Doutrina Católica

Por que a Igreja Católica condena a teologia da libertação?

por Thiago Zanetti em 03/10/2025 • Você e mais 1011 pessoas leram este artigo Comentar


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Tempo de leitura: 6 minutos

A teologia da libertação surgiu na América Latina, especialmente após o Concílio Vaticano II (1962–1965), como uma tentativa de responder às graves injustiças sociais que afetavam milhões de pobres. No entanto, apesar de sua preocupação legítima com os marginalizados, a Igreja Católica alertou oficialmente contra essa corrente teológica em diversas ocasiões. Mas por quê?

A origem da teologia da libertação

A teologia da libertação se desenvolveu no final da década de 1960, marcada por nomes como Gustavo Gutiérrez e Leonardo Boff. Influenciada por teorias sociológicas e econômicas, principalmente o marxismo, ela propunha uma releitura do Evangelho à luz da luta de classes. O Cristo libertador era apresentado como alguém que veio para libertar os pobres da opressão política, econômica e social.

A proposta teve forte adesão em contextos de ditaduras, pobreza extrema e injustiça estrutural. No entanto, à medida que essa teologia se afastava da doutrina tradicional e se aproximava do materialismo marxista, o Vaticano passou a manifestar preocupação.

A condenação oficial da Igreja

A crítica mais contundente da Igreja veio da Congregação para a Doutrina da Fé, em dois documentos fundamentais assinados pelo então cardeal Joseph Ratzinger (futuro Papa Bento XVI):

  1. Instrução sobre alguns aspectos da ‘Teologia da Libertação (1984)

  2. Instrução sobre liberdade cristã e libertação (1986)

Esses textos não negam a necessidade de lutar contra a pobreza e a injustiça, mas condenam o uso ideológico do marxismo dentro da teologia. Segundo o documento de 1984:

“Lembremos que o ateísmo e a negação da pessoa humana, de sua liberdade e de seus direitos, encontram-se no centro da concepção marxista. Esta contém de fato erros que ameaçam diretamente as verdades de fé sobre o destino eterno das pessoas. Ainda mais: querer integrar na teologia uma « análise » cujos critérios de interpretação dependam desta concepção ateia, significa embrenhar-se em desastrosas contradições. O desconhecimento da natureza espiritual da pessoa, aliás, leva a subordiná-la totalmente à coletividade e deste modo a negar os princípios de uma vida social e política em conformidade com a dignidade humana” (Congregação para a Doutrina da Fé, 1984, n. 9).

A crítica, portanto, não é à caridade nem à ação social, mas à substituição da fé cristã por uma ideologia política.

Três razões centrais da condenação

1. Substituição da fé pela ideologia

A teologia da libertação, em suas versões radicais, transforma o Evangelho em um manifesto político. Cristo deixa de ser o Salvador que liberta do pecado e se torna apenas um libertador político.

A libertação que Jesus oferece é “fundamentalmente libertação do pecado, fonte de todos os males” (Congregação para a Doutrina da Fé, 1984, n. 7).

Ao relativizar o pecado pessoal e o transformar em algo meramente estrutural, corre-se o risco de despersonalizar a moral cristã.

2. Visão equivocada de salvação

A salvação, segundo a doutrina da Igreja, é um dom sobrenatural, que tem como fim último a vida eterna. A teologia da libertação, ao focar unicamente nas estruturas sociais, coloca a utopia política como objetivo final.

“Não cabe à Igreja formular soluções concretas – e muito menos soluções únicas – para questões temporais, que Deus deixou ao juízo livre e responsável de cada um, embora seja seu direito e dever pronunciar juízos morais sobre realidades temporais, quando a fé ou a lei moral o exijam” (Congregação para a Doutrina da Fé, 24 nov. 2002).

A fé cristã não pode ser reduzida a um instrumento de revolução social. O Reino de Deus começa aqui, mas não se limita à realidade temporal.

3. Instrumentalização da Igreja

Ao adotar a análise marxista, muitos teólogos da libertação passaram a considerar a Igreja como uma “instituição burguesa opressora”, promovendo cismas, desobediência à hierarquia e relativização de dogmas. Isso é condenado diretamente pelo Magistério:

“(…) a Igreja perderia o seu significado próprio. A sua mensagem de libertação já não teria originalidade alguma e ficaria prestes a ser monopolizada e manipulada por sistemas ideológicos e por partidos políticos” (Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, do Papa Paulo VI, de 8 de dezembro de 1975, n. 32).

A submissão da fé à política destrói a própria identidade da Igreja, que é, por natureza, sacramento de salvação universal (cf. Lumen Gentium, n. 1).

A verdadeira libertação cristã

A Igreja não nega a realidade da pobreza nem se omite diante da injustiça. Pelo contrário, tem uma Doutrina Social sólida, que denuncia a exploração, defende a dignidade do trabalhador, a justiça distributiva e o bem comum.

No entanto, essa ação deve sempre partir da caridade cristã, não da luta ideológica. A verdadeira libertação é aquela que liberta o homem do pecado, da injustiça e da opressão — sem romper com a fé, com a moral e com a verdade revelada.

“O que só se poderá fazer se os indivíduos e grupos cultivarem em si mesmos e difundirem na sociedade as virtudes morais e sociais, de maneira a tornarem-se realmente, com o necessário auxílio da graça divina, homens novos e construtores duma humanidade nova” (Gaudium et spes, 30).

Papa São João Paulo II e Bento XVI: firmeza doutrinal

Durante seu pontificado, São João Paulo II visitou várias vezes a América Latina e fez críticas claras à instrumentalização ideológica da fé. Em Puebla (1979), disse:

“A partir desta fé em Cristo e do seio da Igreja nós somos capazes de servir o homem, os nossos povos e de interpretar com o Evangelho a sua cultura, transformar os corações e humanizar sistemas e estruturas” (Discurso, 28 de janeiro 1979).

Seu sucessor, Bento XVI, reafirmou a importância de defender os pobres, mas sempre a partir da verdade do Evangelho e não de categorias marxistas. Em uma carta aos bispos do Brasil, afirmou:

“a opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com a sua pobreza” (Discurso do Papa Bento XVI, 13 de maio 2007).

“Aqui está precisamente o grande erro das tendências predominantes no último século, erro destruidor, como demonstram os resultados tanto dos sistemas marxistas como também dos capitalistas. Falsificam o conceito de realidade com a deturpação da realidade fundante e por isso decisiva, que é Deus. Quem exclui Deus do seu horizonte falsifica o conceito de ‘realidade’ e, por conseguinte, só pode terminar por caminhos equivocados e com receitas destruidoras. (Discurso do Papa Bento XVI, 13 de maio de 2007).

Francisco e o risco de interpretações erradas

O Papa Francisco também é frequentemente citado em contextos de teologia da libertação. No entanto, seus pronunciamentos — embora críticos ao capitalismo selvagem — mantêm a doutrina tradicional. Ele mesmo canonizou Dom Óscar Romero, mas reafirmou que a evangelização deve ser “centrada em Cristo”, e não em ideologias.

Francisco defende uma “Igreja pobre para os pobres”, mas alerta que isso não significa ideologização da fé. Em Evangelii Gaudium, ele afirma:

“a Igreja não tem soluções para todas as questões específicas. Mas, juntamente com as várias forças sociais, acompanha as propostas que melhor correspondam à dignidade da pessoa humana e ao bem comum” (EG, n. 241).

Ação social, sim — ideologia, não

A Igreja Católica não condena o cuidado com os pobres — pelo contrário, ela é uma das maiores instituições caritativas do mundo. O que a Igreja condena é a substituição da fé revelada por uma leitura ideológica do Evangelho.

A teologia da libertação, em suas versões radicais, compromete a integridade da fé ao misturar cristianismo com marxismo. Por isso, a Igreja oferece um caminho mais seguro: a Doutrina Social Católica, que une fé e ação sem abandonar a verdade.

Thiago Zanetti

Por Thiago Zanetti
Jornalista, copywriter e escritor católico. Graduado em Jornalismo e Mestre em História Social das Relações Políticas, ambos pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). É autor dos livros Mensagens de Fé e Esperança (UICLAP, 2025), Deus é a resposta de nossas vidas (Palavra & Prece, 2012) e O Sagrado: prosas e versos (Flor & Cultura, 2012).
Acesse o Blog: www.thiagozanetti.com.br
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