Todas as orações

O Abandono à Providência Divina

Padre Jean Pierre de Caussade

Livro Terceiro: Da assistência paternal com que Deus envolve as almas que se abandonam inteiramente a ele

CAPÍTULO IV - Deus dá tanto mais generosamente à alma que a Ele se abandona, quanto mais parece despejá-la de tudo

Mas procuremos aprofundar no conhecimento da ação divina e dos seus amorosos enganos. O que ao parecer tira à boa vontade, dá-lho sem a alma o conhecer. Não deixa que lhe falte nada; como se alguém sustentasse um amigo com generosidades de que deixasse parecer que era o autor, e depois, para o bem desse mesmo amigo, procedesse como quem não o quer obrigar, não cessando de lhe prestar sempre auxílio da mesma maneira, porém sem se dar a conhecer. O amigo, não suspeitando deste dissimulado mistério de amor, sentir-se-ia picado. Quantas reflexões, quantos raciocínios sobre o procedimento do seu benfeitor! Mas em o mistério começando a revelar-se, Deus sabe os variados sentimentos que simultaneamente se elevariam nessa alma: alegria, ternura, agradecimento, amor, confusão, admiração! Não redobraria de zelo e de ardor para com o amigo? Esta prova não o firmaria ainda mais na dedicação para com ele, procurando ao diante estar mais prevenido contra semelhantes surpresas?

A aplicação salta à vista. Quanto mais parecemos perder com Deus, mais ganhamos; quanto mais nos corta do natural, mais dá de sobrenatural. Amávamo-Lo pelos seus dons; mas não os vendo agora, acabamos por amá-Lo somente por si mesmo. É pela aparente privação desses dons sensíveis, que Deus prepara esse grande dom, o mais precioso e dilatado de todos, pois a todos contém. As almas que uma vez se submeteram totalmente à sua ação, devem interpretar sempre tudo favoravelmente: tudo, ainda mesmo a perda dos mais excelentes diretores, ou a desconfiança que involuntariamente sentiriam para com os que se oferecem mais do que se deseja. Porque, em geral, essa casta de guias, que por sua conta se metem a correr atrás das almas, bem merecem que se desconfie deles. Os que verdadeiramente estão animados do espírito de Deus, não mostram, de lei ordinária, tanta pressa e tanta suficiência; em vez de se fazerem chamados, as almas é que os chamam; e mesmo então, nota-se sempre nos seus passos uma certa hesitação e enleio.

A alma que se entregou totalmente a Deus deve, pois, atravessar sem temor todas estas provas, não deixando que lhe seja arrebatada a sua liberdade. Desde que permaneça fiel à ação divina, esta ação onipotente saberá operar maravilhas nela, apesar de todos os obstáculos. Deus e a alma realizam em comum uma obra, cujo êxito, ainda que dependa totalmente do divino artífice, só pode ser comprometido pela infidelidade da alma.

Quando a alma vai bem, tudo vai bem; pois o que pertence a Deus, isto é, a parte e a ação divina, é por assim dizer o reflexo ou a repercussão da fidelidade da alma. É o lado belo da obra, a qual se executa ao modo das soberbas obras de tapeçaria que se trabalham ponto por ponto e do lado do avesso. O operário que nelas se emprega não vê senão o seu ponto e a sua agulha; e todos esses pontos sucessivamente cheios fazem figuras magníficas, que não aparecem senão quando, concluídas todas as partes, se expõe à vista o lado direito dessa obra de arte. Mas durante o tempo da elaboração, toda essa maravilhosa beleza está na obscuridade.

É o que sucede com a alma abandonada; não vê senão a Deus e ao seu dever. O cumprimento deste dever não é, em cada momento, senão como um ponto imperceptível, que se vai ajuntando à obra. E contudo é com estes pontos que Deus opera as suas maravilhas, das quais por vezes temos um pressentimento no tempo, mas que não serão bem conhecidas senão à luz da eternidade. Ó como o procedimento de Deus é cheio de bondade e de sabedoria. De tal modo reservou exclusivamente para a sua graça e para a sua ação tudo o que há de sublime, de elevado, de grande e de admirável na perfeição e na santidade; e de tal maneira deixou as nossas almas, ajudadas do socorro da graça, o que é pequeno, claro e fácil, que não há ninguém no mundo que não possa atingir a perfeição mais eminente, cumprindo com amor os deveres mais comuns e obscuros.


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(Padre Jean Pierre de Caussade)
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