Todos as meditações
Da nobreza da alma

Fili, in mansuetudine serva animam tuam, et da illi honorem secundum meritum suum – “Filho, guarda a tua alma na mansidão, e dá-lhe honra segundo o seu merecimento” (Ecle 10, 31)

Sumário. A nossa alma é, sem dúvida, mais preciosa do que todos os bens do mundo, não só pela sua nobre origem, senão também, e muito mais, pelo preço do seu resgate e pela sublimidade do seu destino. Por isso o demônio estima-a tão alto, que para se apoderar dela não descansa. Ora dize-me: se o inimigo vela sempre para perder a nossa alma, como podemos nós ficar dormindo o sono da tibieza?

I. Devemos considerar bem que o negócio da nossa eterna salvação é um negócio das mais graves consequências, porque se trata da alma, e, tendo-se perdido esta, tudo está perdido. A alma, diz São João Crisóstomo, deve ser tida por nós como mais preciosa que todos os bens do mundo. E, para compreender esta verdade acrescenta São Eleutério, se não nos basta saber que Deus a criou à sua imagem e semelhança, seja-nos ao menos suficiente saber que Jesus Cristo pagou um preço de valor infinito para remir a alma da escravidão do demônio: Si non credis Creatori, interroga Redemptorem — “Se não acreditas no Criador, interroga ao Redentor”.

Assim é: para salvar nossas almas, o próprio Deus sacrificou seu Filho à morte; e o Verbo eterno não duvidou resgata-las a troco de seu sangue. Empti enim estis pretio magno (1) — “Fostes comprados por alto preço”. Pelo que um santo Padre, considerando o preço do resgate humano, chega a dizer: Parece que o homem vale tanto como Deus. — Tinha muita razão São Filipe Neri de tratar pela salvação da alma. Se tem tamanho valor a nossa alma, que bens do mundo poderemos dar em troca, se viermos a perdê-la? Quam dabit homo commutationem pro anima sua? (2) — “Que dará o homem em troca da sua alma?”

Se houvesse na terra homens mortais e outros imortais, e se os mortais vissem os imortais preocupados com as coisas do mundo, procurando granjear honras, bens e prazeres mundanos, dir-lhes-iam sem dúvida: Quanto sois insensatos! Podeis adquirir bens eternos e pensais nessas coisas miseráveis e passageiras? E é por elas que vos condenais a penas eternas na outra vida? Deixai esses bens terrestres para aqueles que, como nós, tudo vem acabar com a morte. Mas não! Todos somos imortais. Como é então que tantas pessoas perdem a alma em troca das miseráveis satisfações deste mundo?

II. Devemos de hoje em diante empregar toda a diligência na salvação da nossa alma, e por isso devemos fugir das ocasiões perigosas, resistir às tentações e frequentar os sacramentos. Vede, diz Santo Agostinho; o demônio estima tanto uma alma, que para se apoderar dela, não dorme, mas anda continuamente ao redor de nós buscando perdê-la. Ora, se o inimigo vela sempre para a nossa perdição, havemos de ficar dormindo o sono da tibieza? Vigilat hostis, dormis tu?

Ah, meu Deus! De que serviram os longos anos que me haveis dado para adquirir a salvação eterna? Vós, ó Redentor meu, resgatastes a minha alma à custa do vosso sangue e ma destes para trabalhar pela sua salvação, e eu não trabalhei senão para perdê-la, ofendendo-Vos a Vós, que tanto me haveis amado. Agradeço-Vos o tempo que ainda me concedeis para reparar tão grande perda. Perdi a alma e a vossa amável graça!

Senhor, arrependo-me e sinto-o de todo o coração. Ah, perdoai-me, pois que d’oravante estou resolvido a perder todos os bens, incluindo a vida, antes que perder a vossa amizade. Amo-Vos sobre todas as coisas e tenho a firme vontade de Vos amar sempre, ó Bem supremo, digno de todo o amor. Ajudai-me, ó meu Jesus, a fim de que esta resolução não seja semelhante às outras que formei no passado e que foram outras tantas infidelidades. Deixai-me antes morrer do que tornar a ofender-Vos e deixar de Vos amar.

— Ó Maria, esperança minha, salvai-me, obtendo-me a santa perseverança.

Referências:

(1) 1Cor 6, 20
(2) Mt 16, 26