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São Francisco de Assis e a radicalidade do Evangelho

por Thiago Zanetti em 04/10/2025 • Você e mais 976 pessoas leram este artigo Comentar


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Poucos santos encarnaram de forma tão literal e poderosa os ensinamentos do Evangelho quanto São Francisco de Assis. Nascido em uma família rica, cercado de conforto e prestígio social, ele decidiu renunciar a tudo para seguir um ideal que parecia loucura aos olhos do mundo: viver como Jesus viveu, na pobreza, simplicidade, obediência e total confiança em Deus. Em tempos de fé superficial e religiosidade utilitarista, o testemunho de Francisco provoca. Sua vida continua sendo um apelo vivo à radicalidade cristã — aquela que o próprio Cristo exige de seus discípulos.

Uma escolha que escandalizou o mundo

Francisco nasceu em Assis, na Itália, por volta de 1182, em uma época marcada pelo luxo crescente das classes mercantis e pela crise moral da Igreja. Jovem sonhador, queria fama e glória nos campos de batalha, mas foi tocado por uma experiência espiritual que mudou sua história. O encontro com o Cristo pobre, crucificado e rejeitado o levou a romper com os valores de sua época. Em um gesto dramático e simbólico, despiu-se publicamente das vestes diante do pai e do bispo, declarando: “De agora em diante, direi: Pai nosso, que estais no céu”.

Ali começava uma vida de entrega total. Francisco optou pela pobreza evangélica, não como miséria ou falta de recursos, mas como liberdade para amar a Deus acima de todas as coisas. Desapegou-se dos bens, das ambições e da própria vontade. Passou a caminhar descalço, vestindo uma túnica simples, mendigando o pão e anunciando com a vida e com a palavra o amor de Deus.

Viver como Cristo: mais do que imitar, conformar-se

Francisco não se contentou em “imitar” Jesus superficialmente. Ele quis ser conformado a Cristo, tornar-se como Ele em tudo. Como ensina o Catecismo da Igreja Católica:

“O caminho da perfeição passa pela cruz. Não há santidade sem renúncia e combate espiritual.” (CIC, 2015).

Inspirado pelo Evangelho, Francisco tomava decisões radicais: evitava qualquer forma de posse, recusava títulos e honras, lavava os pés dos leprosos, abraçava os marginalizados, jejuava com rigor, rezava por longas horas e obedecia à Igreja com humildade. Ele levava a sério palavras que muitos relativizam:

“Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz, cada dia, e siga-me.” (Lc 9,23)

Para Francisco, o seguimento de Jesus não era apenas devoção, mas estilo de vida. Por isso, fundou a Ordem dos Frades Menores com uma regra simples e desafiadora: “Viver o santo Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo”.

O escândalo da santidade: ainda é possível hoje?

Diante de uma sociedade consumista, imediatista e marcada por vaidades, a vida de São Francisco soa como um escândalo profético. Ele nos lembra que o cristianismo não é uma doutrina confortável, mas um chamado à conversão integral.

Muitos cristãos hoje se contentam com uma fé parcial, seletiva, adaptada ao gosto pessoal. Mas Francisco nos provoca: ser cristão é viver o Evangelho por inteiro, mesmo quando isso implica sacrifícios, renúncias ou incompreensões.

“Foi dito que Francisco representa um alter Christus, que era verdadeiramente um ícone vivo de Cristo. Ele foi chamado também “o irmão de Jesus”. De fato, era este o seu ideal: ser como Jesus; contemplar o Cristo do Evangelho, amá-lo intensamente, imitar as suas virtudes”. — Papa Bento XVI (Audiência Geral, 27/01/2010)

O que significa viver como Cristo no século XXI?

Não somos chamados a repetir os gestos externos de São Francisco, mas a assumir seu espírito evangélico nas circunstâncias atuais. Ser radical hoje é:

  • Colocar Deus em primeiro lugar, mesmo quando isso implica ir contra a corrente;
  • Viver com desprendimento interior, sem se deixar escravizar pelo consumismo;
  • Buscar vida de oração e penitência, num mundo de distrações e prazeres fáceis;
  • Amar os pobres, os pequenos, os esquecidos — não só com palavras, mas com ações concretas;
  • Ser obediente à doutrina da Igreja, mesmo quando o mundo propõe “novas verdades”;
  • Promover a paz, a reconciliação e a fraternidade, em um contexto de polarizações e ódio.

A vida de Francisco revela que é possível ser alegre, livre e pleno mesmo sem possuir nada — desde que se tenha Deus. Ele provou que a verdadeira riqueza está na união com Cristo e no amor vivido até as últimas consequências.

Um chamado à coerência

Francisco não fundou apenas uma ordem religiosa. Ele deu origem a um movimento espiritual que atravessa os séculos. Milhares de pessoas, leigas e consagradas, continuam a buscar viver o Evangelho a partir de seu exemplo. Mas ele também interpela a todos nós.

O Papa Francisco, ao escolher esse nome, quis expressar o desejo de uma Igreja mais pobre, simples e voltada aos últimos. Na Encíclica Fratelli tutti Francisco disse: 

“São Francisco de Assis ‘escutou a voz de Deus, escutou a voz dos pobres, escutou a voz do enfermo, escutou a voz da natureza. E transformou tudo isso num estilo de vida. Desejo que a semente de São Francisco cresça em tantos corações’” (Encíclica Fratelli tutti, 48).

A coragem de dizer sim

Viver como Cristo é possível. Francisco provou isso. Mas exige coragem, fé e abandono. Como ele, somos convidados a sair do centro, renunciar ao egoísmo e deixar que Cristo viva em nós.

Neste dia 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis, que sua vida nos inspire a buscar um cristianismo mais autêntico, mais profundo e mais comprometido com o Reino de Deus. Que sua radicalidade nos tire da mediocridade e nos conduza à verdadeira liberdade: a de sermos inteiramente de Deus.

Thiago Zanetti

Por Thiago Zanetti
Jornalista, copywriter e escritor católico. Graduado em Jornalismo e Mestre em História Social das Relações Políticas, ambos pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). É autor dos livros Mensagens de Fé e Esperança (UICLAP, 2025), Deus é a resposta de nossas vidas (Palavra & Prece, 2012) e O Sagrado: prosas e versos (Flor & Cultura, 2012).
Acesse o Blog: www.thiagozanetti.com.br
Siga-o no Instagram: @thiagoz.escritor




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