mais vantagens no ferro, no cobre e no zinco. A única propriedade que tanto o recomenda é a grande maleabilidade, pela qual pode ser reduzido a folhas sutilíssimas. Por que é o ouro tão estimado e procurado? Unicamente porque os homens convieram que se representassem os valores pela sua raridade. Suponhamos que um dia fossem descobertas em quantidade desmesurada camadas de ouro nas entranhas da terra; o ouro perderia a cotação e os homens iriam procurar outro objeto mais raro para significar e representar os valores das coisas.
Quando os espanhóis se atiraram sobre o Novo Mundo, viram com espanto que os selvagens não apreciavam o ouro, a prata, as pedras preciosas, porque os havia em abastança. Quando, porém, os americanos viram que os europeus iam com avidez à cata de ouro e expunham-se a perigos e fadigas a fim de o conseguir, também eles começaram a julgá-lo coisa preciosa. Antes da descoberta do novo continente o ouro tinha mais valor, porque mais escasso; ao depois, tornou-se menos precioso pelas muitas minas descobertas.
Eis, pois, o motivo porque tanto amamos o ouro: representa os valores e com ele podemos procurar comodidades da vida e os prazeres terrenos; mas é sempre terra, lodo.
Como são estultos os avaros que amam o dinheiro e ajuntam ouro unicamente pelo prazer de vê-lo em suas mãos, fazendo grandes penitências e mortificações para economizar.
Não são menos estultos aqueles homens que amam desordenadamente o ouro, para viver vida cômoda. Mas, a vida do homem é tão breve, e o que não vale para a vida futura é vaidade e estultícia. Prudentes são os que com o ouro e as riquezas terrenas compram, por meio da esmola, os bens eternos do Céu. O ouro é terra brilhante, vil metal; mas Deus em sua bondade permite-nos trocá-lo com as riquezas imperecíveis do paraíso. Pensemos seriamente nisto; invés de amar um pouco de terra vistosa, sirvamo-nos dela para merecer graças e favores que nos levam à santidade. Os pobres devem ser os vossos maiores amigos, porquanto serão os vossos defensores no dia do juízo e perorarão a vossa causa, apresentando à justiça divina o bem que lhes temos feito. Mas, ai de nós se lhes fechamos a porta e lhes negamos auxílio. Teremos a mesma sorte do rico epulão e pagaremos no inferno a truculência usada para com os nossos irmãos.
 
CAPÍTULO V

 
A AVAREZA É UM VÍCIO REPUGNANTE
A avareza é um dos vícios mais repugnantes e dos que mais desonram o homem. O avarento é odiado por todos, e na sociedade é tido como uma sanguessuga. Quando o amor o torna egoísta, o embrutece, fá-lo incapaz de pensamentos nobres e elevados, curva-o para a terra, fá-lo esquecer o Céu. Ele torna-se cruel para com o próximo, espezinha as leis de justiça e da caridade, oprime os pobres e só aspira enriquecer-se de qualquer maneira, justa ou injusta. As moedas que ajunta na bolsa são muitas vezes o preço das lágrimas e das privações dos infelizes. Conta-se que S. Francisco de Paula, uma ocasião, partiu uma moeda e encontrou dentro o sangue do pobre que o avarento barbaramente confiscara.
O avaro não só é cruel para com os outros como o é também consigo mesmo, trabalha de manhã à noite, come mal, veste-se pobremente, priva-se do conforto para economizar... Quanto sacrifício... para não gastar! Muita vez o avarento jejua como um anacoreta, veste-se como um pedinte, suporta o frio e o calor com uma constância igualável à dos santos mais austeros. O ouro é a sua divindade, à qual sacrifica a saúde, as comodidades e, às vezes, a mesma vida. Viram-se avarentos: preferem a morte a gastarem dinheiro com médico e remédios!
A paixão pelo ouro, longe de diminuir com a idade, aumenta e aproximando-se a hora extrema em que se deve abandonar tudo, maior é o apego às riquezas. O velho é sempre mais avarento que o moço. Que dor não há de sentir o avaro ao separar-se de seus tesouros! Que tristeza no dever ditar o testamento e pronunciar aquela palavras: «Deixo...». Ele bem quisera não deixar.
Conta-se de avaros que morreram desesperados com as mãos no cofre, como não soubessem separar-se do dinheiro idolatrado; outros apertavam convulsivamente ao coração o vil metal e expiraram naquele ato, furiosos por não o poderem levar consigo. A morte de um avarento, odiado em toda a cidade por sua paixão repugnante, deu azo a que Santo Antônio pregasse sobre a avareza e a necessidade da esmola. Depois de ter comentado as palavras do Evangelho, «onde está o tesouro aí está o coração», afirmou que o coração do avarento estava dentro do cofre. Foram os ouvintes à casa do defunto, abriram o cofre e encontraram no meio das moedas o coração do avarento. Quis Deus mostrar com um milagre quão asquerosa é a avareza, que prende o homem ao lodo da terra.
Judas é um exemplo terrível, que nos mostra como o ouro cega. Encarregara-o Jesus de guardar as esmolas para prover às necessidades do colégio apostólico. O mísero deixou-se levar pelo amor ao dinheiro e acabou ladrão. Quando Madalena entrou em casa do fariseu e perfumou com bálsamo os pés do Divino Redentor, enxugando-os com as madeixas, o discípulo prevaricador lamentou aquele desperdício de unguento precioso, que, dizia, poderia ser vendido e dado aos pobres o valor. Não era o amor aos pobres que o fazia falar, mas a avareza acobertada com tal pretexto. Judas queria ter aquele dinheiro em sua bolsa. Esse vício abominável levou-o de excesso em excesso até vender o seu Mestre. Bem sabia que Jesus era Deus, era o Messias, era inocente; presenciara seus estrondosos milagres e tivera provas de amor, de predileção. Cegou-o, porém, a avareza e fê-lo cometer o maior delito, que causa horror e execração em todos os séculos.
«Quanto me quereis dar, se eu vo-l’O entregar?» perguntava aos príncipes dos sacerdotes e aos fariseus. Recebeu trinta dinheiros, guiou os esbirros ao Horto das Oliveiras e traiu com um ósculo o seu mestre; mas, depois foi assaltado por horríveis remorsos. Tivesse a menos imitado a Pedro na penitência. Pronunciou as palavras de Caim: «A minha iniquidade é grande demais para merecer perdão», e desesperou-se. Atirou longe aquelas moedas infames, preço do sangue inocente e pôs termo à sua vida com o suicídio. O triste fim do apóstolo traidor previne-nos salutarmente a não nos afeiçoarmos ao ouro, que cega o homem, levando-o a deploráveis excessos.
Até os pagãos reconheceram a fealdade da avareza e a abjeção daquele que se deixa seduzir pelo dinheiro. Virgílio descreve na sua Eneida os tristes efeitos desta paixão e maldiz a sede execrável do ouro, causadora de tantos delitos abomináveis. Sêneca proclama que o homem é superior à matéria e é talhado para algo de mais nobre e não deve ser escravo do corpo e dos bens terrenos.
Veio depois Jesus Cristo que verberou os ricos avarentos, os quais negam socorro ao necessitado.
Se nos fosse dado acabar com a avareza e fazer reinar na sociedade a caridade ensinada no Evangelho, a terra mudaria de aspecto e tornar-se-ia a imagem do Paraíso, onde todos se amam. Como eram belos os primeiros tempos do Cristianismo, quando o supérfluo era entregue aos Apóstolos para ser distribuído às viúvas, aos órfãos e a todos os necessitados quando a multidão dos crentes formava um só coração e uma só alma para amar e servir a Deus.
Podem aqueles belos tempos voltar e o meio para isso é a caridade, é a esmola, é a guerra à avareza e ao egoísmo individual.
 
CAPÍTULO VI

 
O PRECEITO DA ESMOLA NO ANTIGO TESTAMENTO
A oração, o jejum e a esmola foram sempre consideradas as obras mais agradáveis a Deus e mais próprias para merecer a sua graça. Por isso é que a Sagrada Escritura as recomenda continuamente no Antigo e no Novo Testamento.
Deixando agora a oração e o jejum, para falar da esmola, diremos que na lei Mosaica os pobres eram tratados com grande caridade e socorrê-los era uma obrigação dos Israelitas. Para ver como Deus ama a classe pobre, leiamos este versículo do Exodo: «Se emprestares algum dinheiro ao necessitado do meu pobre povo, que mora contigo, não o apertarás como um exator, nem o oprimirás com usuras». (XXII, 24). Ameaça terrível dirige a quem vilipendia a viúva e o órfão: «Não farás mal algum à viúva nem ao órfão. Se vós os ofenderdes, eles recorrerão a Mim e Eu ouvirei os seus clamores; e o furor se acenderá e vos ferirei com a espada e vossas esposas ficarão viúvas e vossos filhos órfãos» . (Êxodo XXII, 22).
De sete em sete anos ocorria o ano em que se não semeava e o que os campos produziam espontaneamente era dos pobres. «Por seis anos semearás a tua terra e colherás os frutos. Mas no sétimo ano não a cultivarás; deixá-la-ás descansar para que os pobres do teu povo achem que comer e o que restar seja para as alimárias do campo; isto mesmo farás com a tua vinha e com o teu olivedo». (Êxodo, XXIII, 11).
No mesmo ano sabático eram postos em liberdade os escravos presos por causa de dívidas. Os pobres podiam andar pelos campos e vinhedos a respigar as sobras da ceifa e da vindima, era severamente proibido aos proprietários trilhá-los de qualquer modo: «Quando cortares a messe de teus campos, não segarás até a terra toda a superfície de teus campos, nem colherás as espigas que ficarem. Nem na tua vinha colherás o rabisco nem os bagos que caem; mas deixarás que apanhem os pobres e forasteiros». (Levítico XIX, 10). Assim teve origem o pio costume de se deixar para os pobres a sexagésima parte da messe, da uva, de todos os produtos de lavoura. E se o amo esquecia no campo inteiros manípulos, estes ficavam para os pobres: «Quando segares a messe no teu campo e deixares por esquecimento algum manípulo, não voltes para o levar; mas deixá-lo-ás tomar ao estrangeiro, e ao órfão, e à viúva, para que o Senhor teu Deus te abençoe em todas as obras das tuas mãos» (Deuteronômio, XXIV, 19). Era rigorosamente proibida a usura e havia sérias prescrições a fim de que os credores não pusessem no olho da rua os que estavam impossibilitados de pagar.
E para mostrar aos homens como lhe fosse querida a misericórdia, Deus prescrevera leis de humanidade para com os animais. Era vedado açaimar o boi quando debulhava o trigo na eira, para que pudesse comer e participar dos frutos de seu trabalho.
O caminheiro podia entrar nos campos e nos vinhedos e comer frutos até fartar-se, quando sentia necessidade de se restaurar. Lemos, com efeito, no Evangelho que, caminhando pela Palestina os Apóstolos com o Divino Redentor e sentindo os estímulos da fome entraram em um campo para colher as espigas com que se alimentar. Os fariseus os reprovaram, não por terem tomado bens alheios, pois era lícito em caso de necessidade, mas porque era sábado; como se em tal dia não fosse lícito comer e se devesse morrer de fome.
Santo Jó, do leito de suas dores, para defender a própria inocência contra seus caluniadores, protestou ter sempre repartido o pão com o pobre, ter hospedado o peregrino, ter sido luz ao cego, arrimo ao coxo, ter defendido o órfão e a viúva contra os seus opressores. Ele praticou todas as obras de misericórdia e era saudado o pai dos pobres. Desde a infância teve um coração aberto à compaixão.
Apraz-me citar por inteiro as suas belas palavras: «Quem me via, falava bem de mim, porque eu livrava o pobre que gemia e o órfão sem defesa. Bendizia-me todo aquele que perigava, e ao coração da viúva eu levava conforto. Revesti-me de justiça, e adornei-me da minha equidade, como de manto e diadema. Fui luz ao cego e arrimo ao coxo. Era o pai dos pobres; e das coisas que desconhecia fazia diligentíssima inquisição. Arrancava a máscara aos maus, e arrebatava-lhes dos dentes a presa. (XXIX). Chorava as aflições dos outros e minha alma era compassiva com o pobre». (XXX, 25). E mais adiante acrescenta: «Se neguei aos pobres o que me pediam e se iludi a esperança da viúva; se sozinho comi o pão e não fiz participante ao órfão «por isso que desde a infância cresceu comigo a misericórdia e comigo nasceu»; se fiz pouco caso do que perecia, porque não tinha com que se cobrir, e o pobre que estava nu, se me não bendisse ele, e se não foi aquecido com lã de minhas ovelhas; se levantei a mão contra o órfão, mesmo quando me via superior no tribunal, despregue-se o meu ombro com sua junta e se despedace o meu braço com os seus ossos. Pois que temi sempre a Deus, e a Sua majestade podia eu suster. Se o meu poder consistisse no ouro e ao ouro eu disse - «Confio em ti»; se a minha consolação repousa nas minhas muitas riquezas e nas aquisições feitas com minhas mãos, se a minha terra grita contra mim e se com ela choram os sulcos, se sem pagar-lhe o tributo, comi de seus frutos e afligi a alma dos que a cultivam: nasçam para mim abrolhos em vez de trigo e espinhos em lugar de cevada» (XXXI). Felizes os ricos que podem dizer o mesmo e imitam a Jó na prodigalidade para com os pobres.
Era costume entre os hebreus, nos dias de solenidade e de alegria, fazer os pobres participar de sua mesa, a fim de que a alegria fosse geral, como se refere que aconteceu na festa estabelecida por Mardoqueu em memória da libertação do excídio decretado por Aman, e nas solenidades celebradas por Esdras. E o vate italiano, Alexandre Manzoni, recordando esse piedoso costume, convida os cristãos a fazerem o mesmo no dia de Páscoa.
Nos salmos, Davi recomenda a esmola alegando a sua utilidade e as vantagens que traz ao homem.
Já citamos as palavras do salmo 40: Beatus qui intelligit super egenum et pauperem. No salmo 111, descreve a beatitude do homem que teme o Senhor e que é misericordioso: «Feliz o homem que é compassivo e dá a empréstimo. A mancheias dá aos pobres; a sua justiça é perene, a sua galharda virtude será exaltada na glória».
No salmo 81, exorta os juízes a fazerem justiça ao pobre, dizendo: «Até quando fareis juízos injustos e tereis respeitos humanos? Fazei justiça ao pobre e ao órfão; dai razão ao pequeno e ao pobre. Defendei o pobre e arrebatai o mendigo das mãos do pecador».
Todo livro da Sagrada Escritura inculca o dever da esmola, repetindo-o sob mil conceitos, para gravá-lo na mente. Ouçamos os Provérbios: «Não te desamparem a misericórdia e a verdade; põe-nas à roda de teu pescoço, e grava-as nas tábuas do teu coração» (III, 3). «Honra o Senhor com as tuas faculdades e dá-lhe as primícias de todos os teus frutos. E os teus celeiros se encherão de quanto podes desejar e em tuas adegas haverá vinho em barda». (III, 9 e 10).
Deus recompensa sempre tão fielmente a esmola feita ao culto divino e aos pobres, que entre os hebreus corria este provérbio: o dízimo enriquece e é manancial de bênção.
«Não impeças a quem pode fazer o bem, e se poderes, também tu pratica-o. Não digas a teu amigo: — Vai e volta; amanhã dar-te-ei; — quando podes dá logo». (III, 28). «A clemência é o caminho da vida». (XI, 19). «A alma que faz bem será farta; e o que embriaga, também ele mesmo será embriagado». (XI, 25).
«Peca quem despreza o seu próximo e quem se compadece do pobre será feliz. Quem crê no Senhor ama a misericórdia. Estão no erro os que fazem o mal; a misericórdia e a verdade preparam os bens». (XIV, 21 e seg.). «Quem oprime o mendigo injuria ao seu Criador; agrada-lhe, porém, o que se compadece do pobre». (XIV, 31). «Quem fecha os ouvidos aos gritos dos pobres, gritará também ele sem ser ouvido». (XXI, 13). «Quem exercita a misericórdia, achará vida, justiça e glória». (XXI, 21). «Quem é inclinado à compaixão, será abençoado; porque do seu pão se servirá o pobre. Quem usa de liberdade, alcançará vitória e honra; e ele cativa o coração dos que os recebe». (XXII, 9). «Quem dá ao pobre jamais estará em necessidade; mas quem despreza aquele que pede, sofrerá privações». (XXVII, 27). No descrever a mulher forte, o Sábio dá-lhe o atributo da misericórdia para com o próximo: «Abre as mãos aos míseros e estende as palmas aos pobrezinhos». (XXI, 20).
O Eclesiastes convida a distribuir o pão aos necessitados, figurados na água que passa, prometendo que receberá o prêmio na outra vida. «Lança o teu pão sobre as águas que passam, porque depois de muito tempo, o acharás», (XI, 1).
O Eclesiástico se compraz em inculcar a caridade para com os pobres: «Filho, não defraudes a esmola do pobre, e não apartes dele os teus olhos. Não desprezes a alma esfaimada, e não exacerbes o pobre na sua necessidade. Não aflijas o coração do pobre e não defiras o auxílio a quem está angustiado. Não rejeites a petição do atribulado e não voltes a face ao pobre. Não apartes os teus olhos do necessitado, irritando-o; não dês ocasião aos que te pedem de te amaldiçoar por detrás, porque será atendida a imprecação do que amaldiçoa na amargura de sua alma e atendê-lo-á Aquele que o criou». (Cap. IV). «Oferecerás ao Senhor as espáduas das tuas vítimas e o sacrifício de santificação e as primícias das coisas santas; e estende ao pobre a tua mão, a fim de que seja perfeita a tua propiciação e a tua bênção». (VII, 35). «Faze o bem ao teu amigo, antes de tua morte e estende a mão liberal ao pobre, segundo as tuas posses». (XIV, 13). «Emprega o teu tesouro em cumprir os preceitos do Altíssimo e isto te aproveitará mais que o ouro. Deita a esmola no seio do pobre e ele rogará por ti contra toda espécie de males. Ela combaterá o teu inimigo muito melhor que a lança e o escudo dum campeão». (XXIV, 14).
Os Profetas levantam-se para estigmatizar as usuras e a opressão dos pobres, inculcando com palavras enérgicas a esmola. Isaías exclama: «Reparte com o faminto o teu pão; e os pobres e os peregrinos leva-os para tua casa; se vires um nu, veste-o e não desdenhes a tua própria carne. Então, como após a aurora, despontará a tua luz e logo virá a tua salvação; a tua justiça te precederá e a glória do Senhor te acolherá. Então tu invocarás o Senhor e Ele te ouvirá; levantarás a tua voz e Ele te dirá: Eis-me. Quando abrires as tuas entranhas ao faminto e consolares a alma aflita, nascer-te-á nas trevas a luz e as tuas trevas se mudarão em meio-dia. O Senhor dar-te-á sempre repouso e a tua alma encherá de esplendores e confortará os teus ossos e tu serás como um jardim regado e como fonte à qual não vem a faltar água.» (Cap. LVIII).
A Isaías fazem eco Jeremias e Ezequiel. Daniel, depois de ter feito ciente a Nabucodonosor do próximo castigo do Céu, o exorta a resgatar com esmolas os seus pecados e iniquidades, dando-lhe esperança de perdão. Miqueias diz da parte do Senhor: «Eu te ensinarei, ó homem, o que é bom e o que o Senhor deseja de ti, isto é, que sejas criterioso, ames a misericórdia e andes com solicitude diante de Deus». (VI, 8).
Zacarias escreve: «Estas coisas diz o Senhor Deus dos exércitos: Julgai segundo a verdade e fazei frequentes obras de misericórdia aos vossos próximos. E guardai-vos de oprimir a viúva, o órfão, o forasteiro e o pobre, e ninguém trame no seu coração contra o próximo». (VII, 9 e 10).
Como é que os judeus esqueceram tantos ensinos? Hoje, o nome de judeu, é sinônimo de usurário, fona, opressor dos pobres; e todavia eles leem, mesmo presentemente, com grande atenção e constância, a Sagrada Escritura e os trechos em que Deus recomenda a esmola. Nós, porém, sequazes de Jesus Cristo, sejamos coerentes conosco mesmos e pratiquemos os ensinos salutares dos Livros Santos, fazendo os pobres participantes do bem que Deus nos tem dado.
 
CAPÍTULO VII

 
BELA DOUTRINA DO LIVRO DE TOBIAS
O livro de Tobias é o livro da esmola. Deus não se contentou de inculcar essa virtude em todas as obras do Antigo e Novo Testamento; quis inspirar um tratado especial, que explicasse a beleza, a eficácia e os frutos salutares da caridade para com os pobres, propondo um exemplo luminoso de pessoa esmoler no santo velho Tobias.
Nasceu Tobias na cidade de Cades de Neftali, no reino de Israel; e desde menino observou a lei de Moisés, agindo com critério superior à sua idade. Corriam, então, dias tristes para a religião; e enquanto todos adornavam os vitelos de ouro levantados pelo ímpio Jeroboão, ele soube conservar-se puro da idolatria, indo a Jerusalém. para adorar a Deus no templo, oferecendo as suas primícias e os seus dízimos. Mas a virtude que nele brilhou e o distinguiu foi a caridade para com os pobres, aos quais dava o supérfluo. Levado prisioneiro para Nínive, com os de sua tribo, por Salmanasar, rei dos Assírios, redobrou a esmola para com seus irmãos que gemiam na escravidão. Deus fez que ele caísse nas graças do monarca, o qual o elevou ao cargo honorífico de Provedor régio. Tobias serviu-se da liberdade e da influência que tinha na corte para auxiliar os seus concidadãos, visitando-os e dando-lhes auxílio material e espiritual.
Vieram, porém, os dias de prova. Morto Salmanasar, sucedeu-lhe no trono o filho Senaqueribe, o qual se mostrou cruel para com os hebreus, fazendo matar a muitos, máxime depois que perdeu seu numeroso exército, ao pé das muralhas de Jerusalém, por obra do Anjo exterminador. Tobias ia à procura de cadáveres para sepultar, de nus para vestir, de famintos para desalterar, de aflitos para consolar, multiplicando-se a si mesmo para fazer frente a tantas necessidades. Disso teve conhecimento o bárbaro imperador, que o condenou à morte e à confiscação dos seus bens. Tobias teve tempo de fugir e de se homiziar, até que o monarca foi morto por seus próprios filhos; foi quando readquiriu os bens e o primitivo cargo.
Deus, porém, o reserva a outras provas dolorosas para o purificar. O santo continuava a sepultar os seus irmãos mortos, deixando, às vezes, a refeição para fazer aquela obra de caridade.
Cansado, um dia, deitou-se à sombra de um muro, onde as andorinhas nidificavam, e ali adormeceu; durante o sono caiu-lhe nos olhos um pouco de cisco do ninho daquelas avezinhas, e ficou cego. Naquela desventura ele manifestou heroica paciência e inteira resignação à vontade de Deus semelhantes à de santo Jó, às imprecações dos parentes e amigos pela sua caridade, ele opôs a esperança da vida futura. A estulta mulher chegou até a exprobar-lhe as esmolas, dizendo: «Claro está que se desfez em fumaça a tua esperança e agora se vê o fruto das tuas esmolas». Então, Tobias, vendo que os homens o afligiam tanto, lançou-se nos braços da bondade divina; e pediu-lhe que o tirasse do mundo. Supondo que Deus se dignara escutar a sua prece, chamou o filho à sua cabeceira e deu-lhe as derradeiras lembranças, que são o compêndio da mais santa e perfeita moral. Entre outras coisas recomenda-lhe insistentemente a sua virtude predileta, a esmola.
«Faze esmola dos teus bens e não voltes o teu rosto a nenhum pobre, porque desta sorte sucederá que também não se afaste de ti a face do Senhor. Da maneira que puderes, sê caritativo. Se tiveres muito, dá muito; se tiveres pouco, procura dar de boamente também esse pouco; porque assim entesouras uma grande recompensa para o dia da necessidade; porque a
esmola livra de todo o pecado e da morte; e não deixará cair a alma nas trevas. A esmola servirá uma grande confiança diante do sumo Deus, para todos os que a fazem». (Cap. IV).
Parece que se não possa fazer maior elogio da esmola. Depois de ter-lhe dado estes e outros santos conselhos, manda-o cobrar uma quantia emprestada ao primo Gabel, na cidade Rages. Enquanto o filho procura um companheiro de viagem, Deus, como prêmio da caridade daquela santa família, envia o Arcanjo Rafael, em forma humana, para o acompanhar. É sabido tudo o quanto aconteceu no caminho e o que fez o guia celeste. Às margens do Tibre, fá-lo tomar um enorme peixe para conservar algumas partes dele, dá-lhe por esposa a prima Sara, filha de Raquel; faz que receba o dinheiro procurado e o reconduz ileso aos seus genitores, que já temiam alguma desgraça pela demora.
O fel do peixe serve para restituir a vista ao velho Tobias e a família está no auge do contentamento. Só então é que o Arcanjo Rafael dá-se a conhecer; e revela a Tobias que Deus operou todas aquelas maravilhas como prêmio de sua caridade e exalta a esmola e as obras de misericórdia.
«Boa é, disse, a oração com o jejum e a esmola; melhor que amontoar tesouros; pois que a esmola livra da morte e limpa os pecados e faz achar a misericórdia e vida eterna. Portanto, eu vos digo a verdade e não vos deixarei latente este mistério: — Quando fazias oração, com lágrimas, quando deixavas a tua refeição e de dia escondias os mortos em tua casa e de noite os sepultavas, eu te acompanhava nas tuas ações. E porque Deus muito te amava, fez-se mister que a tentação te experimentasse». (Cap. XII).
Essas palavras do Arcanjo merecem ser atentamente meditadas, porque fecundas de importantes ensinamentos.
Ele proclama a santidade e a eficácia da oração unida ao jejum e à esmola, profligando o hebetismo dos que só pensam em ajuntar tesouros para si, fechando a porta ao pobre faminto. O jejum e a esmola são as duas asas com as quais a oração se eleva até ao Céu. A caridade para com o próximo livra-nos da morte, remite a pena temporal devida aos nossos pecados, move Deus à misericórdia e faz-nos conseguir as alegrias do Paraíso.
Quando Tobias sepultava os cadáveres, com risco da própria vida, e espalhava o perfume de sua caridade para com os irmãos que gemiam sob o peso do cativeiro e eram oprimidos pela tirania assíria, o Anjo do Senhor recolhia as bagas de suor derramado e numerava todos os seus atos de piedade para oferecê-los a Deus, em odor de suavidade.
Como foi grande o poder da esmola. Fez descer do Céu um Anjo para acompanhar o filho na viagem e para operar todos os prodígios de que se admirarão os séculos.
Demos esmola, e seremos abençoados por Deus como o foi o santo velho Tobias, que recebeu cem por um nesta vida e a glória eterna na outra.
 
CAPÍTULO VIII

 
O PRECEITO DA ESMOLA NO NOVO TESTAMENTO
Nas suas pregações às margens do Jordão, o Batista precursor começou de inculcar o preceito favorito de Jesus — o amor ao próximo — preludiando ao grande ensino do Messias. Corriam as turbas em massa a ouvi-lo e interrogá-lo sobre o que era preciso fazer para subtrair-se à ira de Deus; e ele lhes dizia: «O que tem duas túnicas, dê uma ao que não tem; e o que tem o que comer faça o mesmo» (S. Lucas, III, 11).
Aparece o Divino Redentor, e os seus lábios jamais se cansam de repetir a lei da caridade e o preceito da esmola espiritual e temporal, chamando-o a característica de seu Evangelho. O Novo Testamento é lei de amor, de caridade, de misericórdia e de benevolência. E Jesus fala claro: «Dai esmola do que sobra; quod superest date eleemosynam.» (S. Lucas, XI, 14). E note-se que não é conselho ou exortação, mas ordem absoluta, expressa em modo imperativo, que não admite réplica.
Alhures diz: «Vendei o que possuis e dai esmola. Fazei para vós bolsas que se não gastam com o tempo, um tesouro que se não esgota no Céu; ao qual não chega o ladrão, e que a traça não rói. (S. Lucas XII, 33). — Néscio, grita Ele a um rico, esta noite serás chamado à eternidade e as coisas que ajuntaste para quem serão? — Como se dissesse: aquela riqueza ficará no mundo, na mão dos herdeiros, mas se tu a tivesses dado aos necessitados, tê-la-ias encontrado além do túmulo.
Jesus ensina também o modo de exercer com fruto a hospitalidade: «Quando deres jantar, ou ceia, não chames teus amigos; nem teus irmãos, nem teus parentes, nem teus vizinhos que forem ricos; para que não te convidem eles por sua vez, e te paguem com isso; mas quando deres banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; e serás feliz, porque não têm com que te retribuir; porém, ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos». (S. Lucas, XIV, 12 a 14). Depois de ter narrado a parábola do ecônomo infiel, acrescenta: «E Eu vos digo: granjeai-vos amigos com as riquezas da iniquidade para que, quando necessitardes, vos recebam nos tabernáculos eternos». (S. Lucas, XVI, 9). Chama iníquas as riquezas porque muitas vezes são adquiridas com fraudes e injustiças.
Era costume dos fariseus dar esmola unicamente para serem vistos e admirados; e o Divino Redentor repreende-os severamente, ensinando-lhes a fazer boas obras por um fim mais nobre: «Quando dás esmola, não faças tocar a trombeta diante de ti, como praticam os hipócritas nas sinagogas e nas ruas para serem honrados pelos homens. Em verdade vos digo, que eles já receberam a sua recompensa. Mas, quando dás esmola, não saiba a tua esquerda o que faz a tua direita, para que a tua esmola fique em segredo, e teu Pai, que vê o oculto, te recompensará». (S. Mateus, VI, 2 a 4).
Para mais excitar à prática desta virtude Ele considera feito a Si próprio o que se faz aos pobres. Como já ficou dito, Ele agradecerá aos eleitos, no dia do juízo final, de terem-n’O vestido, saciado, consolado, hospedado, visitado no cárcere ou no leito, na pessoa do próximo; ao passo que repreenderá acerbamente os réprobos por terem-n’O desprezado na pessoa dos pobres. E tudo terá sua recompensa; até o simples copo d'água dado por seu amor: «E todo o que der a beber a um destes pequeninos um copo de água fria, a título de esmola, digo-vos em verdade que não perderá sua recompensa». (S. Mateus, 42).
S. Pedro, um dia, ousou perguntar ao Divino Mestre: «Eis-nos aqui, os que deixamos tudo e te seguimos; que haverá então para nós? » E Jesus lhe disse: «Em verdade vos digo que, na regeneração, quando o Filho do homem se assentar no trono de Sua Glória, vós, que me seguistes, sentar-vos-eis também em doze tronos, e julgareis as doze tribos de Israel. E todo o que deixar por amor de Meu nome a casa, ou os irmãos, ou as irmãs, ou o pai, ou a mãe, ou a mulher, ou os filhos, ou a herdade, receberá o cêntuplo, e possuirá a vida eterna». (S. Mateus, XIX, 27 a 29).

Jesus, sempre doce, sempre cheio de bondade, assume um tom terrível contra os ricos mofinas e os ameaça de eterna condenação. Veremos num capítulo à parte as suas ameaças. E Ele mesmo praticava o que ia ensinando, para dar-nos exemplo, e distribuía aos pobres a sobra do que lhe davam os judeus.
No sermão da Ceia, que pode chamar-se o testamento de Jesus aos seus discípulos, o Mestre recomenda a caridade. «Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei» . (S. João, XIII, 34); «meu preceito é que vos ameis uns aos outros como eu vos amei». (XV, 12). A caridade, pois, é o preceito principal, a lei caraterística do Evangelho o mandamento do Divino Redentor.
Em seus sermões, Jesus narrou a parábola do bom Samaritano, para mostrar de maneira clara e simples quem possui a verdadeira caridade para com o próximo. O primeiro mandamento da lei é o amor a Deus e o segundo é o amor ao próximo. Qual há de ser a medida do amor ao próximo? — O amor a nós mesmos, isto é, nós devemos amar o próximo como a nós mesmos.
Os apóstolos aprenderam do Divino Mestre a lição do amor, e em suas cartas recomendam sempre a caridade espiritual e temporal. S. João fala dela tantas vezes, que mereceu a antonomásia de apóstolo da caridade. «Aquele que tem riquezas deste mundo, e vê a seu irmão em necessidade, e lhe cerra as suas entranhas: como está nele o amor de Deus?» (I S . João, III, 17). Nos últimos anos de sua vida era levado à igreja, e não sabia dizer outra coisa: «Meus filhinhos, amai-vos reciprocamente». Enfadados os discípulos de ouvir sempre a mesma coisa, perguntaram-lhe porque lhes não falava dos outros preceitos, ele que, tendo-se inclinado ao peito de Jesus, conjecturara os mistérios sublimes; e o apóstolo respondeu: «Outras coisas vos não direi, pois isto é o que nos manda especialmente o Senhor; e isto perfeitamente executado basta para fazer-nos santos».
O Apóstolo S. Paulo ordena coletas em várias Igrejas para socorrer os irmãos de Jerusalém, desolados pela carestia, e exorta os fiéis a porem semanalmente no gazofilácio algum dinheiro. «Aquele que semeia pouco, também segará pouco; e o que semeia com abundância, também segará com abundância». (II Cor. IX, 6). E os exorta a não temer a inópia, que Deus os proverá: «Poderoso é Deus para fazer abundar em vós toda a graça; para que em todas as coisas tendo sempre o suficiente, tenhais abundância para toda sorte de obras boas». (Id., 8). São dignas de nota as palavras da epístola aos Hebreus: «E não esqueçais de fazer o bem e de repartir com os outros; porque com tais sacrifícios se agrada a Deus». (XIII, 16).
Santo Tiago diz: «A religião pura e imaculada aos olhos de Deus e nosso Pai é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e conservar-se sem ser contaminado deste século». (I, 27). Alhures increpa os que ficam só nas palavras e não socorrem os pobres: «Porém, se um irmão ou irmã estiverem nus, e necessitarem do alimento cotidiano, e lhes disser algum de vós: Ide em paz, aquentai-vos e fartai-vos, e não lhes derdes o que hão mister para o corpo, que lhes aproveitará?». (II, 15 e 16).
Os primeiros cristãos eram observantes do preceito da caridade e entregavam aos Apóstolos o supérfluo, para que distribuíssem aos necessitados. Os Atos dos Apóstolos lembram com reconhecimento a Tabita, senhora piedosíssima, que empregava em boas obras tudo quanto tinha, socorrendo os indigentes; e foi ressuscitada por S. Pedro como prêmio de suas virtudes. Os pagãos pasmavam ao ver a união e a caridade que reinavam entre os cristãos e diziam uns aos outros: — Vede como se amam!
Vieram os santos da Igreja e todos, às rebatinhas, recomendam a esmola, mostrando a sua necessidade, beleza e utilidade. S. João Crisóstomo foi um verdadeiro apóstolo da esmola; ao terminar os seus sermões, as matronas tiravam das orelhas as arrecadas para dá-las aos pobres. S. João de Alexandria, chamado o Esmoler, tinha consigo uma lista de oito mil pobres para socorrer diariamente. Houve santos que depois de terem dado todos os seus haveres, ficaram escravos para libertar o próximo. Mais. A Igreja teve uma Ordem Religiosa que fazia profissão de livrar os escravos dos turcos e tais religiosos ficavam em lugar dos escravos quando não podiam diversamente livrar os que tiveram a infelicidade de cair nas mãos dos infiéis. Valham esses exemplos e as palavras do Divino Redentor para fazer-nos amar a caridade e a esmola.
 
CAPÍTULO IX

 
QUE É O RICO? É O TESOUREIRO E O PROVEDOR DO POBRE
Na ordem da criação, o rico é o tesoureiro do pobre, obrigado a prover às suas necessidades. Deus o favoreceu com riquezas, não para que as malbaratasse e gozasse a seu talante, mas para que socorresse os infelizes. Jesus Cristo ordenava que o supérfluo seja dado de esmola. Deve, pois, o rico dar muita esmola. Podia Deus distribuir igualmente os bens da terra e sustentar todos os homens como faz com a erva do prado, o lírio do campo, a árvore da floresta; invés, quis as desigualdades sociais, ordenando que uns auxiliassem os outros. Esta é uma verdade pouco entendida de muitos ricos, que se fecham no círculo estreito do próprio eu e não pensam senão em gozar, expulsando de sua porta ao pobre, como a um importuno. Contra esses, o Divino Redentor, sempre brando, sempre doce, tomou um tom terrível, ameaçando-os de eterna condenação: «Ai de vós, ó ricos, porque tende já recebido a vossa consolação. Ai de vós que sois saciados, porque sofrereis fome. Ai de vós que rides, porque chorareis e gemereis», (S. Lucas V, 24).
Na parábola do epulão mostrou claramente o triste fim dos ricos que pensam só em gozar, desprezando os pobres.
É Jesus quem nos conta: Havia um homem muito rico, que andava luxuosamente vestido e vivia vida regalada e ociosa, oferecendo aos amigos lautos banquetes. Havia também um mendigo chamado Lázaro, que inutilmente suplicava lhe mitigassem a fome com as migalhas que caíam da mesa. Algum tempo depois, morreram ambos. O pobre foi levado pelos anjos ao seio de Abraão. Morreu o rico e foi sepultado nas profundezas do inferno. Por qual culpa? Talvez porque era blasfemo? desonesto? injusto ou ladrão? Nada disso. Foi condenado às penas somente porque se mostrou cruel para com o pobre Lázaro e só pensou em gozar.
É impossível salvar-se um rico que põe a sua esperança nos bens da terra e não é caridoso. É mais fácil passar uma corda no fundo de uma agulha, que tal pessoa vá ao Céu. Não há tergiversar. O rico que deseja salvar a alma deve dar esmola, desapegar o coração dos bens terrenos e conservar a pobreza de espírito, tão recomendada pelo Divino Redentor. Se o rico está obrigado a dar o supérfluo ao pobre, segue-se que, não o fazendo, é um ladrão que retém o alheio.
S. João Crisóstomo discorre deste modo: — Rico, ouve-me: são teus este dinheiro, estas terras, diz o mundo; não assim a fé: o senhor de tudo é Deus; tu não passas de simples administrador; hás de prestar conta ao Senhor até de uma courela. E se Deus é o Senhor, tem direito de discriminar o emprego das tuas rendas. Pois bem, vês aquele pobre que te espera à porta? veio para exigir em nome d’Ele; Deus o mandou, e aqueles andrajos que o cobrem são a libré que to indicam tal. Vamos, sê pronto em o socorrer; não é um favor que fazes, é um tributo que pagas.
Cuidado! — assim diz o grande Santo Ambrósio — não recuses uma esmola, porque tanto é pecado tirar o alheio, quanto negar o que lhe é devido.
Causa asco ver certos ricos criarem uma matilha de cães de caça ou soberba tropa de cavalos e negar a um esfarrapado um naco de pão ou um abrigo. Como é doloroso ver certas senhoras criarem um cachorrinho, levarem-no ao braço, cobrirem-no de carícias, e afastarem com indignação o olhar de um pobre que lhes estende a mão súplice, julgando-se rebaixadas com a sua presença. No entanto o pobre é filho de Deus, é uma alma remida pelo sangue de Jesus Cristo.
Há ricos que se julgam seres privilegiados; nascidos para gozar, veem no pobre o pária da sociedade, como se fosse de natureza inferior, digna tão só de desprezo. Mas quão outros são os juízos de Deus. Deus ama o pobre e, para honrá-lo, quis nascer de pais pobres e na mais esquálida miséria. Escolheu para seus Apóstolos, não os magnatas de Herodes ou de Augusto, mas doze pobres pescadores; e viveu sempre rodeado pelo povo simples, protestando ter vindo evangelizar os pobres, por ter sido essa a missão de que fora incumbido. Evangelizare pauperibus misit me. Jesus subiu ao Céu, mas continua a morar na terra no Santíssimo Sacramento e no tugúrio do pobre. Através dos andrajos que cobrem os membros descarnados dos míseros, os santos contemplam sempre a Jesus sofredor.
É célebre o fato sucedido a S. Martinho. Quando era soldado da cavalaria, encontrou um pobre seminu, que lhe pediu esmola, em nome de Deus. Martinho, não tendo dinheiro naquela ocasião, arrancou do manto, dividiu-o ao meio e deu uma parte ao pedinte. De noite apareceu-lhe Jesus Cristo vestido com o manto dado de esmola, e lhe agradeceu por tê-l’O socorrido na pessoa daquele pobre. Imitem os ricos este exemplo e sejam pródigos para com os representantes de Jesus sofredor.
O apóstolo Santo Tiago tem palavras mais graves aos ricos que esquecem os seus deveres de caridade: «Eis, pois, ricos, agora chorai bem alto pelas desgraças que virão sobre vós. As vossas riquezas se putrefizeram, e as vossas vestes são comidas pelas traças. O vosso ouro e prata se corromperam, e a sua corrupção dará testemunho contra vós, e devorará a vossa carne com o fogo. Entesourastes para vós a ira nos últimos dias. Eis que o salário dos trabalhadores que ceifaram os vossos campos, o qual pela fraude lhes tirastes, está a clamar; e o clamor deles chegou até aos ouvidos do Senhor dos exércitos. Tendes vivido em festins sobre a terra, e na luxúria cevastes os vossos corações, como em dia de imolação». (Cap. V).
Para evitar ameaças tão terríveis o rico deve de imitar o bom samaritano e prover às necessidades dos pobres. Então, as maldições cominadas se trocarão em bênçãos. Deus ouve sempre a oração do pobre; e quando ele for ajudado por vós, fará chover sobre vossa cabeça, sobre vossas famílias, copiosas graças. Os pobres agraciados pelo centurião Cornélio, lhe obtiveram ao Céu a conversão. Um mensageiro celeste o pôs em relação com S . Pedro, a fim de ser instruído na fé e batizado com toda a família.
Quando se celebra um matrimônio, um batizado, o verdadeiro meio para atrair os favores do Céu sobre os esposos ou sobre a criança é socorrer os pobres. Experimentem-no as famílias, que se alegrarão com os salutares efeitos.
 
CAPÍTULO X

 
LUMINOSOS EXEMPLOS DOS SANTOS
Os santos patriarcas do Antigo Testamento foram modelos de amor ao próximo, exercitando sobretudo a hospitalidade aos peregrinos. Abraão recebeu um dia em sua terra três anjos em forma humana e os tratou com todo o carinho como se fossem irmãos seus. Jó era chamado «o pai dos pobres, dos órfãos e das viúvas, como já vimos atrás, e passava os seus dias fazendo o bem aos necessitados. Como são tocantes as cenas de caridade narradas no livro de Rute! Booz ordena expressamente aos segadores que deixem cair espigas, a fim de que a pobre respigadora possa recolher abundantes provisões e dá-lhe permissão de comer e beber à sua mesa. Não faço alusão a Tobias, porque já narramos mais detalhadamente as suas esmolas e obras de misericórdia aos irmãos cativos. A viúva de Sarepta não tinha mais que um pouco de farinha e algumas gotas de óleo, pois a carestia flagelava o reino pelos pecados do ímpio Acab; e todavia ofereceu aquele bem de Deus ao profeta Elias, perseguido pelo rei; em recompensa nunca lhe faltou farinha e óleo.
Muito depois, apareceu o Salvador para regenerar a sociedade com o preceito da caridade fraterna, abolindo a escravidão e ensinando que os homens são todos filhos do mesmo Pai celeste, sem distinção de nacionalidade. O cristianismo funda hospitais, institui irmãs de caridade, abre asilos para inválidos, orfanatos e casas para crianças desamparadas, albergues para peregrinos. Os pobres no paganismo eram muitas vezes sacrificados barbaramente como inúteis e de peso à sociedade; Jesus os nobilitou, amando-os eternamente e afirmando que eram seus representantes na terra e que considerava feito a Si tudo o que os homens faziam para eles. Então a pobreza era mais estimada do que a riqueza e milhares de pessoas de ambos os sexos abandonavam tudo para se tornar pobres por Jesus Cristo.
Os santos todos da Igreja porfiaram em socorrer os pobres, vendo neles a pessoa de Jesus sofredor, não conservando mais do que o necessário à vida, segundo o conselho do glorioso apóstolo S. Paulo. S. Lourenço Mártir distribuiu todas as riquezas da Igreja aos pobres, de acordo com seu santo mestre; e interrogado pelo tirano onde escondera o ouro e as riquezas, deu uma resposta memorável, que deveria ser objeto de meditação de todo rico: «As riquezas da Igreja, exclamou o herói, foram transportadas para os tesouros celestes pelas mãos dos pobres».
Entre os exemplos sem número dos santos, escolheremos alguns dos mais próprios para excitar o amor à esmola.
A virgem holandesa Santa Ludovina jazeu enferma durante trinta e oito anos num miserável catre em apertado quarto; vítima de muitas doenças, ela as soube suportar com o heroísmo de Jó, bendizendo sempre o Senhor. Todas as virtudes avultaram na santa, mas de modo particular a paciência e caridade para com os pobres. Sua mãe, ao morrer, deixou-lhe alguns móveis; bem que pobre e necessitada de tudo, vendeu-os e distribuiu o dinheiro aos pobres. O mesmo fazia com as esmolas que os fiéis lhe davam, esquecendo-se de si e preocupando-se mais com as necessidades alheias.
Deus mostrou com numerosos milagres quanto amava a caridade de Ludovina. Tinha uma bolsa que dava sempre dinheiro sem jamais esvaziar; por esse meio socorria os pobres da cidade e das vizinhanças. No leito de dores, a santa era informada de todas as famílias necessitadas e sobretudo dos enfermos e lhes mandava dinheiro e abundantes provisões. No princípio de um inverno mandou comprar um quarto de boi e uma medida de legumes para dar de comer aos famintos, que na estação rigorosa costumam sofrer mais que em outros tempos, pelo frio e pela falta de trabalho. Admirável! Aquela carne e aqueles legumes multiplicaram de tal modo que pôde distribuí-los duas vezes na semana em todo o inverno.
Dava muito, mas o dinheiro e as provisões não faltavam. Sabendo os ricos do bom uso que fazia das esmolas, davam-lhe de boamente dinheiro e alimento; e a casa da caridosa enferma tornou-se um verdadeiro mercado onde os pobres encontravam comestíveis, roupa e o mais de que necessitavam. A fama das virtudes luminosas atraia ao seu leito personagens de alto coturno; e Ludovina sabia patrocinar a causa dos seus pobres e conseguia muitos recursos.
Uma caridade tão heroica lhe obteve de Deus dons sobrenaturais de milagres e profecias. Ludovina recebia o cêntuplo nesta vida, ao mesmo tempo que os anjos teciam-lhe fúlgida coroa no Paraíso.
Certo ricaço queria preparar um suntuoso banquete aos principais da cidade e para isso comprou do que havia de melhor. Sabendo disto, Ludovina mandou-lhe pedir, por amor de Deus, um pouco de banha de galinha para preparar um emplasto. Mas o novo epulão negou-lhe, alegando que as galinhas compradas não tinham gordura alguma. A santa conheceu à Luz divina a avareza asquerosa daquele rico e mandou-lhe dizer que seria castigado. Com efeito, na noite precedente ao banquete, os ratos penetraram na despensa e comeram uma parte dos acepipes e estragaram o resto. Tal lição abriu os olhos ao nababo, o qual daí por diante guardou-se de negar alguma coisa à santa.
Em muitas visões Deus mostrou-lhe que verdadeiramente a esmola transporta os nossos bens, além do túmulo, ao passo que a avareza os abandona no leito da morte. O seu Anjo Custódio apareceu-lhe, radiante de luz, em forma de gracioso jovem e a conduziu ao Paraíso, onde lhe mostrou uma mesa cheia dos mesmos alimentos que ela distribuía aos pobres. Nosso Senhor e Maria SS. com os bem-aventurados se assentaram para comer e convidaram a Ludovina a fazer o mesmo. Repetiu-se a visão mais vezes e acendeu em Ludovina novo ardor pela caridade e aos ricos que a visitavam só sabia falar da beleza da esmola.
«Quereis, dizia, encontrar o vosso tesouro depois da morte? Dai-o aos pobres, que o levarão ao Céu e lá tereis capitais centuplicados». E narrava as revelações tidas.
S. Carlos Borromeu, arcebispo de Milão, merece os louvores de todos os séculos cristãos, pela grande caridade que o levou ao heroísmo. Ele não possuía cofre, nem bolsa para guardar dinheiro; porque tudo quanto lhe caía nas mãos, dava-o logo aos pobres.
Vendeu o seu principado por quarenta mil escudos de ouro; e em um só dia distribuiu toda aquela avultada soma aos pobres, assim que, à noite, já não tinha um ceitil.
Deram-lhe uma pensão de vinte mil escudos e fez o mesmo. Parecia que as moedas lhe queimassem as mãos, tal era a presteza com que as dava em esmola, impaciente por socorrer as misérias alheias. Vivia como um pobre anacoreta, muitas vezes contentando-se com pão e água e um pouco de legumes, e o rendimento do arcebispado que ficasse para os pobres. Os seus familiares lamentavam sua prodigalidade, manifestando o receio de cair na miséria, mas o santo os exortava a confiança na Providência.
Na terrível carestia que afligiu Milão, distribuiu todas as alfaias da casa e depois deu até o leito, dormindo de então em diante em tábuas nuas. Além disso, ele vivia para os pobres, andando pelas casas, visitando os doentes, consolando a todos.
Milão e todo o arcebispado serão eternamente gratos ao seu ilustre prelado e o honrarão sempre como um dos maiores benfeitores que teve a cidade e o cristianismo.
O homem que personifica a caridade é S. Vicente de Paulo. Ordenado sacerdote entregou-se de corpo e alma a socorrer os necessitados, fundando hospitais, asilos, toda a sorte de casas de caridade. A ele o mundo deve a instituição das Irmãs da Caridade, verdadeiros anjos enviados em socorro das misérias humanas, que assistem os doentes tanto no hospital, como em campo de batalha para onde correm impávidas, afrontando a morte com uma coragem superior ao seu sexo. Fundou também a Congregação da Missão, composta de sacerdotes destinados a instruir o povo rude. Foi tão grande a sua caridade e zelo, que chegou a dar milhões de francos.
A Itália teve também seus heróis de caridade, êmulos de S. Vicente de Paulo. Para falar só dos últimos tempos, cito S. João Bosco e S. José Cottolengo.
S. João Bosco fundou a Pia Sociedade Salesiana que arrebanha centenas de milhões de jovens nos dois hemisférios para instruí-los, educá-los na piedade e ensinar-lhes um ofício ou uma profissão e torná-los honrados cidadãos, úteis à sociedade.
S. José Cottolengo fundou a Casa da Divina Providência, onde são recolhidos milhares de doentes para serem curados no corpo e na alma. Todas as enfermidades da pobre humanidade lá se abrigam, e a caridade dos fiéis vem diariamente em auxílio de tantos infelizes.
Esses grandes benfeitores da humanidade fizeram coisas maravilhosas com as esmolas dos bons cristãos. Que esse belo exemplo arraste os ricos à imitação.
O Bem-aventurado Amadeu de Savoia foi um grande benfeitor da classe pobre e o seu reino foi chamado o paraíso dos pobres. Todo dia dava de comer a muitos pobres no seu palácio, servindo-os ele mesmo, com muita reverência.
Visitando uma vez um senhor de Milão, este, que era apaixonado pela caça, mostrou-lhe uma matilha, que ele tratava com muito cuidado. Retribuindo a visita ao Bem-aventurado, na corte, perguntou-lhe se não criava cães de caça. Amadeu levou-o a um pátio onde estavam reunidos os seus pobres e disse: «Gasto meu dinheiro sustentando estes infelizes».
Os ministros desgostavam-se de sua liberalidade; um deles lhe disse que muita esmola arruína as finanças: e que seria mais útil fortificar as praças de guerra e criar novos regimentos. «Louvo o vosso zelo, respondeu o príncipe sabáudo; mas sabei que as esmolas dum soberano são as fortificações mais seguras dum Estado e o grande segredo para fazer reinar a abundância.»
S. Paulino, não tendo nenhum dinheiro para dar a uma pobre viúva, que lhe pedia para resgatar o seu único filho cativo, ofereceu-se para ser ele mesmo vendido pela libertação do moço. A proposta foi aceita, e o Santo, na qualidade de escravo esteve por muito tempo como hortelão; até que, conhecida a sua virtude heroica, foi posto em liberdade, com permissão de levar consigo todos os escravos conterrâneos seus.
Santo Tomás de Vilanova era tão caritativo que deu aos pobres tudo o que tinha. Chegou a dar até o leito; e aquele no qual morreu não lhe pertencia
S. Nicolau de Bari, que foi mais tarde Bispo de Nissa, quando ainda simples padre em Patara, soube que um gentil homem, caído na miséria tencionava casar três filhas com moços suspeitos; isso, por não estar em grau de dotá-las suficientemente. Nicolau fez chegar às mãos daquele senhor uma bolsa de dinheiro. A quantia era bastante para dotar uma das filhas. Por mais duas vezes enviou dinheiro; assim foram colocadas as outras duas. O pai, indagando a coisa, foi ter com o santo e, lançando-se-lhe aos pés, não cessava de agradecer-lhe tanta caridade. Nicolau o levantou com afeto, dizendo-lhe não ter feito mais do que o seu dever; e pediu-lhe que a ninguém o dissesse.
S. José Cottolengo, quando não tinha dinheiro para dar aos pobres, dava o relógio, os lençóis da cama, roupa e sapatos.
Várias vezes voltou à casa em peúgas e outras vezes descalço.
S . Francisco de Sales fazia muita esmola, não obstante a escassez de suas rendas. Ele dava sempre e generosamente, sem se importar com os gastos da casa, a tal ponto que o ecônomo vendo-se embaraçado, ameaçava abandoná-lo: «Tendes razão, disse o Santo com a costumada doçura, eu sou incorrigível nesse ponto, mas o que é pior, creio que o serei sempre». Outra vez, apontando o crucifixo, dizia: «Pode-se negar alguma coisa a um Deus que se reduziu a tal estado por nosso amor?»
A princesa Clotilde presenteou-o com um diamante precioso, pedindo-lhe que o guardasse como lembrança.
— Senhora, disse o santo, guardarei até que os pobres não precisem dele.
— Nesse caso, replicou a princesa, daí-o em penhor, que o resgatarei.
— Temo que isso aconteça muitas vezes e não quisera abusar de vossa bondade.
Pouco depois a princesa o viu em Turim sem o diamante e entendeu logo o que tinha acontecido. Deu-lhe, pois, um muito mais precioso, recomendando-lhe que não fizesse como o primeiro.
— Senhora, respondeu-lhe, não vos posso garantir, porque sei por experiência que não sou capaz de guardar coisas preciosas.
Realmente, ele nutria tão grande ternura para com os pobres, que não sabia recusar-lhes coisa alguma.
Santo Estêvão, rei da Hungria, providenciou à manutenção dos pobres do seu reino, tomando especialmente sob sua proteção as viúvas e os órfãos, dos quais se declarara publicamente pai e defensor.
Mudava a roupa para não ser reconhecido, andava pelos arrabaldes da cidade a distribuir esmolas, a oferecer seus préstimos nos hospitais, etc. Chegou a dar as alfaias do próprio palácio para socorrer nas calamidades públicas os pobres. Deus, para mostrar como se comprazia da caridade de seu servo, quis que depois da morte a sua mão direita, que tanto dera aos pobres, permanecesse incorrupta.
Santa Catarina de Sena tendo obtido do pai a permissão de dar esmola, imitava a S. Nicolau de Bari levando às famílias necessitadas, durante a noite, pão, carne, vinho, colocando tudo na janela ou na soleira da porta para não ser vista.
Um dia, não tendo nada para dar a um pobre, tirou a cruz de prata de seu rosário e deu-lha. De noite, apareceu-lhe Jesus tendo na mão a cruz ornada de muitas pedras preciosas e resplandecentes como o sol, dizendo-lhe que havia de lha restituir no dia do juízo final, na presença de todos os homens.
Outra vez, não tendo dinheiro, deu a um pobre o seu manto; apareceu-lhe, de noite, Jesus vestido com o mesmo manto, ornado de pérolas e gemas, e lhe disse: «Catarina, ontem me vestiste com este manto na pessoa daquele pobre».
 
CAPÍTULO XI

 
QUE É O POBRE? É A PESSOA DE JESUS SOFREDOR
Jesus habita na terra oculto sob os véus eucarísticos e sob os andrajos do pobre; no santo Tabernáculo e no pardieiro do mendigo. E é por isso que muitos santos serviam aos pobres, de joelhos, com a cabeça descoberta, com a reverência com que se costuma servir a um rei. Apenas Jesus declarou feito a si o que se faz ao próximo, viram-se os soberbos senadores romanos e os sábios do areópago, que antes consideravam os escravos como animais, abraçá-los como irmãos e pô-los em liberdade, maravilhando com isso os pagãos. Quantas vezes Jesus Cristo apareceu andrajoso ou enfermo para ser socorrido por seus eleitos!
Santa Isabel, duquesa de Turíngia, filha do rei da Hungria, foi a heroína de caridade que edificou o século XIII. Dava aos pobres quanto podia, mantendo grande número deles em palácio e servindo-os à mesa, com grande humildade. Abaixava-se para lavar os seus pés, curar as suas chagas, beijando-os com afeto e reverência.
Andava pelas casas a visitar os enfermos, a levar-lhes alimento e remédios; e encontrando crianças abandonadas, Isabel levava-as para sua casa, as lavava e penteava como se fossem filhos seus. Subjugara de tal modo a natureza que sentia até prazer no exercício daquela caridade e quereria passar os seus dias entre os pobres e doentes.
Os cortesãos e principalmente a sogra murmuravam e desaprovavam abertamente o procedimento da santa, dizendo que desonrava a dignidade ducal, e que não sabia manter o decoro de sua alta posição. Mas a Isabel pouco se lhe davam tais murmurações; e continuava a fazer obras de misericórdia.
Deus interveio com muitos milagres a aprovar o seu procedimento. Em um dia de cruel inverno, descia do castelo em companhia de uma donzela, com abundante recurso que ia distribuir aos pobres. De caminho encontrou o marido, que voltava da caça; aquele senhor, digno de ser esposo de uma santa, quis ver o que ela levava no avental. Isabel o abriu para mostrar-lhe o trigo que ia distribuir aos pobres; e com indescritível maravilha o achou convertido em belíssimas rosas de variegadas cores.
Nutria grande amor para com os pobres leprosos, tão numerosos na Idade Média, lembrando-se de que Jesus foi descrito pelo Profeta Isaías como um homem coberto de chagas da cabeça aos pés, à guisa de leproso. Certo dia, acolheu um no palácio e o pôs na sua mesma cama para limpá-lo e curá-lo. A sogra ficou indignada; e correu a chamar o filho para mostrar-lhe o que Isabel estava fazendo. Vão ao leito, abrem o cortinado e invés do leproso, dão com Jesus Cristo pregado na Cruz.
S. Francisco, logo após a sua conversão, percorria a cavalo a planície de Assis, quando encontrou um leproso. Desceu logo do cavalo, abraçou o doente com ternura e deu-lhe uma esmola. Montando a cavalo, voltou-se para o saudar; mas não viu ninguém. Compreendeu, então, que Jesus lhe aparecera sob aquela forma para ser honrado e socorrido por ele; e daí por diante concebeu um amor terníssimo para com esses infelizes, ao ponto de entrar nos leprosários para lhes prestar os mais humildes serviços.
S. João, o esmoler, tendo dado muitas vezes bela soma de dinheiro a um indivíduo que mudava sempre a roupa e o nome, fingindo ser grande necessitado, ainda depois de perceber isso, continuou a fazer-lhe caridade. Avisado dessa fraude, disse ao secretário: «Dá-lhe o dinheiro pedido, pois pode ser que Jesus Cristo queira experimentar a tua caridade».
Na vida de Teobaldo, conde de Chartres, narra-se um fato assaz curioso. Viajando, um dia, acompanhado de muitos amigos no coração de rígido inverno, encontrou um pobre seminu. Teobaldo, liberalíssimo como era, perguntou:
— Que desejas?
— Dai-me, respondeu o pobre, o vosso manto.
Deu-lho o conde, dizendo:
— Se queres, pede mais alguma coisa.
— Dai-me o hábito que tendes sobre a túnica.
Foi-lhe dado. Vendo tanta generosidade, o pobre ousou replicar:
— Bem vedes, sr. conde, que tenho a cabeça nua... dai-me, pois, o chapéu porque podereis logo arranjar outro, enquanto que eu não tenho dinheiro.
O conde, que era calvo, não gostou do pedido, e:
— Caro filho, disse, és demasiado importuno e não posso satisfazer-te.
Então o pobre desapareceu, deixando tudo sobre a neve.
O conde apeou incontinente, ajoelhou-se, pedindo a Deus perdão por aquela recusa e prometeu não mais negar no futuro qualquer coisa que lhe pedissem os pobres.
Apareceu um dia a S. Gregório Magno, quando ainda abade do mosteiro, um Anjo, disfarçado em comerciante que, devido a um naufrágio, perdera toda a sua mercadoria; pelo que, vinha lhe pedir algum recurso. Gregório deu-lhe seis escudos; mas o comerciante observou-lhe que era pouco; o abade deu-lhe outros seis escudos. Alguns dias depois, volta o mesmo negociante todo aflito a pedir-lhe novo auxílio, alegando a sua extrema miséria. Como Gregório encontrasse vazia a bolsa do mosteiro, mandou que lhe dessem uma bandeja de prata que Sílvia, sua santa mãe, lhe mandara aquela manhã.
Elevado ao sólio pontifício, ordenou certa vez a um seu capelão, que chamasse à sua mesa doze pobres, em honra dos doze Apóstolos; durante a refeição notou que eram treze. Perguntou ao capelão, porque chamara mais de doze; ele protestou que não tinha convidado senão doze. Mas Gregório via treze e suspeitando de algum mistério fixou atentamente o olhar sobre o décimo terceiro; notou que mudava de semblante, parecendo ora moço, ora velho. Terminada a refeição, chamou-o à parte e o conjurou a dizer-lhe quem era:
— Eu sou aquele comerciante arruinado pelo naufrágio, a quem vós destes doze escudos de esmola e a bandeja de prata, presente de vossa mãe. Sabei que por vossa caridade quis Deus que fosseis o sucessor de S. Pedro.
— Como sabes isto? continuou S. Gregório.
— Eu sou um Anjo mandado por Deus para vos experimentar.
Prostrou-se o santo com grande reverência e exclamou:
— Se por uma coisa tão pequena Deus me fez Pastor universal de Sua Igreja, quantos benefícios ainda maiores posso esperar d’Ele, se O servir com grande afeto na pessoa dos pobres!
Com isso, aumentou muito a sua liberalidade para com os necessitados.
Um dia, querendo servir com suas próprias mãos a um pobre, este desapareceu. À noite, apareceu-lhe em sonho Jesus Cristo e lhe disse: «Outras vezes Me tens recebido nos meus membros; ontem, porém, Me recebeste em Minha própria pessoa».
O venerável Monsenhor De Palatox, toda quinta-feira dava jantar a doze pobres. Lendo a vida de S. Martinho, notou que o santo lavava os pés aos pobres e lhes servia a comida; e logo se propôs a fazer o mesmo. Cumpriu à risca a promessa.
Se todos os ricos vissem a Jesus nos pobres, porfiariam em socorrê-los e a terra não seria mais um vale de lágrimas e de dores. Queira Nosso Senhor iluminá-los com a Sua santa graça e fazê-los compreender esta verdade que, praticada, torná-los felizes no tempo e na eternidade.
 
CAPÍTULO XII

 
A PREDESTINAÇÃO DO RICO DEPENDE DA ESMOLA
Salva-se o rico se pratica o preceito da esmola; aliás, perder-se-á irreparavelmente. A obrigação da caridade é grave e se encerra no sétimo mandamento: «Não furtar». Já que o supérfluo pertence ao pobre, comete um furto quem lho não dá. Não é ladrão o que não quer pagar uma dívida e retém o que pertence ao alheio?
«Præcipio tibi, ut aperias manus fratri tuo egeno ac pauperi qui versatur tecum in terra. Eu, disse o Senhor no Deuteronômio, com a plenitude de Minha divina autoridade, ordeno a ti, minha criatura, a quem enriqueci por mera liberalidade, que, do muito que te dei, disponhas de uma parte para o sustento dos pobres».
Que diríeis se o sol retivesse toda a luz e não a comunicasse ao mundo, ou o mar detivesse todas as águas em seu seio, e não as levantasse ao céu meio de vapores, porque descessem em chuva benéfica para fecundar a terra? Com certeza vós lhes diríeis: — Senhor sol, e senhor mar, tamanha quantidade de luz e de água não é exclusivamente para vós. Estas coisas o Criador vo-las deu a fim de que repartais com o mundo, para iluminá-lo, para fecundá-lo. As Escrituras falam claro: — Senhores ricos, quod superest, date eleemosynam.
Deus tem supremo domínio sobre as riquezas todas e a sua Providência vela sobre todas as criaturas; a alguns dá mais, porém, com a obrigação expressa de auxiliar os necessitados.
E por isso, no Eclesiástico, o Espírito Santo adverte o rico a não negar esmola ao pobre, porque lhe é devida. O rico, por sua vez, reflita seriamente nisso, e se lembre de que no tribunal de Deus ser-lhe-á pedida conta severa do uso ou do abuso de seus bens. O rico epulão sepultado no inferno unicamente porque pensava em gozar das riquezas, negando esmola ao pobre Lázaro, para com o qual foram mais compassivo os seus cães, que lhe lambiam as chagas.
Não satisfazem, por certo, os seus deveres os que dão apenas uma moeda ou uma fatia de pão. O preceito inclui todo o supérfluo. Mas, porque há tanta dificuldade em socorrer os pobres, enquanto que se esbanja dinheiro em festas, em passatempos, em vestidos de luxo para seguir a moda? Melhor seria evitar despesas inúteis e enxugar tantas lágrimas, saciar a fome a tantos infelizes. O rico que pratica durante a vida o preceito de esmola tem um penhor seguro de predestinação. S. Jerônimo deixou escritas palavras verdadeiramente consoladoras: «Non memini me legisse mala morte defunctum, qui liberius óopera caritatis exercuerit . Não me recordo de haver lido que uma pessoa caridosa tenha morrido mal».
Na vida do glorioso Patriarca de Assis, escrita por S. Boaventura, conta-se que o santo estendeu uma vez a mão a um militar, implorando a caridade por amor de Deus. O militar fê-la de boamente, e S. Francisco se ajoelhou logo para rezar por ele, como soía fazer com os demais benfeitores. Deus lhe revelou que aquele militar, embora sadio e robusto, em breve teria morte improvisa. O santo correu-lhe ao encalço e: — Vós, lhe disse com grande afeto, fizestes uma caridade temporal e, em troca, quero fazer-vos uma espiritual; e vos aviso da parte de Deus que vos restam poucos dias de vida. Confessai-vos e preparai-vos para o grande passo.
O militar se preparou com muitos exercícios de piedade e pouco depois da confissão morreu, dando certeza de salvação.
Imaginemos agora, que aquele militar, invés de fazer caridade, tivesse dito um desdenhoso «ide trabalhar», ou então «não tenho». Francisco não teria rezado por ele, não teria recebido o aviso de sua morte próxima; e um homem do mundo, morrendo improvisadamente, sem confissão, salva-se?
Mais instrutivo ainda é o fato seguinte narrado por Santa Teresa no capítulo quinze do livro das Fundações. Um senhor de Valladolid deu à santa a sua casa com amplo jardim, para que fizesse um mosteiro das religiosas de sua Ordem. Dois meses após aquela generosa oferta, o benfeitor morreu improvisadamente, sem poder receber os Sacramentos. Diante de tal desventura, Santa Teresa doeu-se profundamente, tanto mais que na cidade murmurava-se que a vida desse senhor não tinha sido irrepreensível.
Pôs-se então a rezar fervorosamente pela alma de seu benfeitor; e teve revelação de Deus que ele se salvara, e sua alma ficaria no purgatório até que fosse celebrada a primeira Missa em sua casa. Como prêmio de sua caridade para com a santa, Deus lhe concedera a contrição perfeita no momento em que a apoplexia o golpeou. Se não desse de presente a sua casa, talvez não se salvasse; pela caridade, mereceu a contrição e com esta uma santa morte. Ele terá dito certamente:
— Ó feliz esmola, pela qual mereci uma glória eterna!
E do Céu terá contemplado com satisfação a sua casa transformada em convento, causa de sua felicidade eterna.
Concluamos, pois, com o dilema: «Ou esmola ou condenação». Para o rico não há meio termo.
Ele se salva, se for fiel à prática do preceito da caridade; e terá o mesmo fim do epulão se, como este, fechar a porta ao pobre. O rico é obrigado a socorrer o pobre; mas o pobre não tem direito de se apropriar dos bens do rico, quando este lhe nega esmola. Ambos comparecerão ao tribunal de Deus; então, o pobre acusará o rico de furto e de crueldade e pedirá vingança.
Tenho para mim que os ricos, entre a esmola e a condenação, escolherão a esmola e serão pródigos para com os necessitados, os quais se tornarão seus advogados no dia terrível do juízo.
 
CAPÍTULO XIII

 
A ESMOLA RESOLVE A QUESTÃO SOCIAL
A questão social, que tanto empolga os intelectuais do nosso século já foi resolvida perfeitamente por Jesus Cristo com o preceito da caridade. Se todos os ricos dessem esmola, se fossem os pais da pobreza, os provedores e tesoureiros dos necessitados, o mundo trocaria de aspeto e tornar-se-ia um paraíso terrestre.
— Os filósofos, os jornalistas, os economistas, os governos estudam cuidadosamente os males da sociedade e sugerem mil sistemas para pôr um dique a tantos desmandos sociais. Mas o remédio já foi ensinado pelo Divino Redentor. Ele conhecia a fundo a humanidade, as suas necessidades, as suas aspirações, e como bom médico que é, receitou o remédio da caridade, ordenando aos ricos, que dessem esmola, e aos pobres que tivessem paciência, resignação à divina vontade.
Os males que nos afligem nascem todos da violação do preceito da caridade. O rico deixa-se dominar pelo egoísmo, fecha-se no próprio eu, não pensa senão em gozar e satisfazer às paixões, e o pobre, vendo-se defraudado da esmola, maltratado, levanta-se raivoso e apodera-se com violência dos bens alheios. Então, há furtos, greves, revoluções, que fazem tremer a sociedade, ameaçando-a desde o alicerce.
Nos primórdios do cristianismo, tais pechas não se davam, porquanto o preceito do amor ao próximo era observado escrupulosamente. «Vede como se amam»! diziam estupefatos os gentios, admirando tanta caridade entre os cristãos. Se estivesse ainda em voga a esmola, a misericórdia, como nos primeiros tempos, o século vinte continuaria sua carreira em meio às bênçãos dos povos e dissipar-se-iam os furacões que surgem no horizonte das nações para as flagelar, se a caridade dos ricos fosse aumentando com o progresso e com a civilização material não haveria mais necessidade de tantas prisões e tribunais, nem de tantos soldados para manter a ordem.
São tão puras, tão santas as alegrias da caridade, que superam de muito o prazer de possuir dinheiro, honras e todas as comodidades que proporcione o século. Não experimenta talvez um gozo de paraíso o rico que entra num tugúrio para levar alimento ao pobre? As crianças o rodeiam, saudando-o como seu benfeitor, o pai e a mãe vão-lhe ao encontro e o bendizem; e à tarde, toda a família reunida reza o terço por ele e por seus caros. Aquela oração sobe como incenso gratíssimo ao trono de Deus e faz descer as bênção celestes sobre os seus negócios e sobre o seu capital; e o rico recebe cem por um, mesmo nesta vida.
Conta-se que Luís XVI antes de subir ao trono, disfarçava-se muitas vezes para visitar os pobres nos seus casebres e levar-lhes esmola. Descoberto, um dia, por um oficial da corte, confessou que ia em pessoa para ouvir as bênçãos que sobre sua cabeça invocavam os pobres; e participar da alegria inefável das mães e das crianças que o abraçavam em sinal de reconhecimento.
Se, porém, aquelas pobres famílias veem o rico nadar na abundância não fazendo caso delas, se o veem passear em cômodos carros, enquanto elas morrem à míngua, então, se são boas resignam-se à vontade de Deus; mas se não têm sentimentos religiosos, maldizem a sua crueldade, planejam furtos e talvez assassinatos. Quando o pobre é espezinhado, se revolta e facilmente comete delitos.
Ó ricos! sede generosos para com os pobres e impedireis tantos crimes; e sobre vossa cabeça choverão infinitas bênçãos do Céu.
 
CAPÍTULO XIV

 
A ESMOLA DEVE SER FEITA DURANTE A VIDA
O preceito da esmola há de ser praticado durante a vida. Alguns há que raciocinam deste modo: «Agora penso em desfrutar o meu capital e não quero diminuí-lo com doações e esmolas; quando estiver à morte, deixarei um legado para os pobres, mandarei rezar muitas Missas...» Não! Esses tais se enganam crassamente. Jesus Cristo ordena que se dê esmola do supérfluo dia a dia, toda a vida, porque se os pobres têm fome, não podem esperar até a vossa morte. Além disso, o bem que fazemos durante a vida vale muito mais do que na hora da morte quando somos obrigados a deixar tudo.
Costumava dizer S. Leonardo de Porto Maurício: «Ilumina mais um lume diante, que não dois atrás». E queria dizer com isso que vale mais o pouco em vida do que o muito na morte e depois da morte.
Ademais, tendes certeza de que a vossa vontade será executada? Quantas vezes não se faz desaparecer o testamento, ou é contestado no tribunal ou interpretado em outro sentido!
Quase todas as obras pias se lamentam de alguma injustiça na execução de testamentos em seu favor. O bem que se pode fazer hoje não se deve deixar para amanhã, pois a vida é incerta e pode chegar improvisadamente a morte. Fazendo bom uso do nosso dinheiro, impedimos o mal, salvamos mais almas, somos úteis à religião e à sociedade civil, afastamos as desgraças corporais e espirituais, temporais e eternas da cabeça de muitas pessoas, às quais, se tardia, a nossa caridade seria inútil.
Apraz-me repetir ainda uma vez, que não se trata de conveniência ou de conselho, mas de grave obrigação. O preceito da esmola é cotidiano, e obriga a dar o supérfluo aos pobres, vez por vez; se são indigentes, têm necessidade de alimento todos os dias. Horroriza ouvir contar que todos os anos, principalmente no coração do inverno, morrem de fome e de frio tantos infelizes! A sua morte horrível pede vingança contra aqueles ricos que talvez os tenham despedido de sua porta sem um auxílio, e quem sabe se com desdém os tenham mandado trabalhar se quisessem comer.
Muito embora se tratasse de vadios, nós recebemos do mesmo modo a recompensa prometida por Jesus Cristo, se dermos esmola. Se, às vezes, falsos pobres nos enganassem, nem por isso nós deixaremos de receber o prêmio temporal e espiritual prometido aos misericordiosos.
Determinemos, pois, dar esmola em vida enquanto temos tempo, forças e meios e não deixemos para o fazer na hora da morte. É agora que os pobres pedem o nosso auxílio, é agora que os orfanatos esperam o nosso contributo para educar as crianças abandonadas; é agora que os hospitais esperam víveres, remédios para aumentar o bem que já fazem a tantos doentes; é agora que as missões católicas têm necessidade de meios para propagar a religião e a civilização entre os infiéis.
Santo Jó se alegrava com o pensamento de que sobre sua cabeça descesse a bênção do pobre que ele socorria. Os ricos que dão esmola experimentarão a mesma alegria e os mesmos favores.
S. Vicente de Paulo, o apóstolo da caridade, dizia: «Quem ama os pobres durante a vida, nada tem a temer na hora da morte; observei sempre isto, daí o insinuar esta máxima às pessoas a quem vejo angustiadas pelo pensamento da morte».
 
CAPÍTULO XV

 
VÁRIAS ESPÉCIES DE ESMOLAS
O nome de esmola abraça todas as obras de misericórdia espirituais e corporais. A Igreja enumera sete obras de caridade que dizem respeito ao corpo e sete ao espírito.
As corporais: Dar de comer a quem tem fome; dar de beber a quem tem sede; vestir os nus; dar pousada aos peregrinos; visitar os enfermos e encarcerados; remir os cativos; enterrar os mortos.
As espirituais são: Dar bom conselho; ensinar os ignorantes; castigar os que erram; consolar os aflitos; perdoar as injúrias; sofrer com paciência as fraquezas do próximo; rogar a Deus pelos vivos e defuntos.
Há ainda os hospitais, as obras pias, os orfanatos, as missões a socorrer; e quem dá dinheiro e roupa para sustentar as benéficas instituições pratica todas ou quase todas as obras de misericórdia, porquanto aí os infelizes recebem remédios, alimento, vestuário e tudo de quanto necessitam.
Colégios fundados para abrigar órfãos ou crianças abandonadas, com o fim de adestrá-los em alguma arte ou ofício, merecem também ser ajudados com a esmola. Jesus ama extremamente os meninos; e, quem os acolhe para educá-los e instruí-los, terá os seus favores mais escolhidos. Quantos jovens têm êxito esplêndido e tornam-se úteis à sociedade; ao passo que, se não fossem internados num colégio permaneceriam no ócio e na miséria.
O jovem Hildebrando, filho dum pobre carpinteiro, tornou-se um Gregório VII, talvez o mais heroico dos pontífices antigos.
Giotto, socorrido por Cimabue, tornou-se de pastorzinho um excelente pintor.
Canova, de modelador um escultor de nomeada, com o auxílio do senador João Fallieri.
O Papa Xisto V era filho de pobres pais que o encarregaram de vigiar a grei; mas um franciscano descobriu o seu engenho, fê-lo estudar e o jovem correspondeu com fidelidade. Ordenou-se, foi elevado à púrpura cardinalícia e finalmente eleito Papa, desenvolvendo uma atividade maravilhosa, compreendida no seu mote favorito: «Morrer em pé».
S. Pedro Damião deveu também a sua grandeza a um parente que lhe custeou os estudos.
O célebre orador Massillon foi ajudado pela caridade dos fiéis, pela qual pode fazer os seus estudos e tornar-se um dos príncipes da arte oratória.
O rico que socorre as obras pias, encontrará na outra vida uma messe abundante de obras santas. Entrando no Céu, será recebido por numerosas almas que o saudarão como seu benfeitor. — «Nós somos», dir-lhe-ão alguns, radiantes de alegria, «órfãos que fomos acolhidos no colégio mantido com vossas esmolas». «Nós somos» exclamarão outros, «selvagens da África e a Oceania, que fomos instruídos e batizados por missionários enviados com os vossos abundantes socorros, para tirar-nos das trevas da idolatria. A vós devemos a nossa glória eterna».
E todas aquelas almas formarão o seu júbilo e a sua coroa por todos os séculos. Então ele bendirá a caridade feita e entoará um hino de perene agradecimento ao Altíssimo, que lhe outorgou a graça de converter as riquezas terrenas em riquezas imarcescíveis do Céu.
Concluamos. No leito de morte devemos abandonar tudo e separar-nos do nosso dinheiro; há, porém, um meio de levá-lo além da sepultura e achá-lo multiplicado na outra vida: Dá-lo aos pobres e às instituições de caridade.
Quando um rico emigra para a América. vende os seus bens e o valor. o deposita em algum banco célebre de Paris ou de Londres, levando consigo um recibo mediante o qual, chegando ao Novo Continente, lhe dão o mesmo valor em outro banco em correspondência com o primeiro. E nisto usa prudência finíssima, porque se levasse consigo o dinheiro equivalente poderia ser roubado.
A vida presente é uma viagem para a eternidade. O rico que deseja encontrar os seus bens na Cidade do Paraíso, dê-os aos pobres, que são os banqueiros do Senhor.
A esmola é o banco mais vantajoso e infalível que dá cem por um no mundo e a glória eterna no Céu.