Todas as orações

O Abandono à Providência Divina

Padre Jean Pierre de Caussade

Livro Terceiro: Da assistência paternal com que Deus envolve as almas que se abandonam inteiramente a ele

CAPÍTULO IX - O amor ocupa o lugar de tudo, para as almas que seguem este caminho

Despojando de tudo as almas que se lhe entregam sem reserva, Deus dá-lhes uma coisa que para elas tem o lugar de tudo, de luz, de sabedoria, de vida e de força: é o seu amor. Nestas almas, o amor divino é como um instinto sobrenatural. Cada coisa na natureza tem o que é conveniente à sua espécie: cada flor seu encanto, cada animal seu instinto, cada criatura sua perfeição. Assim também nos diversos estados da graça cada um tem sua graça específica, e há sua recompensa para cada um daqueles cuja boa vontade se conforma com o estado em que o colocou a Providência.

Uma alma lança-se na ação divina desde que no seu coração se encontra formada a boa vontade; e esta ação tem sobre ela mais ou menos influência, segundo se abandona mais ou menos. A arte do abandono não é senão a arte de amar. O amor divino concede tudo a quem lhe não recusa nada. E como ele é que inspira todos os desejos duma alma que só vive dele, não pode deixar de os ouvir: porventura pode o amor não querer aquilo que quer?

A ação divina não olha senão à boa vontade; não a atrai a capacidade das outras faculdades, como nem a incapacidade a afasta. Encontrando um coração bom, puro, reto, simples, submisso, filial e respeitoso, é quanto lhe basta. Apodera-se desse coração, toma posse de todas as suas faculdades, e dispõe tão admiravelmente todas as coisas para o seu maior bem, que em todas encontrará modo de se santificar. Se nela entra o que dá a morte às outras almas, o contraveneno da sua boa vontade não deixará de atalhar os seus efeitos. Se chegar à borda do precipício, a ação divina afastá-la-á; se aí a deixar, impedi-la-á de cair; e se caiu, retirá-la-á. Tudo bem considerado, as faltas destas almas são apenas faltas provenientes da fragilidade. O amor sabe tirar delas sempre vantagem. Por insinuações secretas, faz-lhes compreender o que têm a dizer ou a fazer, segundo as circunstâncias.

Recebem em si mesmas como que uns fulgores da inteligência divina: Intellectus bonus omnibus facientibus eum. Esta inteligência divina acompanha-as em todos os seus caminhos, tira-as de todos os maus passos nos quais porventura a sua simplicidade as fez entrar. E se talvez se lançaram em algum compromisso que lhes seja prejudicial, a Providência proporciona-lhes soluções felizes que tudo reparam. Por mais que contra ela se formem e se multipliquem as intrigas, a Providência desfaz todos os nós, confunde os seus autores, os quais, tomados dum espírito de vertigem, vêm a cair nas ciladas que eles mesmos prepararam. Conduzidas pela Providência, as almas às quais se destinavam essas ciladas, realizam, sem pensar nisso, certo número de coisas talvez inúteis na aparência, mas que servem para as libertar sem demora de todos os embaraços e dificuldades em que a sua retidão, aproveitada pela malícia dos inimigos, as tinha precipitado!

Oh! Como esta boa vontade é avisado procedimento! Quanta prudência não há na sua simplicidade, quanta destreza na sua inocência e na sua franqueza, quantos mistérios e segredos na sua retidão!

Vede o jovem Tobias. Não passa de uma criança; mas Rafael está ao seu lado. Com tal guia, caminha seguro; nada lhe mete medo e nada lhe falta. Os próprios monstros que lhe saem ao caminho, são os que lhe fornecem alimento e remédios; e ele não se ocupa senão de bodas e festins, pois esse é, na ordem da Providência, o seu objeto presente. Não é que não tenha outros negócios, mas todos estão confiados a essa inteligência encarregada de o assistir; e tão bem resolvidos se encontram, que nunca teve semelhante êxito, pois só vê prosperidades e bênçãos. Contudo a mãe chora, mergulhada na mais amarga tristeza; mas o pai está cheio de fé. E o filho tão amargamente chorado volta cheio de gozo e com toda a sua família entra a desfrutar da maior alegria.

O divino amor é, pois, para as almas que a ele se entregam em cheio, o princípio de todos os bens. E para adquirir este bem inestimável, basta desejá-lo verdadeiramente.

De fato, queridas almas, Deus não exige senão o vosso coração; se buscais este tesouro, este reino onde só Deus reine, encontrá-lo-eis. Se o vosso coração está completamente entregue a Deus, é desde logo esse tesouro, esse próprio reino que desejais e buscais. Desde que queremos a Deus e a sua vontade santíssima, gozamos de Deus e da sua vontade, e este gozo é proporcional ao nosso desejo. Amar a Deus é desejar sinceramente amá-lo; porque o amamos, queremos ser instrumentos da sua ação, para que o seu amor se exercite em nós e por meio de nós.

A ação divina não corresponde à destreza da alma simples e santa; mas à pureza da intenção, e não às medidas que se empregam ou aos projetos que se formam, nem aos modos que se excogitam ou aos meios que se escolhem. Em tudo isso a alma pode enganar-se, nem é raro que tal suceda; porém a sua retidão e a bondade da sua intenção, essas não a enganam nunca. Desde o momento que Deus encontra esta boa disposição, desconta-lhe todo o resto e considera como feito o que ela realizaria infalivelmente se vistas mais seguras secundassem a sua boa vontade.

A boa vontade nada tem, portanto, que temer; se cai, não pode cair senão debaixo da mão onipotente que lhe serve de guia e a ampara e a vai reconduzindo ao bom caminho, do qual porventura se desviou. Nela a alma encontra o remédio nas desordens em que a lança o esforço e a cegueira das faculdades que a desviam; faz-lhes sentir quanto deve desprezá-las, para não contar senão com ela e se abandonar totalmente à sua direcção infalível. Os erros em que caem as almas boas terminam, portanto, no abandono, e jamais um coração bom pode ser encontrado desprevenido, pois é dogma de fé que tudo coopera para o seu bem.


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