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  Apresentação

Os Sete Pecados Capitais e como obter a cura

Iniciamos agora o Curso do Pocket Terço que trata dos sete pecados capitais e de como podemos nos livrar deles. Este curso é inspirado no livro 'Um olhar que cura - Terapia das doenças espirituais', do Padre Paulo Ricardo. Vamos abordar de que forma esses pecados adoecem nossa alma e apresentar os remédios para obter a cura.


Vamos entrar na compreensão dos sete pecados capitais: gula, luxúria, avareza, ira, inveja, preguiça e vaidade. Cada um desses pecados será abordado em detalhes, mostrando as causas, consequências e, mais importante, o remédio.


Antes de mais nada, este projeto exige que você queira trilhar o caminho de mudança de vida. Você está feliz com a forma como está conduzindo sua vida? Você tem certeza de que está bem espiritualmente? Se a resposta for não, você precisa ser perseverante conosco. Temos certeza de que, com sua vontade de mudar aliada à vontade de Deus, sua vida será transformada.


Para começar, entenderemos as três consequências do pecado original e como ele desordenou nossa natureza. Depois, exploraremos a filáucia, ou amor desordenado por si mesmo, que é a raiz de todos os vícios, e a antropologia, para descobrimos onde fica nossa tendência para o pecado. Depois de passar por esse fundamento iremos passar pecado por pecado.


Baseado nos ensinamentos de São Máximo, o Confessor, Santo Tomás de Aquino, São Gregório Magno, São João Clímaco, Santo Agostinho e Santa Teresa D’Avila, vamos aprender a reconhecer e combater esses pecados, aplicando as terapias espirituais que estes santos nos apresentam.


Vamos falar da gula e a luxúria, entendendo como elas se manifestam e como a oração e mortificação podem nos ajudar a superar esses desejos desordenados. Veremos a avareza e a importância da liberalidade e da generosidade como antídotos. Abordaremos a ira, mostrando como canalizar essa energia para o bem, e a tristeza, transformando-a em arrependimento e mudança de vida. Por fim, discutiremos a preguiça espiritual, ou acídia, e a soberba, enfatizando a importância da humildade e do amor verdadeiro.


O objetivo do Pocket Terço é ajudar você a trilhar o caminho da Via Purgativa, que é a etapa de purificação para entrar nas primeiras moradas do Castelo Interior. É preciso usar nossa inteligência e vontade para entender e se libertar dessas doenças espirituais, e ter uma vida mais alinhada com a vontade de Deus.


Esperamos que você nos acompanhe até o final nesse caminho de autoconhecimento e crescimento espiritual.


Queremos deixar aqui alguma sugestões de livros para você. Os links estão logo abaixo, caso queira conhece-los melhor.


  • Um olhar que cura, Terapia das doenças espirituais (Padre Paulo Ricardo) Conhecer
  • Teologia do Corpo, o Amor Humano No Plano Divino (São João Paulo II) Conhecer
  • As três vias e as três conversões (Reginald Garrigou-Lagrange) Conhecer


  As três consequências do pecado

Vamos iniciar com a raiz do nosso problema. Nós fomos criados por Deus à sua imagem e semelhança. Está no relato da criação: “Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou” (Gn 1, 27). Estava tudo em ordem até que o pecado entrou no mundo.


O pecado é uma invenção demoníaca. Ele já existia antes do mundo material ser criado. Deus colocou o homem em um jardim com muitas possibilidades, mas proibiu comer de uma única árvore. O demônio, por inveja, se aproximou do homem para tentá-lo e inverteu o aviso de Deus, dizendo que se comessem do fruto, seriam como deuses. Isso tornou o fruto extremamente atraente.


“A mulher viu que o fruto da árvore era bom para comer, atraente aos olhos e desejável para obter conhecimento” (Gn 3, 6). Três pontos importantes: comer, olhar e poder. Guarde isso: essas três realidades vão marcar a história da humanidade.


No Novo Testamento, São João fala sobre as três fontes de tentações: “a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida.” (1 João 2, 15-16). E nas tentações de Cristo no deserto, vemos as mesmas três realidades: transformar pedras em pão, todos os reinos da terra e lançar-se do pináculo do templo.


Essas tentações estão profundamente amarradas na nossa história. Desde Adão e Eva, passando por Cristo no deserto, até os dias de hoje. As três tentações são resumidas como três desejos: desejo de prazer, desejo de ter e desejo de poder.


Essas tendências desordenadas estão em nós por causa do pecado original. Santo Tomás de Aquino explica como essas desordens afetam nossa alma e nossas ações. A luta contra essas desordens é essencial para nossa vida espiritual.


Para combater essas tentações, temos as práticas quaresmais de jejum, esmola e oração, além dos votos religiosos de castidade, pobreza e obediência. Essas práticas nos ajudam a manter o foco em Deus e a lutar contra as desordens internas.


Deus nos fez à sua imagem e semelhança, fomos feitos para amar. Por inveja do demônio, entrou a desordem no mundo. Iremos lutar contra essas desordens e buscar a cura.


Na próxima aula vamos entender sobre o amor próprio que ficou desordenado em nós.



  A filáucia, mãe de todos os vícios

Na aula anterior, apresentamos onde começou o nosso problema, com Adão e Eva e o pecado original. Deus nos criou à sua imagem e semelhança, ordenados, mas entrou a desordem no mundo por tentação do demônio.


Nós carregamos até hoje três realidades resumidas em uma raiz única e básica: um amor desordenado por si mesmo, a “Filáucia”. Filáucia, em português, geralmente é traduzida como “egoísmo”, mas não é só isso. É um amor próprio desordenado.


São Máximo, o Confessor, nos fala do amor próprio como a raiz das três realidades que vimos na aula passada: comer, olhar e poder. Ele diz que a filáucia é a causa de todos os pensamentos passionais.


A filáucia é a mãe de todos os vícios e pecados. E por isso é muito necessário combater esse amor próprio desordenado.


Vamos entender melhor essa desordem: antes do pecado original, o amor próprio era sadio. O homem, ao olhar para si mesmo, via a imagem e semelhança de Deus. Mas, com o pecado, essa visão se tornou opaca. A pessoa filauciosa se destrói, amando a si mesma de forma desordenada.


Um exemplo claro é a pessoa viciada em drogas. Ela busca felicidade, mas acaba se autodestruindo. Aristóteles, que não conheceu Jesus, que não conheceu a Bíblia, não conheceu nada disso aqui que nós estamos falando, já observava isso, mostrando que o amor próprio desordenado prejudica a pessoa e os outros ao seu redor.


Deus nos chama a renunciar a nós mesmos. Jesus disse: “Renuncia a ti mesmo, toma a tua cruz dia após dia e me segue” (Lc 9, 23). O único caminho para sair da autodestruição é renunciar ao amor doente por nós mesmos e abraçar o amor a Deus.


Este amor virtuoso tem três objetos possíveis: Deus, a si mesmo e o próximo. Mas deve ser ordenado. Amar Deus por causa de Deus, amar a si mesmo como imagem e semelhança de Deus e amar o próximo vendo Deus nele. Isso nos leva a uma dinâmica de amor verdadeiro.


Amar a Deus sobre todas as coisas põe a casa em ordem. Todos os nossos amores entrarão na ordem e estaremos no caminho da cura das nossas doenças espirituais.


Então, onde exatamente no homem acontece o pecado? Tem um lugar? Na próxima aula vamos aprender a antropologia com Santo Tomás de Aquino.



  Antropologia de Santo Tomás de Aquino

Nesta aula, vamos olhar para a antropologia. Antropologia, aqui no nosso contexto, é o estudo dos seres humanos. Então, onde é, no homem, que fica a nossa tendência para o pecado?


A tendência para o pecado está no relacionamento entre o corpo e a alma. Nós, cristãos, não temos uma visão do ser humano como os platônicos, que pensam que somos almas aprisionadas dentro de um corpo. Santo Agostinho já discordava disso. O pecado não está no corpo, mas na alma que usa o corpo. Por exemplo, um animal não peca ao seguir seus instintos, mas um ser humano, com alma, pode pecar.


Não somos almas prisioneiras no corpo, mas um todo composto por corpo e alma. Este todo está desordenado por causa do pecado original. Então, vamos olhar para este relacionamento entre corpo e alma. Onde está essa relação? Nos nossos sentidos e desejos.


Temos dois tipos de conhecimento: sensível (dos sentidos) e intelectual (da alma). Os sentidos externos, como olfato, paladar, visão, audição e tato, são compartilhados com os animais. Mas também temos sentidos internos, como o sentido comum, estimativo, memória e fantasia. Estes sentidos internos são onde a tendência ao pecado pode se manifestar.


O conhecimento sensível nos dá informação sobre o mundo. Já o conhecimento intelectual, típico da alma, permite abstração, conceitos universais e finalidade. Este é o conhecimento que os animais não possuem.


Uma vez que conhecemos algo, podemos desejá-lo. Esse desejo pode ser dividido em concupiscível (desejo fácil de obter) e irascível (desejo difícil de obter). Quando o desejo é fácil, como a fome ou desejo sexual, é concupiscível. Quando é difícil, envolve esforço ou raiva, é irascível.


O problema não está no corpo, mas na relação entre corpo e alma. A alma deve ser como um cavaleiro que controla o cavalo (corpo e alma compostos). Este controle não deve ser tirânico, mas político, ou seja, gradual e pedagógico.


Para controlar nossos desejos e paixões, precisamos de um caminho de oração e ascese (prática de disciplina e autocontrole para fortalecer a alma e aproximar-se de Deus).


Na primeira aula, vimos a origem dos nossos problemas. Na segunda, vimos como a filáucia cria os três pecados. Nesta, entendemos onde o pecado se manifesta.


Na próxima aula vamos começar com a gula, o primeiro pecado capital de nossa lista.



  Gula

Nesta aula, finalmente vamos começar a falar dos pecados capitais. O primeiro será a gula.


A gula é uma doença que muitas vezes consideramos um pecado menor, mas ela tem grande importância. Também chamada de gastrimargia, que significa “loucura do ventre”, já nos dá uma ideia da natureza da gula: uma desordem ligada ao estômago.


Santo Tomás de Aquino trata disso na Suma Teológica. Temos dificuldade de entender a gula como pecado, já que todos nós sentimos fome e prazer com a comida, o que é natural e parte da ordem criada por Deus. Mas a gula é definida como um desejo desordenado de comer e beber.


Na aula anterior, vimos a antropologia por trás do pecado. Temos dentro de nós um cavaleiro e um cavalo (alma e corpo compostos). O corpo tem suas tendências, e é a alma que deve, de forma sábia e política, doma-lo e conduzi-lo.

O que é a gula?

Santo Tomás de Aquino explica que a gula é um desejo desordenado. Este desejo pode manifestar-se de várias formas. São Gregório Magno identifica cinco formas diferentes pelas quais a gula nos tenta: quantidade, qualidade, ostentação, momento e voracidade.


Vamos descrever cada uma delas:

  • A primeira é a quantidade excessiva de comida. Comer mais do que o necessário.
  • A segunda é a qualidade da comida. Buscar sabores requintados e bem elaborados.
  • A terceira forma é a ostentação na comida. Comer alimentos caros e especiais não pelo sabor, mas pela vaidade de consumir algo exclusivo.
  • A quarta é comer antes do momento adequado, sem conseguir esperar.
  • A quinta forma é a voracidade, a maneira intensa de se alimentar.
Então a gula não está na comida em si, mas na atitude da alma diante dela.

As filhas da gula

Santo Tomás de Aquino também menciona outro texto de São Gregório Magno, onde ele fala dos pecados capitais e suas consequências. Da gula surgem outros cinco pecados: alegria tola, comportamentos exagerados, fala em excesso e desnecessária, mente confusa e impureza.


A alegria tola é aquela felicidade boba e exagerada durante um banquete. Comportamentos exagerados é a falta de modos, piadas inconvenientes e comportamento ridículo. A fala em excesso é falar desnecessariamente e ser prolixo, sem conseguir manter um silêncio sadio. A mente confusa é a falta de clareza mental e lentidão de pensamento que surge da gula.


A última filha da gula é a impureza, que se manifesta tanto fisicamente, como o excesso de comida e bebida, quanto espiritualmente, como a luxúria. A gula e a luxúria estão relacionadas, pois ambas envolvem centros de vitalidade humana: a comida sustenta a vida individual e a sexualidade sustenta a espécie.


Na próxima aula vamos ver como podemos curar essa doença espiritual.



  Cura da gula

Na aula anterior, falamos da gula. Nesta, falaremos sobre como se tratar dessa doença. A necessidade de uma terapia para a gula é evidente em nossa sociedade, com tantas dietas e soluções milagrosas para emagrecer.


As pessoas têm dificuldade de entender a natureza espiritual da gula. Não é apenas uma questão de o que ou quanto se come, mas uma questão de atitude. Vivemos em uma sociedade que não quer conversão, assim como muitos querem emagrecer sem esforço, querem se curar espiritualmente sem esforço.


Por exemplo, a redução do estômago é uma solução extrema para emagrecer, e muitos não enfrentam a raiz espiritual do problema. Muitas vezes, algumas pessoas que fazem redução do estômago voltam ao peso anterior porque mudaram o estômago, mas não mudaram o espírito.

O que os Santos nos ensinam?

Segundo Santo Tomás de Aquino, a abstinência de alimentos é uma virtude que nos ajuda a moderar o uso dos prazeres do paladar, contribuindo para a disciplina do corpo e do espírito.


Santo Agostinho diz que o importante é a facilidade e serenidade com que se sabe privar da comida quando necessário e conveniente. A terapia da gula visa alcançar essa serenidade.


São Paulo diz que “o Deus deles é o ventre” (Filipenses 3, 19), indicando que existe uma idolatria pela comida.


Um monge russo diz: “A ascese corporal é necessária para tornar a terra do coração apta para receber as sementes espirituais.” Para plantar essas sementes, precisamos preparar o terreno com jejum e sobriedade. Lembrando que ascese é a prática de disciplina e autocontrole para fortalecer a alma e aproximar-se de Deus.

O jejum

Existem dois excessos: o abandono do jejum e o exagero do jejum. O abandono faz com que os homens se tornem semelhantes a animais, dominados pelo corpo. O exagero torna o homem semelhante aos demônios, levando à soberba. É importante encontrar o equilíbrio.


Santo Tomás de Aquino diz que o jejum tem três finalidades: conter a concupiscência da carne, elevar a alma à contemplação de realidades sublimes e satisfazer pelos nossos pecados.


O jejum ajuda a conter a concupiscência da carne, moderando nossos desejos. Ele também eleva a alma, permitindo uma vida mística e de contemplação. E, finalmente, o jejum ajuda a compensar nossos pecados, purificando a alma e submetendo a carne ao espírito, controlando os desejos do corpo.


A ordem de Deus é que o Espírito Santo comande a nossa alma, que por sua vez deve comandar o corpo. O diabo inverte essa ordem, fazendo com que o corpo comande a alma. O jejum ajuda a restaurar essa ordem, permitindo que a alma domine o corpo.


Portanto, a terapia da gula envolve não só o jejum total, mas também jejuns parciais, abstinência de certos alimentos e moderação na comida. É essencial que essas práticas sejam acompanhadas de oração e agradecimento, transformando nossa atitude diante da alimentação.


A Igreja nos oferece os sacramentos para nos ajudar no tratamento de nossas doenças espirituais. A Eucaristia, sacramento central da nossa fé, é um ato de comer e beber em ação de graças. Além da parte espiritual, a atitude correta diante do alimento pode mudar e curar nossa doença espiritual da gula.


Agora que você já conheceu qual é o remédio para a gula, na próxima aula vamos falar sobre o segundo pecado de nossa lista: a luxúria.



  Luxúria

Nesta aula, falaremos do segundo pecado capital, a luxúria, conhecida em grego como πορνεία (porneia).


Esses primeiros pecados que estamos tratando são os mais rudes. Já falamos da gula, uma disfunção central na vida do indivíduo, pois, se você parar de comer, você morre. A gula interfere nesse centro vital. A luxúria, por sua vez, é uma forma inadequada de viver a sexualidade e é uma disfunção na vida da humanidade, pois, se a humanidade parar de se reproduzir, a vida acaba.


A luxúria diz respeito a uma sexualidade desordenada. Mesmo após o pecado ser perdoado, a desordem interior permanece.


Em latim, “luxuria” sugere um excesso. Quando dizemos que algo é luxuoso, estamos falando de um excesso. Já em grego, “porneia” tem a ver com a ideia de prostituição e vender-se. Isso nos mostra a essência do pecado: a coisificação da pessoa, transformando-a em objeto.


O relacionamento desejado por Deus é entre duas pessoas que se doam mutuamente. No centro do sexo está o amor. Amar é o encontro de duas pessoas que se respeitam mutuamente, com igual dignidade. Quando Deus criou Adão e Eva, tirou da costela de Adão, ou seja, de seu lado, e Ele fez isso para simbolizar essa igualdade. Então, o sexo, quando ele é vivido humanamente, natural, criado por Deus, ele é homem com mulher, face a face, frente a frente, rosto com rosto.


Mas o pecado muda isso, transformando o relacionamento em um de sujeito e objeto, senhor e escravo. A sinalização de uma disfunção no mundo afetivo sexual é clara quando alguém prefere, por exemplo, ter um cachorro em vez de um filho, ou em vez de um marido ou mulher. Isso ocorre porque o cachorro se torna um ser sem liberdade, fazendo as pessoas se sentirem mais tranquilas e no controle da situação. Isso é evidente nas disfunções sexuais (práticas inadequadas, diferentes da via normal e natural), onde a dignidade do outro é desrespeitada e o relacionamento se torna sadomasoquista.


Um exemplo extremo que podemos dar é quando você ouve alguém ofendendo a dignidade de outra pessoa. Frequentemente, usam-se expressões muito baixas e xingamentos, mandando que aquela pessoa seja submetida a uma forma de sexo inadequado. Isso é extremamente ofensivo, não apenas simbolicamente, mas também fisicamente doloroso. Então, vemos que existe aí uma disfunção.


Mas aí vem a grande pergunta: por que as pessoas, mesmo assim, praticam essas disfunções sexuais? Porque existe uma troca. Muitas vezes, aquele que é senhor no sexo aceita ser escravo na vida, e vice-versa. Muitas vezes, as pessoas não percebem que a falta de equilíbrio no mundo sexual também repercute em um desequilíbrio na vida.


O que está por trás disso é a idolatria, onde o relacionamento se torna uma forma de adoração a falsos deuses. Já mencionamos sobre a idolatria quando falamos da gula. Aqui não é diferente. Quando você fala de Senhor, está se referindo a alguém que toma a posição de Deus. E quando fala de escravo, refere-se a alguém na posição de criatura, porque nosso relacionamento com Deus é de Senhor e servo.


Você pode se perguntar: “Mas nós somos escravos de Deus?” A resposta é: “Sim, somos escravos de amor, escravos voluntários.” E é aqui que está a grande diferença: quando você permite que Deus seja Deus, você readquire sua dignidade, porque ninguém vive sem um Deus.


As pessoas acham que existe ateísmo, mas não existe. Ateu significa sem Deus, e não há ninguém sem Deus. Pode ser que a pessoa tenha um falso deus e, então, vai cultuar esse deus, do qual será servo. Então, quem é o seu deus? Sexo? Bebida? Dinheiro? Fama? Sucesso? Precisamos entender isto: ter um deus significa servi-lo. Uma vez que, na minha vida familiar e sexual, eu tenho o Deus verdadeiro no centro, todos os membros da família ocupam seus lugares naturalmente e não serão deuses.


Quando Deus é colocado no seu lugar, conforme o primeiro mandamento, as outras coisas automaticamente ocupam seus lugares, como em um efeito cascata, e você começa a ver as curas acontecendo na sua vida, inclusive na sua vida sexual. Caso contrário, você cai na ilusão idolátrica do demônio. Seu deus se torna outra coisa ou pessoa que não o Deus verdadeiro. Talvez seu deus seja você mesmo. Mas por trás da tentação, da luxúria, está a realidade de “sereis como deuses” (Gn 3, 4-5).


Ao se afastar do Deus verdadeiro, a consequência é a escravidão. A luxúria é uma doença que escraviza. Ninguém diz “estou viciado em castidade”, mas muitos são escravos da luxúria. Pequenos atos formam correntes que prendem a pessoa, tornando-a escrava de seus desejos.


Para vencer a luxúria, precisamos de Deus. São João Clímaco disse que a vitória sobre a natureza requer a presença daquele que está acima da natureza. Agora responda para si mesmo: quem está acima da natureza? Então, a luxúria inverte a ordem divina, onde o corpo domina a alma e a alma expulsa o Espírito Santo.


O sexo em si não seria pecado se fôssemos apenas corpo, como os animais. Mas como temos alma, a alma potencializa os desejos do corpo. A busca pela felicidade se confunde com a busca pelo prazer, mas a felicidade é da alma, e não do corpo.


O pecado da luxúria não se resolve acorrentando o corpo, pois é uma desordem da alma. A diferença entre uma relação sexual pecaminosa e uma casta está na atitude espiritual.


Na próxima aula iremos falar sobre como curar a luxúria, essa doença espiritual que nos faz perder a amizade com Deus.



  Cura da luxúria

Na aula passada, falamos sobre a doença da luxúria, a porneia. Neste, falaremos sobre sua terapia. É fundamental tratarmos desta questão para progredir na vida espiritual, pois o progresso espiritual acontece com o amor. E se há uma doença que nos impede de amar, essa doença é a luxúria, pois perverte nossa capacidade de amar. É urgente cuidarmos disso.


Como vamos curar a luxúria? Em primeiro lugar, precisamos entender que a castidade não é castração. Muitas pessoas pensam que castidade é algo negativo, uma privação total do sexo. Isso não corresponde ao cristianismo. Já vimos que a humanidade precisa dessa função criada por Deus para que seja mantida a vida. Castidade é um outro nome para o amor, um amor puro e verdadeiro. Não se trata de colocar correntes e cadeados, mas de viver em harmonia com o amor que Deus nos ensina.


A castidade não consiste em uma força de punição, mas em um amor positivo, um deleite na pureza. Iniciamos um caminho para a castidade que nos leva a algo extremamente prazeroso espiritualmente. Tiramos os prazeres da carne para encontrar a recompensa no amor. A maior felicidade é saber que recebemos a graça de amar.


Uma coisa é ser continente, outra coisa é ser casto. Continência é segurar, conter-se, mas castidade é pureza de coração, um amor verdadeiro e fecundo. Uma pessoa casada pode ser casta, vivendo o amor puro com seu cônjuge. Já alguém que não faz sexo, mas não ama, não é casto, apenas continente.


Psicólogos modernos ensinam que precisamos integrar nossas energias sexuais com nosso projeto de vida. Para os cristãos, esse projeto é amar a Deus e aos outros. Nossa energia sexual deve ser direcionada para esse amor. Não é castração, mas uma integração positiva das nossas pulsões dentro do projeto de vida que Deus tem para nós, que é a família.


Na prática, o primeiro passo é amar. Precisamos desmascarar nossa falta de amor e pedir a graça de amar. Quando surgir uma tentação, reconheça que não é amor e peça a Jesus a graça de amar verdadeiramente. Ame as pessoas desejando sua salvação, vendo nelas almas imortais, e reze por elas.


A castidade é possível com a graça de Deus. O amor se fez carne em Jesus e está à nossa disposição na Eucaristia. Precisamos pedir essa graça e acreditar que é possível amar de verdade. Veja a vida dos santos, como o Padre Pio, que viveu a castidade perfeitamente, amando intensamente a Deus e aos outros.


Não é possível viver a castidade sem amar. Devemos integrar nossas energias sexuais dentro do nosso ideal espiritual, canalizando-as para o amor verdadeiro. Santo Tomás de Aquino nos ensina a tratar essas energias de forma política, dialogando com nosso corpo e alma, e direcionando tudo para Deus.


Veremos agora, de forma concreta, como a castidade deve ser vivida por homens e mulheres, reconhecendo as diferenças entre os sexos. É interessante vermos como homem e mulher reagem de formas diferentes no mundo sexual.

O homem

Nossa sexualidade está manchada pelo pecado original, o que significa que não estamos em nossa plena natureza. Precisamos descobrir o sonho de Deus para nós e voltar a ser quem realmente somos.


Deus criou homem e mulher numa complementariedade. São João Paulo II nos ensina isso em seu livro Teologia do Corpo, o Amor Humano No Plano Divino (Conhecer este livro).


Os órgãos sexuais masculinos são externos, enquanto os femininos são internos. Isso reflete na tendência dos homens de ver a sexualidade de forma mais exteriorizada e das mulheres de maneira mais interior.


A sexualidade masculina tende a transformar a mulher em objeto sexual, enquanto a tendência da mulher é fazer do homem um objeto afetivo.


O homem tendencialmente é um sujeito que procura o prazer através do ver. Assim, a pornografia é uma doença eminentemente masculina. Para se curar, o homem precisa parar de ser um caçador. É necessário trabalhar o seu olhar para que não olhe mais para a mulher como um objeto de consumo, como um carro numa concessionária, mas sim como uma pessoa.


Então, para isso, uma das coisas mais importantes para que a sexualidade masculina seja curada é a , ou seja, um olhar que vê o sobrenatural. Se você não ver na mulher algo de sobrenatural, você dificilmente irá amá-la.


Precisamos entender que o sexo, para ser bem vivido, deve ser sagrado. A sexualidade deve ser arrancada das mãos do demônio e colocada na esfera divina. O corpo da mulher é um santuário da vida, onde Deus realiza o milagre da criação de uma alma. Esse lugar santo não pode ser profanado.


O homem deve ser um protetor, usando sua força para proteger a mulher, mas também aprendendo a contê-la para não machucá-la. A verdadeira virilidade está em ser capaz de controlar sua força e proteger a família. Todo homem maduro é pai, e nossa sociedade precisa educar os homens para a paternidade.


A sociedade atual não nos educa para sermos pais, nós somos todos educados para sermos solteiros. Por isso, quando muitos jovens entram no matrimônio, na vocação matrimonial, se sentem oprimidos com aquilo, porque eles gostariam da liberdade de solteiros. É preciso começar a enxergar a família.


Ao ver uma mulher, a desejando, o homem deve imaginar ela do lado do marido com seus filhos. Ela é chamada a ser família. Se o homem não quer ter filhos com ela, se não quer ter uma família com ela, então não tem direito de desejá-la sexualmente.


Quando você assiste filmes pornográficos e pratica o pecado solitário, você tem que colocar família ali naquela história e pensar assim: “E se fosse a minha mãe?” “Se fosse minha irmã?” “Se fosse minha filha?” “Eu gostaria, quando for pai, que a minha filha se despisse diante de milhares de homens?” “Que essa minha filha tivesse uma relação por dinheiro?” Porque não estão fazendo por caridade e nem por amor, é por dinheiro.


Imagine que ao cometer o pecado solitário hoje, se tocando, logo em alguns anos você será pai de família. Imagine agora seu filho com 15 anos de idade, abrindo a porta do quarto e encontrando você na frente do computador cometendo esse pecado. Esse é o exemplo que você quer dar para o seu filho? Ou você quer se conter e ser casto? Ser puro e amar verdadeiramente? O amor é uma doação, o amor é dar a vida, dar a vida num duplo sentido.


No sentido de transmitir a vida para os seus filhos, sendo pai, e no sentido de derramar o seu sangue para dar a vida pela sua família, sendo pai de família, sendo esposo.


Então, o caminho da cura da luxúria é compreender nosso chamado a ser família.

A mulher

A mulher, por conta do pecado original, tende a usar o homem como objeto afetivo. O homem gosta de ver e a mulher gosta de mostrar. A modéstia é fundamental para a castidade feminina. É importante que as mulheres compreendam seu valor, tanto corporal quanto espiritual, e ensinem isso aos homens.


Assim como o homem precisa educar seu olhar para as mulheres como um santuário de vida, a mulher precisa compreender esse valor.


Quando uma mulher esconde seu corpo, revela sua alma. A moda atual pode ser prejudicial, e é crucial que as mulheres guardem sua virgindade como um tesouro precioso. O corpo deve ser cuidado com elegância, sabendo que seu valor maior está na alma, na sua capacidade de amar.


Imagine a insegurança que uma mulher sente ao tentar garantir o futuro de seu relacionamento usando apenas o seu corpo. Porque o corpo é algo temporário, uma “areia movediça” que muda com o tempo. Hoje ela pode estar linda, mas, após um fim de semana de exageros, já começa a se preocupar com o peso e a aparência. Essa pressão para manter o corpo perfeito é uma verdadeira tortura para muitas mulheres. Afinal, é o corpo que, muitas vezes, se acredita ser o fator que atrai e mantém o marido interessado.


O que acontece quando as mulheres se casam, têm filhos e envelhecem? O corpo muda, e manter a aparência jovem se torna um desafio, levando a cirurgias, aplicação de botox, silicone, entre outros procedimentos. Isso não seria um problema quando fosse necessário, mas há a tentativa de transformar o corpo em algo que não envelhece.


Então, é crucial entender que se doar sexualmente para o namorado não é a solução. Existe uma ideia absurda de que o sexo vai segurar o futuro marido, mas isso não é verdade. Sexo fora do casamento não é prova de amor. Um homem pode ter relações sexuais sem amor e até mesmo sem uma mulher, pois a sexualidade masculina exteriorizada, quando marcada pelo pecado, pode se manifestar de maneira descontrolada.


Ter relações sexuais não prova amor algum. O verdadeiro esforço e prova de amor está na castidade. Uma mulher se machuca emocionalmente quando tem relações sexuais sem significado afetivo. Mesmo que o homem diga que a ama, mande flores e presenteie, se ele tem relações sexuais com ela e depois vai embora, tudo pode ter sido uma mentira. Existe a possibilidade de que ele não estava realmente comprometido.


Muitas mulheres vivem neurotizadas, tentando sempre melhorar o corpo para seduzir. Porém, é importante cuidar do corpo com elegância, reconhecendo que ele é precioso para Deus. O maior valor da mulher está na alma, não no corpo. Quando se esconde o corpo, revela a alma; quando mostra o corpo, esconde a alma. Uma mulher seminua em um carro alegórico não será vista como inteligente ou virtuosa, mas apenas como carne. Por outro lado, uma mulher bem vestida pode revelar uma alma brilhante e valorosa.


Não é necessário ser uma freira para mostrar esse valor. Uma mulher que se veste com dignidade sabe que seu maior tesouro não apodrece, não cria rugas nem envelhece.


Vamos resumir os remédios para viver a castidade e o verdadeiro amor:

  • Redescobrir o plano de Deus: Focar na família.
  • Viver a castidade: Buscar um amor puro e verdadeiro, não castração.
  • Direcionar a energia sexual: Canalizar para o amor a Deus e aos outros, promovendo integração positiva.
  • Olhar sobrenatural: Amar verdadeiramente, ver as pessoas como almas imortais e pedir a graça de amar.
  • Ver a mulher como santuário: Enxergá-la como santuário de vida e usar a força para proteger a família.
  • Educar homens para a paternidade: Valorizar a mulher no contexto da família.
  • Dar bons exemplos para os filhos: Ser modelo de pureza e amor verdadeiro.
  • Modéstia no vestir e agir: Valorizar a alma acima do corpo.
  • Remover a pressão estética: Valorizar a alma em vez da aparência física.
  • Relação sexual e amor verdadeiro: Sexo fora do casamento não prova amor; a prova está na castidade.
Na próxima aula vamos falar sobre a avareza.



  Avareza

Nesta aula vamos falar sobre mais um pecado capital: a avareza.


A avareza é um apetite desordenado, um desejo desordenado de possuir coisas. Nos dois pecados que já tratamos anteriormente, a gula e a luxúria, observamos um relacionamento desordenado com a comida e com o sexo. Na raiz da avareza está um relacionamento desordenado com os bens materiais.


A avareza, junto com a gula e a luxúria, formam as três doenças espirituais básicas, que devemos enfrentar logo no início de um processo de conversão. Essas três doenças têm algo em comum: todas envolvem um apetite, um desejo. No entanto, há uma distinção importante. Enquanto a gula e a luxúria têm fundamentos na natureza humana, pois todos precisamos comer e a reprodução é natural, a avareza não tem uma base natural no corpo humano.


A avareza é um desejo desordenado pelo dinheiro, sem correspondência no composto animal. Nenhum animal acumula dinheiro ou bens. Este apetite desordenado está na realidade espiritual, ou seja, na alma. A avareza é uma inclinação errada da vontade, um desejo livre e racional.


Santo Tomás de Aquino explica que a avareza é um vício espiritual porque se realiza em deleitações espirituais, sem mistura de prazer carnal. O avarento sente prazer na convicção de ser dono das riquezas, tornando a avareza um pecado espiritual.


Dessa forma, entendemos que o combate à avareza deve ser, principalmente, espiritual. Diferente da luta contra a gula e a luxúria, que envolvem aspectos físicos, como jejum e controle dos desejos do corpo para evitar prejuízos, a avareza lida com uma realidade essencialmente espiritual.


No Evangelho de Lucas 12, 13-21, Jesus nos adverte contra a ganância com a parábola do rico insensato. Ele teve uma grande colheita, derrubou os celeiros e disse à sua alma que descansasse e gozasse. Deus, porém, o chamou de tolo, pois sua vida seria exigida naquela noite e seus bens não poderiam salvá-lo.


O dinheiro, por definição, é um meio e não um fim. Usar o dinheiro como finalidade da vida é tolice. Não devemos obter dinheiro apenas para guardar, sem um objetivo. A avareza é um vício que transforma algo que deveria ser um meio em um fim, distorcendo a nossa vontade. O dinheiro é sempre um instrumento de troca, todo mundo quer dinheiro para alguma coisa, ninguém quer dinheiro pelo dinheiro, seria absurdo querer o dinheiro apenas para tê-lo.


O filme “O Senhor dos Anéis” ilustra bem esse tema através do personagem Gollum (Smeagol). Ele encontra o anel de ouro e não há nenhum desejo carnal envolvido. Tolkien poderia ter centrado a saga nos desejos por comida ou sexo, mas ele escolheu um objeto. O pecado espiritual, no entanto, orienta nosso desejo para algo que nosso corpo e nossa natureza não pedem, uma vontade mal inclinada. É aí que reside toda a perversão de Gollum.


Nós também somos assim, temos essa doença. Somos tolos, elegemos coisas materiais como se fossem a fonte de nossa satisfação e felicidade. Isso é absurdo. A cura, como Jesus propõe na parábola, envolve algo muito importante que veremos na próxima aula: a meditação sobre a morte como uma maneira de combater a avareza.


São João Clímaco afirma que a avareza é a adoração dos ídolos e filha da incredulidade. Mais uma vez a idolatria aparece por aqui. São Paulo, em 1 Timóteo 6, 10, diz que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males, pois leva as pessoas a perverter a verdade em busca de lucro.


A regra espiritual dos santos padres diz: “Deseje o que você tem e terá tudo o que deseja”. Esse contentamento nos livra do desejo incessante de ter mais. Se você desejar somente o que já possui, terá tudo o que deseja e não ficará desejando mais e mais. Essa sabedoria ajuda a corrigir essa desordem.


A avareza não tem fundamento na natureza humana, sendo uma anomalia e uma tolice. São Máximo, o Confessor, explica que a avareza pode ter três motivações: prazer, vanglória e falta de fé.


Primeiro, a avareza produz prazer porque o dinheiro compra desde comida até sexo, conforto e luxos. Entenda aqui que pode comprar outros prazeres.


Segundo, o dinheiro dá status social, alimentando a vaidade. Pessoas buscam ostentação, carros, bens e reconhecimento social, o que as faz sentir poderosas.


A terceira e mais grave razão, segundo São Máximo, é a falta de fé. Pessoas avarentas colocam sua segurança no dinheiro, não em Deus. Jesus disse: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mateus 6, 24), referindo-se a “Mamom”, que significa firmeza. Colocar a confiança no dinheiro é construir sobre uma base que se decompõe. Quantas pessoas não se desesperam quando perdem tudo? Isso é falta de fé em Deus.


A avareza também gera inquietação. A pessoa avarenta vive preocupada, cercando-se de seguranças para proteger seus bens, que inevitavelmente perderá com a morte. Além dessa inquietação, a avareza gera tristeza e inveja. O avarento é triste e invejoso, refletindo a doença espiritual de colocar esperança no dinheiro.


Compreender essas características nos ajuda a buscar a verdadeira cura para a avareza, a qual discutiremos na próxima aula.



  Cura da avareza

Nesta aula vamos falar sobre a cura da avareza.


Como vimos, avareza é uma doença espiritual. Nossa natureza humana não nos pede para ter dinheiro, então precisamos combater a avareza espiritualmente.


Como saber se estamos sofrendo de avareza? Um sinal claro é a tristeza ao dar as coisas. No encontro de Jesus com o jovem rico, ele seguiu todos os mandamentos, mas era apegado às riquezas. Jesus pediu que ele vendesse tudo, e ele se afastou triste (Mateus 19, 21-22). Isso mostra uma pessoa sofrendo de avareza.


Não pense que a avareza é uma doença qualquer. João Cassiano diz que é uma doença que pode ser evitada, mas uma vez que toma posse, é difícil de curar. É uma verdadeira prisão.


São Máximo Confessor identificou três razões para a avareza: prazer, vanglória e falta de fé. O dinheiro compra prazeres e alimenta a vaidade, mas a falta de fé é a mais trágica. A avareza abala nossa fé.


Um dos Padres do Deserto, define o amor ao dinheiro como “não crer em Deus e desesperar de suas promessas”. Precisamos confiar em Deus, não nas riquezas.


Jesus nos ensina a buscar primeiro o Reino de Deus. Precisamos focar em Deus para nos livrar da avareza, pois a falta de fé na Providência Divina é a raiz desse pecado.


Jesus diz: “Não vivais preocupados com o que comer ou beber, nem com o que vestir. Olhai os pássaros do céu” (Mateus 6, 25). Ele nos ensina a confiar na providência divina.


Preocupar-se com o futuro é um traço típico da avareza. Jesus nos ensina a não nos preocuparmos com o amanhã, mas o demônio usa o medo do futuro para nos distrair, criando o fantasma do amanhã. Isso não significa que não devemos ser previdentes ou responsáveis com nosso futuro; isso é óbvio.


Você pode pensar: “E se amanhã faltar dinheiro? E se eu não tiver dinheiro na poupança? E se eu não conseguir pagar o seguro? E se não tiver uma cerca elétrica ou cachorros na casa?” Esses pensamentos repetidos fazem a pessoa ficar assombrada e assustada, e é aqui onde mora o perigo.


O coração, então, se transforma em um campo de batalha. O demônio utiliza o medo do futuro como arma.


Os santos padres são claros sobre isso: devemos viver o presente, confiando em Deus.


São Pedro nos diz em sua primeira carta: “Lançai sobre ele as vossas preocupações, ele tem cuidado de vós” (1 Pedro 5, 7). Precisamos fazer um ato de fé, entregando nossas preocupações a Deus.


A virtude que se opõe à avareza é a liberalidade. Observe isso: justiça é dar a cada um o que é seu. A liberalidade vai além: é dar ao outro o que é nosso. É ser generoso com o dinheiro.


Santo Tomás de Aquino fala sobre a liberalidade na Suma Teológica. A esmola é uma prática concreta que alimenta a liberalidade, ajudando-nos a combater a avareza. Não é atoa que Jesus nos ensina sobre a prática de dar esmola em seu Evangelho (Mateus 6, 2-4).


A caridade é um direito dos cristãos, como nos lembra o Papa Bento XVI na encíclica “Deus Caritas Est”. Um dos grandes erros dos governos é a tentativa de abolir a caridade privada, assumindo que a caridade deve ser uma obrigação exclusivamente governamental.


Quando você dá uma esmola para alguém na rua, muitas pessoas tendem a ver isso de forma negativa, pensando que ajudar os outros é uma responsabilidade do governo.


No entanto, o governo não pode privar os cristãos da oportunidade de fazer o bem. Existe algo demoníaco nesse pensamento. Devemos ser caridosos e ajudar os outros sempre que possível.


Stefano Zamagni, um economista católico, diz que no Talmud hebraico, “dinheiro” e “sangue” são a mesma palavra. Assim como o sangue, o dinheiro precisa circular, senão ele mata. O espírito empreendedor é essencial para uma economia dinâmica, onde o dinheiro vai gerando empregos, vai gerando riqueza.


A alegria de dar é uma característica cristã. Atos dos Apóstolos 20, 35 diz: “Existe mais alegria em dar do que em receber.” Precisamos ser generosos.


Além da liberalidade, precisamos de ser sóbrios no desejo. Desejar menos nos torna verdadeiramente ricos. São João Crisóstomo diz que o verdadeiro rico é quem não precisa de muitas coisas e o verdadeiro pobre é aquele que deseja muitas coisas. Ou seja, se é um multimilionário, mas deseja cada vez mais, este é um pobre. Fica aqui para você refletir: você deseja muito?


Nossa verdadeira riqueza está em sermos modestos em nossos desejos, em não querer muitas coisas. A sobriedade nos leva a questionar: para que desejar tanto? Quem deseja muito se tortura.


O resumo da conversa é o que já havíamos adiantado na aula anterior: “Deseje o que você tem, e você terá tudo o que deseja.” Se você não deseja mais nada além do que já tem, seu desejo estará em paz.


Assim, você deixa de ser um reino dividido, uma casa agitada, e encontra tranquilidade em si mesmo.


Mais uma vez te lembramos que a avareza é uma doença espiritual, pois nenhum animal é avarento. Jesus nos diz em Mateus 6, 21: “Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração.” Devemos fixar nossa vontade em Deus, nosso verdadeiro tesouro.


A avareza impede o amor, pois ocupa nossa vontade com bens terrenos. Precisamos amar a Deus concretamente, ajudando os pobres e necessitados. Isso cura a avareza e coloca nossos corações no alto.


Na próxima aula vamos falar sobre a ira. Mas antes de abordar ela como um pecado capital, vamos entender a ira como uma paixão natural.



  Ira como paixão

Nesta aula vamos falar sobre a cólera, ou ira.


Antes de falar dela como pecado capital, precisamos entender sua função na pessoa humana e por que Deus criou a ira em nós.


Estudando os santos padres e Santo Tomás de Aquino, percebemos que havia diferenças em seus ensinamentos sobre a ira. João Cassiano diz que nunca devemos nos irar, nem por causas justas nem injustas. Já Santo Tomás de Aquino fala de uma ira virtuosa. Vamos esclarecer essa diferença.


Em nós, há algo comum aos animais e algo que não é. Temos apetite sensível e apetite racional. O apetite sensível é como repugnar um remédio amargo, enquanto o apetite racional, ou a vontade, é querer a saúde.


Seu apetite sensível não quer tomar o remédio. No entanto, seu apetite racional quer tomar o remédio porque você deseja a saúde. Assim, sua vontade consegue produzir algo chamado liberdade.


Ou seja, você é livre para dizer ao seu paladar e ao seu estômago: “tome o remédio amargo”.


Os animais têm apetite sensível, mas não têm a vontade livre. Um animal pode ser contrariado, mas não é capaz de contrariar a si mesmo.


Quando nossos apetites sensíveis são contrariados, surge a ira. A ira é uma resposta natural a dificuldades e obstáculos, presente em todos os animais. Mas em nós, a ira pode se tornar boa ou má dependendo de como nossa alma reage.


A ira se torna má quando queremos algo que não deveríamos ou nos colocamos contra algo que deveríamos desejar. Um exemplo prático: se o professor vê alguém atrapalhando uma aula, batendo papo, pode sentir ira. Essa ira pode ser justa, pois o aluno está cometendo uma injustiça. A questão é quando e como essa ira deve ser usada.


Para Santo Tomás de Aquino, a ira, enquanto paixão, está ligada ao desejo de castigar por uma justa causa, ou seja, para o bem da pessoa, para o bem da comunidade. A ira deve ser usada para corrigir, mas apenas após uma decisão racional e calma. Não devemos agir com ira no calor do momento, pois isso turva nosso julgamento.


Quando você vê algo acontecendo e já está irado, essa ira prejudica todo o seu julgamento.


Você já notou que, às vezes, ficamos com tanta raiva que nossa visão fica escura? Isso que acontece fisicamente, acontece muito mais no nível espiritual.


Quando estamos irados, não vemos a pessoa como ela é; vemos uma monstruosidade, algo que estamos projetando. Portanto, a ira é sempre um péssimo conselheiro. Não tome decisões quando estiver irado.


Devemos decidir com calma e depois, se necessário, usar a ira para aplicar a correção de forma justa.


A ira, em si, não é boa nem má, mas deve ser usada no momento certo e de forma ordenada. É como uma faca. Eu posso usá-la para algo bom ou para um crime. Portanto, é algo que, por si só, é moralmente indiferente.


Veja bem: uma faca é um pecado? Não, é apenas uma possibilidade, um instrumento. Assim também são as paixões.


Jesus disse que o reino dos céus é dos violentos (Mateus 11, 12), ou seja, daqueles que decidem firmemente por Deus e agem com paixão no bem. É preciso fazer violência para dizer “eu vou amar", “vou ser de Deus”, “vou cortar com o meu pecado”, “odeio o meu pecado”, “odeio o que eu faço de mal”.


Precisamos entender que a ira é uma energia dada por Deus e pode ser usada para alcançar o bem, quando este é difícil de alcançar. Sem essa energia, não teríamos a determinação necessária para enfrentar desafios.


Na próxima aula, veremos a ira como pecado capital. Veremos como essa energia neutra pode se desviar para o ódio e a falta de amor.



  Ira como pecado

Nesta aula vamos falar sobre a ira enquanto pecado capital. Na aula anterior, discutimos a ira como uma paixão. Agora, vamos entender a ira como uma doença.


O Padre Gabriel Bunge explica que existem duas palavras em grego para ira. “θυμός” (thymós) se refere à ira enquanto energia positiva que pode ser usada para o bem ou para o mal. Já “ὀργή” (orgé) é a ira que sempre é ruim, uma subversão onde nossa sensibilidade animal domina a alma, cegando-nos.


Para ilustrar, imagine a ira como um cavalo cheio de energia. Se a alma é o cavaleiro que guia o cavalo, a energia pode ser usada para o bem. Porém, quando a ira domina, o cavaleiro é jogado para o chão e a alma é pisada pelo cavalo, resultando em desordem.


A característica própria da ira é que ela nos faz agir cegamente, reduzindo nossa dignidade humana e nos rebaixando a comportamentos irracionais, semelhantes aos dos répteis. Ninguém atira com uma arma de olhos fechados. É preciso respirar fundo, estabilizar a mira e só então atirar. Caso contrário, se acertar, é pura sorte. A ira corrompe nosso relacionamento com os outros, distorcendo nossa percepção.


Um monge, cansado das injustiças dos irmãos, resolve se isolar no deserto. Lá, sozinho, ele se irrita com um vaso de barro que cai várias vezes e, num acesso de fúria, o quebra. Ele percebe que a raiz da ira está dentro dele, não nos outros, e decide voltar ao mosteiro.


Então, precisamos entender que a ira, se não for controlada, se opõe ao amor. O homem que ama sabe se contrariar e agir com liberdade, enquanto o animal apenas reage. A ira, como doença, quer matar o irmão em vez de dar a vida por ele.


São Gregório Magno explica que a ira progride: começa interiormente, depois se manifesta verbalmente e, finalmente, leva à destruição do irmão. Ela é impulsiva e repentina, mas também permanece e cria rancor. A ira se enraíza e é difícil de extrair.


A ira exagera as situações. Pessoas iradas frequentemente fazem tempestades em copos d'água. Se você tem uma grande irascibilidade, isso significa que você possui uma energia maravilhosa e positiva que pode ser usada para o amor, mas que não está sendo usada dessa forma.


Em vez disso, essa energia está sendo canalizada para a vingança. São Paulo nos lembra que a vingança pertence a Deus (Romanos 12, 19). Devemos deixar a vingança nas mãos de Deus e não agir com ira desordenada. Deus nos fez inteligentes para vivermos a sabedoria.


Jesus nos exorta a renunciar a nós mesmos, tomar nossa cruz e segui-lo (Mateus 16, 24). Isso nos ensina a contrariar nossos desejos e não sermos escravos da ira. Nós precisamos aprender a nos contrariar.


Por trás da ira, encontramos uma grande raiz desse mal: a idolatria. É a idolatria de uma pessoa que se coloca no lugar de Deus, dizendo: “Seja feita a minha vontade, assim na terra como no céu.”


Todas as crianças mimadas são crianças iradas, e, por serem iradas, são também tristes. A ira desordenada leva à tristeza. São Gregório Magno afirma que a mente perturbada pela ira se alimenta de tristeza.


Vemos, então, que a ira desordenada nos leva de abismo em abismo. E não é raro a gente observar que depois que você teve uma raiva enorme você cai numa profunda tristeza e uma certa depressão.


Na próxima aula vamos, por fim, trazer o caminho para a cura da ira.



  Cura da ira

Nesta aula vamos falar sobre a terapia da ira.


Primeiro, é importante admitir que não existe uma única terapia para a ira. São João Clímaco, no seu livro “Escada do Paraíso”, explica que os movimentos de cólera têm causas diversas, por isso, cada um deve buscar os métodos de cura mais adequados para si.


A primeira coisa a fazer é reconhecer a causa da própria ira. Muitas vezes, as pessoas vivem em constante estado de irritação sem perceber. Um dos sinais de que alguém está sofrendo com a ira são os pesadelos com demônios, cobras e outros perigos. Os Padres do Deserto notaram que esses sonhos são comuns em pessoas que carregam rancor e ira.


Então, o primeiro passo é a autoanálise. Pergunte-se: “Estou doente de ira? Qual é a causa? Contra quem estou realmente com raiva?” Muitas vezes, temos dificuldade de admitir nossa raiva. Podemos dizer que estamos irritados com a injustiça ou o pecado dos outros, mas na verdade, somos nós que nos sentimos ofendidos.


É preciso reconhecer honestamente a própria ira e não se decepcionar consigo mesmo. A ira é uma paixão difícil de lidar. São Máximo diz que as paixões irascíveis são mais difíceis de combater que as concupiscíveis, como a gula e a luxúria.


Como remédio, ele sugere o mandamento da caridade. A primeira coisa a fazer é colocar-se sob o olhar do amor de Deus e amar por causa de Deus.


Quando você está irado com alguém, é importante reconhecer que dentro de você há uma tendência a se ver como a vítima inocente e a outra pessoa como a culpada.


Então, pergunte-se: será que você é tão inocente assim? Talvez essa pessoa tenha te traído, sendo um Judas em sua vida. Mas quantas vezes você traiu Jesus? Quantas vezes você ofendeu a Deus de forma ainda mais grave? A ofensa que você sofre é menos grave do que as ofensas que você cometeu contra Deus.


Olhe para Cristo na cruz, que perdoa e ama, e compare com o seu próprio coração irado. Lembre-se de quantas vezes você traiu Jesus e como Ele ainda assim o perdoa.


A segunda coisa é desejar sinceramente que a pessoa que lhe ofendeu seja salva. Jesus nos ensina a amar os inimigos, fazer o bem aos que nos odeiam e orar pelos que nos caluniam. Isso nos liberta do ódio, da tristeza, da ira e do rancor, tornando-nos dignos da caridade perfeita.


Você deve perdoar seu irmão, e a primeira pessoa a lucrar com isso será você. Perdoar vai libertá-lo do veneno da ira. Jesus nos manda amar o inimigo e perdoar, não para nos impor um fardo pesado, mas porque essa é a melhor cura para nós.


O perdão nos livra do veneno interno e nos introduz na maravilhosa realidade da caridade e do amor.


Reze pela pessoa que lhe ofendeu. A oração é difícil quando estamos irados, mas não desista. Faça invocações breves e contínuas a Cristo, como “Jesus, misericórdia”, “Jesus, perdão”, “Jesus, tem piedade”, “Jesus, manso e humilde de coração, fazei o nosso coração semelhante ao vosso”. Essas pequenas orações acalmarão seu coração.


João Cassiano nos lembra que Jesus nos proíbe de apresentar uma oferta diante do altar de Deus antes de perdoarmos nosso irmão. Portanto, ou você decide perdoar na sua oração, ou estará vivendo uma hipocrisia.


Existe uma diferença entre desculpar e perdoar. Desculpar é reconhecer que alguém não tem culpa, é um exercício de justiça. Perdoar, por outro lado, é reconhecer que a pessoa tem culpa, mas ainda assim escolher perdoá-la. Jesus nos ensina a perdoar as nossas dívidas como perdoamos nossos devedores.


Devemos a Deus uma quantia enorme, como na parábola do devedor. O sujeito devia uma grande quantidade de talentos de ouro. Ele se ajoelhou diante do patrão e disse: “Senhor, perdoe-me.”


“Você me deve milhões”, respondeu o patrão, “mas eu te perdoo abundantemente e generosamente.”


Então, o sujeito sai de lá, encontra outro servo igual a ele, que lhe devia algumas moedinhas. Ele o pega pelo pescoço e diz: “Você vai ter que me pagar.”


E o segundo servo responde: “Ah, eu não tenho dinheiro, me perdoe. Me dê um tempo e eu te pago.” repetindo a mesma súplica que o primeiro tinha acabado de fazer ao patrão.


Mas o primeiro devedor não perdoou e jogou o segundo na cadeia.


Veja, é aqui que está a questão. “Perdoai como nós perdoamos.” Quando você realmente está dentro desta dinâmica do perdão, é porque, em primeiro lugar, reconhece o quanto você foi perdoado.


Para perdoar, é necessário lembrar quanto você foi perdoado por Deus. Se você se esquece disso, pode cair em um estado de autojustificação hipócrita. Reconheça que você também é pecador e merece o castigo que está recebendo.


Se você está sendo injustiçado, peça ao Espírito Santo, o fogo de Deus, que transforme sua dor em amor. Isso trará um imenso benefício para você, livrando-o do veneno da ira.


O próximo pecado a abordarmos será a inveja, mas trataremos ela aqui sob o aspecto da tristeza, a tristeza de não ter o que queremos.



  Tristeza como paixão

Vamos falar sobre a doença da tristeza, que é resultado da inveja.


Mas antes de falar da tristeza como pecado, como pecado capital e doença espiritual, precisamos entender a tristeza enquanto paixão. Quando tratamos da ira, lembre-se que falamos do apetite sensível, que é dividido em duas tendências: concupiscível, quando a coisa é fácil, e irascível, quando existe algo de árduo ou difícil.


Nos animais, quando eles desejam algo e não conseguem, entra em ação o irascível. Quando conseguem facilmente, entra o concupiscível. Isso também se aplica aos humanos. Quando desejamos algo e não está presente, sentimos tristeza. Isso é normal.


Quando desejamos algo, é porque acreditamos que aquilo é um bem, mesmo que a coisa não seja realmente boa para nós. Mas a avaliamos como boa, senão não a desejaríamos.


Por exemplo, um drogado quer a droga porque acha que ela é boa. Se não achasse, ele não a desejaria, embora isso o destrua. A avaliação está errada, mas ele ainda quer algo que considera bom.


Quando desejamos algo e isso está presente, a reação natural é a alegria. Mas, quando o bem está ausente, reagimos com tristeza. Portanto, a tristeza é a reação diante da ausência do bem.


Para um cachorro, quando o dono está ausente, ele fica deprimido. Quando ele aparece, ele fica feliz. Esse comportamento é uma resposta passional normal, animal, e não estamos falando ainda de pecado ou virtude.


Mas e a tristeza como doença espiritual? A tristeza em si é moralmente neutra, mas tem um caráter de doença porque, originalmente, não deveria existir. Por revelação divina, sabemos que antes do pecado, Deus não queria que morrêssemos ou sofrêssemos (Gênesis 2, 16-17).


Adão no paraíso não se entristecia, não tinha dor, nem manifestações passionais. O passional é sempre passivo, ou seja, a pessoa sofre as emoções. Não se escolhe ter raiva ou se apaixonar por alguém; as pessoas sentem essas emoções e depois precisam lidar com elas usando a razão. As paixões entram na nossa vida sem pedir licença, algo normal nos animais. No projeto divino, as paixões estavam harmonizadas com a alma por conta dos dons preternaturais.


Após o pecado original, Deus retirou a graça preternatural, permitindo a morte e a dor como forma de castigo amoroso para nos alertar e corrigir.


As pessoas têm dificuldade em aceitar que um Deus de amor possa castigar, mas todo pai amoroso disciplina seu filho quando vê que ele pode se perder. Imagine um pai vendo seu filho amado, sonâmbulo, caminhando em direção a um abismo. O pai diz: “Filho, acorda!” e ele não acorda. Então, o pai grita: “Filho, acorda pelo amor de Deus!” e ele ainda não acorda. O que ele faz? O pai dá um tapa na cara do filho para acordá-lo. Ele fez errado? O pai poderia pensar: “Ah não, mas eu vou assustá-lo” ou “para que essa violência?”


Veja bem, quem ama toma uma atitude por amor, mesmo que seja extrema. Deus nos ama e, por isso, permitiu a morte e a dor.


Santo Tomás de Aquino trata da dor e tristeza na Suma Teológica. Ele explica que a dor externa é chamada simplesmente de dor, enquanto a dor interna é chamada de tristeza. Embora essa paixão interna faça parte da nossa constituição natural, ela têm um caráter de doença no ser humano, pois não faz parte do plano original de Deus.


Vemos isso claramente em Cristo. Jesus sofreu tristeza no Horto das Oliveiras e morreu na cruz, mostrando que mesmo em Sua perfeição, Ele experimentou essas paixões para redimir as nossas. Ele permitiu que as paixões se manifestassem para nos mostrar Seu amor.


Santo Tomás de Aquino diz que nossos desejos concupiscentes causam dor e tristeza. Curiosamente, às vezes a tristeza pode causar prazer, como quando alguém assiste a um filme triste e chora. Isso ocorre porque o amor causa prazer, mesmo que a pessoa amada esteja ausente, causando tristeza.


Essa complexidade da tristeza pode levar a uma doença espiritual chamada depressão. A pessoa se isola, não cuida de si mesma, fica trancada no quarto, alimentando uma tristeza mórbida. Existe um ganho secundário nessa tristeza que a pessoa não quer largar, como uma espécie de droga.


Na próxima aula, falaremos sobre a tristeza como doença espiritual e sua terapia. Até agora, não abordamos a doença espiritual, mas é importante entender como funciona o organismo humano antes de entrarmos na questão das doenças.



  Tristeza como pecado

Na aula anterior, falamos da tristeza enquanto paixão. Nesta, queremos falar da tristeza enquanto doença espiritual.


Para entender melhor, vamos lembrar que a tristeza enquanto paixão é uma realidade animal. Nos animais, essa paixão é moralmente neutra. No entanto, levando em consideração o projeto de Deus para o homem, a tristeza sempre tem um caráter de doença, pois Deus havia planejado o homem sem sofrimento. Esse era o plano original para Adão, mas, devido ao pecado original, perdemos os dons preternaturais que Adão possuía no paraíso.


Vamos fazer uma distinção importante. A tristeza tem um caráter de doença no sentido mais específico da palavra. Quando falamos de doenças espirituais, estamos nos referindo aos pecados capitais.


Mas o que é pecado capital? A palavra pecado tem vários significados. Um primeiro significado é o pecado de Adão, o pecado original. Depois, temos os pecados pessoais que começamos a cometer a partir de certa idade. Mesmo após a confissão e o perdão dos pecados pessoais, permanece em nós uma tendência ao pecado, uma raiz, chamada pecado capital.


Mesmo em estado de graça, as tendências como a luxúria, a avareza, a ira e a tristeza, são inclinações pecaminosas que provêm do pecado e conduzem ao pecado. Agora, vamos falar sobre como a tristeza, inicialmente uma paixão neutra, pode se transformar em pecado.


A realidade passional, animal, só se transforma em pecado quando entra em jogo a inteligência e a vontade. Santo Tomás de Aquino discute a bondade ou a malícia da tristeza ou da dor. Ele explica que existe uma tristeza boa e uma tristeza má, dependendo de como a inteligência e a vontade reagem a essa paixão.


Para que a tristeza se torne pecaminosa, ela precisa envolver a inteligência e a vontade. As paixões podem ocorrer antes ou depois da intervenção da inteligência e da vontade. Se você notar que está triste e começar a alimentar essa tristeza, isso se torna pecado. Da mesma forma, se você provocar a tristeza intencionalmente, também é pecado.


Vamos dar um exemplo claro com a luxúria, que é mais fácil de entender. Você pode notar um movimento passional para a sexualidade sem provocá-lo. Se a inteligência e a vontade entram em ação e consentem, alimentando essa fantasia, isso se torna pecado. Da mesma forma, se você está tranquilo e, de repente, decide pensar e imaginar realidades sexuais, também é pecado, pois foi provocado pela inteligência e vontade. A mesma lógica se aplica à tristeza.


A tristeza pode surgir por razões físicas, como a falta de serotonina no cérebro. No entanto, alimentar essa tristeza deliberadamente é pecaminoso. A tristeza enquanto doença espiritual envolve um relacionamento errado com o tempo, proveniente de uma memória do passado. Por exemplo, pensar que no passado era feliz e não sabia, e agora estar triste por isso, sem agir para contornar esse pensamento, é um erro.


Alimentar essa tristeza é um vitimismo constante, o que é pecaminoso. Essa atitude de ficar preso ao passado e não buscar soluções para superar a tristeza é onde reside o pecado.


Há casos em que a tendência para a tristeza pode estar presente por causa da história de vida, genética ou até herança dos pais. Nesses casos, estamos falando de uma tristeza que é uma paixão antecedente ao pecado. Já existe essa tendência, e, portanto, é necessário lutar contra ela, agir contra.


São Paulo diz: “Alegrai-vos no Senhor” (Filipenses 4, 4). A falta de fé e o não reconhecimento do amor de Deus podem levar à tristeza pecaminosa. Deliberadamente procurar a tristeza para obter atenção e carinho é um comportamento errado e pecaminoso. Não se pode agir como uma criança que se vitimiza; é preciso ter autoconhecimento e maturidade, usando a inteligência e a vontade.


No vitimismo, por exemplo, a pessoa pode achar que não está sendo bem tratada por alguém. Para se sentir amada, ela alimenta a tristeza para mostrar que é “uma coitadinha”, fazendo-se o centro do mundo.


A pessoa se faz de doente para ser amada de uma forma errada. No entanto, todos devem ser amados pelas suas qualidades positivas, não pelas negativas. Algumas pessoas não conseguem ser amadas de outra forma e, por não terem nada de bom para oferecer, precisam ficar doentes e fazer drama para que todos tenham pena.


Há algo de pecaminoso quando isso é alimentado de propósito, de forma consciente e livre, usando a inteligência e a vontade. É assim que a tristeza pode se tornar pecado, e de fato, é pecaminosa. Quando a pessoa faz isso inconscientemente, é preciso alertá-la e oferecer os recursos necessários para que se conheça e mude de atitude.


Na lista dos pecados capitais, às vezes, a palavra tristeza não aparece. Isso porque a tristeza pode se manifestar de diferentes maneiras. Santo Tomás de Aquino diz que a tristeza pela ausência de um bem verdadeiro é uma tristeza boa, que leva ao arrependimento e à mudança de vida. Já a tristeza pela ausência de um bem falso é pecaminosa.


Baseando-se nas Sagradas Escrituras, ele identifica que existe uma tristeza boa e produtiva, que é benéfica e oportuna. A tristeza pelo pecado é útil para que o homem fuja do pecado.


Na segunda carta aos Coríntios, 7 diz: “Alegro-me não porque vocês ficaram tristes, mas porque a vossa tristeza vos levou à penitência”, ou seja, à mudança de vida. A tristeza segundo Deus é aquela que me leva ao arrependimento porque percebo que perdi um bem.


Se o bem que eu perdi é um verdadeiro bem, então essa tristeza é boa porque me leva a voltar para casa, como a tristeza do filho pródigo. O filho pródigo caiu em si e disse: “Eu era feliz na casa do meu pai, e os empregados lá estão muito melhores do que eu” (Lucas 15, 17-18).


Nós sabemos que Deus nos fez corpo e alma. Se temos um corpo, ele tem paixões. As paixões foram criadas por Deus e podem servir para o bem. Se essa paixão leva ao arrependimento e à contrição por ter perdido o verdadeiro bem, que é Deus, ela é boa.


No entanto, quando sentimos tristeza pela falta de um bem que, na realidade, é um falso bem, estamos sendo enganados. É como um lobo em pele de ovelha: parece bom, mas na verdade é um mal. Nossa avaliação intelectual pode nos levar a crer que algo é bom, quando, na verdade, é prejudicial.


Quando trocamos o bem pelo mal e o mal pelo bem, nossa inteligência e nossa vontade se tornam perversas.


Então existem dois tipos básicos de tristeza pecaminosa: a tristeza pelo bem de Deus, quando interpretamos o bem de Deus como se fosse um mal, chamada de acídia, e a tristeza pelo bem do próximo, quando o interpretamos como um mal, conhecida como inveja. Veremos mais sobre a acídia em outra aula.


Por fim, veja a lista das filhas da inveja que São Gregório Magno fez: ódio, murmuração, detração, satisfação com as dificuldades do próximo e decepção com sua prosperidade. Observe que esses comportamentos decorrem da inveja e mostram como a tristeza pode ser uma tendência para outros pecados.


A seguir veremos como podemos curar a tristeza.



  Cura da tristeza

Nesta aula vamos falar sobre a terapia da tristeza.


Para iniciar uma terapia, é fundamental fazer um bom diagnóstico. Como vimos nas aulas anteriores, existem dois tipos de tristeza: a tristeza passional, moralmente neutra, e a tristeza como pecado.


Não adianta procurar soluções espirituais para uma tristeza que é simplesmente uma reação natural da nossa fragilidade humana. Precisamos identificar de onde provém essa tristeza. Se a tristeza é passional, os remédios são mais simples.


Santo Tomás de Aquino apresenta remédios para a tristeza passional. Ele entende que a vida sem nenhum prazer físico seria insuportável. Portanto, é necessário aliviar a dor interior que a pessoa está passando.


Um dos remédios é o choro. Chorar pode ser uma cura para a tristeza. Outro remédio é partilhar com amigos, desabafar. Quanto mais guardamos a tristeza, mais ela aumenta. Então, chorar e compartilhar com amigos são soluções simples e eficazes.


Existem também remédios físicos, como tomar um banho quente, ter um bom momento de sono ou até mesmo um copo de vinho, tudo isso também é remédio para a tristeza.


Mas existe uma sugestão sobre a qual nem sempre refletimos: o estudo, a contemplação da verdade e a oração ajudam a combater a tristeza, especialmente quando ela é espiritual.


Agora, falando da tristeza como doença espiritual, ou seja, a tristeza pecaminosa, ela é um fechamento em um mundo longe da verdade. João Cassiano, em suas conferências, fala da dificuldade de curar a tristeza, especialmente a inveja.


A inveja é uma tristeza com relação ao próximo. A acídia é uma tristeza com relação a Deus. A inveja é difícil de curar porque a felicidade do outro é o que atormenta o invejoso. A generosidade e a humildade, que curam outros vícios, apenas aumentam a inveja. Ele diz claramente que foi pela inveja que o pecado entrou no mundo.


O primeiro pecado de Satanás foi a soberba, sem dúvida. Mas o pecado que ele trouxe ao mundo, para nós seres humanos, foi a inveja. Por inveja, Satanás fez com que também nós pecássemos.


O diabo é envenenado pela inveja; ele é a serpente com o veneno da inveja. O que atormenta o invejoso não são os erros de quem lhes causa inveja, mas a felicidade.


O que atormenta uma pessoa invejosa? A felicidade do outro. Esse é o grande problema e a dificuldade. Porque aquilo que seria um remédio para outros vícios, para a inveja só aumenta o tormento.


Por exemplo, quando alguém ofende outra pessoa. Se a pessoa ofendida vai até o ofensor e, por humildade, pede perdão, isso é uma solução. No entanto, se a pessoa é invejosa, é justamente a generosidade, a benevolência e a humildade do outro que a adoecem. Ou seja, se eu sou generoso ou humilde, o invejoso vê meu ato de bondade como a fonte de sua desgraça.


Cassiano nos lembra que a inveja é uma reclamação contra Deus, pois a felicidade do outro é um decreto divino. Se a pessoa está doente e vê o outro com saúde, isso a entristece. Aí começam as perguntas: “Por que eu?” ou “Por que isso foi acontecer comigo?” A inveja combina tristeza e raiva. A cura envolve trabalhar o relacionamento com os outros.


São Máximo Confessor diz que a inveja pode ser superada se alegrando com a alegria do outro e se entristecendo com a tristeza do outro. Cumprindo a palavra de São Paulo em Romanos 12, 15: “Alegrai-vos com os que estão alegres, chorai com os que choram.”


A cura da tristeza envolve sair da posição de rivalidade e reconhecer que somos membros de um só corpo. A alegria e a tristeza dos outros devem ser nossas também.


As pessoas ficam deprimidas, pensando: “Nossa, como essa doença aconteceu comigo?” Ou então: “Como essa morte aconteceu na minha família?” Mas não consideram que todos os dias doenças e mortes acontecem com outras pessoas.


Se você se deprime quando isso acontece, é porque está se destacando da realidade das outras pessoas, como se fosse intocável, enquanto os outros podem perecer e padecer ao seu redor, mas você não, você é diferente.


Precisamos voltar ao chão da realidade. Santo Tomás falava sobre a contemplação da verdade, que pode ser aplicada aqui de forma efetiva, nos ajudando a voltar à realidade dos fatos e enxergar nossa solidariedade com os outros irmãos.


Ao reconhecer nossa solidariedade com os outros, percebemos que não estamos sozinhos. A gratidão é um grande remédio para a tristeza.


Pense bem, estamos em um mundo tomado pela tristeza, especialmente a tristeza da inveja, que está profundamente enraizada nos bens materiais.


Para o materialista e ganancioso, nesta sociedade de consumo, a felicidade está em possuir. Se não tenho, fico triste, e se o outro tem, também fico triste. Isso gera tristeza, rancor, inveja e uma vontade incessante de ter mais. Desse sentimento nascem guerras e desgraças.


Os bens materiais funcionam de maneira limitada: se eu tenho 50 reais e você é meu co-herdeiro, agora só tenho 25. Temos que dividir, ficando com menos.


Para se livrar da inveja, lembre-se daquela herança que não diminui com o aumento dos herdeiros. O céu não diminui quando mais pessoas vão para lá. Ter Deus não diminui.


Os bens espirituais funcionam exatamente ao contrário dos materiais. Quando dou 100 reais, fico 100 reais mais pobre. Mas, quando compartilho Deus com você, fico mais rico, porque tenho mais Deus. Se eu desejar que você perca Deus, na verdade, sou eu quem perde, porque ao desejar que você vá para o inferno, eu mesmo estou me condenando.


A realidade espiritual e a graça de Deus que desejamos para nossos irmãos só aumentam a presença de Deus em nós e nos tornam mais ricos espiritualmente. Quem vive com os olhos fixos no céu mata a inveja e elimina essa tristeza completamente.


E ao contrário do que pensam os marxistas, que acusam a Igreja de esquecer o irmão ao pregar o céu, é exatamente o contrário. Na verdade, resolvemos o problema dos conflitos sociais, como as lutas de classe, que têm como combustível a inveja.


Os marxistas perceberam que a inveja é o combustível da luta de classes. Por isso, afirmam que é necessário pregar na sociedade a realidade dos excluídos, pois todos se sentem excluídos por algum motivo: seja por não ter uma Ferrari, por não ter cabelo, por não ter uma perna ou por não ter emprego.


Na verdade, essa visão de sociedade instiga conflitos, porque não existe solidariedade; você se torna antagonista do outro, iniciando a luta de classes ao esquecer-se do amor arrebatador pela Pátria Celeste.


Quando você olha para o céu, vê o irmão como parte de si mesmo, e a tristeza vai embora. Santo Tomás de Aquino nos ensina que a contemplação da verdade é a solução para essa tristeza. Qual é a verdade mais fundamental? O fato de que fomos feitos para o céu.

A meditação sobre a verdade da vida passageira e a felicidade eterna prevista por Deus é o que cura a tristeza.

Se você se sente preso em alegrias passageiras, use a tristeza do arrependimento para te levar à verdadeira alegria.


Assim como o filho pródigo que voltou para a casa do pai e encontrou uma festa, devemos nos arrepender e voltar para Deus, encontrando a verdadeira alegria. A tristeza que leva à morte é aquela que nos impede de entrar na festa do nosso irmão.


Desde o princípio, houve a inveja e a tristeza do diabo ao ver a felicidade de Adão e Eva. Logo depois, o homem foi contaminado por essa tristeza, e vimos Caim triste ao ver Abel abençoado. Depois, veio a tristeza de Saul ao ver Davi abençoado, a tristeza dos filhos de Jacó ao verem José, e a terrível tristeza daqueles que invejavam Jesus e o levaram à cruz.


Essas histórias, na verdade, são uma única história: a história de Cristo, o Filho abençoado de Deus, que tragicamente não foi reconhecido na alegria do Evangelho, mas foi interpretado como uma tristeza, com a mentalidade de “Ele tem e eu não tenho”.


Mas devemos nos alegrar. Vamos nos alegrar porque somos amados. Ele veio e esta é a verdade que, contemplada, nos levará à verdadeira alegria.


Na próxima aula vamos falar sobre a acídia.



  Acídia

Nesta aula vamos falar sobre a acídia. Talvez o nome seja novidade para você. Então preste bem atenção porque provavelmente você sofre deste mal, pois é uma verdadeira epidemia.


A acídia é um tipo de tristeza, nos diz Santo Tomás de Aquino, mas é uma tristeza especial. Sabe quando você assiste a vidas de santos ou ouve pregações sobre santidade e, ao aplicar isso a si mesmo, você sente uma falta de energia, uma depressão? A acídia é a tristeza de ser santo. Vemos a santidade nos outros como bela, mas ao aplicá-la a nós mesmos, sentimos uma profunda tristeza e preguiça espiritual.


A acídia é um grande empecilho no caminho da santidade porque é a tristeza de ser santo. É a tristeza do bem espiritual. Deus quer que você seja santo, essa é a nossa felicidade. Mas o pecado original faz com que vejamos Deus, nossa maior felicidade, como um inimigo.


Nós nascemos para nos unir a Deus, mas isso exige uma transformação espiritual. Essa transformação é uma Páscoa, uma passagem pela cruz para uma vida nova. Deus quer nos tirar do nosso egoísmo, matar esta miséria e fazer nascer uma criatura nova, um coração novo em nós. O acidioso vê a cruz, a morte, e para aí. Ele interpreta o bem divino como uma desgraça, o que gera uma profunda tristeza e inércia.


Acídia significa falta de cuidado. Santo Tomás de Aquino define a acídia como a tristeza do bem espiritual, ou seja, a tristeza de abraçar as exigências do amor. É uma resistência às demandas do amor, que nos torna inertes e paralisados. Por isso que ela é chamada também de preguiça.


A acídia se opõe diretamente à caridade, ao amor. Como se manifesta em nós a realidade do amor? Segundo Aristóteles e os grandes filósofos, tudo se faz por amor. Seja esse amor perverso ou virtuoso, essa energia interior, esse ímpeto, é motivado pelo amor.


Se você vai a uma sorveteria tomar sorvete, é porque você ama o sorvete. É um amor sensual, mas ainda é amor. Sem amor, você não se levanta da cama de manhã. As pessoas deprimidas são doentes no seu amor, têm algum problema em amar.


Então, como começa o amor? Santo Tomás de Aquino descreve o amor como um círculo, começando com o amor afetivo. Ele é afetivo, começando com um afeto. Você vê o outro e quer o bem do outro. Esse afeto, essa união afetiva, tende para uma união efetiva. A partir daí, surge a ação.


Você age na vida porque há essa dinâmica de amor. Se não há amor, você se paralisa. A pessoa amada já está no seu coração (união afetiva), mas você ainda não está unido a ela de forma concreta (união efetiva). Você deseja essa união efetiva, então age para alcançá-la.


Sem amor, se está doente no amor, o que acontece? Preguiça. Você não age, não faz nada. Nossa sociedade atual está paralisada, inativa, inoperante. Ninguém faz nada porque falta amor.


A acídia é a tristeza que paralisa. Você vê o amor como algo exigente, mas não quer pagar por essas exigências. Isso leva a uma profunda tristeza, tornando você inoperante e preguiçoso. É a parada total da atividade espiritual.


Santo Tomás de Aquino também chama a união efetiva, a união real alcançada pelo amor, de alegria. É o fruto específico do amor alcançado. Quando você encontra o amor, sente alegria. E é por isso que a acídia é uma tristeza.


Pela própria descrição da natureza deste vício e da tragédia de nossa alma, que estamos falando de uma realidade que só tem uma solução: a conversão. Precisamos mudar nossa mentalidade.


Precisamos parar de ver Deus como nosso inimigo, parar de ver Deus como alguém que quer nos destruir, e enxergar exatamente o contrário: encontrar o amor de Cristo e reconhecer o quanto somos amados. Ao corresponder a esse amor, encontramos a única solução para a realidade da acídia.


Vamos analisar as consequências da acídia em nossa vida. Santo Tomás de Aquino, seguindo Gregório Magno, fala das seis filhas da acídia: desespero, pusilanimidade, torpor em relação aos mandamentos, malícia, rancor e divagação da alma por coisas proibidas.


Quando estamos tristes, há duas coisas que podemos fazer para lidar com a tristeza. Aristóteles diz que “ninguém pode ficar muito tempo sem prazer em companhia da tristeza”. Então, quando alguém está triste por muito tempo, precisa agir.


Neste caso duas coisas são possíveis: luta contra a causa da tristeza ou busca algo que lhe traga alegria. Então, combate as causas e vai atrás da alegria.


Como alguém luta contra a acídia? Primeiro, reconhecemos que estamos lidando com uma falsa tristeza, uma tristeza doente. Deus nos propõe um bem, mas nossa distorção mental vê nesse bem um mal, e acabamos lutando contra Deus.


Podemos lutar contra os fins ou contra os meios. Lutar contra o fim leva ao desespero. A primeira filha da acídia é o desespero. A pessoa perde a esperança em Deus, na salvação eterna, na felicidade verdadeira. Ela busca felicidade em outros lugares, mas não em Deus. Desespera de Deus, do paraíso, daquilo que realmente nos realiza.


Essa é a tragédia da acídia: ela se torna um terrível empecilho para nosso impulso natural de buscar o céu.


Mas você também pode lutar contra os meios que te levam ao céu.


Primeiro, rejeitando os meios generosos do caminho de perfeição e santidade, que são os conselhos evangélicos: a pobreza, a obediência e a castidade. Quando você não tem o grande sonho de ser um grande santo, como Deus quer que você seja, ou seja, quando você não tem magnanimidade, grandeza, a reação é a pusilanimidade.


Você não abraça os conselhos evangélicos, não quer saber de ser pobre por amor a Deus, obediente por amor a Deus, casto por amor a Deus. Nada de heroísmos. Pusilânime, sua alma é pequena.


Além dos conselhos evangélicos, existem também os mandamentos, que são meios para chegar à felicidade. Quando a pessoa não quer nem sequer parar de pecar, não estamos falando nem de heroísmo, mas de seguir os mandamentos básicos. Há um torpor em relação aos mandamentos.


Portanto, já temos três filhas da acídia: o desespero, a pusilanimidade e o torpor em relação aos mandamentos.


Quando a pessoa escuta: “muda de vida, saia dessa miséria”, ela sente que dentro dela começa uma raiva por estar sendo incomodada. “Por que esse cara está me incomodando?” Então, aí nasce o rancor, que é combater as pessoas que te chamam para uma mudança de vida. Essa é a quarta filha da acídia.


A quinta filha é a malícia propriamente dita. A pessoa começa a desejar o pecado. Quando realmente não quer a santidade, começa a desejar o pecado.


Lembre-se, existem duas maneiras de combater a tristeza: combater as causas ou buscar algo que possa dar alegria. A malícia faz com que olhemos para o bem como um mal. E isso leva à sexta filha: a divagação por coisas proibidas.


Você começa a se desviar, buscando prazeres e satisfações em coisas que são proibidas, tentando encontrar alegria onde não há verdadeira felicidade.


Por fim, a acídia é como uma divagação e inconstância. É como uma alma peregrina que quer ir para todos os lugares, mas nunca se fixa em nenhum.


Quer ir embora, sair, fazer turismo. A acídia é uma mistura de ira e desejo. Você deseja o que não tem e tem raiva do que tem.


Começa a ter raiva da sua profissão, da sua família, das pessoas ao seu redor, do seu corpo, de tudo. Torna-se uma alma peregrina, buscando sempre algo novo. Você não quer mais essa família e pensa em divórcio. Não quer mais esse emprego e fica mudando de trabalho ou faculdade constantemente. Não quer mais essa cidade e fica se mudando, fazendo turismo. Não quer mais esse corpo e recorre a cirurgias plásticas.


A pessoa tem raiva de tudo que possui e está sempre desejando o que não tem.


Na próxima aula vamos ver como obter a cura dessa doença.



  Cura da acídia

Nesta aula falaremos sobre a terapia da acídia. Na aula anterior entendemos que a acídia é uma preguiça vocacional. Deus te chama a ser santo, mas você se sente triste por isso e não aceita o bem que Deus quer para você. Essa tristeza gera uma inquietação interior, dificultando sua concentração na sua identidade e vocação.


Os santos padres nos ensinam que uma das terapias para a acídia é ficar quieto na sua vocação. Você veio a este mundo para amar e servir a Deus e, com isso, alcançar o Reino dos Céus. Então, você precisa focar nisso. A pessoa acidiosa é agitada e dividida no coração, como Marta no Evangelho. Precisamos de estabilidade na nossa vida espiritual e também nas nossas obrigações diárias.


A estabilidade se manifesta em duas coisas básicas na Regra de São Bento: “Ora et Labora”. Vamos começar pelo “Labora”. João Cassiano insiste na importância do trabalho humilde e manual. Para nós, isso significa aplicar essa realidade ao nosso dia a dia.


São Francisco de Sales, em sua “Introdução à Vida Devota” ou “Filoteia”, ensina a cuidar das nossas ocupações diárias de forma a combater a acídia. Ele diz que, nas tarefas que não exigem muita atenção, devemos pensar mais em Deus do que nos negócios. Trabalhos humildes como lavar a louça, varrer a casa ou cuidar do jardim podem ser momentos de elevar a mente a Deus.


O acidioso frequentemente se esconde atrás do ativismo, fugindo das obrigações diárias com muitas atividades desnecessárias. São Josemaria Escrivá ensina sobre a santificação pelo trabalho. Faça seu trabalho diário com o coração voltado para Deus, servindo a Ele em cada pequena tarefa. Essa é a verdadeira estabilidade no trabalho.


Se você serve uma pessoa, ame Jesus naquela pessoa que você está servindo. E se você fizer o seu trabalho, suas obrigações do dia a dia, sem sequer pestanejar, pense que está fazendo isso para Jesus. Por exemplo, ao lavar um banheiro, imagine que Jesus vai usar aquele banheiro. Ou seja, você está servindo a Jesus, elevando sua alma constantemente.


Se você tem um trabalho intelectual, siga o conselho de São Francisco de Sales: mesmo que o trabalho ocupe sua atenção, interrompa-o várias vezes para elevar sua alma a Deus.


Segundo ponto, da regra de São Bento, é o “ora”. Além do trabalho, precisamos de um tempo dedicado à oração. São Francisco de Sales compara isso a uma criança que segura a mão do pai enquanto colhe flores com a outra mão. Devemos estar sempre ligados a Deus em nossas atividades diárias. Santo Agostinho, em suas “Confissões”, diz que nosso coração está inquieto enquanto não repousa em Deus.


O repouso em Deus é essencial. Santo Tomás de Aquino, em sua Suma Teológica, diz que a acídia é um pecado mortal porque vai contra o mandamento de guardar o sábado, que significa dedicar-se a Deus.


Quando Deus escolheu Seu povo no Antigo Testamento, aquele povo era muito rude, e Deus sabia que precisava ensinar a importância da oração. E para rezar, é necessário parar.


Então, Ele estabeleceu um mandamento que, inicialmente, era simplesmente para parar a atividade, ou seja, não trabalhar. Esse mandamento de não trabalhar, presente no Antigo Testamento, no Novo Testamento entendemos sua verdadeira natureza: não é apenas parar de trabalhar, mas repousar em Deus, o Shabbat em Deus.


Esse repouso em Deus significa que precisamos nos dedicar à oração, prestar culto a Deus e encontrar nele o nosso descanso.


Precisamos ser fiéis na oração diária, entregando-nos a Deus para que Ele nos transforme.


Agora, para sermos práticos, que tipo de oração vai ajudar você que sofre de acídia? Porque há tipos de oração que não ajudam em nada.


Primeiro, precisamos lembrar que somos corpo e alma. Embora nosso corpo nunca aja sozinho.


Quando oramos, nosso corpo sente algumas coisas boas, como consolação. Sentir algo durante a oração é ótimo, mas isso não ajuda o acidioso. Ele busca tantas orações sensuais que o façam sentir bem em Deus, que o entediaram. A oração se torna um tédio.


A oração que é pura imaginação, como visualizações, é boa e útil. Jesus nos ensinou a usar a imaginação com suas parábolas. No entanto, isso não ajuda o acidioso.


O que realmente ajuda é a oração própria da alma, que vai além do corpo e da imaginação. Os animais têm imaginação, mas não têm vontade no mesmo sentido que nós. Eles podem ser contrariados, mas não podem se contrariar voluntariamente.


A vontade humana é capaz de contrariar nossos próprios desejos por amor aos outros. Por exemplo, você pode estar com fome, mas decide não comer para oferecer a comida a outra pessoa. Esse ato de vontade, de se contrariar por amor, é algo que os animais não fazem.


Portanto, a oração que ajudará o acidioso é aquela que envolve a vontade. É a oração onde, mesmo sem sentir consolação, você persiste por amor a Deus. É a oração que se entrega a Deus, mesmo quando não se sente nada, buscando fazer a vontade de Deus acima de seus próprios desejos.


Essa oração da vontade, que se oferece e se entrega a Deus, é a chave para vencer a acídia. É essa capacidade de se contrariar por amor a Deus e ao próximo que nos transforma e nos leva à verdadeira santidade.


Santa Teresinha nos ensina a amar Jesus em cada pequena contrariedade e a viver de forma extraordinária nas coisas mais ordinárias.


Quando aceitamos as cruzes, descobrimos que atrás de cada cruz existe uma ressurreição. Assim, vencemos o demônio da acídia e nos tornamos os santos que Deus quer que sejamos.


Na próxima aula veremos a raiz de todos os pecados capitais: a soberba.



  Soberba

Nesta aula falaremos sobre a soberba. Para entender o pecado capital da vaidade, precisamos antes falar sobre a soberba, que não está na lista dos sete pecados capitais, mas é considerada a raiz de todos eles.


No Oriente, a soberba está na lista dos pecados capitais, mas no Ocidente, São Gregório Magno a retirou, considerando-a a rainha dos vícios, a raiz de todos os pecados capitais.


Essa visão está em sintonia com a Sagrada Escritura. No livro do Eclesiástico 10, 15 lemos: “A soberba é o início de todo pecado”. Santo Tomás de Aquino também confirma isso na Suma Teológica.


Mas por que a soberba é a raiz de todos os pecados? Santo Tomás aponta três razões:


Primeiro, a soberba é uma desordem que busca a própria excelência. Os homens querem sua realização de forma desordenada e, por isso, não a encontram.


Segundo, a soberba é uma falta de submissão aos mandamentos divinos. Os homens acreditam que sabem melhor do que Deus e, por isso, não o obedecem.


E terceiro, devido ao pecado original, a soberba se manifesta como uma tendência desordenada de querermos tomar o lugar de Deus.


A soberba é um pecado espiritual, mas não estamos tão atentos aos pecados espirituais, pois costumamos prestar mais atenção nos pecados carnais, que parecem mais vergonhosos. No entanto, o pecado espiritual é mais grave, pois se opõe diretamente a Deus.


Os pecados carnais, como gula, luxúria, avareza, ira, são mais compreensíveis porque temos uma tendência natural para eles. Já a soberba não tem essa pulsão natural; é uma desordem do espírito, sem uma inclinação física que a justifique.


O primeiro pecado do homem, o pecado de Adão e Eva, foi um pecado de soberba, quando a serpente disse “Sereis como deuses”. A soberba é representada na Bíblia pela árvore do bem e do mal, onde o homem quer determinar o que é bom e o que é mal, usurpando o lugar de Deus.


A soberba também é o pecado dos anjos, especialmente de Lúcifer, que se revoltou contra Deus. Os anjos, sendo espíritos puros, só podem cometer pecados espirituais: a soberba e a inveja. E por que o Espírito puro, que é o anjo, só consegue cometer esses dois tipos de pecados? Porque os outros pecados estão ligados ao bem do corpo, e os anjos não têm corpo.


Portanto, a soberba e a inveja são os pecados possíveis para os anjos, pois eles se relacionam diretamente com a desordem espiritual e a oposição ao bem supremo, que é Deus.


Como já vimos no início, nós somos chamados por Deus à nossa própria excelência e realização. No entanto, essa busca se torna desordenada quando se opõe aos desígnios do nosso Criador e Superior. Essa revolta contra Deus é o pecado de Lúcifer, o primeiro pecado.


O segundo pecado de Lúcifer é a inveja. Ao ver que Deus havia planejado o bem espiritual e a salvação eterna do homem, Lúcifer, por inveja, se opôs ao bem desejado por Deus e levou o homem a pecar. Ele primeiro pecou de soberba e, depois, ao levar o homem a pecar de soberba, cometeu também o pecado de inveja.


Lúcifer chega ao paraíso e diz a Adão e Eva (Gênesis 3, 1-5): “É verdade que Deus proibiu vocês de comerem de todas as árvores?” Eva, ingenuamente, começa a dialogar com a serpente: “Não, Deus não proibiu todas as árvores, só aquela ali.” A serpente responde: “Ah, mas você sabe por que Ele proibiu aquela árvore? Porque se você comer, você será como Ele, você será como Deus.” Esse é o pecado de soberba que levou o homem a buscar ser como Deus, uma busca desordenada da própria excelência e realização pessoal, revoltando-se contra o seu Criador.


Na realidade, Deus quer que sejamos deuses, conforme São Pedro nos diz em 2 Pedro 1, 3-4, mas Deus quer que sejamos participantes de sua natureza divina por graça e não por arrogância ou usurpação. A soberba é simbolizada na Bíblia pela história da árvore do conhecimento do bem e do mal, onde o homem, querendo o segredo do bem e do mal, tenta se determinar e decidir no lugar de Deus o que é bom e o que é mal.


Portanto, vemos a gravidade do pecado da soberba e como ele é realmente o primeiro pecado, um pecado espiritual, presente tanto nos anjos quanto em nós.


Para entender a verdadeira natureza da soberba, precisamos considerar duas virtudes: a humildade e a magnanimidade.


A humildade nos lembra da nossa total dependência de Deus. Você recebeu de Deus o ser, recebeu tudo de Deus, e essa é a verdade. Além de ter recebido tudo de Deus e ser muito submisso a Ele, pois é dEle que tudo vem e a quem devemos imensa gratidão e submissão, também temos uma outra miséria ainda maior do que a miséria criatural.


Nós não somos apenas nada; somos menos do que nada. Com o nosso pecado, nos aprofundamos no abismo do nada. Como criaturas, tudo recebemos de Deus e nada, zero, vem de nós. Mas, com o pecado, fomos abaixo de zero.


Com o pecado, nos afastamos da ordem divina e começamos a entrar no caminho da autodestruição e da destruição dos outros.


Portanto, vemos como a humildade é necessária para nos darmos conta desta verdade. Reconhecer nossa total dependência de Deus e nossa tendência ao abismo sem Ele é essencial para vivermos conforme a Sua vontade e evitar a soberba.


A magnanimidade, por outro lado, nos chama a aceitar o grande projeto de Deus para nós, que é sermos grandes santos.


O sonho que Deus tem para nós é que um dia participemos da Sua própria natureza (2 Pedro 1, 3-4), que sejamos celebrantes da glória de Deus no céu, vendo-O face a face.


Para que isso aconteça, precisamos aceitar o extraordinário desafio de Deus de amar, de receber a graça, de crescer de graça em graça, e de nos tornarmos santos. Deus espera de nós nada menos do que sermos grandes, grandíssimos santos.


Aceitar este projeto de Deus é necessariamente abraçar a virtude da magnanimidade, que pode parecer soberba. Mas aqui está a diferença: na realidade do diálogo de Eva com a serpente, “sereis como deuses”, a serpente incita Eva a se revoltar contra Deus, desobedecer à ordem divina, prometendo que assim ela se tornaria como Deus. Satanás estava dizendo uma meia-verdade.


“Sereis como deuses”, mas não desobedecendo e comendo do fruto, e sim exatamente o contrário. Se obedecermos e amarmos a Deus, se O servirmos, seremos como deuses através da graça, porque a graça é divinizante. A graça realmente vem para nos fazer participantes da natureza divina.


Adão e Eva queriam ser deuses por furto, por trapaça, por revolta. Queriam ser deuses sem Deus, contra Deus, apesar de Deus. Nós, no entanto, seremos deuses na humildade, na submissão, recebendo dEle a graça, onde podemos dizer: “tudo é graça”.


Em resumo, se quisermos entender a verdadeira natureza da soberba, precisamos reconhecer que há duas virtudes opostas a ela. Uma é diretamente oposta: a humildade. Enquanto a soberba nos eleva de forma desordenada, a humildade nos traz de volta à realidade, reconhecendo nossa miséria, nosso nada e, por causa do pecado, nosso menos do que nada.


Por outro lado, a magnanimidade nos coloca de volta no projeto de Deus. O contrário da magnanimidade não é a soberba, mas a pusilanimidade. Portanto, temos a humildade contra a soberba e a magnanimidade contra a pusilanimidade.


A pusilanimidade é a condição de uma alma pequena, que se contenta com um sonho medíocre e não quer aceitar a grandeza do sonho de Deus para a santidade.


Uma coisa interessante a notar é que, ao crescermos nas virtudes, elas crescem juntas. A humildade e a magnanimidade não se opõem; pelo contrário, uma fortalece a outra. Quanto mais humildes somos, mais aceitamos o sonho de Deus para nós. E quanto mais aceitamos esse sonho e realizamos grandes proezas, mais nos esvaziamos de nós mesmos e permitimos que Deus preencha nosso vazio com Sua graça.


Na vida das virtudes, elas estão todas interligadas e se desenvolvem simultaneamente, como os dedos de uma mão.


Essa compreensão nos ajuda a ver que a verdadeira humildade nos conduz à grandeza pela graça de Deus, enquanto a verdadeira grandeza só é alcançada através da humildade. Aceitando nossa pequenez e permitindo que Deus nos eleve, encontramos o equilíbrio perfeito entre a humildade e a magnanimidade, combatendo a soberba e a pusilanimidade.


São Gregório Magno identifica quatro tipos de soberba: pensar que as virtudes vêm de nós mesmos; acreditar que merecemos as graças recebidas; fingir ter virtudes que não possuímos; e nos comparar aos outros, achando-nos superiores quando não somos.


A tragédia da soberba é que ela cresce à medida que avançamos espiritualmente. Quando começamos a progredir nas virtudes, a soberba pode nos atacar, nos fazendo acreditar que somos melhores que os outros.


Ou seja, enquanto você luta para ser mais santo, você combate a gula; lutando para ser mais santo, você combate a luxúria; lutando para ser mais santo, você combate a avareza; e assim por diante.


À medida que você vai adquirindo essas virtudes, é nesse momento que a soberba pode dar seu bote maior. A soberba vem te visitar e sussurra: “Nossa, olha só como você está virtuoso.”


Nasce-lhes também certa vontade, algo vã e às vezes muito vã, de falar sobre assuntos espirituais diante de outras pessoas. Aí você diz: “Nossa, eu estava rezando e tive uma consolação.” Para que falar isso para as pessoas? Você está alimentando sua soberba e destruindo tudo o que está construindo.


Ou ainda, surge a vontade de ensinar mais do que aprender. Em vez de continuar aprendendo com Santo Tomás de Aquino, com São João da Cruz, e outros grandes mestres espirituais, você pensa: “Não, agora eu sou o mestre.”


Lembre-se da parábola do publicano e do fariseu (Lucas 18, 9-14). O publicano, humilde, rezando de joelhos, batendo no peito e de cabeça baixa diante de Deus, dizia “eu sou miserável” e voltou para casa justificado. Enquanto o fariseu dizia “eu não sou como ele.” Esse se perdeu.


Assim, vemos como a soberba é uma armadilha. Exatamente quando falamos de todos os pecados capitais, ao combater todos os outros, parece que vem a batalha final. Por quê? Porque agora você combateu os pecados da carne, e quando acha que vai pecar menos, pode se transformar em um Lúcifer e pecar muito mais do que todos os outros pecados quentes e carnais que já cometeu.


Agora que já falamos sobre a soberba, vamos entrar no pecado capital da vaidade.



  Vaidade

Na aula anterior falamos sobre a soberba. Agora, vamos introduzir o pecado capital da vaidade, também chamada de vanglória.


Para recapitular, a soberba é uma espécie de super pecado, da qual derivam todos os outros sete pecados capitais. É o pecado de Lúcifer e dos nossos primeiros pais. Se a soberba dá origem a todos os pecados, ela dá origem de forma especial ao pecado da vaidade, que é o tema de hoje.


Para entender claramente a vaidade, precisamos distingui-la da soberba. Santo Tomás de Aquino nos ajuda nisso. Na Suma Teológica ele diz que a soberba não é a mesma coisa que a vanglória. A soberba é a causa e a vanglória é o efeito.


Vamos definir claramente a soberba: é a busca desordenada da própria excelência. E a vanglória? A vanglória é a manifestação dessa busca desordenada pela excelência. Para entender melhor, vamos entender o que é o ser humano.


O ser humano tem uma tarefa. Todos queremos realizar algo para sermos felizes. Para alcançar essa realização, precisamos de virtudes. Uma pessoa virtuosa alcança uma certa excelência.


Essa pessoa que tem virtudes pode pensar: “Eu sou a causa da minha virtude, e não Deus.” Ou então: “Eu recebi a virtude de Deus, mas foi porque eu mereci.” Ela pode até querer demonstrar virtudes que não tem. Portanto, a vanglória ocorre quando essa busca por excelência se manifesta de forma desordenada.


Santo Tomás explica que a glória é o esplendor da excelência. Quando alguém tem virtude, causa reverência nos outros, que é uma reação interna. Essa reverência se manifesta externamente como honra. A honra pode ser verbal, como louvor, ou através de atos, como premiar alguém.


Quando honramos alguém, o resultado é a glória, que é o brilho da excelência. A finalidade de honrar alguém é fazer com que outros reconheçam essa excelência. Isso vale tanto para seres humanos quanto para Deus. Fazemos tudo para a maior glória de Deus, para que outros vejam Sua grandeza e reverenciem.


A glória pode ser boa. Jesus diz em Mateus 5, 16, “Que a vossa luz brilhe diante dos homens”. Santo Tomás conclui que desejar a glória em si não é vicioso. Mas quando esse desejo se torna desordenado, temos a vanglória.


A vanglória, ou glória vazia, pode ser vazia por três razões:


Primeiro, por causa do objeto. Isso ocorre quando a pessoa busca glória por algo que não existe ou que não merece louvor. Um exemplo é alguém se gabar de algo falso ou trivial, como dar testemunho de ter guardado a virgindade até hoje, quando na verdade não é mais virgem. Ou então, a pessoa faz uma competição para ver quem consegue beber mais cerveja. Quando finalmente bebe mais do que todos e se torna o campeão, isso é vanglória. A pessoa teve o mérito de beber mais do que os outros, mas isso não é uma verdadeira excelência; é uma atitude vã, algo vazio.


Segundo, por causa do juízo. Isso ocorre quando a pessoa busca ser julgada por pessoas ineptas, que não entendem do assunto. Por exemplo, ser elogiado por um talento por alguém que não entende nada sobre ele. Imagine uma pessoa que não entende absolutamente nada de futebol. Em seguida, outra pessoa aparece e exibe suas qualidades futebolísticas, e a primeira diz: “Nossa, você é um atleta! O melhor jogador de futebol que existe.” Isso é glória vazia, pois o jogador pode estar fazendo algo errado e a pessoa não saberá discernir.


Terceiro, a glória pode ser vazia por causa do próprio sujeito. Isso ocorre quando a pessoa busca a glória pela razão errada. Mesmo que mereça a glória, no sentido de realmente possuir a virtude, como rezar e ter uma vida espiritual virtuosa, se ela não está fazendo isso para a glória de Deus, mas para a sua própria glória, então é vanglória. A pessoa está rezando apenas para o seu próprio exibicionismo.


Esse terceiro é a parte mais delicada, pois, nas outras duas situações, é possível notar claramente a vanglória. Neste caso, a pessoa não está orientando seu desejo de glória para o fim devido, mas para si mesma. No exemplo, mesmo realizando ações virtuosas (o que é bom), se o objetivo não é a glória de Deus, mas a própria exaltação, então é uma forma de vanglória que pode ser difícil de perceber e corrigir.


Santa Teresinha deseja ser venerada e aumentar seus devotos, não por vaidade, mas porque acredita que isso levará mais pessoas à salvação e aumentará a glória de Deus. Da mesma forma, Nossa Senhora, no Magnificat, glorifica Deus pelas maravilhas que Ele fez nela, desejando que isso inspire outros a glorificarem a Deus.


Deus quer ser glorificado não por egoísmo, mas porque isso é benéfico para nós. Santo Tomás explica que Deus busca sua glória para o nosso bem e que os homens podem desejar sua própria glória para servir aos outros, como no Evangelho: “para que vejam vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está no céu” (Mateus 5, 16).


Os santos buscam a glória no céu, pois sabem que buscar a glória terrena é perigoso devido ao pecado original e à vanglória, que é uma doença espiritual. A vanglória desvirtua nossos atos bons, fazendo com que busquemos a glória humana em vez da divina. Jesus critica os fariseus no Evangelho de São João por fazerem as coisas certas pelas razões erradas, buscando a glória dos homens e não de Deus.


A verdadeira santidade e glória são alcançadas ao fazer o bem para a glória de Deus e não para a nossa própria vaidade.


Então, a vanglória é pecado mortal? Santo Tomás explica que um pecado é mortal quando se opõe à caridade. Por si só, a vanglória não se opõe diretamente à caridade e, portanto, não é um pecado mortal. No entanto, pode se tornar um pecado mortal quando fere a caridade para com Deus.


A vanglória é uma falta de amor e caridade para com Deus quando, ao invés de buscá-Lo como o fim último de nossas ações, fazemos tudo por nossa própria glória. Nesse caso, a vanglória se torna pecado mortal porque substituímos Deus por nosso próprio ego.


Outro ponto é quando a vanglória leva alguém a se colocar no lugar de Deus ou buscar bens temporais em vez de Deus. Exemplos disso são gloriar-se da própria sabedoria, força ou riqueza. A verdadeira glória deve estar em conhecer e amar a Deus, como ensina Jeremias 9.


A vanglória pode levar a ações contrárias a Deus, como mencionado em João 5, 44: “Como podeis ter fé, vós que esperais vossa glória uns dos outros, e não procurais a glória que vem de Deus?”


Enquanto a soberba é sempre pecado mortal, a vanglória, por si só, é pecado venial, exceto quando envolve falta de caridade para com Deus, tornando-se então pecado mortal.


Na próxima aula veremos as filhas da vaidade e isso irá lhe ajudar a fazer um bom exame de consciência.



  Filhas da vaidade

Nas últimas aulas falamos sobre a soberba e a vaidade, ou vanglória. Nesta aula vamos explorar as filhas da vanglória.


A soberba é um vício que está fora da lista dos sete pecados capitais, pois é a causa de todos eles. Podemos dizer que os sete pecados capitais nascem da soberba, mas a vanglória é a filha mais direta da soberba. Agora, vamos entender por que a vanglória é um pecado capital: porque ela dá origem a outros pecados.


Ao fazer um exame de consciência, muitas pessoas não percebem que têm vaidade. Observando os sinais da vaidade, podemos identificar e reconhecer essa falha em nós mesmos.


Todos nós temos soberba, e quem nega isso é geralmente o mais soberbo. A vaidade, sendo uma manifestação da soberba, pode não estar sempre presente, mas é mais fácil de superar do que a soberba.


Superar a soberba exige um estágio espiritual mais elevado, pois ela é uma raiz profunda em nós. A prova de que a soberba está presente é o próprio ato de pecar. Se você se confessa e apresenta algum pecado, isso indica que a soberba está em você, já que todo pecado é fruto da soberba.


São Gregório Magno, no seu comentário ao livro de Jó, lista sete vícios que nascem da vanglória: jactância (ou arrogância, exibição), ânsia de novidade, hipocrisia, teimosia (ou obstinação), discórdia, disputa (ou contestação) e desobediência. Vamos entender como esses vícios estão relacionados à vanglória.


Santo Tomás de Aquino, analisando esses sete vícios, nos explica como eles derivam da vanglória.


Três deles estão diretamente relacionados à vanglória, pois a pessoa quer mostrar sua glória. E quatro são indiretos, pois a pessoa quer rebaixar os outros para se exaltar. Vamos começar com os três primeiros.


1. Jactância (ou arrogância, exibição): Quando alguém manifesta sua vaidade através da linguagem, querendo mostrar suas virtudes e conquistas. A pessoa fala de si o tempo todo, buscando louvor e reconhecimento, um exibicionismo.


2. Ânsia de novidade: Ocorre quando alguém quer se destacar criando algo novo, mesmo que desnecessário. Isso é comum entre teólogos que inventam novas doutrinas ou padres que alteram a liturgia para parecerem inovadores. Por exemplo, em vez de celebrar a Missa conforme o missal e a liturgia da Igreja, o padre quer celebrar a “sua” missa, seguindo a “sua” dinâmica. Ele não é capaz de se conter e sente a necessidade de ser diferente, movido pela ânsia de novidade. Isso é vaidade.


3. Hipocrisia: Quando alguém finge ter virtudes que não possui, para impressionar os outros. A pessoa demonstra uma santidade que não tem, fazendo atos de devoção apenas para ser vista como virtuosa. A palavra “hipocrisia” significa “máscara”. É um comportamento que cria uma fachada, uma cortina de fumaça para esconder a verdade. Você tenta mostrar algo que não existe em você, um brilho falso.


Essa falsidade é uma forma de vaidade, onde você quer exibir uma luz que não é real, um vazio disfarçado de virtude. Portanto, a hipocrisia é uma filha da vanglória, promovendo essa falsa aparência de grandeza.


Agora, vamos aos quatro vícios que promovem a vanglória indiretamente, rebaixando os outros.


1. Teimosia (ou obstinação): No campo da inteligência, a pessoa teimosa não aceita a verdade que o outro apresenta, pois isso a faria parecer inferior. Ela argumenta contra, mesmo sabendo que está errada. Imagine um que estudou, conhece bem de um assunto e, naturalmente, se destaca. Ele é humilde e não busca atenção, mas quando fala, todos percebem seu conhecimento. Isso pode fazer o obstinado se sentir humilhado e querer provar que é mais inteligente. Tenta mostrar que ele está errado ou que não sabe do que está falando, usando argumentos ridículos. Esse comportamento é chamado de teimosia.


2. Discórdia: No campo da vontade, a pessoa não quer ceder sua vontade para concordar com os outros. Isso cria conflitos e desarmonia, pois ela busca impor sua vontade para se exaltar. Imagine que as pessoas desejam algo melhor, mas minha vontade é ruim, vazia e sem propósito. Mesmo assim, eu não cedo. Isso cria discórdia, que é o oposto de concórdia, ou seja, não temos o coração no mesmo lugar nas coisas essenciais. A discórdia, neste caso, é causada pela vaidade. Quando não cedo minha vontade em prol do bem comum, surge o conflito. Este é um dos maiores problemas na política: querer algo que promova meu mandato, mesmo sabendo que não é para o bem comum.


3. Disputa (Contestação): Quando alguém briga verbalmente, criando conflitos para rebaixar os outros e se exaltar. A pessoa é barraqueira, usa gestos e gritos para ganhar a discussão e parecer superior.


4. Desobediência: Quando alguém não obedece a autoridade, pois a obediência exige humildade. A desobediência é uma forma de vaidade, pois a pessoa quer se destacar desobedecendo.


Esses sete vícios nos ajudam a fazer um bom exame de consciência. Quando você percebe esses comportamentos em si mesmo, pode identificar a vaidade escondida. Todos nós temos soberba, mas a vaidade é algo que podemos trabalhar para superar.


Na próxima aula vamos conhecer os caminhos para curar a soberba.



  Cura da soberba

Nesta aula, que abre a última parte, vamos falar da terapia da soberba e da vaidade. Nas últimas três aulas, discutimos a soberba, a vaidade e as filhas da vaidade. Agora, precisamos abordar a terapia.


A terapia é muito simples: a humildade. Seja humilde e você resolverá os problemas da soberba e da vaidade. Embora pareça fácil à primeira vista, não é tão simples assim.


Primeiro, vamos entender o que é humildade. Em seguida, discutiremos seus diferentes graus e como viver essa virtude na prática.

Conceito de humildade

A humildade é como uma joia preciosa. Precisamos reconhecê-la e distingui-la da falsa humildade. A humildade é um capítulo da virtude da temperança, que regula nossas tendências más.


Nosso destino é o bem supremo, que é Deus, a nossa felicidade com Deus no céu. Esse bem é árduo, como subir uma ladeira. Precisamos equilibrar nossa vontade de subir (magnanimidade) com a necessidade de não nos exaltar (humildade).


Buscar o bem e a santidade é um desejo natural e desejável. Existe um impulso que nos atrai para isso, como um acelerador que nos leva adiante. No entanto, se não regularmos esse desejo, podemos querer demais e nos tornar soberbos.


Ao mesmo tempo, alcançar esse bem é difícil, como essa subida íngreme. Essa dificuldade pode nos puxar para trás e nos fazer desistir. Se puxarmos demais, podemos cair no desespero.


Portanto, é preciso encontrar um equilíbrio: acelerar demais leva à soberba, enquanto puxar demais resulta em desespero. A humildade nos ajuda a temperar isso, mantendo-nos no caminho certo para alcançar a santidade.

Evitar a falsa humildade

Precisamos evitar confundir humildade com pusilanimidade. Pusilanimidade é o desânimo de pensar “eu nunca serei santo”. Santa Teresa sofreu muito com isso no início de sua vida espiritual e nos alerta sobre essa falsa humildade que nos desanima e nos impede de buscar a santidade.


Ela rezava com as outras irmãs e tinha uma vida íntima com Deus. Queria ser santa e ter intimidade com Deus, mas enfrentou a tentação do demônio, que a fez parar de rezar por um tempo, pensando que não deveria querer ser melhor que as outras.


Essa tentação era como uma “humildade soberba” sugerida pelo demônio, que a fez sentir-se indigna de dedicar-se à oração além das obrigatórias. Ela alerta para o perigo dessa falsa humildade, que é, na verdade, pusilanimidade e uma armadilha do demônio.


Santa Teresa também destaca que uma falsa humildade pode levar ao desespero, focando tanto nos próprios defeitos e pecados que a pessoa perde a paz. A verdadeira humildade, segundo ela, traz paz e não desassossega a alma.


A verdadeira humildade equilibra a percepção da miséria humana com a misericórdia de Deus. Sem esse equilíbrio, focar apenas na miséria leva à depressão, enquanto focar apenas na misericórdia leva à soberba. A humildade verdadeira é um relacionamento equilibrado entre o homem e Deus, trazendo paz ao lembrar tanto da miséria humana quanto da misericórdia divina.


Por fim, Santa Teresa diz que a humildade é andar em verdade. Ela explica que “sendo Deus a suma verdade, e a humildade andar na verdade, eis a razão da sua importância”. “Deus é muito amigo da humildade”, como percebemos na carta de São Tiago 4, que diz que Deus resiste aos soberbos e concede graça aos humildes.


A verdadeira humildade, então, é estar em um relacionamento verdadeiro com Deus, reconhecendo a verdade sobre Ele e sobre nós mesmos.

Relacionamento com Deus e o próximo

Santo Tomás de Aquino nos ensina que devemos considerar no homem o que é de Deus e o que é do homem. A miséria é nossa, mas a salvação e perfeição vêm de Deus. Devemos nos submeter a Deus e reconhecer Sua grandeza nos outros.


Se você quer ser humilde, olhe para si mesmo e reconheça sua miséria. Pode parecer duro, mas é essencial entender que, na nossa essência, somos imperfeitos e falhos.


Mas isso não deve deprimir, pois há outro lado a considerar: tudo o que é de salvação e perfeição vem de Deus.


A humildade, então, é reverenciar a Deus e se submeter a Ele de forma verdadeira. Devemos nos colocar diante de Deus com uma atitude verdadeira, sem falsidade. Isso significa reconhecer nossa miséria e reverenciar a Deus.


Devemos nos humilhar diante de Deus, e isso inclui reconhecer a presença de Deus no próximo. Portanto, a verdadeira humildade envolve se humilhar diante de Deus e do que é divino nos outros.


Se eu reconheço algo bom no próximo, me humilho diante de Deus, pois essa coisa boa vem de Deus e não do próximo. No próximo, assim como em mim, há duas coisas: miséria humana e grandeza divina. Devemos nos humilhar diante da grandeza de Deus no outro.


Como São Paulo diz aos Filipenses 2, 3: “considere os outros como superiores a si”. Isso é difícil de praticar, especialmente quando vemos falhas nos outros. No entanto, devemos olhar para as virtudes que Deus deu a eles e não a nós.


Se encontrar virtudes nos outros que você não tem, submeta-se a isso. E se não encontrar nenhuma virtude, pense que, se essa pessoa tivesse recebido as graças que você recebeu, ela seria melhor do que você.


Lembre-se de que você recebeu as graças e não correspondeu suficientemente. Mesmo assim, humilhe-se diante de Deus. Isso é humildade verdadeira.

Evitar a hipocrisia

Cuidado com a hipocrisia. A verdadeira humildade é um movimento interior da alma, um deleite pela baixeza, sem necessidade de exibição. A grande soberba é a pessoa querer parecer humilde por fora, mas ser um Lúcifer por dentro. É aquela pessoa que faz cena de humildade, que encena um teatro de humildade. Humildade colocada na vitrine é soberba.


Como os santos agiam? Eles se vestiam normalmente, como pessoas comuns, mas usavam cilício por dentro. O homem moderno, como lembra Chesterton, veste-se com simplicidade aparente, mas busca grande conforto em casa, escondendo sua burguesia.


Os santos faziam o contrário: apresentavam-se conforme a dignidade de sua vocação, com um trato social adequado, sem chamar atenção para si mesmos, e eram humildes diante de Deus interiormente. Não faziam cena ou colocavam holofotes sobre sua humildade.


Essa é a verdadeira humildade que devemos buscar, mantendo nosso olhar fixo em Cristo.

Configuração a Cristo

Se quisermos ser verdadeiramente humildes, devemos nos configurar a Cristo. Na carta aos Filipenses (2, 6-8), São Paulo descreve como Cristo, existindo em forma divina, não se apegou a ser igual a Deus, mas se esvaziou e humilhou-se, sendo obediente até a morte na cruz. São Paulo nos exorta a ter o mesmo sentimento e pensamento de Cristo.


Os santos, assim como São Paulo, descobriram que Cristo é o parâmetro da humildade. Isso enobrece nosso intelecto e evita que nosso autoconhecimento se torne raso e covarde.


Devemos buscar ter um coração como o de Cristo, que nos ensina: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração”.


Na próxima aula vamos abordar a humildade mais profundamente para que você seja capaz de desenvolver essa virtude tão importante.



  Humildade

Nas aulas anteriores falamos sobre a soberba e a vaidade, e como a humildade é a terapia para esses males. Nesta aula vamos falar dos 12 graus de humildade segundo São Bento em sua regra. Será algo bem prático para que seja aplicado no seu dia-a-dia.


Para começar, vamos revisitar um ponto importante: a tensão entre a humildade e a magnanimidade. Como essas duas virtudes, que parecem opostas, podem coexistir na busca da perfeição cristã?


Uma boa comparação para entender essa tensão é a de uma árvore. Quanto mais ela cresce e se torna frondosa, mais profundas precisam ser suas raízes para sustentar esse crescimento. Entenda aqui a copa da árvore como a magnanimidade e as raízes como a humildade. Essa imagem nos ajuda a entender que a humildade e a magnanimidade andam juntas na vida cristã.


A humildade precisa ser ainda mais profunda à medida que a pessoa cresce espiritualmente e se santifica. Quanto mais alguém avança na vida cristã, mais deve reconhecer sua dependência de Deus diante de suas misérias e a importância da humildade para sustentar seu crescimento espiritual.

A característica prática da humildade

Qual é a característica específica da humildade? Para termos um ponto prático, saiba que o sinal da humildade é a obediência, enquanto a soberba nos inclina a fazer nossa própria vontade.


A soberba nos leva a buscar elevação pessoal e a não nos deixarmos dirigir pelos outros, mas a querer dirigir os outros. A obediência, por outro lado, é o oposto da soberba.


A obediência envolve contrariar nossa própria vontade de maneira redentora, pois é através da amorosa obediência que os sofrimentos da nossa vida adquirem valor.


Santo Tomás de Aquino, ao analisar os doze graus de humildade de São Bento, diz que a humildade está essencialmente na vontade. Ele explica que a humildade envolve controlar nosso desejo desordenado de grandeza.


Não há nada que humilhe mais do que contrariar nossa própria vontade, obedecendo a vontade do outro.

Os 12 graus de humildade segundo São Bento

Agora, vamos aos 12 graus de humildade segundo São Bento. Começamos com a raiz e o fundamento, que é o temor de Deus, o medo de ofender a Deus, e a recordação dos Seus mandamentos. Esse é o primeiro degrau, essencial para todo o processo.


Com o temor de Deus, evite absolutamente qualquer esquecimento: seja da presença de Deus, dos mandamentos de Deus, do inferno ou do céu. Nós nos esquecemos dessas coisas e, por isso, deixamos de temer a Deus e de ser humildes.


A humilhação concreta acontece quando eu obedeço a Deus, lembrando-me dos Seus mandamentos. Ou seja, é a realidade de querer agradar a Deus o tempo todo.


Essa é a raiz e o fundamento da humildade: viver constantemente com o temor de Deus e a lembrança de Seus mandamentos, buscando sempre agradá-Lo em todas as nossas ações.


Depois, temos três graus relacionados à vontade:


2. Não querer seguir a própria vontade.
3. Submeter-se por obediência ao superior.
4. Abraçar pacientemente as dificuldades por obediência.


Se você quer ser humilde, aceite ser contrariado. Aceite que sua vontade seja contrariada. Isso é crucial, pois Adão e Eva caíram pela desobediência, e a salvação veio pela obediência de Maria. A obediência e a desobediência são fundamentais.


Pare de seguir seus caprichos e desejos, pois o que você quer não é necessariamente o melhor para você. Em tudo, busque fazer a vontade de Deus. Santa Teresa d'Ávila insiste que a santidade é conformar sua vontade à vontade de Deus. Na vida de oração, sempre procure dizer como Jesus no Horto das Oliveiras: “Pai, não seja feita a minha, mas a tua vontade” (Lucas 22, 42)


A humildade começa com atos e realidades muito interiores. Depois vêm as palavras e gestos exteriores. Começar pelas aparências é hipocrisia, como construir uma casa pela fachada. A verdadeira humildade começa contrariando sua vontade.


As pessoas valorizam a pobreza e a castidade, mas a obediência é vista como tolice. No entanto, é a obediência que nos faz dobrar nossa vontade diante de Deus. O primeiro passo é não querer fazer nossa própria vontade.


A obediência é especialmente relevante quando não estamos de acordo com o que nos é pedido. Se o superior nos manda fazer algo que não é contrário à vontade de Deus, mas simplesmente não queremos fazer, é aí que a obediência realmente importa. Se estivermos de acordo, estamos apenas seguindo nossa própria vontade.


Portanto, a obediência nos ensina a dobrar nossa vontade. Isso vale não apenas para a obediência ao superior, como ensina São Bento, mas também para as pequenas coisas do dia a dia. A prática da obediência ajuda a alinhar nossa vontade com a vontade de Deus e a fortalecer nossa humildade.


A obediência também se aplica aos desafios pessoais, como problemas de saúde. Se você tem dores nos tendões, nas costas ou no joelho, é uma forma de obediência aceitar essa situação, mesmo que não seja o que você deseja. Nada lhe impede de pedir que melhore, mas peça sabendo que sempre deve ser feita a vontade de Deus.


Se Ele quiser curá-lo, que seja feita a vontade Dele.


Na vida dos santos, vemos esse tipo de obediência o tempo todo. É um exemplo prático: aceitar contrariedades e confiar na vontade de Deus. Eles nos ensinam a viver essa humildade e obediência, aceitando com paciência e fé as dificuldades, e colocando sempre a vontade de Deus acima da nossa própria.


Os próximos três graus dizem respeito ao conhecimento de si mesmo:


5. Reconhecer e confessar os próprios defeitos.
6. Crer e confessar ser indigno e inútil para tudo.
7. Considerar-se pior do que os outros, do fundo do coração, o último de todos os homens.


Esses graus são importantes para evitar a hipocrisia. Devemos reconhecer nossos erros sem desculpas, considerar-nos inúteis e ver os outros como superiores, focando sempre na verdade de quem somos diante de Deus.


Reconhecer os próprios defeitos pode ser manifestado exteriormente e é um ato de humildade que nos humilha de maneira construtiva.


Quando você erra, diga prontamente: “Errei.” Às vezes, temos a mania de justificar nossos erros com desculpas ou jogar a culpa nos outros. Pare com isso, corte o problema pela raiz. Diga simplesmente: “Eu errei.”


Os últimos cinco graus de humildade, segundo São Bento, estão relacionados às manifestações exteriores de humildade:


8. Submeter-se à vida comum, evitando singularidades.
9. Não falar sem ser perguntado.
10. Falar com poucas palavras e voz humilde.
11. Evitar risadas excessivas.
12. A modéstia no porte, manter um olhar modesto.


Esses gestos e comportamentos externos devem refletir a humildade interior. Se começarmos pelas aparências, caímos na hipocrisia. A verdadeira humildade começa na vontade e no autoconhecimento, e as manifestações externas vêm naturalmente.


Evitar singularidades significa não fazer nada extraordinário e contentar-se com o que é permitido pela regra comum. Querer se destacar é sinal de orgulho ou vaidade; seja uma pessoa normal. Não queira chamar a atenção para si.


Existe uma humildade no silêncio. Saber calar-se até que seja perguntado ou ter uma boa razão para opinar, dando aos outros a oportunidade de falar, é sinal de temperança e humildade. Quando falar, faça-o de forma suave e humilde, sem gritar, com a gravidade e sobriedade de uma pessoa prudente.


Evite gargalhadas estridentes ou zombarias, e não ria prontamente e ruidosamente. Ande, sente-se, esteja de pé e olhe modestamente, sem afetação, com a cabeça ligeiramente inclinada, pensando em Deus e na própria indignidade de levantar os olhos para o céu.


Lembre-se: a raiz da humildade é o relacionamento correto com Deus, reverenciando-O e lembrando Seus mandamentos. Contrariar nossa vontade e conhecer nossos defeitos são passos essenciais para crescer em humildade.


Agora que você conheceu mais profundamente sobre a humildade, encorajamos você a praticar essas ações. A humildade é a base de todas as virtudes, e os vícios são vencidos através da virtude e do esforço constante.


Na próxima aula, concluiremos este curso, abordando as três vias de conversão.



  As três vias de conversão

Chegamos à última aula. Vamos concluir nosso curso falando sobre o horizonte para onde estamos caminhando. Na vida espiritual, para alcançar a plenitude da santidade, passamos por três fases: Via Purgativa, Via Iluminativa e Via Unitiva.


A Via Purgativa é a fase dos iniciantes, onde se localiza este curso. Esta fase é sobre purificação e combate aos pecados capitais. Depois, temos a Via Iluminativa, para os progredidos, e a Via Unitiva, para os perfeitos.


Vamos explorar essas fases para entender o que nos aguarda após a Via Purgativa. É importante sabermos para onde estamos indo, pois isso ilumina nosso processo.

Detalhando as fases da vida espiritual

A primeira fase, a Via Purgativa, começa com a primeira conversão, que é sair do pecado mortal e viver em estado de graça. Essa fase é eminentemente ascética, envolvendo esforço pessoal, jejum, penitência e uma oração perseverante.


A segunda conversão nos leva à Via Iluminativa, onde começamos a experimentar a via mística. A diferença entre ascética e mística é que, na via ascética, somos ativos, enquanto na via mística, Deus age em nós.


Na Via Iluminativa, começamos a manifestar os dons do Espírito Santo. Esses dons nos ajudam a agir divinamente, permitindo que Cristo aja através de nós. É importante não confundir esses dons com os carismas, que são para o bem comum. Os dons do Espírito Santo são para a santificação pessoal.


Por fim, temos a Via Unitiva. Nesta fase, a união com Deus é mais profunda e é marcada pela ação intensa dos dons do Espírito Santo. A pessoa passa a agir completamente guiada por esses dons.

Transição entre as fases

Mas como ocorre essa transição? A passagem da Via Purgativa para a Via Iluminativa é marcada pela Noite Escura dos Sentidos, uma purificação passiva onde Deus age diretamente na alma. Essa purificação envolve aridez espiritual, doenças, perseguições e fracassos, levando a uma fé mais pura e livre de escoras ou dependente de consolações.


Essa purificação é essencial para combater a soberba e a vaidade. A fé se torna pura quando acreditamos em Deus por Ele mesmo, e não pelas consolações ou bênçãos que recebemos.


Quando nossa fé é purificada, começamos a manifestar os dons do Espírito Santo, como o temor de Deus, que é o princípio do saber. Esses dons nos ajudam a crescer na santidade e a agir divinamente, permitindo que Cristo aja através de nós.

Conclusão e próximos passos

Agora, precisamos buscar viver essa purificação e deixar que Deus nos transforme. Esperamos que este curso possa te auxiliar nessa Via Purgativa e que você possa avançar em seu caminho de santidade. À medida que for trabalhando a cura de seus vícios, busque mais conhecimento sobre as virtudes e como conquistá-las.




Agradecemos de coração por nos acompanhar até o fim. Nosso maior desejo é que este trabalho gere frutos de santidade em sua vida. O Pocket Terço existe justamente para isso: te auxiliar na vida espiritual, fortalecendo sua conexão com Deus e te guiando no caminho da santidade.


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Por fim, reze conosco esta Ave Maria, pedindo a graça de um firme propósito de mudança e para que Maria Santíssima continue intercedendo por nossa equipe.


Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres, e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.
Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte.
Amém.

Que Deus te abençoe!








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