O Abandono à Providência Divina

Pe. Jean Pierre de Caussade

Livro Segundo: Da ação Divina e da maneira como ela trabalha sem cessar na santificação da alma

CAPÍTULO I - A ação divina está presente em toda a parte e sempre, ainda que não seja visível senão aos olhos da fé

Na mão de Deus todas as criaturas estão vivas; os sentidos não percebem senão a ação da criatura, mas a fé vê em tudo a ação divina. Ela crê que Jesus Cristo vive em tudo e opera em toda a extensão dos séculos; que o menor momento e o mais pequeno átomo encerram uma porção dessa vida escondida e dessa ação misteriosa. A ação das criaturas é um véu que cobre os profundos mistérios da ação divina. Jesus Cristo, depois da ressurreição, surpreende os discípulos com as suas aparições; apresentava-se-lhes sob figuras que o encobriam; e logo que se manifestava, desaparecia. Este mesmo Jesus, que está vivo e sempre operante, surpreende ainda as almas que não têm a fé bastante esclarecida.

Não há momento nenhum em que Deus não se apresente, sob a aparência de alguma obrigação ou de algum dever. Tudo o que se realiza em nós, ao redor de nós, e por nós, encerra e cobre a sua ação divina que está presente dum modo real e certíssimo, mas com uma presença invisível; donde resulta que somos sempre surpreendidos e não conhecemos a sua operação senão quando ela já não subsiste.

Se nós rasgássemos o véu e estivéssemos vigilantes e atentos, Deus revelar-se-nos-ia sem cessar e gozaríamos da sua ação em tudo o que nos acontece. Em cada coisa diríamos: Dominus est! é o Senhor! e verificaríamos em todas as circunstâncias, que recebemos um dom de Deus; consideraríamos as criaturas como fracos instrumentos nas mãos dum artífice todo poderoso, e sem dificuldade reconheceríamos que nada nos falta, e que o cuidado contínuo de Deus O leva a distribuir-nos, a cada instante o que nos convém. Se tivéssemos fé, sentir-nos-íamos agradecidos a todas as criaturas; acariciá-las-íamos e estar-lhes-íamos reconhecidos no nosso interior, por nos servirem e se tornarem tão favoráveis à nossa perfeição, aplicada pela mão de Deus.

Se vivêssemos, sem interrupção, da vida da fé, estaríamos em um contínuo trato com Deus; falar-lhe-íamos face a face. O que é o ar para transmitir os nossos pensamentos e as nossas palavras, seria para as de Deus tudo o que nos acontece de fazer ou sofrer; seria o corpo de sua palavra, que em tudo se nos representaria no exterior; tudo para nós seria santo, tudo nos seria excelente. A glória estabelece um tal estado no céu; a fé estabelecê-lo-ia sobre a terra. A diferença não seria senão no modo de o realizar.

A fé é o intérprete de Deus. Sem os esclarecimentos que ela dá, não entendemos nada da linguagem das criaturas. É uma escrita em cifra, um aglomerado de números, onde só vemos confusão; é um montão de espinhos, do meio dos quais não supomos que Deus possa falar. Mas a fé mostra-nos como fazia a Moisés, o fogo da divina caridade ardendo no centro desses espinhos; dá-nos a chave desses números, e faz-nos descobrir nessa confusão as maravilhas da sabedoria do alto. A fé comunica a toda a terra uma face celeste; por ela é que o coração se sente transportado, arrebatado, para conversar no céu.

A fé é a luz do tempo, só ela atinge a verdade sem a ver; toca o que não sente; vê este mundo como se ele não existisse, vendo uma coisa muito diferente do que aparece. É a chave dos tesouros, a chave do abismo, a chave da ciência de Deus. A fé é que nos faz ver a verdadeira linguagem das criaturas; por ela é que Deus se revela e se manifesta em todas as coisas. Ela é que as diviniza, lhes tira o véu e descobre a verdade eterna.

Tudo o que nós vemos não é senão vaidade e mentira; a verdade das coisas está em Deus. Que diferença tão grande entre as ideias de Deus e as nossas ilusões. Como é que pode suceder que, estando continuamente a ser advertidos de que o que se passa no mundo não é senão uma sombra, uma figura, mistério de fé, contudo nós procedamos sempre conforme ao sentido natural e humano das coisas, que não é senão um enigma? Caímos na armadilha como insensatos, em vez de levantarmos os olhos e de nos remontarmos ao princípio, à fonte, à origem das coisas, onde tudo tem outro nome e outras qualidades; onde tudo é sobrenatural, divino, santificante, onde tudo participa da plenitude de Jesus Cristo; onde tudo é pedra da Jerusalém celeste, em que tudo entra e faz entrar nesse edifício maravilhoso. Vivemos guiados pelos sentidos, e tornamos inútil essa luz da fé, que nos guiaria tão seguramente no labirinto de tantas trevas e figuras, no meio das quais nos perdemos como insensatos. Pelo contrário, aquele a quem a fé serve de guia, nada quer senão a Deus e de Deus vive sempre, deixando para trás a figura e ultrapassando-a.


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(Pe. Jean Pierre de Caussade)
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