Apresentação

“Toda Santidade consiste em amar a Deus e todo o amor a Deus consiste em fazer a sua vontade”

Apresentamos aqui a coleção de meditações católicas diárias escritas por Santo Afonso de Ligório. Obra esta compilada em 3 Tomos e que compreendem todos os dias e festas do ano, todas tiradas de suas mais de 120 obras publicadas. Para facilitar e organizar todo o conteúdo, colocaremos as meditações separadas por tempo, assim, tornar-se-á mais fácil de encontrar um artigo desta preciosa obra deste grande Santo da nossa Santa Igreja dentro do Pocket Terço.

Essas meditações são para o Tempo Comum (entre a 22ª e a 34ª Semana do Tempo Comum) após o Tempo da Páscoa até o Tempo do Advento.

Recomendamos que faça essas meditações seguindo a Meditação Dirigida disponível aqui no aplicativo. Quando chegar no momento de realizar a leitura meditada, volte aqui para ler.

Fonte:
LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921.

(rumoasantidade.com.br/meditacoes-santo-afonso)
1ª parte

 Vigésima Segunda Semana do Tempo Comum

(Décima Terceira Semana depois de Pentecostes)

Domingo: O bom samaritano e o divino Redentor

Segunda-feira: Necessidade da mansidão e da humildade para o religioso

Terça-feira: Angústias da alma descuidada na hora da morte

Quarta-feira: Bem-aventurado daquele que se conserva fiel a Deus na adversidade

Quinta-feira: Jesus no Santíssimo Sacramento não deseja senão dispensar graças

Sexta-feira: A prisão de Jesus e as más ocasiões

Sábado: Da devoção à Divina Mãe

 Vigésimo Segundo Domingo do Tempo Comum

O bom samaritano e o divino Redentor

Samaritanus quidam, iter faciens, venit secus eum; et videns eum, misericordia motus est – “Um Samaritano, que ia seu caminho, chegou perto dele, e quando o viu, moveu-se à compaixão” (Lc 10, 33)

Sumário. Sob a imagem do bom Samaritano do Evangelho de hoje, Jesus Cristo representou-se a si mesmo. Por nosso amor desceu sobre a terra e se fez homem; curou as chagas de nossa alma, derramando sobre elas o azeite de sua graça e o vinho de seu preciosíssimo sangue; pelo santo batismo levou-nos ao albergue da Igreja e confiou-nos aos pastores das almas. Como temos até agora correspondido a tanta graças? . . . Esforcemo-nos, ao menos, por amar a nosso Deus de todo o coração; e por amor d’Ele amemos também ao próximo como a nós mesmos.

I. Narra Jesus Cristo no Evangelho de hoje, que um homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu em mãos de salteadores. Estes o despojaram, feriram-no e deixaram-no quase morto. Aconteceu que um sacerdote vinha pela mesma estrada; ele viu este homem e passou adiante; um levita também o viu e seguiu. Mas um Samaritano, chegando perto, se moveu à compaixão; ligou-lhe as feridas, derramando nelas azeite e vinho, pô-lo sobre a sua própria cavalgadura e conduziu-o a uma hospedaria, onde, recomendando-o ao hospedeiro, disse: “Cuida deste homem, e tudo o que gastares na volta pagar-te-ei” — Curam illius habe.

Na explicação desta parábola, os Santos Padres veem na figura do homem que caiu nas mãos de assassinos, o gênero humano, que pela desobediência de Adão caiu no poder de Satanás e foi não somente despojado da justiça original, mas, além disso, enfraquecido pela concupiscência e ferido em todas as faculdades da alma. Nem o Sacerdote, nem o levita, que representam a Lei antiga, quiseram ou puderam auxiliar o infeliz em sua desgraça.

Mas o Filho de Deus, o verdadeiro Samaritano, quis, com grande pasmo do céu e da natureza, vir sobre esta terra e fazer-se homem por nosso amor; curou as feridas de nossa alma, derramando sobre elas o azeite da sua graça e o vinho de seu preciosíssimo sangue. Pelo santo Batismo levou-nos ao albergue de sua Igreja e entregou-nos aos médicos das almas, para o tratamento ulterior. — Paremos aqui para considerarmos um pouco o excesso da misericórdia de Jesus Cristo e para examinarmos o modo como lhe temos correspondido até agora.

II. Cum amet Deus, nihil aliud vult quam amari, escreve São Bernardo, querendo dizer que o amor não se paga senão com amor. Se, pois, irmão meu, quisermos corresponder ao amor que Jesus, o piedoso Samaritano, nos mostrou curando todas as feridas de nossa alma e livrando-nos da morte eterna, de hoje em diante, como preceitua o Evangelho, “amemos ao Senhor nosso Deus, de todo o nosso coração, de toda a nossa alma, com todas as nossas forças, e de todo o nosso espírito; e, por amor d’Ele, amemos ao próximo como a nós mesmos”.

Ah, meu querido Redentor Jesus, estou envergonhado por ver que de vosso lado fizestes tudo para me obrigar ao vosso amor e que eu, por meu lado, fiz tudo, pela minha ingratidão, para vos obrigar a abandonar-me. Se pudessem voltar os anos de minha vida, quisera empregá-los todos em vosso serviço. Mas já que os anos não voltam mais, quero ao menos empregar o resto de minha vida em Vos amar e Vos agradar.

Ó misericordioso médico de minha alma, amo-Vos de todo o coração. Amo-Vos, ó bondade infinita, digna de um amor infinito e nada desejo nem procuro senão viver unicamente ocupado em Vos amar. “Ó Deus onipotente e misericordioso, de quem vem a graça de vossos servos vos servirem bem e louvavelmente, concedei-me que sem tropeço corra à consecução das vossas promessas.” (1) Aumentai sempre em mim o vosso amor, recordando-me o que haveis feito e padecido por mim e não permitais que eu torne a ofender-Vos. Deixai-me antes morrer.

— Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

Referências:

(1) Or. Dom. curr.

 Segunda-feira da Vigésima Segunda Semana do Tempo Comum

Necessidade da mansidão e da humildade para o religioso

Discite a me, quia mitis sum et humilis corde; et invenietis requiem animabus vestris – “Aprendei de mim que sou manso e humildade de coração e achareis descanso para vossas almas” (Mt 11, 29)

Sumário. As virtudes que o Senhor exige particularmente dos religiosos que vivem em comunidade, são a humildade e a mansidão. Quem vive solitário nos desertos não precisa tanto delas; mas quem vive em comunidade, se não é manso e humilde, cairá cada dia em mil defeitos e passará uma vida inquieta, porque é impossível que não sofra ou repreensões do superior ou desgostos dos companheiros. Para que serve um religioso que não sabe suportar por Deus um desprezo, uma humilhação, uma contrariedade? Ele será sempre um soberbo ao qual a graça divina resistirá: Deus resiste aos soberbos.

I. O nosso amabilíssimo Redentor Jesus quis ser chamado Cordeiro, exatamente para significar quanto Ele era manso e humilde. Estas foram as virtudes que principalmente quis que de si aprendessem os seus discípulos: Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração. E são estas também as que Jesus exige particularmente dos religiosos, que fazem profissão de imitar sua vida sacrossanta. – Quem vive solitário nos desertos não tem tanta necessidade destas virtudes; mas quem vive em comunidade, é impossível que não sofra ou repreensões dos superiores, ou desgostos dos companheiros. Pelo que um religioso que não ama a mansidão, cairá cada dia em mil defeitos, e passará uma vida inquieta.

O religioso é preciso que seja todo doçura para com todos, estranhos e companheiros, e ainda para com os súditos, se é superior; considerando, se é súdito, que lhe vale mais um ato de mansidão em suportar os desprezos e as repreensões, do que mil jejuns e disciplinas. – Dizia São Francisco, que muitos põem a sua perfeição nas mortificações externas e depois não sabem suportar uma palavra injuriosa; não compreendem que se adquire maior mérito pelo sofrimento das injúrias. Quantas pessoas – pondera ainda São Bernardo – , são todas doçura, quando não se diz ou não se faz nada contra o seu gênio; mas depois, nas ocasiões contrárias, fazem conhecer a sua pouca mansidão!

Quem é superior, note que aproveitará mais aos súditos uma repreensão feita com doçura do que cem outras feitas com aspereza. Mansuetus utilis sibi et aliis – “O manso é útil a si próprio e aos outros”, ensina São João Crisóstomo. – Em suma, como diz o mesmo Santo, o sinal mais certo de uma alma virtuosa é vê-la mansa nas ocasiões. Um coração manso faz as delícias do mesmo Deus que nele se compraz: Beneplacitum est illi fides et mansuetudo (1).

II. Para estar sempre disposto a suportar em paz as injúrias, é bom que o religioso nas suas meditações se represente os diversos encontros que lhe podem sobrevir e se arme contra eles; e depois, nas ocasiões, deve fazer-se violência, para não se perturbar, nem prorromper em impaciências. Por isso deve abster-se de falar, quando o ânimo está exaltado, até que veja que está acalmado. – Mas é sobretudo necessário ter um grande fundo de humildade. Quem é verdadeiramente humilde, não só não se perturba quando se vê desprezado, mas até com isso se alegra e se enche de júbilo (ainda que a carne ressinta), vendo-se tratado como julga que merece e feito semelhante a Jesus Cristo, que, sendo digno de toda a honra, quis por amor de nós ser saciado de opróbrios e injúrias. – Os santos foram mais ávidos de desprezos do que o são de aplausos e honras os mundanos. E para que serve um religioso que não sabe suportar um desprezo por Deus? Ele será sempre um soberbo, ou um humilde só de nome e fingido, ao qual a divina graça resistirá, como diz o Espírito Santo: Deus superbis resistit, humilibus autem dat gratiam (2) – “Deus resiste aos soberbos, mas dá a graça aos humildes”.

Ó meu humildíssimo Jesus, que por meu amor fostes tão humilhado e Vos fizestes obediente até à morte de cruz! Como tenho ânimo de me apresentar diante de Vós e chamar-me vosso imitador, vendo-me tão pecador e tão soberbo que não posso suportar sem ressentimento um só desprezo? D’onde me vem tão grande soberba, a mim, que pelos meus pecados tantas vezes mereci ser calcado eternamente aos pés dos demônios no inferno? Ah, meu Jesus desprezado, ajudai-me, fazei-me semelhante a Vós. Quero mudar de costumes. Vós, por meu amor, sofrestes tantos opróbrios; eu também por vosso amor quero suportar todas as injúrias.

Meu Redentor, fizestes muitos honrosos e desejáveis os desprezos, desde que os abraçastes em vossa vida com tão grande amor. Mihi absit gloriari, nisi in cruce Domini nostri Iesu Christi (3) – “Longe esteja de mim o gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo”.

– Humildíssima Senhora e Mãe de Deus, Maria, vós que em tudo, mas particularmente no sofrer, fostes a mais semelhante a vosso Filho, alcançai-me a graça de suportar em paz todos os ultrajes que de hoje em diante me forem feitos.

Referências:

(1) Eclo 1, 34
(2) 1 Pd 5, 5
(3) Gl 6, 14

 Terça-feira da Vigésima Segunda Semana do Tempo Comum

Angústias da alma descuidada na hora da morte

Cor durum male habebit in novissimo; et qui amat periculum, in illo peribit – “O coração endurecido será oprimido de males no fim da vida; e quem ama o perigo perecerá nele” (Eclo 3, 27)

Sumário. Ai do que resiste durante a vida aos convites de Deus! Desgraçado do que cai no leito com a alma em pecado e dali passa à eternidade! O anúncio da morte já próxima, o pensamento de ter de deixar o mundo, as tentações do demônio, os remorsos da consciência, o tempo que já falta, o rigor da justiça divina e mil outras coisas produzirão uma perturbação tão horrível, que pela confusão do espírito a conversão será quase impossível. Meu irmão, para não morreres de morte tão triste, teme agora viver vida pecaminosa!

I. Presentemente os pecadores afastam a lembrança e o pensamento da morte e assim procuram a paz na vida pecaminosa que levam, muito embora nunca a hajam de encontrar. Quando, porém, estiverem nas angústias da morte, próximos a entrar na eternidade: “ao sobrevir-lhes a angústia, buscarão a paz, e não haverá paz” — angustia superveniente, requirent pacem, et non erit (1). Então não poderão escapar aos tormentos de sua má consciência. Procurarão a paz; mas que paz poderá encontrar uma alma, vendo-se carregada de pecados, que, como outras tantas víboras, a mordem por toda a parte? Que paz, em pensar que dentro de poucos instantes deve comparecer perante o Juiz, Jesus Cristo, cujas leis e amizade desprezou até então!

Conturbatio super conturbationem veniet (2) — “A um susto sucederá outro susto”. O anúncio já recebido da morte próxima, o pensamento de se dever separar de todas as coisas do mundo, as tentações do demônio, os remorsos da consciência, o tempo perdido, o tempo que falta, o rigor do juízo divino, a eternidade desgraçada reservada aos pecadores, todas estas coisas produzirão uma perturbação terrível, que lançará a confusão no espírito e aumentará a desconfiança. E é neste estado de confusão e de desconfiança que o moribundo passará à outra vida. — Com efeito, a experiência ensina que as almas desleixadas na hora da morte nem sabem responder às perguntas que o sacerdote faz, e se confundem. Assim muitas vezes o confessor lhes dá a absolvição, já não porque as julga bem dispostas, mas porque não há mais tempo a perder.

Se alguma vez se têm visto pecadores moribundos chorarem, fazerem promessas e pedir perdão a Deus, diz com razão um autor que, geralmente falando, tais promessas, lágrimas e orações são como as de um homem atacado pelo seu inimigo, que lhe põe o punhal sobre o coração e o ameaça de morte. — Desgraçado, pois, do que em vida se endurece e resiste aos apelos de Deus; desgraçado do que cai no leito com pecado mortal na alma e dali passa à eternidade!

II. Meu irmão, se porventura tu também és uma daquelas almas que têm a consciência desmazelada, procura quanto antes remediar tão grave mal. Para não morreres má morte, teme viver má vida. Quem te dá a certeza de que não morrerás fulminado por um raio, de uma sufocação, de um ataque de apoplexia? E ainda que na morte tivesses tempo para te converter, quem te garante que deveras te converterás e farás uma boa confissão? Oh, quantos daqueles que se iludiram com a ideia de se converterem na hora da morte estão agora ardendo no inferno!

Ó chagas de meu Jesus, vós sois minha esperança. Desperaria do perdão de meus pecados e da minha salvação eterna se não erguesse os olhos para vós, fontes de misericórdia e de graça, pelas quais um Deus derramou todo o seu sangue, para lavar a minha alma de tantas faltas cometidas. Adoro-vos, ó chagas sagradas e em vós confio. Detesto mil vezes e amaldiçoo os prazeres indignos pelos quais causei desgosto a meu Redentor e perdi miseravelmente a sua amizade. Olhando para vós, avivam-se as minhas esperanças e para vós dirijo os meus afetos.

Meu amado Jesus, mereceis que todos os homens Vos amem, e Vos amem de todo o coração; e eu Vos ofendi tanto e tanto desprezei o vosso amor. Não obstante isso, Vós me tendes suportado e com tão grande piedade convidado ao perdão. Ah, meu Salvador, não permitais que Vos ofenda outra vez e que me condene. Que tormento seria para mim no inferno a vista de vosso sangue e de tantas misericórdias que me fizestes! Amo-Vos e sempre quero amar-Vos. Dai-me a santa perseverança. Desprendei o meu coração de todo o amor que não seja para Vós e inspirai-me um verdadeiro desejo e a resolução de não amar de hoje em diante senão a Vós, ó meu soberano Bem!

— Ó Maria, minha Mãe, atraí-me para Deus e fazei que eu seja todo d´Ele antes de morrer.

Referências:

(1) Ez 7, 25
(2) Ez 7, 26

 Quarta-feira da Vigésima Segunda Semana do Tempo Comum

Bem-aventurado daquele que se conserva fiel a Deus na adversidade

Usque in tempus sustinebit patiens, et postea redditio iucunditatis – “O homem paciente sofrerá até o tempo destinado, e depois tornar-se-lhe-á a dar a alegria” (Eclo 1, 29)

Sumário. A terra é um campo de batalha, no qual fomos postos todos para combater. Felizes de nós se formos vencedores! Se nos chegarmos a salvar, terminarão as adversidades, as tentações, as enfermidades e todas as misérias da vida presente; e Deus mesmo será a nossa recompensa eterna. Anime-nos a esperança deste galardão a combatermos até à morte, e a não nos deixarmos enquanto não estivermos na posse da pátria bem-aventurada. Para que não sintamos tanto o peso das tribulações, deitemos um olhar sobre Jesus crucificado e lembremo-nos do inferno que temos merecido.

I. A fidelidade dos soldados prova-se nos combates e não no repouso. A terra é para nós um campo de batalha, no qual fomos postos para combater e para nos salvar pela vitória; quem não ficar vencedor, está perdido para sempre. Pelo que o santo homem Jó dizia: “Todos os dias, que passo nesta guerra estou esperando, até que chegue a minha imutação.” (1)

Queria dizer que lhe era penoso o combate com tantos inimigos; mas que se consolava com a esperança que pela vitória e pela ressurreição depois da morte tudo se havia de mudar. – É também desta mudança que falava São Paulo e se alegrava, quando dizia: Et mortui resurgent incorrupti, et nos immutabimur (2) – “E os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados”. No céu muda-se tudo: o céu não é um lugar de fadigas, mas de descanso; não de temor, mas de segurança; não de tristeza e aborrecimento, mas de alegria e gozo eterno.

Com a esperança de tão grande gozo animemo-nos a combater até à morte e não nos deixemos vencer pelos inimigos enquanto não chegar o fim do nosso combate e a posse da eternidade bem-aventurada. – Feliz do que sofre por Deus durante a vida! Padece algum tempo: usque in tempus sustinebit patiens; mas o seu gozo será eterno na pátria bem-aventurada. Então terminarão as perseguições, terminarão as tentações, as enfermidades, as moléstias e todas as misérias da vida presente; e Deus nos dará outra vida interminável de pleno contentamento.

Numa palavra, o tempo atual é o tempo da poda, quer dizer: de cortar tudo quanto nos possa ser de impedimento no caminho à terra prometida do céu: Tempus putationis advenit (3) – “Chegou o tempo da poda”. O talho causa dor; eis porque é indispensável a paciência. Postea redditio iucunditatis: depois seremos consolados, conforme tivermos sofrido. Deus é fiel, e ao que sofrer qualquer coisa com resignação e por seu amor, promete que ele mesmo lhes será recompensa, mas recompensa infinitamente superior a todos os nossos padecimentos: Ego protector tuus sum, et merces tua magna nimis (4) – “Eu sou teu protetor e a tua paga infinitamente grande”. Feliz, pois, daquele que é fiel a Deus no sofrimento das adversidades!

II. Diz o Eclesiástico: “Aceita de boa mente tudo que te suceder, e tem constância na tua dor, e ao tempo da humilhação tem paciência; porque no fogo se prova o ouro e a prata, e os homens, que Deus quer receber, na fornalha da humilhação.” (5)

Portanto, se quisermos sofrer com paciência, mister é que ao amor de Deus unamos a humildade. O que cometeu um pecado mortal, lance um olhar sobre o inferno merecido e assim sofrerá com paciência qualquer desprezo e qualquer dor. – Nas humilhações é que se manifesta a santidade. Um tal é tido por santo, mas ao receber alguma injúria fica todo perturbado e queixa-se a todos. Que prova isso? Prova que não é ouro, mas chumbo.

Maldito amor próprio que quer intrometer-se em todas as nossas ações! Mesmo nos exercícios espirituais, na oração, nas penitências e em todas as obras de devoção ele acha interesses seus. Não é raro as almas espirituais caírem neste defeito. – Mulierem fortem quis inveniet? – Qual é a alma forte que livre de toda paixão e inteiramente desinteressada continue a amar Jesus Cristo entre os desprezos e sofrimentos, entre as desolações interiores e as contrariedades da vida? Salomão diz que tais almas são verdadeiras pedras preciosas: veem trazidas da extremidade da terra e por isso são raríssimas: Procul et de ultimis finibus pretium eius (6).

Meu Jesus crucificado, eu sou um daqueles que ainda em suas devoções buscam apenas o próprio gosto e a própria satisfação; sendo assim todo diferente de Vós, que por meu amor levastes vida atribulada e falta de todo alívio. Dai-me o vosso auxílio, porque de hoje em diante quero buscar tão somente o vosso agrado e a vossa glória. Quero amar-Vos desinteressadamente; mas sou fraco; Vós me dareis a força para assim fazer. Eis-me aqui; sou vosso, disponde de mim conforme a vossa vontade; fazei com que Vos ame e nada mais Vos peço. – Ó Maria, minha Mãe, pela vossa intercessão obtende-me a fidelidade a Deus.

Referências:

(1) Jó 14, 14
(2) 1 Cor 15, 52
(3) Ct 2, 12
(4) Gn 15, 1
(5) Eclo 2, 4-5
(6) Pv 31, 10

 Quinta-feira da Vigésima Segunda Semana do Tempo Comum

Jesus no Santíssimo Sacramento não deseja senão dispensar graças

Mecum sunt divitiae… ut ditem diligentes me, et thesauros eorum repleam – “Comigo estão as riquezas, para enriquecer os que me amam e encher os seus tesouros” (Pv 8, 18; 21)

Sumário. Porque Jesus Cristo é a bondade infinita, tem desejo extremo de nos comunicar seus bens, e está sempre pronto a fazer-nos bem. Ensina contudo a experiência que no Santíssimo Sacramento da Eucaristia Jesus dispensa as graças mais fácil e abundantemente. Felizes, portanto, de nós se, conforme no-lo permitir nosso estado, procurarmos frequentemente visitá-lo, entreter-nos com ele e recebê-lo em nosso peito! A graça que sobretudo lhe devemos pedir é que nos abrase mais e mais em seu santo amor.

I. Consideremos como Jesus na Eucaristia dá audiência a todos, para a todos fazer bem. Segundo Santo Agostinho, o Senhor deseja mais dar-nos suas graças do que nós recebê-las. A razão é que Deus é infinitamente bom, e a bondade da sua natureza é expansiva, de sorte que tende a comunicar seus bens a todos. Deus se queixa das almas que lhe não vão pedir graças. «Porque», diz ele, “não quereis mais vir a mim? Tenha sido para vós terra estéril ou tardia, quando me pedistes favores?” — Quare ergo dixit populus meus: Non veniemus ultra ad te? (1). São João diz que viu o Senhor cingido aos peitos com um cinturão de ouro, querendo Jesus sob essa figura mostrar-nos a multidão de graças que em sua misericórdia nos deseja conceder: Vidi praecinctum ad mamillas zona aurea (2). Jesus Cristo está sempre disposto a fazer-nos bem; mas, diz o discípulo que é especialmente no Santíssimo Sacramento que dispensa suas graças com maior abundância. E o Bem-aventurado Henrique Suso dizia que na Santíssima Eucaristia Jesus atende de melhor vontade às nossas súplicas.

Assim como uma mãe corre aonde está seu filhinho para nutri-lo e aliviá-lo de seu leite, assim o Senhor, lá do sacramento do Amor, nos chama para si e diz: “Sereis como meninos que sua mãe aperta com ternura sobre o seio” — Ad ubera portabimini… Quomodo si cui mater blandiatur, ita ego consolabor vos (3). O Padre Baltazar Álvarez viu a Jesus no Santíssimo Sacramento com as mãos cheias de graças, procurando distribuí-las, mas não havia quem as quisesse. Oh, feliz da alma que fica ao pé do altar, a fim de pedir graças a Jesus Cristo! Dentro de pouco tempo subirá ao mais alto grau de perfeição, e ficará enriquecida de méritos imensos para o céu.

II. Ó insensatos mundanos, exclama Santo Agostinho, desgraçados, onde ides buscar contentamento para o vosso coração? Vinde a Jesus; só ele vos pode dar a felicidade que buscais. E tu, minha alma, não sejas do número destes insensatos; busca a Deus só, que encerra todos os bens. E, se o queres já, ei-lo aqui perto de ti no Santíssimo Sacramento. Dize-lhe o que quiseres, porque para te consolar e ouvir é que ele está neste cibório. — Pede-lhe sobretudo o dom de seu divino amor. Feliz de ti, se Jesus Cristo fizer o favor de abrasar-te todo em seu amor. Então, de certo, não amarás, mas desprezarás todas as coisas terrestres.

Ah, meu Jesus! fazei-Vos conhecer e amar! Sois tão amável e tudo esgotastes para Vos fazer amar dos homens; como, pois, são tão poucos entre eles os que Vos amam? Ai! tive eu mesmo a desgraça de ser do número desses ingratos! Fui grato às criaturas que me fizeram algum favor; somente para convosco, que Vos destes a mim, levei a ingratidão até ao ponto de Vos desagradar muitas vezes gravemente, e de Vos ultrajar com os meus pecados. Contudo, vejo que, em vez de me abandonar, persistis em me procurar e pedir o meu coração. Sinto que continuais a intimar-me o preceito amoroso: Diliges Dominum Deum tuum ex toto corde tuo (4) — “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração”.

Já que, apesar da minha ingratidão, quereis ainda ser amado por mim, tomo a resolução de Vos amar. Desejais meu amor, e eu também, pelo socorro da vossa graça, não desejo outra coisa senão amar-Vos. Amo-Vos, meu amor, meu tudo; † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas. Ajudai-me a amar-Vos, pelo Sangue que por mim derramastes. Meu amado Redentor, nesse Sangue precioso é que ponho todas as minhas esperanças, e também na intercessão da vossa Mãe Santíssima, cujas orações quereis concorram para a nossa salvação.

— Ó Maria, minha Mãe, rogai a Jesus por mim; inflamais com amor divino todos os que vos amam: abrasai-me também, a mim que tanto vos amo.

Referências:

(1) Jr 2, 31
(2) Ap 1, 13
(3) Is 66, 12-13
(4) Mt 22, 37

 Sexta-feira da Vigésima Segunda Semana do Tempo Comum

A prisão de Jesus e as más ocasiões

Vincula illius afligatura salutaris – “Os seus vínculos são uma ligadura salutar” (Ecl 6, 31)

Sumário. Judas entra no jardim das Oliveiras e com um beijo trai o seu Mestre. No mesmo instante os insolentes ministros se lançam sobre Jesus, encadeiam-no como um malfeitor e assim o levam pelas ruas de Jerusalém. O Redentor divino quis sujeitar-se a tão grande ignomínia para nos merecer a graça de sacudirmos as cadeias do pecado, que são as más ocasiões. Quantos cristãos, muito devotos talvez por algum tempo se precipitaram por causa delas num abismo de iniquidade e estão agora ardendo no inferno!

I. Judas entra no horto e entrega o seu Mestre com um beijo. No mesmo instante os insolentes ministros lançaram-se sobre Jesus. Um o prende, outro o empurra, outro o fere, outro o amarra como um malfeitor. Comprehenderunt Iesum et ligaverunt eum – “Eles prenderam Jesus e o ligaram” (1). Céus! Que vejo! Um Deus encadeado!… E porque?… e por quem? Pelas suas próprias criaturas; pelos homens, esses vis vermes da terra. Anjos do céu, que dizeis vós? E Vós, meu Jesus, porque Vos deixais ligar? Que teem de comum convosco, pergunta São Bernardo, os ferros dos escravos e dos criminosos, com o Rei dos reis, com o Santo dos santos? O rex regum, quid tibi et vinculis?

Ah, meu Senhor, que na vossa infância fosseis ligado estreitamente nos paninhos por vossa divina Mãe, compreendo, que no sacramento do Altar fiqueis como ligado e encarcerado dentro do cibório, debaixo das espécies eucarísticas, compreendo-o igualmente. Mas que fosseis amarrados como um malfeitor pelos pérfidos judeus, para serdes arrastados pelas ruas de Jerusalém de um tribunal a outro; para serdes preso a uma coluna no Pretório de Pilatos e ali sofrerdes a mais horrível flagelação; para serdes, enfim, levado ao Calvário e pregado num infame patibulo; ah, meu Jesus! É o que não deveis ter permitido. Se os homens se atrevem a cometer tão grande sacrílegio, Vós, o Todo-Poderoso, desatai-Vos e livrai-Vos dos tormentos e da morte, que os ingratos Vos preparam.

Já compreendo, porém, o mistério: meu Senhor, não são as cordas que Vos ligam, mas sim o amor; foi o amor que Vos ligou e Vos obriga a sofrer e morrer por nós. – Pelo que São Lourenço Justianiani exclama: “Ó amor! Ó amor divino! Só vós pudestes ligar um Deus e conduzi-Lo a morte por amor dos homens!”

E apesar disso, estes mesmos homens lhe são ingratos e o ofendem.

II. O divino Redentor quis sujeitar-se a ignominia de ser encadeado, para nos merecer a graça de sacudirmos as cadeias que nos prendem ao pecado, e que se chamam as más ocasiões. Se estas cadeias não forem quebradas de uma só vez, nunca serão quebradas. Quantos há que estão agora ardendo no inferno, por terem dito: Amanhã, amanhã! Não vale dizer que até hoje não houve nada de mal; porque é pouco a pouco que o demônio leva as almas incautas até a borda do precipício, e então basta o choque mais leve para as fazer cair. É uma máxima comum dos mestres da vida espiritual, que, especialmente em se tratando da impureza, não há outro meio senão a fuga das ocasiões e o rompimento de todo o afeto.

Meu irmão, se por desgraça estiveres preso por alguma daqueles cadeias de morte, escuta o que te diz Jesus Cristo: Solve vincula colli tui, captiva filia Sion – “Desata as cadeias o teu pescoço, cativa filha de Sião” (2). Pobre alma, rompe os laços que te prendem ao inferno, chega-te a mim, e permite que, partilhando contigo as minhas cadeias, te obrigue a amar-Vos sempre.

Ó meu mansíssimo Jesus! Vendo-Vos encadeado por meu amor, que posso eu temer, já que estais de certo modo impossibilitado de levantar o braço para me ferir? Não quereis castigar-me, contanto que eu me resolva a sacudir o jugo das minhas paixões e unir-me a Vós. Sim, meu Senhor, quero recuperar a minha liberdade; e pesa-me sobre todas as coisas ter outrora abusado da minha liberdade e de Vos ter ofendido. Vós Vos deixas-te ligar por meu amor, e eu quero ser ligado pelo vosso amor. Ó felizes cadeias, ó formosas ligaduras de salvação, que unis as almas ao Coração de Jesus: Apoderai-vos do meu pobre coração e liga-o de tal modo, que nunca mais se possa separar desse amantíssimo Coração

– Ó grande Mãe de Deus e minha Mãe, Maria, pela dor que sentistes em ver vosso Jesus, amarrado como um malfeitor, obtende-me a santa perseverança.

Referências:

(1) Jo 18, 12
(2) Is 52, 2

 Sábado da Vigésima Segunda Semana do Tempo Comum

Da devoção à Divina Mãe

Beatus homo, qui audit me, et qui vigilat ad fores meas quotidie – “Bem-aventurado o homem que me ouve e que vela todos os dias à entrada da minha casa” (Pv 8, 34)

Sumário. Sendo Maria Santíssima medianeira de graça, o Senhor fê-la de certo modo onipotente; e decretou que todas as graças que são dispensadas aos homens passem pelas mãos da Virgem. Por outro lado, Maria é tão misericordiosa que basta invocá-la para ser atendido. Felizes, pois, de nós, se tivermos devoção verdadeira a esta boa Mãe, recorrermos sempre a ela em nossas necessidades e procurarmos que os outros também a amem! Que pecador se perdeu alguma vez tendo perseverado em recorrer a Maria?

I. Jesus é medianeiro de justiça, Maria é medianeira de graça; e por isso, na opinião de São Bernardo, São Boaventura, Santa Catarina de Sena, São Germano, Santo Antônio e outros, Deus quer que nos sejam dispensadas pelas mãos de Maria todas as graças que nos quer conceder. As orações dos Santos junto de Deus são orações de amigos; mas as orações de Maria são orações de Mãe. Felizes daqueles que sempre recorrem com confiança a esta divina Mãe! Entre todas as devoções, a que mais agrada à Santíssima Virgem é recorrer sempre a ela e dizer-lhe: Ó Maria, rogai a Jesus por mim.

Como Jesus Cristo é todo-poderoso por natureza, assim Maria é todo-poderosa pela graça; pelo que obtém tudo que pede. Escreve Santo Antônio que é impossível à Mãe pedir ao Filho alguma graça pelos seus devotos e não ser atendida pelo Filho. Jesus se compraz em honrar sua Mãe, concedendo-lhe tudo que ela pede. Por isso nos exorta São Bernardo: “Busquemos a graça e busquemo-la por Maria; por ser Mãe, não pode ser desatendida” – Quaeramus gratiam, et per Mariam quaeramus: quia Mater est, et frustrari non potest.

Não temamos que Maria não nos queira ouvir quando a imploramos. Ela se deleita no seu poder para com Deus, por nos poder alcançar todas as graças que desejamos. Basta pedir as graças a Maria para as obter. Se não as merecemos, ela nos torna dignos pela sua intercessão onipotente e deseja ardentemente que a ela recorramos para nos poder salvar. Que pecador jamais se perdeu tendo recorrido com confiança e perseverança a Maria, que é o refúgio dos pecadores? Perde-se somente aquele que não recorre a Maria.

II. Se nos quisermos salvar, recomendemo-nos sempre a Maria, para que interceda por nós. Imitemos as crianças, que em todas as necessidades, em todo o perigo que encontram, sempre recorrem à sua mãe. – As graças que sobretudo devemos pedir à Santíssima Virgem são um amor ardente a Jesus Cristo e uma confiança terna, filial e constante nela mesma. E sempre que nos seja possível, quer pública, quer privadamente, procuremos em nossas conversas dizer alguma coisa acerca desta divina Mãe, a fim de que outros lhe sejam também devotos. Desta forma, mesmo sem sermos missionários, exerceremos um apostolado frutuoso.

Ó Maria, sois entre todas as criaturas a mais nobre, sublime, pura, bela e santa. Oh, se todos os homens vos conhecessem, minha Rainha, e vos amassem como o mereceis! Mas consolo-me com o pensamento de que tantas almas bem-aventuradas do céu e justas na terra são todas consumidas de amor à vossa bondade e beleza. Regozijo-me, sobretudo, de que Deus por si só vos ama imensamente mais que todos os homens e anjos juntamente. Amabilíssima Soberana minha, ainda que miserável pecador, eu vos amo também, mas muito pouco é o amor que vos tenho; desejo amar-vos mais e com maior ternura; e a vós pertence obter para mim este amor; por que amar-vos é grande sinal de predestinação e graça com que Deus favorece aqueles que serão salvos.

Por outro lado, vejo, ó minha Mãe, quão imensas obrigações tenho para com vosso divino Filho; vejo que Ele é digno de amor infinito. Vós, cujo único desejo é vê-Lo amado, deveis alcançar-me principalmente a graça de um ardente amor para com Jesus Cristo. Suplico-vos, portanto, esta graça, fazei que ela me seja concedida, ó vós que obtendes de Deus tudo que desejais. Não vos peço bens terrestres, nem as honras, nem as riquezas; peço-vos unicamente a graça de fazer o que vosso Coração mais deseja, amar somente a meu Deus. Seria possível não quererdes favorecer o meu desejo, um desejo que vos é tão agradável? Não, já me ajudais, já orais por mim. Pedi, ó Maria, pedi, e não deixeis jamais de pedir enquanto não me virdes no paraíso, onde terei a segurança de possuir e amar eternamente a Deus convosco, ó Mãe querida.

Referências:

(1) Jo 18, 12
(2) Is 52, 2
2ª parte

 Vigésima Terceira Semana do Tempo Comum

(Décima Quarta Semana depois de Pentecostes)

Domingo: Os dez leprosos e o pecado de ingratidão

Segunda-feira: A nossa perfeição consiste na conformidade com a vontade divina

Terça-feira: Do grande mal que é o desafeto de Deus

Quarta-feira: A ressurreição dos corpos no dia do Juízo

Quinta-feira: Os adoradores de Jesus Sacramentado

Sexta-feira: Coração aflito de Jesus, consolado pelo zelo das almas

Sábado: Maria Santíssima alcança a perseverança para seus devotos

 Vigésimo Terceiro Domingo do Tempo Comum

Os dez leprosos e o pecado de ingratidão

Non est inventus qui rediret, et daret gloriam Deo, nisi hic alienigena – “Não se achou quem voltasse e viesse dar glória a Deus, senão só este estrangeiro” (Lc 17, 18)

Sumário. Para curar os leprosos de que fala o Evangelho, Jesus apenas fez uso de um ato da sua vontade, e todavia desagrada-Lhe tanto a sua ingratidão, que não se conteve de os censurar. Quanto mais não Lhe deverá, portanto, desagradar a ingratidão de tantos cristãos, visto que, para os curar da lepra do pecado, desceu do céu à terra e derramou todo o seu preciosíssimo sangue!… Se no passado também temos sido ingratos para com o Senhor, sejamos-lhe agradecidos ao menos de hoje em diante, lembrando-nos de que a gratidão é uma fonte de novos benefícios!

I. O pecado de ingratidão é um monstro tão hediondo, que desagrada também aos homens, os quais, tendo feito algum beneficio que não é retribuído ao menos pela gratidão, sentem uma mágoa mais insuportável do que qualquer outro sofrimento corporal. — Quanto mais, porém, este monstro desagrada a Deus, bem o demonstra o Evangelho de hoje.

Refere São Lucas que: “entrando Jesus em uma aldeia, saíram-Lhe ao encontro dez leprosos, que pararam ao longe e levantaram a voz dizendo: Jesus, Mestre, compadece-te de nós. E Jesus, logo que os viu, disse: Ide, mostrai-vos aos sacerdotes. E aconteceu que, enquanto iam, ficaram limpos. Mas um deles, quando se viu limpo, voltou atrás, engrandecendo a Deus em alta voz; e prostrou-se por terra aos pés de Jesus, dando-Lhe graças; e este era um Samaritano. E Jesus disse: Porventura não foram dez os curados? Onde estão os outros nove? Não se achou quem voltasse e viesse dar glória a Deus, senão só este estrangeiro”.

Meu irmão, façamos aqui uma consideração: para curar os dez leprosos Jesus Cristo fez apenas uso de um ato de sua vontade, e todavia a ingratidão daqueles homens desagradou-Lhe a ponto de não a querer deixar passar sem censura. Quanto mais não lhe deverá, pois, desagradar a ingratidão de tantos cristãos, visto que, para os limpar da lepra do pecado, quis Jesus aniquilar-se a si mesmo, tomando a forma de escravo (1); quis ser obediente até a morte de cruz (2); quis, enfim, derramar o seu preciosíssimo sangue até à última gota. Lavit nos in sanguine suo (3) — “Ele nos lavou em seu sangue”. — Saibamos que, conforme a revelação feita à Venerável Águeda da Cruz, a previsão de tão monstruosa ingratidão começou a atormentar nosso Senhor desde o seio de Maria e que o acompanhou durante a sua vida toda até ao último suspiro.

II. Se a ingratidão é um vício tão abominável e tão odioso a Jesus Cristo, a gratidão é, ao contrário, uma virtude extremamente agradável ao seu divino Coração. Pelo que escreveu Santo Agostinho: “Não podemos pensar, dizer nem escrever coisa melhor e mais agradável a Deus do que estas palavras: Deo gratias! — Graças a Deus!”

O mesmo disse São João Crisóstomo, que acrescenta que: “não há guarda melhor dos benefícios recebidos, do que o lembrar-se deles e agradecê-los. Não há coisa mais agradável a Deus do que uma alma grata; porque pelos inúmeros benefícios de que Deus nos cumula todos os dias, não nos pede outra coisa, senão que lhas agradeçamos.”

Mais: a gratidão nos abre os canais da divina misericórdia, para recebermos sempre novos e maiores dons. — Afiança-nos isso o Evangelho de hoje; porque o leproso que voltou para dar graças a Jesus Cristo, além da saúde do corpo, recebeu também a da alma, visto que, conforme explicam os intérpretes, foi então iluminado acerca da divindade de Jesus e feito em seguida seu discípulo e propagador da religião de Cristo, realizando muitos milagres em seu nome; Lides tua te salvum fecit (4) — “Tua fé te salvou”.

Longe, portanto, de imitarmos os nove leprosos ingratos, imitemos antes o Samaritano agradecido. Voltemos atrás, com nosso pensamento, para enumerar os benefícios recebidos de Deus e considerando a ingratidão com que lhes havemos correspondido, prostremo-nos a seus pés, enaltecendo-O em alta voz, rendendo-Lhe graças, e peçamos-lhe humildemente perdão.

Ó meu Redentor amabilíssimo, graças Vos dou e quereria morrer de dor ao pensar que Vos ofendi tanto, a Vós que sois a bondade infinita, que me enriquecestes de tantos dons e chegastes a fazer de vosso sangue um banho salutar para me limpar da lepra nojenta do pecado. Meu amor, perdoai-me, vinde tomar posse do meu coração e nunca mais Vos afasteis dele. Amo-Vos, e cada vez que disso me lembrar, prometo fazer atos de amor para compensar as minhas ingratidões para convosco. Ajudai-me para que Vos seja fiel. “Aumentai sempre em mim a fé, esperança e caridade, e fazei que ame o que mandais, para que mereça alcançar o que prometeis”. (5)

† Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

Referências:

(1) Fl 2, 7
(2) Fl 2, 8
(3) Ap 1, 5
(4) Mc 10, 52
(5) Or. Dom. curr.

 Segunda-feira da Vigésima Terceira Semana do Tempo Comum

A nossa perfeição consiste na conformidade com a vontade divina

Haec est enim voluntas Dei: sanctificatio vestra – “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1 Ts 4, 3)

Sumário. Estejamos persuadidos de que um ato de plena e perfeita conformidade com a vontade de Deus basta para fazer um santo; pois, o que dá a Deus a vontade própria, lhe dá o que tem de melhor, e pode na verdade dizer: Senhor, nada mais tenho para Vos dar. Seja este, portanto, o alvo de todos os nossos desejos, obras e orações, conformarmo-nos com a vontade divina e fazermo-la assim como é feita no céu. Ofereçamo-nos frequentemente a Deus no correr do dia, dizendo: Senhor, não permitais que Vos ofenda, fazei com que Vos ame sempre e depois disponde de mim segundo a vossa vontade.

I. Oh! Quanto merecimento tem um ato de perfeita conformidade com a vontade divina! Basta para formar um santo. Quando São Paulo perseguia a Igreja, apareceu-lhe Jesus, iluminou-o e converteu-o. Que fez, então, o Santo? Outra coisa não fez senão oferecer a sua vontade a Deus, para que dele fizesse o que fosse da sua santa vontade. Disse-lhe: Domine, quid me vis facere? (1) – “Senhor, que quereis que eu faça?” E eis que Jesus Cristo o proclama logo vaso de eleição e apóstolo das nações. – Com razão, pois o que dá a Deus a vontade própria, lhe dá tudo quanto possui. Pelo que em verdade pode dizer: Senhor, já que Vos dei a minha vontade, nada mais tenho para dar. O que Deus pede de nós é exatamente o nosso coração, isto é, a nossa vontade: Praebe, fili mi, cor tuum mihi (2) – “Meu filho, dá-me teu coração”. Enquanto não dermos a Deus a nossa vontade, todas as nossas obras, por santas que se nos afigurem, não lhe serão agradáveis. – O povo d’Israel queixou-se ao Senhor, dizendo: Porque jejuamos nós e não fizeste caso? Humilhamos as nossas almas e fizeste como se o ignorasses? Deus, porém, ensina-nos pelo profeta Isaías, que a razão disso era que, a par das penitências exteriores, eles não sacrificavam igualmente a sua vontade: In die ieiunii vestri invenitur voluntas vestra (3).

Eis porque a conformidade à vontade de Deus foi o único fim e desejo de todos os santos. Davi protestava sempre estar pronto a executar o que Deus desejava: Paratum cor meum, Deus, paratum cor meum (4) – “Meu coração está pronto, ó Deus, meu coração está pronto”. Santa Maria Madalena de Pazzi ficou arrebatada em êxtase ao ouvir as palavras: vontade de Deus. Santa Teresa oferecia-se pelo menos cinquenta vezes por dia a Deus, para que dela dispusesse segundo a sua vontade. E o Bem-aventurado Henrique Suzo dizia: “Por vontade de Deus, antes quisera ser o mais miserável verme da terra do que serafim por minha própria vontade.”

II. Eis qual deve ser o alvo de todos os nossos desejos, das nossas devoções, meditações e comunhões: conformarmos a nossa vontade com a divina e cumprimo-la assim como a fazem os anjos e santos no céu. Este deve ser também o objeto de todas as nossas súplicas: obtermos a graça de executar o que Deus nos pede; e para isso devemos reclamar a intercessão dos nossos santos Padroeiros e especialmente de Maria Santíssima. Doce me facere voluntatem tuam (5) – “Ensina-me a fazer a tua vontade”.

“Estejamos certos”, nos diz Santa Teresa, “que no cumprimento da vontade de Deus consiste a mais elevada perfeição: o que mais sobressair nesta prática, receberá de Deus maiores dons e fará mais progressos na vida interior.” Fazendo assim, seremos nós também homens segundo o Coração de Deus, como o Senhor fez o elogio de Davi exatamente por estar este disposto a fazer todas as suas vontades: Inveni virum secundum cor meum, qui faciet omnes voluntates meas (6).

Ó meu Deus, toda a minha desgraça no passado foi de não me querer sujeitar à vossa santa vontade. Detesto e amaldiçôo mil vezes os dias e momentos em que, para seguir a minha vontade, contrariei a vossa, ó Deus de minha alma. Eu Vô-la consagro hoje sem reserva; recebei-a, ó meu Senhor, e ligai-me de tal modo ao vosso amor, que nunca mais me possa revoltar contra Vós. Amo-Vos, bondade infinita e pelo amor que Vos tenho, me ofereço todo a Vós. Disponde de mim e do que é meu, como Vos aprouver; resigno-me em tudo à vossa santa vontade. Preservai-me da desgraça de agir contra a vossa vontade e fazei de mim segundo o vosso desejo. Pai Eterno, atendei-me pelo amor de Jesus Cristo. Meu Jesus, atendei-me pelos merecimentos da vossa Paixão. – E vós, Maria Santíssima, ajudai-me; impetrai-me a graça de executar a divina vontade, na qual consiste a minha salvação e nada mais vos peço.

Referências:

(1) At 9, 6
(2) Pv 23, 26
(3) Is 58, 3
(4) Sl 56, 8
(5) Sl 142, 10
(6) At 13, 22

 Terça-feira da Vigésima Terceira Semana do Tempo Comum

Do grande mal que é o desafeto de Deus

Similiter autem odio sunt Deo impius et impietas eius – “O ímpio e a impiedade são igualmente odiosos a Deus” (Sb 14, 9)

Sumário. Considera quão grande é a ruína que traz consigo o pecado mortal. Faz-nos primeiro perder todos os merecimentos anteriormente adquiridos, por grandes e imensos que sejam. Além disso, de filho de Deus torna o homem escravo de Lúcifer; de amigo querido, inimigo sumamente odioso; de herdeiro do céu, um condenado ao inferno. Se os anjos pudessem chorar, chorariam de compaixão vendo a desgraça de uma alma que comete pecado mortal e perde a graça de Deus. E nós ficaremos indiferentes?

I. Consideremos o miserável estado de uma alma em pecado mortal. Vive separada de Deus, seu soberano bem, de tal sorte que não pertence a Deus, assim como Deus não pertence a ela: Vos non populus meus, et ego non ero vester (1). Não só já não é dela, mas aborrece-a e condena-a ao inferno. ― O Senhor não odeia nenhuma das suas criaturas, nem mesmo as feras e as víboras: Nihil odisti eorum quae fecisti (2). Mas o Senhor não pode deixar de odiar os pecadores. Sim, porque Deus odeia necessariamente o pecado, que é seu inimigo inteiramente contrário à sua vontade, e assim odiando o pecado, deve necessariamente odiar também o pecador que se conserva unido ao pecado; Similiter autem odio sunt Deo impius et impietas eius ― “O ímpio e a sua impiedade são igualmente odiosos a Deus”.

Oh céus! Se alguém tem por inimigo um príncipe da terra, não pode mais dormir tranquilo, receando com razão a cada instante a morte. E o que tem por inimigo a Deus, como pode viver em paz? À ira de um príncipe pode-se fugir, já buscando esconderijo numa floresta, já ausentando-se para outro país; mas quem pode escapar às mãos de Deus? As vossas mãos, Senhor, exclamava Davi, quer eu suba aos céus, quer desça aos inferno, alcançar-me-ão em toda a parte: Etenim illuc manus tua deducet me (3).

Desgraçados pecadores! Eles são amaldiçoados por Deus, amaldiçoados pelos anjos, amaldiçoados pelos santos, amaldiçoados até na terra por todos os sacerdotes e religiosos que todos os dias, ao recitar o Ofício divino, pronunciam esta maldição: Maledicti qui declinant a mandatis tuis (4) ― “Amaldiçoados os que se apartam dos teus mandamentos”. ― Além disso, o desafeto de Deus traz consigo a perda de todos os merecimentos. Ainda que algum tivesse merecido tanto como um São Paulo Eremita, que viveu 98 anos numa gruta; tanto como um São Francisco Xavier, que conquistou para Deus milhões de almas; tanto como o apóstolo São Paulo, que, segundo São Jerônimo, adquiriu mais merecimentos que todos os outros apóstolos: se cometesse um só pecado mortal, perderia tudo: Omnes iustitiae eius, quas fecerat, non recordabuntur (5) ― “De nenhuma das obras de justiça que tiver feito, se fará memória”.

II. Tão grande é, portanto, a ruína que traz consigo o desafeto de Deus: de filho de Deus faz o homem tornar-se escravo de Lúcifer; de amigo querido, inimigo sumamente odiado; de herdeiro do céu, um condenado ao inferno. Pelo que dizia São Francisco de Sales, que, se os anjos pudessem chorar, chorariam de compaixão vendo a desgraça de uma alma que comete pecado mortal e perde a graça de Deus. ― O que é, porém, mais triste, é que os anjos chorariam, se fossem suscetíveis de chorar, e o pecador não chora. Quando se perde um animal, uma ovelha, diz Santo Agostinho, já não se come, não se dorme, não se faz senão chorar; mas perde-se a graça de Deus, e come-se, dorme-se e não se chora!

Eis, pois, o triste estado a que me tenho reduzido, ó meu Redentor. Para me tornardes digno da vossa graça, haveis empregado 33 anos de suores e sofrimentos, e eu, por um instante de prazer envenenado, por um nada, a desprezei e perdi. Dou graças à vossa misericórdia, que me dá ainda tempo para a recuperar, se o quiser. Ah! sim, quero fazer tudo para a readquirir. Dizei-me o que devo fazer para obter o perdão. Quereis que me arrependa? Pois bem, ó meu Jesus, arrependo-me de todo o coração de ter ofendido a vossa bondade infinita. Quereis que Vos ame? Amo-Vos sobre todas as coisas, Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas.

No passado liguei demais o coração ao amor das criaturas e das vaidades. De hoje em diante, quero só viver para Vós e só amar a Vós, meu Deus, meu tesouro, minha esperança e minha fortaleza: Diligam te, Domine, fortitudo mea (6) ― “Amar-Vos-ei, meu Deus e minha fortaleza”. Os vossos merecimentos, as vossas chagas, ó meu Jesus, devem ser a minha esperança e a minha força. É de Vós que espero a força de Vos ser fiel. Recebei-me, pois, na vossa graça, ó meu Salvador, e não permitais que jamais Vos abandone. Desprendei-me de todas as afeições mundanas, e inflame o meu coração no vosso santo amor. ― Maria, minha Mãe, fazei com que me abrase no amor de Deus, como sempre vos haveis abrasado.

Referências:

(1) Os 1, 9
(2) Sb 11, 25
(3) Sl 138, 10
(4) Sl 118, 21
(5) Ez 18, 24
(6) Sl 17, 2

 Quarta-feira da Vigésima Terceira Semana do Tempo Comum

A ressurreição dos corpos no dia do Juízo

Ecce mysterium vobis dico: Omnes quidem resurgemus, sed non omnes immutabimur – “Eis que vos digo um mistério: todos certamente ressuscitaremos, mas nem todos seremos mudados” (1 Cor 15, 51)

Sumário. Mortos todos os homens, a trombeta soará e todos ressuscitarão. Todos retomarão o mesmo corpo com que serviram a Deus nesta terra, ou o ofenderam. Que diferença haverá entre os corpos dos escolhidos e dos réprobos! Estes serão negros, horrendos e nauseabundos; aqueles serão alvos, belos e mais resplandecentes que o sol. Meu irmão, qual será a tua sorte nesse dia?… Se quisermos que o nosso corpo apareça dignamente ao lado dos Bem-aventurados, apliquemo-nos a mortificá-lo e a guardá-lo pela penitência, sujeito à alma.

I. O Juízo universal será precedido do fogo do céu que devorará a terra e todos os homens que então viverem: Terra et quae in ipsa sunt opera exurentur (1) – “A terra será presa do fogo, com todas as obras que nela se contém”. Palácios, campos, cidades, reinos, tudo deverá ser reduzido a um montão de cinzas. É preciso que esta infecionada habitação dos pecados seja purificada pelo fogo. Eis como deve ser o fim de todas as riquezas, pompas e delícias deste mundo. – Mortos todos os homens, a trombeta soará e todos ressuscitarão: Canet enim tuba, et mortui resurgent (2). Dizia São Jerônimo: “Todas as vezes que penso no dia do Juízo, tremo pelo corpo todo; julgo ouvir a cada instante esta terrível trombeta: Ressuscitai, ó mortos, vinde ao juízo.”

Ao som desta trombeta, as almas gloriosas dos bem-aventurados descerão do céu, para se unirem aos corpos com que serviram a Deus nesta vida; e as almas infelizes dos condenados subirão do inferno para se unirem aos corpos malditos, com que ofenderam a Deus. – Oh! Que diferença haverá então entre os corpos dos bem-aventurados e os dos réprobos! Os bem-aventurados aparecerão belos, puros, resplandecentes como o sol: Tunc fulgebunt iust sicut sol (3). Feliz de quem nesta vida sabe mortificar a carne, recusando-lhe os prazeres proibidos; ou, para a refrear mais, lhe recusa até os gozos permitidos, como fizeram os santos! Como estará então contente por ter vivido assim um São Pedro de Alcântara, que depois da morte disse a Santa Teresa: “Feliz penitência, que tamanha glória me alcançou.”

Os corpos dos réprobos, ao contrário, serão horrendos, negros e nauseabundos, quais tições do inferno. Que suplício então para o condenado o dever unir-se ao corpo! Corpo maldito, dirá a alma, foi para te contentar que me perdi. E o corpo dirá: alma maldita, que tinhas a razão por final, porque me concedeste essas satisfações, que foram a causa da minha perdição e da tua, por toda a eternidade? – Portanto, meu irmão, se por desgraça te perderes, a alma e o corpo que agora conspiram na busca de prazeres proibidos, unir-se-ão à força nesse dia, para se servirem mutuamente de algozes, para sempre.

II. Assim terminará a cena deste mundo. Terminarão todas as grandezas, os prazeres e as pompas da terra: tudo estará terminado. Só restarão duas eternidades: uma de glória, outra de sofrimento; uma feliz, outra infeliz; uma de gozos e outra de tormentos; no céu estarão os justos; os pecadores no inferno. Infeliz de quem tiver amado o mundo e perdido tudo, a alma, o corpo, o céu e Deus, pelas satisfações miseráveis desta terra.

Meu Jesus e meu Redentor, Vós, que um dia deveis ser meu Juiz, perdoai-me, antes que chegue esse dia. Ne avertas faciem tuam a me (4) – “Não afasteis de mim a vossa face”. Agora sois meu Pai, e como Pai recebei na vossa graça um filho que volta arrependido aos vossos pés. Meu Pai, peço-Vos perdão: fiz mal em Vos ofender; fiz mal em me afastar de Vós; não merecíeis ser tratado como Vos tratei. Arrependo-me disto e detesto-o de todo o coração; perdoai-me! Ne avertas faciem tuam a me; não afasteis de mim a vossa face, não me repilais, como merecia. Lembrai-Vos do sangue que derramastes por mim e tende piedade de mim.

Meu Pai, amo-Vos e não mais me quero afastar de Vós. Esquecei as injúrias que Vos fiz e dai-me um grande amor para com a vossa bondade. Desejo amar-Vos mais do que Vos ofendi; mas, sem vosso auxílio, não Vos posso amar. Ajudai-me, meu Jesus: fazei-me viver grato ao vosso amor, para que nesse dia eu seja, no vale do juízo, do número de vossos amigos. – Ó Maria, minha Rainha e minha Advogada, socorrei-me agora; porque, se vier a perder-me, não me podereis mais valer nesse dia. Vós orais por todos, orai também por mim, que me prezo de ser vosso servo devoto e tanta confiança deposito em vós.

Referências:

(1) 2 Pd 3, 10
(2) 1 Cor 15, 52
(3) Mt 13, 43
(4) Sl 26, 9

 Quinta-feira da Vigésima Terceira Semana do Tempo Comum

Os adoradores de Jesus Sacramentado

Gustate et videte, quoniam suavis est Dominus – “Provai e vede quão suave é o Senhor” (Sl 33, 9)

Sumário. Entre todas as devoções, a devoção de Jesus sacramentado é, sem dúvida, depois da recepção dos sacramentos, a primeira, a mais agradável a Deus e a mais proveitosa para nós. Por isso é que todos os santos ardiam de amor a esta dulcíssima devoção. Não te pese, pois, meu irmão, abraçá-la também, e abreviando tuas conversações com os homens, vai frequentemente entreter-te com Jesus e comunicar-lhe as tuas necessidades. Ganharás talvez mais, num quarto de hora de oração diante do Santíssimo Sacramento, que em todos os mais exercícios devotos do dia.

I. A fé ensina, e nós somos obrigados a crer, que na Hóstia consagrada está realmente Jesus Cristo, sob as espécies de pão. Mas devemos ao mesmo tempo estar persuadidos que Ele reside em nossos altares, como sobre um trono de amor e misericórdia, para dispensar as suas graças e mostrar-nos o amor que nos consagra. Quanto são, portanto, agradáveis ao Coração de Jesus os que o visitam frequentemente e se comprazem em fazer-Lhe companhia nas igrejas! Jesus Cristo ordenou a Santa Maria Madalena de Pazzi que o visitasse trinta e três vezes por dia. E esta esposa tão amada obedecia-Lhe fielmente, aproximando-se do altar o mais que podia.

Deixemos falar as almas devotas, que vão frequentes vezes entreter-se como o diviníssimo Sacramento e digam-nos os favores, as luzes, as chamas de amor que ali recebem e o paraíso de que gozam em presença do Deus eucarístico. O servo de Deus, Padre Luiz la Nuza, famoso missionário, desde jovem e secular, amava tão ardentemente Jesus Cristo, que parecia não poder afastar-se da presença de seu amado Senhor. Sentia ali tantos encantos que, tendo-lhe seu diretor proibido que ali passasse mais de uma hora, a violência que se devia fazer para obedecer e desprender-se de Jesus Cristo era tal, que parecia uma criança arrancada ao seio materno. São Luiz de Gonzaga tinha também recebido proibição de ficar diante do Santíssimo Sacramento; e, passando junto do tabernáculo e sentindo-se atraído a ficar, pelos suaves encantos de seu Senhor, violentava-se para se retirar e na ternura do seu amor exclamava: Recede a me, Domine, recede – “Afastai-Vos de mim, Senhor, afastai-Vos”. Era ali ainda que São Francisco Xavier encontrava o repouso após as grandes fadigas nas Índias: consagrava o dia ao bem das almas e a noite passava-a em oração perante o Santíssimo Sacramento. São Francisco de Assis, apenas sentia qualquer aflição, ia imediatamente comunicá-la a Jesus na santa Eucaristia. – Numa palavra, lê as vidas dos santos e verás que todos eram cheios de ardor por esta tão doce devoção, convencidos de que não é possível encontrar na terra tesouro mais amável do que Jesus na Eucaristia.

II. É incontestável que, entre todas devoções, a adoração de Jesus sacramentado é, depois da frequência dos sacramentos, a primeira, a mais agradável a Deus e a mais proveitosa para nós. Empenha-te, pois, alma piedosa, em abraçá-la, e desprendendo-te da conversação com os homens, vai passar doravante, todos os dias algum tempo, meia hora ou um quarto de hora pelo menos, em qualquer igreja na presença do Santíssimo Sacramento.

Saboreia e vê quão suave é o Senhor. Experimenta e verás o proveito que te resultará desta prática. Sabe que o tempo que passares diante do Santíssimo Sacramento será o que te alcançará mais vantagens durante a vida e mais consolações à hora da morte e na eternidade. Sabe ainda que ganharás talvez mais em um quarto de hora de oração perante a santa Eucaristia, do que em todos os outros exercícios do dia. – Onde é que as almas santas têm formado as suas mais generosas resoluções senão aos pés dos altares? Quem sabe se tu mesmo, um dia, perante o tabernáculo, não tomarás a resolução de te entregares inteiramente a Deus?

Ó majestade e bondade infinita! Vós tanto amais os homens e tendes feito tanto para que os homens Vos amem; como é então que entre os homens se encontrem tão poucos que Vos amam? Não quero mais ser do número daqueles ingratos, como tenho sido no passado. Resolvido estou a amar-Vos quanto possa, a não amar senão a Vós e a Vos provar o meu amor com as minhas frequentes visitas ao vosso Santíssimo Sacramento. Vós o mereceis e m’o recomendais com tão grande insistência! Quero contentar-Vos. Fazei, ó Senhor, que Vos contente plenamente; é o que Vos peço pelos merecimentos da vossa Paixão. Amo-Vos, meu Jesus, amo-Vos, bondade infinita. Sois Vós toda a minha riqueza, toda a minha delícia, todo o meu amor. – Ó Mãe do belo amor, Maria, ajudai-me a amar sempre e com todas as minhas forças o vosso Filho, e a fazê-Lo amado também pelos outros.

 Sexta-feira da Vigésima Terceira Semana do Tempo Comum

Coração aflito de Jesus, consolado pelo zelo das almas

Dominus Deus consolabitur in servis suis – “O Senhor Deus será consolado em seus servos” (2 Mc 7, 6)

Sumário. A causa única da aflição do Coração de Jesus é a perdição das almas que o ultrajam em vez de o amar: por conseguinte, a consolação que Ele requer, é que procuremos ganhar-Lhe as almas. Esforcemo-nos, pois, por consolar este Coração amabilíssimo; e se mais não pudermos fazer, roguemos-Lhe que envie à sua Igreja ministros zelosos. Roguemos-Lhe muitas vezes pelos pobres pecadores, em particular pelos que estão em agonia e têm de morrer hoje. Ensinemos tão salutar devoção também aos outros.

I. Feliz o cristão que, compadecendo-se das penas de Jesus, procura também aliviá-las. A causa única das aflições deste Coração amabilíssimo é a ingratidão dos homens e a perdição das almas que o ultrajam em vez de O amar; por conseguinte, a consolação que Ele requer, é que procuremos ganhar-Lhe as almas. É a perdição delas que Lhe arrancou tantas lágrimas; é para resgatá-las, que deu seu sangue. Aquele que salva uma alma, enxuga de alguma sorte as lágrimas de Jesus e impede que seu sangue seja derramado em pura perda.

Nem se diga que isso é o ofício somente dos sacerdotes; porquanto quem fala assim prova que bem pouco amor tem a Deus. Si Deum amatis, rapite omnes ad amorem Dei. Se amas a Deus, dizia Santo Agostinho, atraí todos ao amor de Deus. E Jesus mesmo, aparecendo à Venerável Soror Serafina Capri, lhe disse: “Ajuda-me, por tuas orações, a salvar as almas, ó minha filha.”

– Persuadamo-nos de que todos os discípulos do Coração de Jesus devem zelar pela sua honra, e os que não o fazem deverão um dia, como dizia Santa Maria Madalena de Pazzi, dar conta a Deus de tantas almas, que talvez não se houvessem condenado, se as tivessem recomendado a Deus em suas orações.

Portanto, na oração mental, na ação de graças depois da comunhão, na visita ao Santíssimo Sacramento, não deixemos nunca de recomendar a Deus os pobres pecadores, os infiéis, os hereges e todos os que vivem longe de Deus. Oh! Quantas almas devem sua conversão menos aos sermões dos pregadores do que às orações das almas fervorosas! – Considerando que pelos sacerdotes vem ao povo a salvação ou a perdição, a bênção ou a maldição, roguemos ao mesmo tempo e com insistência a Deus, que envie à sua Igreja ministros santos que, com verdadeiro zelo, atendam à salvação das almas.

II. O zelo pela salvação do próximo deve também estimular-nos a abraçar a devoção ao Coração agonizante de Jesus. Ela tem por objeto, primeiro honrar o Sagrado Coração, que durante toda a sua vida sofreu grandes penas interiores pela salvação das almas; em segundo lugar, obter pelos merecimentos daquela longa agonia, uma boa morte para tantos milhares de pessoas que todos os dias morrem no mundo inteiro.

Ai! Quantas dentre elas não se acham em pecado mortal! Para não descerem ao inferno, precisam tão somente de uma confissão bem feita ou de um ato de contrição perfeita. Pede, pois, ao Coração agonizante de Jesus que lhes conceda uma destas duas graças, e pede-a sem demora, cada dia, porque amanhã será talvez tarde e não o poderás mais fazer a tempo. – se com esta prática salutar conseguires cada dia a salvação de uma só alma, no fim do ano já terás salvado 365 almas e em dez anos 3650. Que belo apostolado! Que coroa de glória para a eternidade!

Não te contentes de praticar tão bela devoção só por ti; mas espalha-a em tua família, na tua comunidade, entre teus amigos. Com isso consolarás grandemente o Coração aflito de Jesus, atrairás sobre ti as suas bênçãos especialíssimas e virá o dia em que também se rezará por ti, quando tiveres entrado em agonia. Oh, que consolo nesses últimos, terríveis e decisivos combates!

† “Ó clementíssimo Jesus, que ardeis em tão abrasado amor das almas, suplico-Vos, pela agonia do vosso sacramentíssimo Coração, e pelas dores da vossa Mãe Imaculada, purificai em vosso sangue todos os pecadores da terra que estão em agonia e hoje mesmo devem morrer. Assim seja. Coração agonizante de Jesus, tende compaixão dos moribundos.” (1)

Referências:

(1) Indul. de 100 dias cada vez; plenária (nas condições ordinárias), uma vez por mês, para os que, durante um mês rezarem esta oração ao menos três vezes por dia, em diferentes intervalos.

 Sábado da Vigésima Terceira Semana do Tempo Comum

Maria Santíssima alcança a perseverança para seus devotos

Qui operantur in me non peccabunt – “Os que trabalham por mim não pecarão” (Eclo 24, 30)

Sumário. Se é verdade que todas as graças passam pelas mãos de Maria, também será certo que só por meio de Maria poderemos esperar e conseguir a graça suprema da perseverança final. Se nos quisermos salvar, sejamos devotos desta querida Mãe; recorramos a ela em todas as nossas necessidades; e quando os demônios nos vierem tentar, como os pintainhos ao ver no ar o milhafre, vamo-nos meter debaixo do seu manto. Mas ai de nós, se resfriarmos nesta devoção! Porquanto, assim como é impossível que se condene um verdadeiro devoto da Virgem, assim é igualmente impossível que se salve o que não for protegido por ela.

I. A perseverança é um dom todo gratuito de Deus, que nós não podemos merecer. Todavia, como ensinam Santo Agostinho e outros, podemos obtê-la pela oração, e pela oração quotidiana, porque ela não é dada toda de uma vez, mas dia a dia. Ora, se é verdade que todas as graças que Deus nos concede passam pelas mãos de Maria, segundo a palavra de São Bernardo: Totum nos habere voluit per Mariam — “Deus quis que tivéssemos tudo por meio de Maria”; também será certo que só por meio de Maria poderemos esperar e conseguir a graça suprema da perseverança.

Certamente a conseguiremos, se com confiança a pedirmos sempre a Maria, mas especialmente no tempo das tentações. Ela mesma, como lhe faz dizer a santa Igreja, promete-a a todos os que fielmente a servem: Os que obram por mim, não pecarão. E em outro lugar: Mea est fortitudo, per me reges regnant (1) — “Minha é a fortaleza, por mim reinam os reis”. Minha é a fortaleza, diz Maria; Deus depositou na minha mão este dom, tão indispensável para vencer os inimigos espirituais, para que eu o conceda aos meus devotos. É por minha mediação que os meus servos reinam e dominam sobre todos os seus sentidos e paixões, e assim se fazem dignos de reinarem eternamente no céu.

Ao contrário, pobres das almas que deixam de ser devotas de Maria e de se recomendar a ela em todas as ocasiões. Diz Santo Anselmo, que assim como aquele que se recomenda a Maria e por ela é olhado com amor, não se pode perder, tampouco é possível que se salve o que não é devoto de Maria e por ela protegido. — São Francisco de Borja perguntou certa vez a uns noviços, de que Santo eram mais devotos, e achando que alguns não tinham devoção especial a Maria, avisou ao Mestre dos noviços que olhasse com mais atenção para aqueles desgraçados; e sucedeu que todos perderam miseravelmente a vocação, e quiçá com esta também a alma.

II. É com razão que São Filipe Neri dizia sempre a seus confessados: “Meus filhos, se desejais a perseverança, sede devotos da Virgem Maria”.

Quem dera todos os homens amassem esta begníssima e amantíssima Senhora e a ela recorressem sempre e imediatamente no momento da tentação! Quem jamais havia de cair? Cai e perde-se quem não recorre a Maria.

Assim como os pintainhos, vendo no ar o milhafre, correm logo a recolher-se debaixo das asas da mãe; também nós, diz Santo Tomás de Villanova, quando os demônios nos vierem tentar, devemos logo, sem discorrer sobre as tentações, meter-nos debaixo do manto de Maria e dizer com confiança: Sub tuum praesidium confugimus — “Refugiamo-nos sob a vossa proteção”.

Ó Deus Eterno, graças Vos dou porque me esperastes quando estava em pecado, me perdoastes tantas vezes e me preservastes de tantas faltas, nas quais teria caído sem o socorro da vossa graça e a proteção da minha Mãe, Maria. Ai! Meus inimigos não cessarão de me tentar até à morte; se não me sustentais, Vos ofenderei ainda mais do que d’antes. — Pelo amor de Jesus Cristo e da Virgem Maria, dai-me a santa perseverança. Peço-Vos, pelos merecimentos do vosso Filho amadíssimo e pela intercessão de Maria, a graça de não me separar mais de Vós. Certo estou, ó meu Deus, de que, se contínuo a pedir-Vos a perseverança e a recomendar-me à Rainha do céu, obtê-la-ei, pois prometestes ouvir àquele que Vô-la pede. A graça, pois, que Vos peço, em nome de Jesus e Maria, é não deixar a oração. Fazei que, nas tentações, jamais deixe de recorrer a Vós, invocando os santos nomes de Jesus e Maria. Por este meio, ó meu Deus, tenho a firme esperança de morrer na vossa graça e ir amar-Vos no paraíso, onde viverei seguro de não me separar mais de Vós e de Vos amar por séculos eternos. — Ó Maria, Mãe da perseverança, rogai por mim.

Referências:

(1) Pv 8, 15
3ª parte

 Vigésima Quarta Semana do Tempo Comum

(Décima Quinta Semana depois de Pentecostes)

Domingo: Os Dois senhores e as Almas Tíbias

Segunda-feira: Da Mortificação Interior

Terça-feira: A cada momento nos aproximamos da Morte

Quarta-feira: Da eternidade do Inferno

Quinta-feira: Jesus no Santíssimo Sacramento dá audiência a todos e a qualquer hora

Sexta-feira: Jesus tratado como o último dos homens

Sábado: Martírio de Maria Santíssima ao pé da Cruz

 Vigésimo Quarto Domingo do Tempo Comum

Os Dois senhores e as Almas Tíbias

Nemo potest duobus dominis servire – “Ninguém pode servir a dois senhores” (Mt 6, 24)

Sumário. As almas tíbias parecem que querem servir ao mesmo tempo a Deus e ao mundo; a Deus, preservando-se de culpas graves; ao mundo, não fazendo caso das culpas veniais deliberadas. Escutem, porém, estas pobres iludidas, o que diz Jesus Cristo no Evangelho de hoje: “Ninguém pode servir a dois senhores: porque, ou há de amar um e odiar o outro, ou se apagar a um e abandonar o outro”. É como que dizer que cedo ou tarde acabará por cair em culpas graves. Além disso, o desgraçado levará vida infeliz; porque ficará privado tanto dos prazeres do mundo como das consolações celestiais.

I. Quem dera que esta máxima de Jesus Cristo fosse bem compreendida por aqueles que vivem na tibieza voluntária. Os ingratos repartem entre Deus e as criaturas o coração que lhes foi dado para amar a Deus só e ainda é muito pequeno para o amar devidamente. Com outras palavras, eles são tão insensatos que se persuadem que podem servir ao mesmo tempo a dois senhores, tão opostos entre si, como o são Deus e o mundo. Querem servir a Deus, preservando-se de pecados graves; e ao mundo, não fazendo caso das culpas veniais, em que caem por hábito e com advertência.

Tais almas dizem: Os pecados veniais não nos fazem perder a graça divina; por poucos que sejam, impedir-nos-ão de santificarmos; mas assim mesmo nos salvaremos, e é quanto basta. – Mas o que fala assim, ouça o que assegura Santo Agostinho: Ubi dixisti, satis, ibi periisti – Dizes que basta que te salves? Sabe, porém, que desde que disseste basta, começou a tua perdição; porquanto a alma nunca fica no lugar onde caiu, mas vai sempre abismando-se mais e mais. Santo Isidoro dá-nos disso a razão, porque com justiça Deus permite que os que não fazem caso dos pecados veniais, em castigo do seu desleixo e do pouco amor que lhe têm, caiam afinal em pecado mortal.

Demais, é natural que o hábito dos pecados leves incline a alma aos pecados graves, exatamente como certos leves mas repetidos incômodos da saúde corporal acabam por fazer a pessoa cair numa enfermidade mortal e levá-la ao túmulo. – Em suma, persuadam-se bem as almas tíbias, que cedo ou tarde se verificará também nelas a palavra de Jesus Cristo: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de amar a um e odiar ao outro, ou se apegar a um e abandonar o outro.”

II. Mas, além do grave risco que correm as almas tíbias de caírem em pecado mortal, têm também uma vida infeliz na terra, sem jamais acharem a paz nesse estado. Sim, pois que por um lado estão privadas dos prazeres do mundo; por outro, não podem saborear as consolações espirituais. Justo é que, assim como elas são avarentas para com Deus, Deus seja igualmente para com elas. – Tinha, pois, Santa Teresa razão de dizer: “Do pecado deliberado, por pequeno que seja, livre-te Deus.” E alhures: “Aprouvesse a Deus que tivéssemos medo, não do demônio, mas de todo o pecado venial, que nos pode prejudicar mais do que todos os demônios do inferno.”

Meu amabilíssimo Jesus, eu sou uma daquelas almas tíbias que, de encontro ao vosso ensino, tive a pretensão de servir a dois senhores, inteiramente opostos, como o sois vós e o mundo. Graças vos dou, meu Senhor, por não me haverdes ainda expulso de vosso serviço, conforme tinha merecido. Em vez disso fazeis-me ouvir a vossa voz, que me convida ao vosso amor: Praebe, fili mi, cor tuum mihi (1) – “Meu filho, dá-me teu coração“. Animado pela vossa bondade, proponho ser de hoje em diante todo vosso, e amar-Vos de todo o meu coração.

Amo-vos, ó meu soberano Bem, amo-Vos, meu Deus, digno de amor infinito; e porque Vos amo, arrependo-me de todas as minhas ingratidões para convosco e protesto antes querer morrer do que tornar a Vos dar desgosto. Vós, porém, ó meu Jesus, pelo amor de Maria Santíssima, abençoai este meu propósito e dai-me a graça de ser fiel. “Guardai-nos, Senhor, com vossa perpétua clemência: e pois que a humana fraqueza, sem vossa assistência, cai a cada passo, fazei, com vossos auxílios, que eu fuja do que é nocivo e tenda sempre ao que me é saudável.” (2)

Referências:

(1) Pv 23, 26
(2) Or. Dom. curr.

 Segunda-feira da Vigésima Quarta Semana do Tempo Comum

Da Mortificação Interior

Qui autem sunt Christi, carnem suam crucifixerunt cum vitiis et concupiscentiis – “Os que são de Cristo, crucificaram a carne com os vícios e concupiscências” (Gl 5, 24)

Sumário. É certo que as paixões, dirigidas segundo a razão e a prudência, não somente não causam prejuízo, senão antes trazem proveito à alma. Ao contrário, não sendo bem dirigidas causam ruínas irreparáveis porque escurecem o espírito e não permitem ver nem o bem nem o mal. Eis porque os mestres da vida espiritual recomendam tanto a mortificação interior. Se não quisermos ser dominados pelas nossas paixões, indaguemos qual seja a nossa paixão dominante e esforcemo-nos para a subjugar, lembrando-nos, porém, de que o melhor meio para sermos bem sucedidos é a oração.

I. As paixões, por natureza, não são más nem nocivas, e, quando dirigidas conforme a razão e a prudência, não somente não trarão prejuízo, senão proveito à alma. Se, ao contrário, não são bem dirigidas, causam ruínas irreparáveis para o que as segue; pois que escurecem a verdade e não permitem ver o que seja bom e o que seja mau. Por isso o Eclesiástico rogava a Deus que o livre de uma alma escrava das paixões: Animae irreverenti et infrunitae ne tradas me (1) – “Não me entregues a uma alma sem respeito e sem recato”.

Eis em que consiste propriamente a mortificação interior, tão recomendada pelos mestres da vida espiritual: em regular e moderar os movimentos da alma. Muitos põem toda a sua diligência na compostura exterior, no porte modesto e respeitoso, ao passo que no coração conservam afetos pecaminosos contrários à justiça, à caridade, à humildade ou à castidade. São semelhantes aos Fariseus, hipócritas depravados, e em vez de desarraigarem os vícios, encobrem-nos com o manto da devoção. Mas, ai deles! De que serve, pergunta São Jerônimo, abster-se de alimentos e guardar o coração cheio de orgulho? Abster-se de vinho e ficar fora de si pela ira?

Notemos bem que todas as más paixões nascem do amor próprio. É este o inimigo principal que nos ataca e devemos vencê-lo pela abnegação própria, segundo o que ensina Jesus Cristo: Abneget semetipsum (2) – “Renuncie a si próprio”. Enquanto não expulsarmos do coração o amor próprio, não pode entrar nele o amor de Deus. – Dizia a Bem-aventurada Angela de Foligno que tinha mais medo do amor próprio que do demônio, porque o amor próprio tem mais força do que este para nos fazer cair. E Santa Maria Magdalena de Pazzi acrescenta: O nosso pior traidor é o amor próprio; faz como Judas: entrega-nos com um beijo. Quem o vence, vence tudo; quem não o vence, está perdido.

II. Colhamos como fruto desta meditação o indagarmos qual seja a nossa paixão dominante, e empregarmos todos os meios para a dominar, visto que deste triunfo depende toda a nossa salvação. Procuremos, além disso, segundo o conselho de Cassiano, dar a nossas paixões outro objeto, de sorte que de viciosas se tornem santas. Um é propenso à ira; pois mude o objeto e vire a sua iracundia ao ódio do pecado, que mais dano lhe pode causar do que todos os demônios do inferno. Outro é propenso a amar pessoas de boa presença; volte o seu amor para Deus, em que se reúnem todas as qualidades amáveis. – Ah! Elevemo-nos acima da terra, e apliquemo-nos a amar com todas as forças o Bem supremo, que nos fez para si, e nos espera lá, no céu, para nos fazer felizes pela sua própria glória.

O melhor remédio, porém, contra as paixões é recomendarmo-nos a Deus, a fim de que nos livre delas. Quanto mais nos molestarem as paixões, tanto mais devemos multiplicar as orações. Nesses instantes, de pouco servem os raciocínios, pois que a paixão escurece tudo; quanto mais se refletir, tanto mais sedutor se nos afigurará o objeto que a paixão nos sugere. Então não há outro remédio senão o recurso a Jesus Cristo e a Maria Santíssima, dizendo e repetindo: Domine, salva nos, perimus (3) – “Senhor, salvai-nos, senão perecemos”.

Não permitais, Senhor, que me aparte de Vós. – Ó santa Mãe de Deus, refugio-me debaixo da vossa proteção: Sub tuum praesidium confugimos, sancta Dei Genitrix.

Sim, meu Deus, é isso que proponho fazer sempre. Vós, porém, que conheceis o meu nada, dai-me força para executar esta minha resolução. Fazei-o pelos merecimentos de Jesus Cristo e pela intercessão da minha querida Mãe, Maria.

Referências:

(1) Eclo 23, 6
(2) Mt 16, 24
(3) Mt 8, 25

 Terça-feira da Vigésima Quarta Semana do Tempo Comum

A cada momento nos aproximamos da Morte

Omnes morimur, et quase aquae dilabimur in terram, quae non revertuntur – “Nós morremos todos, e corremos pela terra como as águas que não tornam mais” (2 Rs 14, 14)

Sumário. É certo que fomos todos condenados à morte. Todos nascemos com a corda ao pescoço, e a cada passo que damos, aproximamo-nos mais do patíbulo. Que loucura, pois, a nossa, sabermos que havemos de morrer, crermos que do momento da morte depende uma eternidade de gozos ou de penas, e não pensarmos no ajuste das contas e nos meios para ter uma boa morte! Compadecemo-nos dos que morrem subitamente. Porque é, pois, que nos expomos ao risco de nos suceder a mesma desgraça? Quem sabe se este ano não é o último da nossa vida?… Quem sabe se ainda amanheceremos?

I. É certo que fomos todos condenados à morte. Todos nascemos, diz São Cipriano, com a corda ao pescoço e, a cada passo que damos, nos aproximamos mais da morte. Meu irmão, assim como foste inscrito um dia no livro dos batismos, assim serás inscrito um dia no livro dos mortos. Assim como dizes hoje dos teus antepassados: meu falecido pai, tio ou irmão, assim dirão de ti os que vierem depois. Assim como ouviste muitas vezes dobrar os sinos pela morte dos outros, assim outros os ouvirão dobrar pela tua morte.

Que dirias, se visses um condenado à morte caminhar para o suplício galhofando, rindo, olhando para toda a parte e pensando ainda em comédias, festins e divertimentos? E tu, não caminhas neste momento para a morte? E em que pensas? Vê nessa cova teus amigos e parentes, a quem já feriu a sentença. Que horror se apodera dos condenados quando veem os seus companheiros já mortos e pendentes da forca! Atenta nesses cadáveres, cada um dos quais te diz: Mihi heri et tibi hodie (1) – “Ontem a mim, hoje a ti.” É isto o que te dizem ainda os retratos de teus parentes já mortos, os seus escritos, as casas, os leitos, as roupas que deixaram.

Haverá loucura maior do que saber que se há de morrer e que depois da morte nos espera uma eternidade de alegrias ou uma eternidade de penas; saber que do momento da morte depende um futuro eternamente feliz ou eternamente infeliz: e não pensar em ajustar as contas e em empregar todos os meios para ter uma boa morte: compadecemo-nos dos que morrem subitamente e não se acham preparados para a morte; como é então que não cuidamos em estar preparados, podendo-nos acontecer o mesmo? – Mas cedo ou tarde, prevista ou imprevistamente, quer pensemos nisso quer não, devemos morrer; e a todas as horas, a todos os instantes nos vamos aproximando da nossa forca, quer dizer, da última doença que nos deve fazer sair deste mundo.

II. Em cada século, as casas, as praças e as cidades enchem-se de novos habitantes, e os que precederam são levados e enterrados nos túmulos. Assim como para estes passaram os dias da vida, da mesma maneira chegará o tempo em que nem eu, nem vós, nem nenhum dos que vivem atualmente, existirá na terra. Então estaremos todos na eternidade, que será para nós ou um eterno dia de delícias, ou uma eterna noite de tormentos. Não há meio termo; é certo, é de fé que uma das duas sortes nos espera.

Meu amado Redentor, não teria a ousadia de aparecer diante de Vós, se Vos não considerasse suspenso nessa cruz, despedaçado, ultrajado e morto por minha causa. Foi grande a minha ingratidão, maior ainda porém é a vossa misericórdia. Grandes foram os meus pecados, mas muito maiores são os vossos méritos. As vossas chagas, o vosso sangue, a vossa morte são as minhas esperanças. Merecia o inferno desde o instante do meu primeiro pecado; e depois tantas vezes Vos tornei a ofender, e Vós não só me haveis conservado a vida, mas com extrema bondade e amor me convidastes ao perdão e me haveis oferecido a paz. Como poderei recear que me afasteis de Vós, agora que vos amo e só desejo a vossa graça?

Sim, amo-Vos de todo o coração, meu querido Senhor, e só desejo amar-Vos. Amo-Vos e arrependo-me de Vos ter desprezado, não tanto pelo inferno que mereci, como por ter ofendido a Vós, meu Deus, que tanto me tendes amado. Ó meu Jesus, abri-me o seio da vossa bondade, acrescentai misericórdia a misericórdia. Fazei que não torne a ser ingrato para convosco e mude completamente o meu coração. Fazei que o meu coração, que antigamente nenhum caso fez de vosso amor e lhe preferiu as miseráveis satisfações da terra, seja doravante todo vosso e continuamente inflamado de amor por Vós. – Esta graça peço-a também a vós, ó grande Mãe de Deus, e minha Mãe, Maria.

Referências:

(1) Eclo 38, 23

 Quarta-feira da Vigésima Quarta Semana do Tempo Comum

Da eternidade do Inferno

Et ibunt hi in supplicium aeternum – “Estes irão para o suplício eterno” (Mt 25, 46)

Sumário. A eternidade do inferno não é uma simples opinião, mas sim uma verdade de fé fundada no testemunho de Deus na Santa Escritura, na qual se diz repetidas vezes que os desgraçados pecadores, uma vez lançados naqueles abismos, serão atormentados de dia e de noite pelos séculos dos séculos. Se alguém por um dia de divertimento se deixasse condenar a trinta anos de prisão, tê-lo-íamos por louco. Que maior loucura não seria a nossa, se por um momento de vil prazer nos condenássemos a queimar no fogo para sempre? A ficar privados para sempre da posse do soberano bem, que é Deus?

I. Se o inferno não fosse eterno, deixaria de ser inferno. A pena que dura pouco, não é grande pena. Quando se rompe a um doente um abscesso, quando a outro se queima uma úlcera, a dor é viva, mas, como passa rapidamente, o tormento não é grande. Que sofrimento porém não seria, se aquela incisão, aquela operação por meio do fogo, continuasse por uma semana, por um mês inteiro? Quando o sofrimento é bastante prolongado, apesar de leve, como uma dor de olhos, uma dor de dentes, torna-se insuportável. – Mas para que falar de sofrimento? Mesmo uma comédia, uma música que se prolongasse muito ou durasse um dia inteiro, não se poderia aturar pelo grande fastio. Que será, pois, do inferno, onde não se trata de assistir à mesma comédia, de ouvir a mesma música, onde não se tem unicamente a sofrer uma dor de olhos ou de dentes, onde não se sente só o tormento de uma incisão ou de um ferro em brasa, mas onde estão reunidos todos os tormentos e todas as dores? E isto, por quanto tempo? Por toda a eternidade! Cruciabuntur die ac nocte in saecula saeculorum (1) – “Serão atormentados de dia e de noite pelos séculos dos séculos”.

Esta eternidade não é simples opinião, mas sim uma verdade de fé, atestada repetidas vezes por Deus nas Sagradas Escrituras. Só no capítulo 9 de São Marcos Jesus Cristo afirma até três vezes que o verme roedor e a consciência dos condenados nunca morrerá: Vermis eorum non moritur; até cinco vezes repete que o fogo que os abrasa, nunca será apagado: Et ignis eorum non extinguitur; e finalmente conclui dizendo: Omnis igne salietur (2) – “Será todo salgado pelo fogo”. Assim como o sal tem a propriedade de conservar as cosias, assim o fogo do inferno, ao mesmo tempo que atormenta os réprobos, produz neles o efeito de sal, conservando-lhes a vida. Desgraçados réprobos!

Que loucura não seria se por um dia de divertimento alguém se deixasse encerrar num calabouço vinte ou trinta anos? Se o inferno durasse cem anos – cem anos! Que digo? – se durasse somente dois ou três anos, seria já grande loucura condenar-se ao fogo esses dois ou três anos por um momento de vil prazer. Mas não se trata de trinta, nem de cem, nem de mil, nem de cem mil anos; trata-se da eternidade, trata-se de sofrer para sempre os mesmos tormentos, sem nunca esperar fim nem momento de descanso.

II. Tinham razão os santos para temer e gemer, enquanto estavam no mundo e, portanto, em risco de se perderem. O Bem-aventurado Isaías, posto que parasse os dias no deserto entre jejuns e penitências, exclamava chorando: Desgraçado de mim, que ainda não escapei ao perigo da condenação! Nondum a gehennae igne sum liber! Mas se os santos tremiam, nós, que somos pecadores, teremos a presunção de nos julgar seguros?

Ah, meu Deus! Se me tivésseis lançado no inferno, como tantas vezes mereci, e depois me tivésseis tirado d’ali pela vossa misericórdia, quanto Vos seria obrigado! Que vida santa não teria desde então principiado! Agora por uma misericórdia maior me preservastes de cair no inferno: que farei? Tornarei a ofender-Vos e a provocar a vossa indignação, a fim de que me condeneis realmente a arder nessa prisão dos revoltosos contra Vós, onde já ardem tantas almas que cometeram menos pecados que eu? Ah! Meu Redentor, é o que eu fiz no passado; em lugar de aproveitar o tempo que me daveis para chorar os meus pecados, abusei dele para excitar a vossa ira. Agradeço a vossa infinita bondade o ter-me aturado tanto tempo. Se não fosse infinita, como me houvera sofrido?

Graças Vos dou por me haverdes esperado até aqui com tamanha paciência, e graças Vos dou sobretudo pela luz que me concedeis agora, luz que me deixa ver a minha demência e o agravo que Vos fiz, ultrajando-Vos com tantos pecados. Detesto-os, meu Jesus, e arrependo-me de todo o coração perdoai-me, em consideração à vossa Paixão e ajudai-me com a vossa graça, a não mais Vos ofender. Com razão devo temer que, depois de mais um pecado mortal, me abandoneis. – Ah, Senhor! Rogo-Vos que me ponhais sempre diante dos olhos este justo temor, em particular quando o demônio novamente me provocar a vos ofender. Amo-Vos, meu Deus, e não Vos quero mais perder; ajudai-me com a vossa graça. – Ajudai-me também vós, ó Virgem Santíssima, e fazei com que em minhas tentações sempre recorra a vós, a fim de que nunca mais perca o meu Deus. Ó Maria, vós sois a minha esperança.

Referências:

(1) Ap 20, 10
(2) Mc 9, 48

 Quinta-feira da Vigésima Quarta Semana do Tempo Comum

Jesus no Santíssimo Sacramento dá audiência a todos e a qualquer hora

Ad vocem clamoris tui, statim ut audierit, respondebit tibi – “Logo que ouvir a voz do teu clamor, te responderá” (Is 30, 19)

Sumário. Os reis da terra não dão sempre audiência, e muitas vezes acontece que o que lhes deseja falar, é despedido pelos guardas a pretexto de que não é tempo de audiência e deve vir mais tarde. Jesus, porém, no Santíssimo Sacramento, não faz assim; dá audiência a todos e a toda hora. É por isso que as igrejas estão sempre abertas. Porque então é que nós, que temos a sorte feliz de morar no palácio do Senhor, não aproveitamos melhor a sua condescendência para lhe expor as nossas necessidade e pedir graças?

I. Falando do nascimento do Redentor no presépio de Belém, São Pedro Crisólogo diz que os reis da terra não dão sempre audiência, e que, quando alguém lhes deseja falar, muitas vezes acontece que os guardas o despedem a pretexto de que não é tempo de audiência e deve vir mais tarde. O divino Redentor, pelo contrário, quis nascer numa gruta aberta, sem portas nem guardas, para dar audiência a todo o mundo e a toda a hora: Non est satelles qui dicat: Non est hora — “Não há guarda para dizer que não é a hora”. Isto mesmo faz Jesus no Santíssimo Sacramento. As Igrejas estão continuamente abertas; cada um pode, quando lhe aprouver, ir entreter-se com o Rei do céu.

E lá, Jesus quer que lhe falemos com toda a confiança: por esta razão é que ele se conserva sob as espécies de pão. Se o Senhor aparecesse sobre os altares num trono de luz, como aparecerá no juízo final, quem se atreveria a se aproximar dele? Mas, reflete Santa Teresa, como ele deseja que lhe falemos e peçamos suas graças cheios de confiança e sem temor, velou sua majestade sob as espécies de pão. Ele deseja, diz também Tomás de Kempis, que falemos a ele com um amigo fala a seu amigo. Por isso acrescenta o cardeal Hugo, nos sagrados Cânticos Jesus se chama a si próprio flor dos campos e açucena dos vales: Ego flos campi et lilium convallium (1). As flores dos jardins são encerradas e reservadas; mas as flores dos campos estão à disposição de todos.

Qual não seria a tua alegria, meu irmão, se o rei te chamasse ao seu gabinete e te falasse: Dize-me, que desejas? amo-te e desejo fazer-te bem. Pois é isto o que Jesus Cristo, o Rei do céu, diz a qualquer que o visita: Venite ad me omnes qui laboratis et onerati estis, et ego reficiam vos — “Vinde a mim, vós todos que sois pobres, enfermos, aflitos: eu posso e quero enriquecer-vos, curar-vos e consolar-vos; é para isto que me conservo sobre os altares” (2).

II. Procura ir muitas vezes à audiência junto ao Rei do céu, e, se ainda não o tens, toma o belo hábito de assistir todas as manhãs à santa missa, durante a qual Jesus sacramentado dispensa as suas misericórdias mais profusamente. Não te detenham mais de render esta homenagem a Jesus Cristo, nem os negócios terrestres, nem o respeito humano. Thomas Morus, no meio dos seus múltiplos afazeres como Chanceler da Inglaterra, achava ainda todos os dias o tempo para assistir à missa, nem julgava indecoroso à sua dignidade o servir ele mesmo ao celebrante. Certo dia, enquanto praticava a sua bela devoção, avisaram-no que o rei o estava esperando. Thomas respondeu: “Tenha um pouco de paciência, primeiro devo tributar minha homenagem a um Soberano de mais alta hierarquia e assistir até ao fim à audiência do Rei do céu”.

Amadíssimo Jesus meu, já que residis sobre os altares, para escutar as orações dos infelizes que a Vós recorrem, prestai hoje ouvido à que Vos dirige este pobre pecador. Ó Cordeiro de Deus, imolado e morto na cruz, eu sou uma alma resgatada a preço do vosso sangue; perdoai-me todas as injúrias que vos fiz, e assisti-me com a vossa graça, a fim de que Vos não perca mais. Jesus meu, dai-me parte na dor que tivestes dos meus pecados no horto do Getsêmani. Ó meu Deus, quanto quisera nunca Vos ter ofendido!

Dulcíssimo Jesus meu, se eu morresse em pecado, privado ficaria de Vos amar para sempre; Vós, porém, me haveis esperado para que vos ame. Graças Vos dou pelo tempo que me concedeis, e já que Vos posso amar, quero amar-Vos. Dai-me a graça do vosso santo amor, mas um amor tão forte que me faça esquecer tudo, para só pensar em satisfazer ao vosso amantíssimo Coração. — Ah, meu Jesus, toda a vossa vida consumistes por mim; consuma eu também por Vós o que me resta da minha. Atraí-me todo ao vosso amor; fazei-me todo vosso antes da minha morte. Espero esta graça pelos merecimentos da vossa Paixão. Confio também em vossa intercessão, ó Maria; sabeis que Vos amo; tende compaixão de mim.

Referências:

(1) Ct 2, 1
(2) Mt 11, 28

 Sexta-feira da Vigésima Quarta Semana do Tempo Comum

Jesus tratado como o último dos homens

Vidimus eum… despectum et novissimum virorum – “Vimo-Lo… feito um objeto de desprezo e o último dos homens” (Is 53, 3)

Sumário. Considera a grande maravilha que se viu um dia na terra: o Filho de Deus, feito homem por amor dos homens, foi desprezado por estes mesmos homens, como se fosse o mais vil de todos, e tratado como doido, bêbado, blasfemador e réu de mil mortes. Meu irmão, representemo-nos bem vivamente o nosso maltratado Senhor: demos-Lhe graças pelo muito que por nós sofreu, consolemo-Lo com nosso arrependimento das injúrias que Lhe fizemos, e digamos-Lhe que por seu amor queremos de hoje em diante suportar com resignação as dores, as humilhações e os desprezos.

I. Eis a grande maravilha que se viu um dia no mundo: o Filho de Deus, o Rei do céu, o Senhor do universo, foi desprezado como o mais vil de todos os homens. Afirma Santo Anselmo que Jesus Cristo quis ser desprezado e humilhado nesta terra a tal ponto, que os desprezos e as humilhações que sofreu não podiam ser maiores. – Foi tratado como homem de baixa condição: Não é Ele porventura filho de um carpinteiro? (1) Foi desprezado por causa da sua terra: Pode vir de Nazaré alguma coisa boa? (2) Foi tido por doido: Perdeu o juízo, porque o estais ouvindo? (3) Foi tido por glutão e amigo do vinho: Vejam o homem glutão, que bebe vinho (4). Por feiticeiro: É pelo poder do príncipe dos demônios que Ele expulsa os demônios (5). Por herege: Não dizemos nós bem que és samaritano? (6)

As maiores injúrias, porém, Lhe foram feitas durante a sua Paixão; e particularmente durante a noite em que foi preso pelos Judeus. Quando Jesus declarou ser Filho de Deus, o ímpio Caifás, tratando-O de blasfemo, disse aos demais sacerdotes: “Blasfemou: que necessidade temos agora de testemunhas? Vós mesmos ouvistes a blasfêmia. Que vos parece?” E eles responderam: “É réu de morte.” (7) Então, assim continua o Evangelista, cuspiram-Lhe na face, e o feriram a punhadas, e tratando-o como falso profeta, disseram: “Advinha, Cristo: quem é que te bateu?” (8)

Numa palavra, foi então que se realizou a profecia de Isaías: “Entreguei o meu corpo aos que me feriam, e minhas faces aos que me arrancavam os cabelos da barba; não virei o rosto aos que me afrontavam e cuspiam em mim.” (9) – No meio de tantas ignomínias que nosso Salvador sofreu naquela noite, sua dor foi ainda aumentada pela injúria que Lhe fez Pedro, seu discípulo, renegando-o três vezes, e jurando que nunca o tinha conhecido.

II. Almas devotas, vamos a visitar o nosso Salvador aflito naquele cárcere, onde se acha abandonado de todos, tendo por única companhia os seus inimigos, que porfiam em escarnecê-Lo. Agradeçamos-Lhe o muito que por nós sofreu com tamanha paciência, e consolemô-Lo com nosso pesar das injúrias que Lhe fizemos, visto que no passado nós também fomos do número daqueles que O desprezaram e pelo pecado negamos conhecê-Lo.

Ó meu amável Redentor, quisera morrer de dor ao pensar que amargurei tanto o vosso Coração que tanto me amou. Por piedade, esquecei os desgostos que Vos dei, e lançai sobre mim um olhar de amor, assim como o lançastes sobre Pedro depois da sua renegação; desde então até ao fim de sua vida ele nunca mais deixou de chorar o seu pecado. Ó grande Filho de Deus, ó amor infinito, Vós que sofrestes por esses mesmos homens que Vos odeiam e maltratam; Vós sois o objetivo da adoração dos anjos, a majestade infinita, e seria uma honra bem grande para os homens, se os admitísseis a beijar-Vos os pés. Mas, ah, céus, como é que naquela noite quisestes fazer-Vos ludibrio de uma multidão infame?

Ó meu desprezado Jesus, deixai-me ser desprezado por vosso amor. Como poderei recusar os desprezos, vendo que Vós, meu Deus, sofrestes tantos por meu amor? Ah, Jesus crucificado, fazei-Vos conhecer e fazei-Vos amar; fazei também que eu sempre tenha na mente a vossa Paixão. – Oh céus! Que pena não sofrerão os réprobos no inferno, vendo o muito que o Senhor sofreu para os salvar e que, não obstante isto, se quiseram perder! Meu Jesus, não permitais que eu seja do número daqueles infelizes. Não, nunca mais quero esquecer-me do amor que me mostrastes sofrendo por mim tantas penas e ignomínias. Ajudai-me a amar-Vos e a lembrar-me sempre do amor que me haveis tido. – Ó minha Mãe dolorosa, Maria, peço-vos a mesma graça.

Referências:

(1) Mt 13, 55
(2) Jo 1, 46
(3) Jo 10, 20
(4) Lc 7, 34
(5) Mt 9, 34
(6) Jo 8, 48
(7) Mt 26, 65-66
(8) Mt 26, 68
(9) Is 50, 6

 Sábado da Vigésima Quarta Semana do Tempo Comum

Martírio de Maria Santíssima ao pé da Cruz

Stabat autem iuxta crucem Iesu mater eius – “Estava ao pé da cruz de Jesus, sua Mãe” (Jo 19, 25)

Sumário. Do martírio de Maria sobre o Calvário, não é necessário dizer outra coisa senão o que diz São João: contempla-a vizinha à cruz à vista de Jesus moribundo, e depois, vê se há dor semelhante a sua dor. O que mais atormentou a nossa Mãe dolorosa, foi o ver que ela mesma com sua presença aumentava as aflições do Filho e que para grande parte dos homens o sangue divino seria causa de maior condenação. Se Jesus e Maria, apesar de inocentes, sofreram tanto por nosso amor, a nós, que merecemos mil infernos, não desagrade sofrer alguma coisa por amor deles e em satisfação por nossos pecados.

I. Admiremos uma nova espécie de martírio; uma Mãe condenada a ver morrer diante de seus olhos, no meio de bárbaros tormentos, um Filho inocente e amado com todo o afeto. Estava ao pé da cruz (de Jesus) sua Mãe. Como se São João dissesse: Não é necessário dizer outra coisa do martírio de Maria: contempla-a vizinha à cruz, à vista do Filho moribundo, e depois vê se há dor semelhante à sua dor.

Mas para que servia, ó Senhora, lhe diz São Boaventura, ires ao Calvário? Devia reter-vos o pejo, pois que o opróbrio de Jesus foi também o vosso, sendo vós sua mãe. Ao menos devia reter-vos o horror de tal delito, como ver um Deus crucificado pelas suas mesmas criaturas. Mas responde o mesmo Santo: Non considerabat cor tuum horrorem, sed dolorem. Ah! O vosso Coração não pensava no seu próprio sofrimento, mas na dor e na morte do amado Filho, e por isso, quisestes vós mesma assistir-Lhe, ao menos para Lhe mostrar a vossa compaixão.

Oh Deus! Que espetáculo doloroso era ver o Filho agonizante sobre a cruz e, ao pé da cruz, ver agonizar a Mãe, que sofria no coração todas as penas que o Filho padecia no corpo! – Eis aqui como a mesma Bem-aventurada Virgem revelou a Santa Brígida o estado lastimoso do seu Filho moribundo, conforme ela o presenciou: “Estava meu amado Jesus na cruz, todo aflito e agonizante; os olhos estavam encovados e meio fechados e amortecidos; os lábios pendentes e a boca aberta; as faces descarnadas, pegadas aos dentes e alongadas; afilado o nariz, triste o rosto; a cabeça pendia-lhe sobre o peito; os cabelos estavam negros de sangue, o ventre unido aos rins; os braços e as pernas inteiriçadas e todo o resto do corpo coalhado de chagas e de sangue.”

Ó pobre de meu Jesus! Ó martírio cruel para o coração de uma mãe!

II. Quem se achasse então sobre o Calvário, diz São João Crisóstomo, teria visto dois altares, nos quais se consumavam dois grandes sacrifícios: um no corpo de Jesus, outro no coração de Maria. Mas melhor me parece, com São Boaventura, considerar ali um só altar, isto é, só a cruz do Filho, no qual, juntamente com a vítima do Cordeiro divino, é sacrificada também a Mãe. Por isso o Santo pergunta-lhe assim: O Domina, ubi stas? – “Ó Maria, onde estais?” Junto à cruz? Ah! Mais exatamente direi que estais na mesma cruz, a sacrificar-vos, crucificada juntamente com Jesus.

O que mais afligia a nossa Mãe dolorosa, era o ver que ela mesma, com a sua presença, aumentava as aflições do Filho, porquanto, como diz o mesmo santo Doutor, a mesma pena que enchia o Coração de Maria, transbordava para amargurar o Coração de Jesus; e Jesus padecia mais pela compaixão da Mãe, do que pelas suas próprias dores. Acresce que, lembrando-se Maria da profecia de Simeão, já desde então previu que os padecimentos de Jesus Cristo seriam, pela culpa dos homens, inúteis para grande parte deles, e ainda mais, causa de maior condenação: Ecce positus est hic in ruinam et resurrectionem multorum (1) – “Eis que este é posto para ruína e ressurreição de muitos”.

Roguemos à nossa divina Mãe, pelos merecimentos desta sua dor, que nos obtenha verdadeira dor dos nossos pecados e verdadeira emenda de vida, zelo fervoroso pela salvação das almas e uma terna compaixão dos sofrimentos de Jesus Cristo e pelas suas próprias dores. Se Jesus e Maria, apesar de tão inocentes, quiseram sofrer alguma coisa por amor deles. Por isso digamos com São Boaventura: “Ó Maria, se no passado vos ofendi, vingai-vos agora ferindo-me o coração; se vos servi fielmente, também outra recompensa não vos peço, senão que me firais. Demais indecoroso seria para mim ficar ileso, ao passo que Vos vejo repletos de dores, a vós e a meu Senhor Jesus Cristo.”

Poenas mecum divide – “Reparti comigo as penas”.

Referências:

(1) Lc 2, 34
4ª parte

 Vigésima Quinta Semana do Tempo Comum

(Décima Sexta Semana depois de Pentecostes)

Domingo: O Moço de Naim e a lembrança da Morte

Segunda-feira: Do amor que Deus nos mostrou

Terça-feira: Deus é Misericordioso, mas também Justo

Quarta-feira: Felicidade eterna do céu

Quinta-feira: Do sagrado Viático

Sexta-feira: Jesus, homem de dores

Sábado: Maria Santíssima, modelo de Mortificação

 Vigésimo Quinto Domingo do Tempo Comum

O Moço de Naim e a lembrança da Morte

Defunctus efferebatur, filius unicus matris suae – “Levavam à sepultura um defunto, filho único de sua mãe” (Lc 7, 12)

Sumário. Que verdade tão importante nos é lembrada pelo Evangelho de hoje! O filho da viúva de Naim era novo, herdeiro único de seu pai, consolação única de sua mãe, amado de seus concidadãos, que por isso acompanhavam o cortejo fúnebre. Provavelmente não pensara que a morte viria surpreendê-lo em tais circunstâncias; mas, assim mesmo colheu-o. Nada, pois, mais certo do que a morte, mas nada mais incerto do que a hora da morte. Ah! Se pensássemos muitas vezes nesta grande máxima, não pecaríamos nunca, e estaríamos sempre preparados para morrer.

I. Refere São Lucas que “Jesus ia para uma cidade chamada Naim; e iam com ele os seus discípulos e uma grande multidão de povo. E quando chegou perto da porta da cidade, eis que levavam um defunto a sepultar, filho único de sua mãe, que já era viúva, e vinha com ela muita gente da cidade.” Antes de prosseguirmos, meu irmão, reflitamos nesta primeira parte da narração evangélica, e lembremo-nos da morte.

É fora de dúvida que devemos morrer. Cremos nesta verdade, não porque é um ponto da fé, mas porque a vemos também com nossos olhos, pois que cada dia se repete o fato do Evangelho: Ecce defunctus efferebatur – “Um defunto é levado à sepultura”. Se alguém se quisesse iludir pensando que não há de morrer, não seria tido por herege, mas sim por louco, que nega a evidência. – É, pois, certo que havemos de morrer; contra cada um de nós já foi lançada a sentença inapelável: Statutum est hominibus semel mori (1) – “Esta decretado que os homens morram uma só vez.” Mas onde é que morreremos?… Como?… Quando? Ninguém o sabe. “Nada mais certo do que a morte”, diz o Idiota, “e ao mesmo tempo, nada mais incerto do que a hora da morte.”

O filho da viúva de Naim era novo, na flor dos anos, herdeiro único de seu pai; única consolação de sua mãe; amado de seus concidadãos que por isso acompanhavam o cortejo fúnebre. Provavelmente não pensara que a morte o havia de surpreender em tais circunstâncias; mas apesar disso colheu-o. Tal será também a nossa sorte; quem no-lo diz é Jesus Cristo, a verdade mesma: Estote parati; quia qua hora non putatis, Filius hominis veniet (2) – “Estai preparados; porque à hora que não cuidais, o Filho do homem virá.”

II. O Evangelho continua a narração dizendo que “o Senhor, vendo a viúva, e movido de compaixão para com ela, lhe disse. Não chores. E, chegando ao esquife, acrescentou: Moço, eu te ordeno, levanta-te. E sentou-se o que havia estado morto, e começou a falar.” Deste modo Jesus Cristo aproveitou-se da morte daquele moço para fazer um grande milagre, que consolou uma mãe extremamente aflita e confirmou no bem os assistentes, que glorificavam a Deus e diziam: “Um grande profeta levantou-se entre nós; e Deus visitou o seu povo.”

É o que o Senhor continua ainda sempre a fazer nas almas por Ele remidas pela meditação sobre a morte. Serve-se desta lembrança para consolar a Igreja, nossa mãe, pela ressurreição espiritual de tantos pecadores, seus filhos; e, depois de os ressuscitar, serve-se ainda da mesma consideração para os fazer perseverar no bem, enchendo-os de um temor salutar. – Procura, tu também, ter sempre diante dos olhos o pensamento da morte. Fazendo isto, se és pecador, ressuscitarás depressa à vida da graça; se, como espero, és justo, o Espírito Santo te assegura que nunca mais tornarás a cair no pecado: Memorare novíssima tua, et in aeternum non peccabis (3) – “Lembra-te de teus novíssimos, e jamais pecarás.”

Ó meu Deus! Graças Vos dou pela luz que agora me comunicais. Já basta de anos perdidos! Quero empregar todo o resto de minha vida em me preparar para a morte, chorando as ofensas que Vos fiz, e reparando o tempo passado por uma dedicação mais fiel a vosso serviço. Ajudai-me com a vossa santa graça. “Purificai-me, ó Senhor, fortalecei-me com a vossa continua piedade; e, porque sem Vós nada pode subsistir, sustentai-me sempre com os vossos dons.” (4) – † Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

Referências:

(1) Hb 9, 27
(2) Lc 12, 40
(3) Eclo 7, 40
(4) Or. Dom. curr.

 Segunda-feira da Vigésima Quinta Semana do Tempo Comum

Do amor que Deus nos mostrou

Nos ergo diligamus Deum, quoniam Deus prior dilexit nos – “Amemos portanto a Deus, porque Deus nos amou primeiro” (1 Jo 4, 19)

Sumário. São inúmeras as provas de amor que o Senhor nos deu. Amou-nos desde a eternidade, tirou-nos do nada com preferência a tantos outros, e, o que mais é, fez-nos nascer num país católico e no seio da Igreja verdadeira. Quantos milhões de homens vivem privados dos sacramentos, da pregação, dos bons exemplos e de tantos outros meios de salvação! A nós Deus quis dar todos estes meios de perfeição, sem mérito algum da nossa parte; prevendo mesmo todos os nossos deméritos. Porque então correspondemos tão mal ao amor de Deus? Porque não o amamos de todo o coração?

I. Considera primeiro que Deus merece teu amor, porque te amou antes de ser amado por ti e de todos os seres: In caritate perpetua dilexi te (1) – “Com amor eterno te amei”. Os primeiros que te amaram na terra, foram teus pais; mas só te amaram depois de te terem conhecido. Deus já te amava, antes de existires. Ainda não existiam no mundo nem teu pai, nem tua mãe e já Deus te amava. Não era ainda criado o mundo, e já Deus te amava.

E quanto tempo antes da criação já te amava Deus? Talvez mil anos, mil séculos antes? Escusado é contar anos e séculos: In caritate perpetua dilexi te; ideo attraxi te, miserans tui – “Com amor eterno te amei; por isso, compadecido de ti, te atraí a mim”. Numa palavra, Deus te amou desde que é Deus e desde que se amou a si mesmo, amou-te também. Foi, portanto, com muita razão que a santa virgenzinha Inês respondeu às criaturas que a requestavam: Ab alio amatore praeventa sum – “Outro amante vos precedeu”.

Assim, meu irmão, teu Deus te amou desde a eternidade; e é só por amor de ti que tirou do nada tantas outras criaturas formosas, a fim de que te servissem e te recordassem sem cessar o amor que te tem, e o que Lhe deves. O céu e a terra, exclamava Santo Agostinho, tudo me prega, ó meu Deus, quanto sou obrigado a amar-Vos. Quando o Santo olhava o sol, a lua, as estrelas, as montanhas, os rios, parecia-lhe que todas estas criaturas lhe diziam: Agostinho, ama a teu Deus, criou-nos para ti, para ganhar o teu amor.

O abade de Rancé, fundador da Trappa, à vista das colinas, das fontes, das flores, dizia que todas estas criaturas lhe recordavam o amor que Deus lhe tinha. Santa Teresa dizia igualmente que as criaturas lhe repreendiam a sua ingratidão para com Deus. Quando Santa Maria Magdalena de Pazzi tinha na mão uma bela flor ou qualquer fruto, sentia o coração ferido por uma seta do amor divino, dizendo consigo: “O meu Deus pensou desde a eternidade em criar esta flor, este fruto, a fim de que eu o amasse!”

II. Considera o amor particular de Deus para contigo, fazendo-te nascer num país cristão e no seio da verdadeira Igreja. Quantos não há que nascem no meio de idólatras, de judeus, de maometanos, os quais se perdem todos! Mas Deus te pôs no número dos que nascem em lugares onde reina a verdadeira fé.

Ó dom inapreciável o da fé! Quantos milhões de pessoas se veem privadas dos sacramentos, das instruções, dos bons exemplos e de todos os outros meios de salvação que nos oferece a nossa verdadeira Igreja! E Deus quis prodigalizar-te todas estas grandes vantagens sem nenhum merecimento de tua parte, ou, para melhor dizer, prevendo os teus desmerecimentos; porque, quando pensava em criar-te e fazer-te estas graças, já previa as injúrias que lhe havias de fazer.

Ó soberano Senhor do céu e da terra, como é que, tendo amado tanto os homens, sois tão desprezado por eles? Entre esses homens, ó meu Deus, amastes-me com amor particular, favorecendo-me com graças especiais, que recusastes a muitos outros, e eu Vos desprezei mais que os outros. Prostro-me a vossos pés, ó Jesus, meu Salvador: Ne proicias me a facie tua (2) – “Não me repilais de vossa presença”. Mereceria ser repelido por Vós por causa de minhas ingratidões; mas dissestes que não sabeis repelir um coração arrependido que volta para Vós: Eum quivenit ad me, non eiciam foras (3) – “Não rejeitarei àquele que vem a mim”.

† Meu Jesus, misericórdia! Outrora não Vos conhecia; mas agora reconheço-Vos por meu Salvador, que morreu para me salvar e ser amado por mim. Agora Vos conheço, Vos adoro e Vos amo por todos aqueles infelizes que Vos ofendem, e nada desejo senão crescer sempre em vosso amor. – Meu Senhor, dai-me o vosso amor; mas um amor ardente, que me faça esquecer todas as criaturas; um amor forte, que me faça vencer todas as dificuldades para Vos agradar; um amor constante, que nunca mais se resfrie entre mim e Vós. Tudo espero dos vossos merecimentos, ó meu Jesus; e tudo espero também da vossa intercessão, ó minha Mãe Maria.

Referências:

(1) Jr 31, 3
(2) Sl 50, 13
(3) Jo 6, 37

 Terça-feira da Vigésima Quinta Semana do Tempo Comum

Deus é Misericordioso, mas também Justo

Misericordia enim et ira ab illo cito proximant, et in peccatores respicit ira illius – “A sua misericórdia e a usa ira chegam rapidamente, e em sua ira olha para os pecadores” (Eclo 5, 7)

Sumário. De dois modos o demônio engana os homens e arrasta muitos consigo ao inferno. Depois do pecado arrasta-os ao desespero, por meio da justiça divina; e antes do pecado excita-os a cometê-lo pela esperança da divina misericórdia. Se quisermos desfazer a arte do inimigo, façamos o contrário: depois do pecado, confiemos na misericórdia divina, mas, antes do pecado, temamos a sua justiça inexorável. Como poderia confiar na misericórdia de Deus quem abusa da mesma misericórdia para o ofender?

I. Diz Santo Agostinho que o demônio engana os homens de dois modos: pelo desespero e pela esperança. Quando o pecador caiu, arrasta-o ao desespero, representando-lhe o rigor da divina justiça; mas antes do pecado, excita-o a cometê-lo pela confiança na divina misericórdia. — Com efeito, será difícil encontrar um pecador tão desesperado que se queira condenar por si próprio. Os pecadores querem pecar, mas sem perderem a esperança de se salvar. Pecam e dizem: Deus é misericordioso; cometerei este pecado e depois irei confessar-me dele. Mas, ó Deus! É assim que falaram tantos que agora estão condenados!

Avisa-nos o Senhor: “Não digas: são grandes as misericórdias de Deus; por muitos pecados que eu cometa, obterei o perdão por um só ato de contrição” (1). Não digas assim, avisa-nos Deus; e por quê? Porque a sua misericórdia e a sua justiça vão sempre juntas; e a sua indignação se inflama contra os pecadores impenitentes, que amontoam pecados sobre pecados e abusam da misericórdia para mais pecares: A sua misericórdia e a sua ira chegam rapidamente, e a sua indignação vira-se contra os pecadores. — A misericórdia de Deus é infinita, mas os atos dessa misericórdia são finitos. Deus é misericordioso, mas também é justo. “Eu sou justo e misericordioso”, disse um dia o Senhor a Santa Brígida; “mas os pecadores julgam-me somente misericordioso”.

Não queiramos, escreve São Basílio, considerar só uma das faces de Deus. E o Bem-aventurado João Ávila acrescenta que tolerar os que abusam da misericórdia de Deus, para mais o ofenderem, não seria mais ato de misericórdia, mas falta de justiça. A misericórdia é prometida ao que teme a Deus, não ao que dela abusa: Et misericordia eius timentibus eum (2). A justiça ameaça os pecadores obstinados; e assim como Deus, observa Santo Agostinho, não falta às suas promessas, tão pouco faltará a suas ameaças.

II. Meu irmão, escuta o belo conselho que te dá Santo Agostinho: Post peccatum spera misericordiam. Depois do pecado, confia na misericórdia de Deus; mas antes do pecado, receia a sua terrível justiça: Ante peccatum pertimesce iustitiam. Sim, porque é indigno da misericórdia de Deus quem dela abusa para o ofender. Aquele que ofende a justiça, diz Afonso Tostato, pode recorrer à misericórdia; mas a quem poderá recorrer o que ofende a própria misericórdia? Seria zombar de Deus querer continuar a ofendê-lo e desejar depois o paraíso. Avisa-nos, porém, São Paulo, que Deus não consente que zombemos dele: Deus non irridetur (3).

Ah, meu Jesus, eu sou um daqueles que Vos ofenderam, porque Vós éreis tão bom. Esperai, Senhor, não me abandoneis ainda, já que pela vossa graça espero nunca mais dar-Vos motivo para que me abandoneis. Pesa-me, ó bondade infinita, de Vos ter ofendido e abusado tanto da vossa paciência. Graças Vos dou por me terdes esperado até agora. No futuro, não mais Vos quero trair como no passado.

Vós me suportastes tanto tempo, a fim de me verdes um dia cativo amorosamente da vossa bondade. Esse dia já chegou, como espero. Amo-Vos, ó bondade infinita. † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas; estimo a vossa graça mais que todos os reinos do mundo; antes perder mil vezes a vida que perder a vossa afeição. — Meu Deus, pelo amor de Jesus Cristo, dai-me, com o vosso amor, a santa perseverança até à morte. Não consintais que eu torne a trair-Vos, e deixe jamais de Vos amar. — Ó Maria, sois a minha esperança; obtende-me a perseverança e nada mais vos peço.

Referências:

(1) Eclo 5, 6
(2) Lc 1, 50
(3) Gl 6, 7

 Quarta-feira da Vigésima Quinta Semana do Tempo Comum

Felicidade eterna do céu

Beati qui habitant in domo tua, Domine; in saecula saculorum laudabunt te – “Bem-aventurados, Senhor, os que moram na tua casa; pelos séculos dos séculos te louvarão” (Sl 83, 5)

Sumário. No céu a alma verá Deus face a face, conhecerá todas as disposições admiráveis da divina Providência para sua salvação e verá que o Senhor a abraça e a abraça sempre como filha querida; pelo que a alma se embriagará de tal amor, que não pensará mais senão em amar seu Deus. Será esta a sua eterna ocupação: amar o bem infinito que possui, louvá-Lo e bendizê-Lo. Quando nos sentirmos oprimidos pelas cruzes, levantemos os olhos ao céu, e lembremo-nos de que nos está reservada sorte igual, se ficarmos fiéis a Deus.

I. Na terra, a maior pena das almas que amam a Deus e se acham em desolação, é o receio de não O amarem e de não serem por Ele amados: Nescit homo, utrum amore an odio dignus sit (1) – “ O homem não sabe se é digno de amor ou de ódio”. Mas no paraíso a alma está certa de que ama a Deus, e de que é amada por Ele; vê que está felizmente abismada no amor do seu Senhor e que o Senhor a abraça como querida filha; vê, enfim, que os laços de seu amor são para sempre indissolúveis. – Estas venturosas chamas desenvolver-se-ão mais ainda pelo conhecimento mais perfeito, que então adquirirá, do amor que levou Deus a fazer-se homem e a morrer por nós, do amor que o levou a instituir o Santíssimo Sacramento, no qual um Deus se faz alimento de um verme.

Demais; verá distintamente todas as graças que Deus lhe prodigalizou, livrando-a de tantas tentações e perigos de condenação. Compreenderá que essas tribulações, doenças, perseguições, revezes, que chamara desgraças e castigos de Deus, foram, ao contrário, manifestações de amor e lances da divina Providência para a levar ao céu. – Verá especialmente a paciência que Deus teve em aturá-la depois de tantos pecados, e as suas misericórdias em enviar-lhe tantas luzes e tantos convites cheios de amor. Do alto desta feliz montanha, verá tantas almas condenadas ao inferno por menos pecados, e a si mesma se verá salva, na posse de Deus, certa de nunca perder no futuro esse bem supremo durante toda a eternidade.

Sempre, portanto, gozará o bem-aventurado dessa beatitude, que durante toda a eternidade e a cada instante lhe parecerá nova, como se então pela primeira vez entrasse a gozá-la. Sempre desejará a sua felicidade e obtê-la-á sempre: sempre satisfeita e sempre desejosa, sempre ávida e sempre saciada. Numa palavra, assim como os réprobos são vasos cheios de ira, assim os escolhidos são vasos cheios de contentamento, de modo que nunca tem coisa alguma a desejar. Pelo que diz Davi: Inebriabuntur ab ubertate domus tuae (2) – “Embriagar-se-ão da abundância de tua casa”. Como se dissesse: A alma, vendo a descoberto e abraçando com transporte o seu soberano Bem, embriagar-se-á de tal sorte de amor, que se perderá felizmente em Deus, isto é, esquecer-se-á completamente de si, e não pensará desde então senão em amar, louvar e abençoar esse bem infinito, que possui.

II. Quando nos oprimirem as cruzes da vida, animemo-nos a suportá-las com paciência, com a esperança do céu. O abade Zosimo perguntou a Santa Maria Egypciaca, como aguentara viver tantos anos no deserto; ao que a Santa respondeu: Pela esperança do céu. Quando a São Filipe Neri foi oferecida a dignidade cardinalícia, a recusou atirando o barrete ao ar e exclamando: Ó paraíso, ó paraíso!

Assim também nós, quando gemermos ao peso das misérias deste mundo, levantemos os olhos ao céu e consolemo-nos, dizendo: Ó paraíso, ó paraíso! Lembremo-nos de que, se formos fiéis a Deus, acabarão um dia todas as nossas penas, misérias e temores e seremos admitidos nessa feliz pátria, na qual estaremos plenamente felizes, enquanto Deus for Deus. Já esperam-nos os santos, espera-nos Maria, e Jesus já tem na mão a coroa para nos coroar reis no seu reino eterno.

Meu querido Salvador, ensinastes-me a rogar: Adveniat regnum tuum (3) – “Venha a nós o vosso reino”. Tal é a oração que Vos dirijo; estabeleça-se vosso reino em minha alma, de maneira que a possuais toda e ela também Vos possua a Vós, que sois o supremo Bem. Ó meu Jesus, nada poupastes para me salvar e para ganhar o meu amor; salvai-me, pois, e consista a minha salvação em Vos amar incessantemente nesta vida e na outra.

Tantas vezes Vos tenho ofendido, e não obstante isto, me afiançais que não Vos dedignareis de me conservar unido convosco durante toda a eternidade, se eu me quiser arrepender. Sim, arrependo-me, e quisera morrer de dor. De hoje em diante só quero pensar em Vos ser agradável. Aceito e abraço todas as mortificações e penas que me quiserdes enviar. Basta-me que não me priveis da vossa graça; basta que um dia possa eu ir amar-Vos, louvar-Vos e bendizer-vos no paraíso. – Ó Maria, quando é que me verei aos vossos pés, seguro de não mais poder perder o meu Deus? Socorrei-me, minha Mãe e não consintais que me condene e tenha de viver para sempre apartado de Vós e do vosso divino Filho.

Referências:

(1) Ecle 9, 1
(2) Sl 35, 9
(3) Lc 11, 2

 Quinta-feira da Vigésima Quinta Semana do Tempo Comum

Do sagrado Viático

Ambulavit in fortitudine cibi illius… usque ad montem Dei – “Com o vigor daquela comida caminhou… até o monte de Deus” (3 Rs 9, 8)

Sumário. Considera, meu irmão, que mais cedo ou mais tarde te acharás nas angústias terríveis da morte. Feliz de ti se tiveres sido devoto a Jesus sacramentado! Acedendo a teu desejo, virá então a visitar-te em tua casa, e não somente para te assistir e defender, senão ainda para te alimentar com a sua carne, e servir-te de guia no caminho do céu. Para obteres tão preciosa graça, renova muitas vezes o protesto de querer receber os sacramentos na vida e na morte. Quando comungares, faze-o por modo de Viatico, e recomenda cada dia a Deus os pobres moribundos.

I. São muito grandes as angústias dos pobres moribundos, quer por causa do remorso dos pecados cometidos, quer por causa do medo do juízo próximo, quer por causa da incerteza da salvação eterna. É então especialmente que se aparelha o inferno e empenha todas as suas forças para se apoderar da alma que vai passar para a eternidade. Sabe que pouco tempo lhe resta para a ganhar e que, perdendo-a nessa hora, perde-a para sempre. Diz o profeta Isaías que então a casa do pobre moribundo será repleta de espíritos infernais. Implebuntur domus eorum draconibus (1).

Meu irmão, se não morreres de morte improvisa, cedo ou tarde experimentarás essas terríveis angústias. Mas feliz de ti, se tiveres sido devoto de Jesus sacramentado! Muito embora teu estado fosse mais lamentável que o de Lázaro depois de quatro dias de sepultura; muito embora talvez nenhuma pessoa te quisesse assistir: aquele que nunca se incomodou para te visitar no tempo de tua prosperidade, logo que te souber gravemente enfermo, deixará a casa própria para ir à tua; irá, não somente para te assistir e defender, mas além disso para te alimentar com a sua carne virginal.

Entra o sacerdote, e em nome do divino Redentor que ele traz nas mãos, anuncia a paz a essa morada feliz. Em seguida implora para ti misericórdia, indulgência e absolvição de todos os teus pecados; e finalmente, pondo-te sobre a língua a sagrada Hóstia, diz: “Accipe viaticum corporis Domini nostri Iesu Christi. Meu irmão, recebe o viático do corpo de nosso Senhor Jesus Cristo. Ele te proteja contra o inimigo maligno e te leve salvo à vida eterna. Assim seja.” (2) E assim fortalecido com esse manjar divino, à imitação de Elias depois de comer o pão trazido pelo anjo, caminharás com mais presteza para a pátria celestial: “Com o vigor daquele alimento caminhou até o monte de Deus.” (3)

II. Já que é possível que na tua última doença talvez não possas comungar, habitua-te desde hoje a receber Jesus Cristo na comunhão em forma de viático; isto é, como se estivesses para passar à eternidade. Neste espírito poderás fazer todas as tuas comunhões, mas especialmente a do dia do retiro do mês, depois da protestação para a boa morte, e da renovação de teu propósito de querer então receber os santos sacramentos.

Para obteres tão grande graça, toma o hábito tão belo de acompanhar, ao menos em espírito, o santíssimo Viatico quando é levado aos doentes; e cada dia, quer assistas à missa, quer faças a visita, não deixes de recomendar a Jesus os pobres enfermos que tenham de morrer durante o dia, a fim de que recebam os socorros religiosos.

Amabilíssimo Salvador meu, aqui estou para Vos visitar neste altar; Vós porém, me visitareis com muito mais amor, quando na minha derradeira enfermidade Vos fizerdes meu viático; e retribuis a minha visita, quando desceis à minha alma pela santa comunhão. Então não me honrais somente com a vossa presença, mas Vos fazeis meu sustento, Vos unis e dais todo a mim, de modo que Vos posso dizer então com verdade: Meu Jesus, agora sois todo meu. Mas, já que Vos dais todo a mim, muito justo é que eu me dê todo a Vós. Sou um verme miserável e Vós sois meu Deus. Ó Deus de amor! Ó amor da minha alma, quando me verei todo vosso, não só em palavra, mas em realidade?

Este prodígio Vós podeis operá-lo; aumentai em mim a confiança nos merecimentos do vosso sangue, para que não deixe de obter de Vós esta grande graça; ser, antes de morrer, todo vosso e de modo nenhum de mim mesmo.

Escutais, ó Senhor, as preces de todos; ouvi também a prece de uma alma que deseja amar-Vos verdadeiramente. Quero amar-Vos com todas as minhas forças; quero obedecer-Vos em tudo, sem interesse, sem consolação, sem recompensa. Quero servir-Vos por amor, unicamente para Vos agradar, unicamente para satisfazer vosso Coração, a quem devo amor terníssimo. A minha recompensa será o vosso amor. – Ó Mãe do belo amor, Maria, rogai a vosso Filho por mim.

Referências:

(1) Is 13, 21
(2) Rit. Rom.
(3) 3 Rs 19, 8

 Sexta-feira da Vigésima Quinta Semana do Tempo Comum

Jesus, homem de dores

Virum dolorum et scientem infirmitatem – “Um homem de dores e experimentado nos trabalhos” (Is 53, 3)

Sumário. Se queres ver um homem de dores, olha para Jesus Cristo sobre a cruz. Ei-Lo apoiando-se com todo o peso do corpo sobre as chagas das mãos e dos pés trespassados; cada um dos membros sofre a sua dor particular sem alívio algum. Pois bem, se para a nossa Redenção bastava uma só lágrima e Jesus, porque é que ele quis sofrer tanto? É para agora temo-Lo amado tão pouco; temo-Lo mesmo ofendido tantas vezes! Permaneceremos sempre tão ingratos?

I. É assim que o profeta Isaías chamou o nosso Redentor: Homem de dores e experimentado nos trabalhos; isto é, experimentado e provado nos sofrimentos. Salviano, considerando as dores de Jesus Cristo, escreve: Ó amor de meu Jesus, não sei como Vos chamar, doce ou cruel. Parece-me que sois ao mesmo tempo um e outro; fostes doce para conosco, amando-nos tanto depois de tantas nossas ingratidões; mas fostes demasiado cruel para com Vós mesmo, aceitando uma vida cheio de dores e uma morte tão cruel, para satisfazer por nossos pecados.

Diz o angélico Santo Tomás que, para nos salvar do inferno, Jesus Cristo abraçou a dor mais acerba e o desprezo mais profundo: Assumpsit dolorem summum, vituperationem summam. Para satisfazer por nós a justiça divina, bastava que Jesus sofresse uma dor qualquer; mas não, ele quis sofrer as injúrias mais ignominiosas e as dores mais cruciantes, para nos fazer compreender a malícia dos nossos pecados e o amor que seu Coração nutria para conosco. – Por isso Jesus disse, como escreve São Paulo: Corpus autem aptasti mihi – “Preparastes-me um corpo” (1). O corpo foi dado a Jesus Cristo exatamente para sofrer. Pelo que a sua carne foi sumamente sensitiva e delicada; sensitiva, de modo que sentia as dores mais vivamente; delicada e tão tenra, que cada golpe no corpo de Jesus abria uma ferida. Numa palavra, o corpo sacrosanto de Jesus foi um corpo formado expressamente para sofrer.

Todas as dores que Jesus Cristo padeceu até o último suspiro, teve-as presentes desde o primeiro instante da sua Encarnação. Viu-as todas e abraçou-as todas de boa vontade, para cumprir a vontade de Deus, que desejava que fosse ele sacrificado pela nossa salvação: Tunc dixi: Ecce venio, ut faciam, Deus, voluntatem tuam – “Então disse: Eis que venho para fazer, ó Deus, a vossa vontade” (2). Foi esta oferta, acrescenta o Apóstolo, que nos alcançou a graça divina: por essa vontade é que temos sido santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez (3).

II. Quem deseja ver um homem de dores, olhe para Jesus Cristo sobre a cruz. Ei-Lo como se apoia com todo o peso do corpo sobre as chagas de suas mãos e pés trespassados. Cada membro tem o seu sofrimento particular sem algum alivio. É com muita exatidão que as três horas durante as quais Jesus Cristo esteve crucificado se chamam as três horas de agonia do Salvador; porquanto durante aquelas três horas sofreu uma agonia contínua e uma dor que aos poucos lhe ia tirando a vida; como finalmente lh’a tirou, visto que Jesus terminou a vida, morrendo de pura dor.

Ó meu Salvador, quem Vos induziu a sacrificar a vida no meio de tantas dores pela nossa salvação? Responde São Paulo: Foi o amor que nos tinha. Sim, foi o amor quem levou Jesus a entregar o corpo aos açoites, a cabeça aos espinhos, as faces aos escarros e às bofetadas. as mãos e os pés à cruz, e finalmente sua vida à morte: Dilexit nos, et tradidit semetipsum pro nobis – “Ele nos amou e se entregou a si mesmo por nós” (4).

Qual o cristão, ó meu Jesus, que poderá viver sem Vos amar, vendo-Vos feito homem de dores, e morto por ele na cruz? Mas então como é que eu pude viver tantos anos no vosso esquecimento; como é que pude dar tantos desgostos a um Deus que me amou tão excessivamente? Oh! Não ter eu morrido antes e nunca Vos ter ofendido! Ó amor de minha alma, quem me dera morrer por Vós, como Vós morrestes por mim! Amo-Vos, meu Jesus, de todo o coração, e prometo, sempre que disso me lembre, fazer atos de amor. Entre todas as criaturas possíveis me escolhestes para Vos amar; eu também Vos elejo, ó soberano Bem, para Vos amar sobre todos os outros bens.

Meu Senhor, Vós ides adiante com a vossa cruz; não quero mais deixar de Vos seguir com a cruz que me queirais dar a levar. Abraço todas as mortificações e penas que me venham de vossas mãos. Basta que não me priveis da vossa graça, e estou satisfeito. – Maria, minha esperança, obtende-me de Deus a perseverança e a graça de o amar, e nada mais vos peço.

Referências:

(1) Hb 10, 5
(2) Hb 10, 9
(3) Hb 10, 10
(4) Ef 5, 2

 Sábado da Vigésima Quinta Semana do Tempo Comum

Maria Santíssima, modelo de Mortificação

Manus meae stillaverunt myrrham, et digiti mei pleni myrrha probatissima – “As minhas mãos destilaram mirra, e os meus dedos estavam cheios da mirra mais preciosa” (Ct 5, 5)

Sumário. Na Santíssima Virgem tudo estava em perfeita harmonia, porque estava isenta do pecado original e cheia de graça. A carne obedecia prontamente ao espírito; e o espírito a Deus. Contudo ela foi tão amante da mortificação que se tornou um modelo perfeito desta virtude. Quanto mais mortificados não devemos ser nós que temos tantas más paixões a exprimir e quiçá tantas culpas a expiar. E somos tão delicados e tão amantes de nossa comodidade. A continuarmos assim, como nos poderemos gloriar de ser filhos de Maria?

I. É uma verdade de nossa fé que a Santíssima Virgem, pro ser concebida isenta de pecado, não teve nenhuma desordem interior a combater. Apesar disso, o Senhor quis que em toda a vida ela se portasse de tal forma que se tornou um modelo perfeito de mortificação.

Com efeito, Maria praticou a mortificação interior, conservando o coração sempre desprendido de todas as coisas terrestres: desprendida estava das riquezas, querendo sempre viver pobre e ganhando o sustento com os trabalhos de suas mãos; desprendida das honras, amando a vida humilde e obscura, posto que lhe coubesse o título de nobreza, por ser descendente dos reis de Israel; desprendida afinal dos seus santos pais, porque na idade de três anos os deixou resolutamente, para ir encerrar-se no templo.

Quanto à sua mortificação exterior, na verdade é pouco o que a este respeito sabemos; mas esse pouco é mais do que suficiente para a nossa edificação. Maria mortificava de tal maneira a vista, que tinha os olhos sempre baixos, e jamais os fixava em alguém, como dizem Santo Epifânio e São Damasceno, e acrescentam que desde menina foi tão recatada, que admirava a todos. Que direi da escassez do nutrimento e da redundância dos trabalhos? esta quase excedendo as forças da natureza, aquela lhe quase faltando; esta não lhe permitindo tempo algum livre, aquela continuando os dias em jejum. E quando veio a vontade a refazer-se, a comida foi a mais óbvia só para afastar a morte, não para prestar delícias. Não se deu ao sono senão obrigada pela necessidade, mas quando o corpo repousava, o ânimo vigiava.

Finalmente, quando a Bem-Aventurada Virgem foi mortificada em tudo o mais, bem se infere do que ela mesma revelou a Santa Isabel beneditina, conforme se lê em São Boaventura: “Sabe”, disse-lhe, “que não recebi de Deus nenhuma graça sem grande trabalho, oração contínua, desejo ardente e muitas lágrimas e penitências”. Em suma, foi Maria em tudo mortificada, de modo que foi dito dela que suas mãos destilaram mirra, a qual na explicação dos intérpretes é símbolo da mortificação: Manus meae stillaverunt myrrham.

II. Se Maria, a mais inocente de todas as virgens, quis praticar a tal ponto a mortificação, quanto mais não devemos nós praticá-la, nós que temos tantas más inclinações que reprimir, e quiçá tantos pecados que expiar! Seja, pois, o fruto da presente meditação o exercício da mortificação cristã.

Quanto ao interior, vejamos qual seja a nossa paixão dominante, e esforcemo-nos por vencê-la, pois quem não a subjugar, está em grande perigo de se perder; ao contrário, aquele que vencer a paixão dominante, facilmente vencerá todas as outras.

Pelo que respeita à mortificação exterior, devemos, antes de mais nada, mortificar a vista, por cuja causa já muitos se acham no inferno. Notemos o que diz São Francisco de Sales: “Não é tanto o ver, como o olhar, que é a causa da perdição”.

— Devemos em seguida mortificar a língua, abstendo-nos de toda a crítica e de palavras injuriosas e livres. Uma palavra livre, embora dita só para rir, pode ser causa de escândalo e de mil pecados. — Em terceiro lugar devemos mortificar a gula, comer para viver, e não viver para comer. Afirma Cassiano que é impossível que não esteja sujeito a muitas tentações impuras o que se farta de comida ou de bebida. — Devemos afinal mortificar o ouvido e o tato, evitando escutar conversas maliciosas e murmurações, e usando de toda a cautela tanto para com os outros como para nós mesmos, fugindo de todo o brinquedo de mãos. Imitando Maria Santíssima, devemos praticar a mortificação em todas as coisas e assim mostrar-nos seus dignos filhos: Filii Mariae, imitatores eius.

Se não te sentires com força para tanto, recorre com confiança a esta Mãe amorosíssima; põe-te debaixo de sua proteção especial e dize muitas vezes com São Bernardo:

† “Lembrai-vos, ó misericordiosíssima Virgem Maria, que jamais se ouviu dizer fosse por vós desamparado algum daqueles que têm recorrido à vossa proteção, implorado o vosso auxílio, e exorado o vosso valimento. Animado eu, pois, com igual confiança, a vós, ó Virgem das virgens, ó minha Mãe, recorro; a vós me acolho; e gemendo sob o peso dos meus pecados, me prostro aos vossos pés. Não queirais desprezar as minhas súplicas, ó Mãe do Verbo encarnado, mas escutai-as favoravelmente e dignai-vos de atendê-las. Assim seja”[1].

Referências:

(1) Indulg. De 300 dias cada vez, e plenária uma vez por mês, para quem a rezar cada dia
5ª parte

 Vigésima Sexta Semana do Tempo Comum

(Décima Sétima Semana depois de Pentecostes)

Domingo: O homem hidrópico e o cristão ambicioso

Outra meditação para o mesmo dia: O homem e o vício da impureza

Segunda-feira: Do zelo da salvação das almas que devem ter os religiosos

Terça-feira: Devemos recear que o primeiro novo pecado seja talvez o último

Quarta-feira: A casa da eternidade

Quinta-feira: A Santa Missa é um meio eficaz para obtermos as graças de Deus

Sexta-feira: Vida desolada de Jesus Cristo

Sábado: Maria Santíssima é a esperança de todos

 Vigésimo Sexto Domingo do Tempo Comum

O homem hidrópico e o cristão ambicioso

Ecce homo quidam hydropicus erat ante illum – “Eis que diante dele estava um hidrópico” (Lc 7, 12)

Sumário. O hidrópico, de quem fala o Evangelho, é figura de um cristão que se deixa dominar por uma paixão qualquer e particularmente pelo desejo das honras. Com efeito, o soberbo nunca acha a paz, porque nunca se vê tratado conforme o vão conceito que faz de si mesmo. Se por desgraça nos achamos infectados desta hidropisia espiritual, representemo-nos Nosso Senhor, e contemplemo-Lo reduzido como foi por nosso amor a ser o último dos homens; e envergonhados da nossa ambição, digamos-lhe: Ó Jesus manso e humilde de Coração, fazei o meu coração semelhante ao vosso.

I. Refere São Lucas que “entrando Jesus num Sábado em casa de um dos principais fariseus, a tomar a sua refeição, eles O estavam ali observando. E eis que diante d’Ele estava um homem hidrópico. E Jesus dirigindo-se aos doutores da lei e aos fariseus, disse-lhes: É permitido fazer cura aos Sábados? Mas eles ficaram calados. Então Jesus, tomando a si o homem, o curou e o mandou embora – Sanavit eum, ac dimisit.”

Sob a figura daquele pobre hidrópico, os santos intérpretes veem a imagem do homem que se deixa dominar por uma paixão qualquer e particularmente pelo orgulho e pelo desejo imoderado das honras e das grandezas. E com razão; pois, assim como o doente de hidropisia é devorado por tamanha sede, que, quanto mais bebe, tanto mais fica assedentado; assim o soberbo nunca tem paz, porque nunca chega a ver-se tratado conforme o vão conceito que forma de si próprio. Até entre as mesmas honras não está contente, porque sempre tem os olhos fitos nos que são mais honrados. – Sempre faltará ao orgulhoso ao menos alguma honra ambicionada, e esta falta atormentá-lo-á mais do que o consolam todas as outras dignidades obtidas. Quanto não era honrado Aman no palácio de Assuero, assentando-se até à mesa do rei! Mas porque Mardocheo não o quis saudar, disse que se julgava infeliz (1).

Meu irmão, examina a tua consciência, e, se achares que, no passado, também tu andaste atrás do vapor das honras vãs, para remédio desta tua enfermidade espiritual, imita o hidrópico do Evangelho e põe-te logo na presença do Senhor. Contempla como Jesus, posto que fosse o filho de Deus, por teu amor se aniquilou, tomando a forma de servo (2), quis por teu amor fazer-se o último dos homens, o mais desprezado e ultrajado (3). E envergonhado da tua ambição, dize-Lhe com amor: † Ó Jesus, manso e humilde de Coração, fazei o meu coração semelhante ao vosso.

II. Escreve São Jerônimo que a glória verdadeira é semelhante à sombra, que segue a quem dela foge, e foge de quem a quer prender: Appetitores suos deserens, appetit contemptores. É isto exatamente o que Jesus Cristo quis ensinar no Evangelho de hoje, quando, depois de curar o hidrópico, e observando que os fariseus escolhiam os primeiros lugares à mesa, lhes disse esta parábola: “Quando fores convidado a algumas bodas, não te assentes no primeiro lugar;… mais vai tomar o último lugar; para que, quando vier o que te convidou, te diga: Amigo, sobe para cima. Então te servirá isto de glória na presença de todos os convidados: porque todo o que se exalta será humilhado, e todo o que se humilha será exaltado – Omnis qui se exaltat humiliabitur, et qui se humiliat exaltabitur.”

Humílimo Jesus, como é que em mim há tanto orgulho depois de tantos pecados? Vejo que as minhas faltas, sobre me fazerem tão ingrato para convosco, fizeram-me ainda orgulhoso. Ne proicias me a facie tua (4) – “Não me rejeiteis de diante de vossa presença, conforme merecia”. Tende piedade de mim e fazei-me conhecer o que sou e o que mereço. Em vez de obter honras e dignidades, mereceria estar no inferno, onde já estão ardendo tantos outros por menos pecados do que foram os meus. Vós, porém, ó meu Jesus, me ofereceis o perdão, se eu o desejo. Sim, desejo-o. Meu Redentor, perdoai-me, já que de todo o coração detesto as minhas ambições e orgulho, que não somente me fizeram desprezar o próximo, mas também a Vós, meu soberano Bem.

Dir-vos-ei com Santa Catarina de Gênova: Meu Deus, nada mais de pecado, nada mais de pecado! Já basta de ofensas, não quero mais abusar de vossa paciência. De hoje em diante quero amar-Vos de todo coração e, para Vos agradar, quero abraçar com humildade todos os desprezos que me sejam feitos. Já prevejo que o inferno aumentará tanto mais tentações, quanto mais me vir desejoso de ser todo vosso. Vós, porém, meu Senhor, ajudai-me a ser-Vos fiel. “Fazei com que a vossa graça me previna sempre, me acompanhe e me afervore na continua prática das boas obras.”

† Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

Referências:

(1) Est 5, 13
(2) Fl 2, 7
(3) Is 53, 3
(4) Sl 50, 13

Meditação para a Tarde do mesmo dia

O homem e o vício da impureza

Sumário. O hidrópico de que fala o Evangelho é figura do libidinoso, por duas razões. Primeiro, assim como o hidrópico, quanto mais bebe, mais sede tem, assim o desonesto nunca se sacia de pecar. Segundo, porque a impureza, por causa da cegueira de espírito e do endurecimento da vontade que acarreta, é tão incurável como a hidropisia. Infeliz do que se deixa dominar por este vício! Todavia não desespere, visto que para Deus nada é impossível.

I. Todos os enfermos cuja cura milagrosa por Jesus Cristo os evangelistas referem, representam algum mistério. Assim bem se pode dizer que o hidrópico de que fala São Lucas no Evangelho de hoje é uma figura do homem libidinoso. Sim, diz Santo Tomás de Vilanova, porque assim como o hidrópico, quanto mais bebe, mais a sede se lhe aumenta, assim o escravo do maldito vício da desonestidade jamais se sacia de pecar. – Se, pois, de todos os pecados já se pode dizer que, uma vez entrados na alma, nunca ficam muito tempo a sós, isto é muito mais aplicável ao pecado da impureza.

Um blasfemo não blasfema sempre, mas somente quando se encoleriza. Um ladrão não rouba todos os dias, mas somente quando se lhe oferece a ocasião. Mas o desonesto é uma torrente contínua de pecados, de pensamentos, de palavras, de vistas, de deleitações, de maneira que, quando se vai confessar, não pode explicar o número de pecados que cometeu. – Numa palavra, São Cipriano escreve que por este vício o demônio triunfa de todo o homem: do corpo, da alma e de todas as faculdades – Totum hominem agit in triumphum libidinis. A razão disto é porque nesta espécie de pecado é tão fácil tomar um mau hábito, que leva a pecar a natureza já corrompida.

Demais, o pecado desonesto arrasta as mais das vezes a outros crimes; tais como a difamação, o furto, a mentira, o ódio, a ostentação do mesmo vício e especialmente o escândalo, excitando e arrastando os outros a cometê-lo ou ao menos a cometê-lo com menos horror. Ó céus! Que mar imenso de pecados! Se um só pecado mortal é suficiente para condenar o homem ao inferno, qual será o inferno do desonesto que comete e faz cometer tão grande número de pecados?

II. Ainda sob outro ponto de vista a hidropisia é figura da impureza. Porque acarretando esta mais do que qualquer outro vício a cegueira do espírito e a obstinação da vontade, segue-se que é tão difícil a conversão de um desonesto, como é difícil a cura de um hidrópico. – fornicatio, et vinum, et ebrietas auferunt cor – “A desonestidade, o vinho e a embriaguez tiram os bons sentimentos”, diz o Senhor pela boca do profeta Oséas (1). Quer dizer que este vício, à semelhança do vinho, faz perder a razão.

Por isso o mesmo profeta afirma com razão que aos obscenos nem sequer se lhes ocorre a ideia de se converterem para Deus (2), ou, se porventura lhes ocorre, com malícia diabólica se obstinam a volver-se, quais animais imundos, no lodo da impureza. – São Jerônimo chega a dizer que, quando o vício desonesto chegou a ser habitual em alguma pessoa, de ordinário somente termina quando o desgraçado é lançado no inferno para arder no fogo: O ignis infernalis luxuria… cuius finis gehenna!

Meu irmão, lança um olhar em tua consciência, e se, como espero, a achas pura, rende graças a Deus, e fica humilde; porque o Senhor muitas vezes castiga os orgulhosos, permitindo que caiam em algum pecado impuro. – se, porventura, te achasses réu de pecados, não desesperes, pois que para Deus nada é difícil. É, porém, necessário que, resolvido a curar-te dos teus males, imites o hidrópico do Evangelho, pondo-te diante de Jesus Cristo, na pessoa do padre, seu ministro.

Faze, portanto, uma boa confissão geral de todos os teus pecados e emprega os meios que o confessor te prescrever. Sobretudo deves rogar ao Senhor que “a sua graça te previna sempre, te acompanhe, e te afervore na contínua prática das boas obras” (3). Invoca também a Virgem Santíssima, que é a Mãe da pureza e dize-lhe com confiança: † “Ó Virgem Mãe, que nunca fostes manchada por pecado algum, nem atual, nem original, recomendo-vos e confio-vos a pureza do meu coração.” (4)
Referências:

(1) Os 4, 11
(2) Os 5, 4
(3) Or. Dom. curr.
(4) Indulgência de 100 dias.

 Segunda-feira da Vigésima Sexta Semana do Tempo Comum

Do zelo da salvação das almas que devem ter os religiosos

Recupera proximum tuum secundum virtutem tuam – “Assiste ao teu próximo segundo as tuas forças” (Eclo 29, 27)

Sumário. Quem ama muito o Senhor, não se contenta de ser só em amá-Lo; desejaria atrair todo o mundo ao seu amor. E que maior glória para o homem, que ser cooperador de Deus na grande obra da salvação das almas? Correspondamos, pois, à nossa sublime vocação, abrasando-nos sempre mais de santo zelo, dirijamos para este fim todos os nossos empenhos. Deste modo, à medida que socorrermos as almas do nosso próximo, asseguraremos a nossa própria salvação, e obteremos um lugar alto no paraíso.

I. Quem é chamado à Congregação do Santíssimo Redentor (a alguma ordem de vida ativa), nunca será verdadeiro seguidor de Jesus Cristo, e nunca será santo, se não cumprir o fim de sua vocação e não tiver o espírito do seu Instituto, que é o de salvar as almas, e as almas mais privadas de socorros espirituais, como são os pobres moradores do campo.

Foi este também o fim com que o Redentor veio ao mundo, pois declara “que o espírito do Senhor repousou sobre ele e que o consagrou com a sua unção para pregar o Evangelho aos pobres” (1). Em nenhuma outra coisa quis experimentar se São Pedro o amava, senão na sua dedicação à salvação das almas: Simon Ioannis, diligis me?… Pasce oves meas – simão, filho de João, amas-me?… Apascenta as minhas ovelhas” (2). Não lhe impôs, diz São Crisostomo, esmolas, penitências, orações ou coisas semelhantes, mas somente que procurasse salvar as suas ovelhas: Apascenta as minhas ovelhas. Jesus Cristo declarou que teria como feito a si mesmo todo o benefício que fosse feito ao mínimo dos nossos semelhantes: Amen dico vobis: Quamdiu fecistis uni ex his fratribus meis minimis, mihi fecistis – “Na verdade vos digo, que o que fizerdes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim é que o fizestes” (3).

Deve, portanto, qualquer membro da Congregação nutrir em supremo grau este zelo, este espírito de socorrer as almas. A este fim deve cada um dirigir todos os seus empenhos. E quando algum tempo os superiores o empregarem neste ministério, deve pôr nele todo o seu pensamento e toda a atenção. Já não se poderia considerar como verdadeiro membro da congregação aquele que não aceitasse com todo o afeto este emprego, quando imposto pela obediência, para tratar só de si mesmo, na vida de solidão e de retiro. – E que maior glória para o homem, que ser cooperador de Deus, como diz São Paulo, na grande obra da salvação das almas? Quem muito ama ao Senhor, não se contenta de ser só a amá-Lo. Quisera atrair todo o mundo ao seu amor dizendo com Davi: “Engrandecei o Senhor comigo, e exaltemos juntos o seu nome” (4). Portanto, como exorta Santo Agostinho todos os que amam a Deus: Si Deum amatis, omnes ad amorem eius rapite – “Se amais a Deus, atrai todos ao seu amor”.

II. Grande motivo para esperar a sua salvação eterna tem aquele que com verdadeiro zelo se emprega em salvar almas. Diz Santo Agostinho:

“Se salvaste uma alma, predestinaste ao mesmo tempo a tua”.
E o Espírito Santo promete (5): Cum effuderis esurienti animam tuam – “quando te tiveres empenhado pelo bem de um pobre”, et animam afflictam repleveris – “e o tiveres enchido da graça divina por meio do teu zelo”, – implebit splendoribus animam tuam, requiem dabit tibi Dominus – “o Senhor te encherá a alma de luz e de paz”. São Paulo punha a esperança da sua salvação eterna na salvação dos outros que ele procurava; pelo que diz aos seus discípulos de Tessalônica: Vos enim estis gloria nostra et gaudium – “Vós sois a nossa glória e alegria” (7).

Senhor meu Jesus Cristo, como posso agradecer-Vos dignamente, vendo-me por Vós chamado ao mesmo mistério que Vós exercitastes na terra, ao ministério de, com as minhas fracas forças, ajudar as almas a se salvarem? Como merecia eu esta honra e este prêmio, depois de VOs haver oefendido tão gravemente, e sido causa de que outros Vos ofendessem? Sim, meu Salvador, já que me chamais a ajudar-Vos nesta grande obra, quero servir-Vos com todas as minhas forças. Eis-me aqui a oferecer-Vos todos os meus trabalhos, e ainda o sangue e a vida para Vos obedecer. Não pretendo com isto satisfazer ao meu próprio gênio, ou receber a estima e os aplausos dos homens; outra coisa não pretendo senão ver-Vos amado de todos, como mereceis.

Bendigo a minha sorte e me dou por feliz, por me haverdes escolhido para tão sublime ofício, no qual desde já faço o sincero protesto de renunciar a todos os louvores dos homens e a todas as minhas satisfações, e de querer só a vossa glória. Seja vossa toda a honra e satisfação, e para mim sejam somente os incômodos, os desprezos e as amarguras. Aceitai, Senhor, esta oferta que Vos faz um miserável pecador, o qual Vos quer amar e ver-Vos também amado dos outros; dai-me forças para a executar. – Maria Santíssima, minha advogada, vós que tanto amais as almas , ajudai-me.
Referências:

(1) Lc 4, 18
(2) Jo 21, 17
(3) Mt 25, 40
(4) Sl 33, 2
(5) Is 58, 10
(6) 1 Ts 2, 20

 Terça-feira da Vigésima Sexta Semana do Tempo Comum

Devemos recear que o primeiro novo pecado seja talvez o último

Fili, peccasti? Ne adicias iterum; sed et de pristinis deprecare, ut tibi dimittantur – “Filho, pecaste? Não tornes a pecar, pelo contrário roga para que os pecados cometidos te sejam perdoados” (Eclo 21, 1)

Sumário. Não há ninguém tão louco que tome veneno e diga: “Pode ser que os remédios me curem”; e há cristãos que se condenam à morte eterna na esperança de se livrarem dela mais tarde. Meu irmão, tu ao menos sê prudente, e se outrora foste pecador, deves temer mais à proporção do número de teus pecados; porque mais um pecado faria talvez baixar a balança da divina justiça, e então não haveria mais perdão. Oh, quantos foram precipitados no inferno, no mesmo instante em que procuravam qualquer satisfação proibida!

I. Tal é o conselho que nos dá o Senhor, porque nos quer salvar: que não tornemos a ofendê-Lo, e que de hoje em diante procuremos obter o perdão dos pecados cometidos: Ne adicias iterum; sed et de pristinis deprecare, ut tibi dimittantur. Meu irmão, quanto mais ofendeste a Deus, tanto mais deves recear-te de uma nova ofensa, porque um pecado a mais poderia fazer baixar a balança da divina justiça e ficarias condenado. Não digo que depois de mais um pecado não haverá absolutamente perdão para ti; não sei; mas pode acontecer. Dize, pois, quando fores tentado: Quem sabe se Deus ainda me quererá perdoar e se não ficarei condenado?

Dize-me: se fosse provável que alguma iguaria contém veneno, havias de prová-la? Se cresses com certa probabilidade que em algum caminho os teus inimigos estão à tua espreita para te tirar a vida, passarias por ele, havendo outro mais seguro? E que certeza, ou mesmo que probabilidade tens de que, pecando de novo, terás depois verdadeiro arrependimento e não recairás outra vez? Ou que Deus não te deixará morrer no ato mesmo do pecado, ou depois dele te abandone?

Ó Deus! Quando compras uma casa, tomas todas as providências para legalizar o negócio e não perder o dinheiro. Quando tomas um remédio, primeiro procuras certificar-te de que não te fará mal. Se passas um rio, tomas precauções para não cair na água. E depois por uma satisfação miserável, por um prazer imundo, quererás por em risco a salvação eterna, dizendo: Espero que me hei de confessar? – Escuta o que te diz Santo Agostinho: Deus, assim fala o Santo, prometeu o perdão ao que se arrepende, mas não prometeu o dia seguinte ao que O ofende. Se pecares, pode ser que Deus te dê tempo de fazer penitência, pode ser que não. Se não t’o der, que será de ti em toda a eternidade? Entretanto, perdes a alma por um miserável prazer e a pões em perigo de ficar eternamente perdida.

II. Avivemos a nossa fé. Dize-me, meu irmão, a existência do céu e do inferno é uma verdade santa, ou uma pura invenção? Crês que, se a morte te colhesse em estado de pecado estarias perdido para sempre?… Que temeridade, pois, o condenar-te a uma eternidade de penas, dizendo: Espero mais tarde reparar as minhas faltas! Nemo sub spe salutis vult aegrotare – “Não há ninguém tão louco”, diz Santo Agostinho, “que tome veneno e diga: pode ser que depois me cure com remédios”. E queres condenar-te a uma morte eterna, dizendo: talvez me livre mais tarde? Ó loucura que arrastou e continua a arrastar tantas almas ao inferno, segundo a ameaça do Senhor: Pecaste, fiando-te temerariamente na misericórdia divina; mas o castigo cairá de improviso sobre ti, sem que saibas d’onde vem (1).

Eis-aqui, Senhor, um desses insensatos que tantas vezes perdeu a sua alma e a vossa graça, esperando readquiri-las. Ai! Que seria de mim, se me tivesseis deixado morrer em tal tempo, ou durante essas noites, que passei em estado de pecado? Agradeço à vossa misericórdia o ter esperado por mim, e ter-me feito conhecer o meu desvairamento. Vejo que quereis a minha salvação e quero salvar-me. Arrependo-me, bondade infinita, de Vos ter tantas vezes voltado as costas; amo-Vos de todo o coração e espero, pelos merecimentos da vossa Paixão, nunca mais ser tão insensato.

Ó meu Jesus, apressai-Vos a perdoar-me, recebei-me na vossa graça, já que não mais me quero afastar de Vós. Não quero sofrer a desgraça e a confusão de me ver no futuro privado da vossa graça e do vosso amor. Concedei-me a santa perseverança e fazei que sempre Vo-la peça; particularmente, quando for tentado, implorando então em meu auxílio o vosso santo Nome e o de vossa santa Mãe, dizendo: Meu Jesus, ajudai-me; Maria, minha Mãe, socorrei-me. Se a tentação persistir, concedei-me a graça de eu também persistir em vos invocar.

Referências:

(1) Is 47, 10

 Quarta-feira da Vigésima Sexta Semana do Tempo Comum

A casa da eternidade

Ibit homo in domum aeternitatis suae – “O homem irá à casa de sua eternidade” (Ecl 12, 5)

Sumário. Erramos quando chamamos nossa a casa na qual atualmente moramos. Em breve a casa do nosso corpo será a cova, onde ficará até o dia do juízo; a casa da nossa alma será o céu ou o inferno, e ali ficará durante toda a eternidade. Meu irmão, dize-me: se o Senhor te deixasse morrer neste instante, qual das duas casas seria a da tua alma?… Ah! Reflete bem: tantos há que não pensavam que seriam condenados e agora estão ardendo nos abismos do inferno!

I. Erramos chamando nossa casa na qual presentemente habitamos. Em breve, a casa do nosso corpo será uma cova, onde ficará até o dia do juízo; e a casa da nossa alma será o céu ou o inferno, e ali terá de ficar durante toda a eternidade. – À sepultura os cadáveres não vão por si mesmos, vão levados por outros; mas a alma irá por si mesma ao lugar que lhe caberá, ou de gozo eterno ou de eterno sofrimento. O homem irá à casa de sua eternidade. Conforme o homem pratica o bem ou o mal, dirige-se à casa do paraíso ou do inferno, e destas casas não se muda mais para outra.

Os moradores da terra só em muitas vezes mudam de casa, ou por capricho ou por terem sido desalojados. Na eternidade não há mais mudança; ficar-se-á eternamente na casa na qual se entrou primeiro: Si ceciderit lignum ad austrum, sive ad aquilonem, in quocumque loco ceciderit, ibi erit (1) – “Se a árvore cair para a parte do meio-dia, ou para a do norte, em qualquer lugar onde cair, aí ficará”. Quem entrar no céu será eternamente feliz; quem cair no inferno será eternamente desgraçado. Quem entrar no céu, estará para sempre unido a Deus, para sempre em companhia dos Santos, para sempre em suprema paz e pleno contentamento, porque todo o Bem-aventurado estará repleto e saciado de gozo, sem recear jamais a sua perda. Ao contrário, quem entrar no inferno, estará para sempre afastado de Deus, para sempre ardendo no fogo no meio dos réprobos.

Nem imaginemos que os sofrimentos do inferno sejam como os da terra, cujo rigor se sente menos pelo hábito. Assim como as delícias do céu jamais causarão fastio, mas parecerão sempre novas, como se fossem gozadas pela primeira vez; assim no inferno as penas nunca perderão seu rigor. De forma que os infelizes réprobos sofrerão durante toda a eternidade o mesmo tormento que sofreram no primeiro instante da sua entrada no inferno.

II. “Ó eternidade!” exclama Santo Agostinho, “ó eternidade! Quem pensa em ti e não se converte a Deus, perdeu a razão ou a fé.” E São Cesário acrescenta: “Ai dos pecadores que entram na eternidade sem a terem conhecido, porque se descuidaram de pensar nela!” Os desgraçados terão atraído sobre si dois males irreparáveis; o primeiro será o caírem no abismo do fogo; o segundo, o não mais dele poderem sair durante toda a eternidade, porquanto a porta do inferno só se sabre para dar entrada e não para dar saída: Ingrediuntur et non egrediuntur.

Não, os santos não fizeram demais internando-se nos desertos e em grutas, alimentando-se com ervas, e dormindo no chão, a fim de salvarem sua alma. Não, diz São Bernardo, não fizeram demais, porque, em se tratando da eternidade, nenhuma precaução é exagerada: Nulla nímia securitas, ubi periclitatur aeternitas. – Quando Deus nos visita com a cruz de alguma enfermidade, ou de qualquer outro mal, lembremo-nos do inferno que temos merecido e toda a tribulação se nos afigurará leve. Digamos então com Jó: Peccavi et vere deliqui, et ut eram dignus non recepi (2) – “Pequei e deveras delinqui, e não tenho sido castigado como merecia”.

Meu Senhor, tenho-Vos ofendido e traído tantas vezes, e não tenho sido castigado como merecia; como poderia, pois, lastimar-me quando me enviais alguma tribulação, a mim, que merecia estar ardendo nos abismos infernais? – Suplico-Vos, meu Jesus: não me mandeis ao inferno, visto que no inferno não mais Vos poderia amar, mas Vos havia de odiar para sempre. Despojai-me de tudo: das riquezas, da saúde; mas não me priveis de Vós mesmo. Fazei que Vos ame e Vos bendiga sempre, e depois castigai-me, e fazei de mim segundo a vossa vontade. – Ó Mãe de Deus e minha Mãe Maria, pela vossa intercessão, que tudo obtém de Deus, impetrai-me a graça de ser todo d’Ele; fazei-o pelo amor do mesmo Jesus Cristo, vosso divino Filho.

Referências:

(1) Ecl 11, 3
(2) Jó 33, 27

 Quinta-feira da Vigésima Sexta Semana do Tempo Comum

A Santa Missa é um meio eficaz para obtermos as graças de Deus

In omnibus divites facti estis in illo – “Em todas as coisas fostes enriquecidos nele” (1 Cor 1, 5)

Sumário. Posto que o Senhor esteja sempre disposto a nos conceder as suas graças, dispensa-as todavia com mais largueza no tempo da missa aos rogos do sacerdote, juntos aos de Jesus Cristo que é o oferente principal. Os mesmos anjos aproveitam o tempo da missa para intercederem mais eficazmente em nosso favor; e o que então se não obtém, obter-se-á dificilmente em outro tempo. Que tesouros podemos, pois, ajuntar pela celebração devota do divino sacrifício e pela sua devota assistência!

I. Considera que a Santa Missa é um verdadeiro sacrifício Impetratorio, isto é, instituído para alcançar de Deus os auxílios e as graças de que necessitamos. É uma verdade da fé que o Pai Eterno dispensa seus favores sempre que forem pedidos pelos merecimentos de Jesus Cristo: Si quid petiertis Patrem in nomine meo, dabit vobis – “Se pedirdes alguma coisa a meu Pai em meu nome, ele vô-la dará” (1). Observa, porém, São João Crisóstomo que no tempo da missa Deus os dispensa com maior largueza aos rogos do sacerdote, porque estes então são acompanhados e reforçados pelos rogos do próprio Jesus Cristo, o oferente principal, que neste sacrifício se oferece ao Pai, a fim de nos obter as graças. Pelo que um grande servo de Deus dizia: Quando celebro e tenho Jesus Cristo na mão, alcanço tudo que desejo.

Se soubéssemos que todos os Santos do paraíso, em união com a divina Mãe, intercedem por nós, que confiança não teríamos de tudo suceder para nosso proveito? Pois bem, é certíssimo que só pedido de Jesus Cristo vale infinitamente mais do que todos os pedidos dos Santos. Este pedido, posto que, na palavra de São Paulo, Jesus Cristo o faça por nós continuamente no céu (Qui etiam interpellat pro nobis – “Que também intercede por nós” (2)), fá-lo todavia especialmente na hora da missa, na qual se renova o sacrifício da Cruz.

Eis porque, como se exprime o Concílio de Trento, o tempo da celebração da missa é exatamente aquele em que o Senhor está no trono de graça, ao qual o Apóstolo nos exorta que recorramos com confiança para obtermos a divina misericórdia: Adeamus ergo cum fiducia ad thronum gratiae (3). São João Crisóstomo atesta que os mesmos anjos esperam o tempo da missa, para intercederem mais eficazmente a nosso favor; e acrescenta que o que não se alcança na missa, dificilmente se alcançará em outro tempo. Oh! Que tesouros de graças podemos ajuntar celebrando devotamente o divino sacrifício ou assistindo a ele com atenção: Em todas as coisas fostes enriquecidos nele!

II. Se tivesses certeza de que perto de tua casa se acha uma rica mina de ouro e que cada dia te é permitido nela entrar meia hora para tirar quanto quiseres, qual não seria o teu contentamento? Aviva, porém, a tua fé e lembra-te de que o Rei do céu na Santa Missa põe à tua disposição uma mina incomparavelmente mais preciosa, porque contém os merecimentos infinitos de Jesus Cristo, pelos quais podes alcançar todas as graças. Propõe-te, portanto, a assistir todos os dias à missa, mesmo a custo de algum incômodo. Pondera que, se o Senhor se oferece mil vezes sobre o altar por teu amor, justo é que tu também sacrifiques alguma pequena comodidade, algum pequeno interesse. E sendo-te impossível ouvir a missa, assiste a ela ao menos em espírito.

Infeliz de mim! Quantas graças, ó meu Deus, tenho perdido pelo meu descuido em as pedir, celebrando ou ouvindo a Santa Missa! Mas já que me iluminais, não me quero mais descuidar disso. Ó Pai Eterno, uno as minhas orações às de Jesus Cristo e pelo amor desse vosso Filho, que por meu amor se imola sobre o altar, Vos rogo antes de tudo que me perdoeis todos os meus pecados, visto que os detesto de todo o coração.

Fazei-me, além disso, conhecer os direitos infinitos que tendes ao meu amor, e dai-me força para me livrar de todos os afetos terrestres e de empenhar todo o meu coração unicamente em Vos amar, que sois o Bem supremo, digno de amor infinito. – Peço-Vos também que ilumineis aqueles que Vos não conhecem, ou vivem privados da vossa amizade. Meu Pai, dai a todos o dom da vossa graça; dai a todos o dom do vosso santo amor. Fazei-o pelo amor de Jesus Cristo e pela intercessão de Maria Santíssima.

Referências:

(1) Jo 16, 23
(2) Rm 8, 34
(3) Hb 4, 16

 Sexta-feira da Vigésima Sexta Semana do Tempo Comum

Vida desolada de Jesus Cristo

Magna est velut mare contritio tua. Quis medebitur tui? – “É grande como o mar o teu desfalecimento; quem te remediará?” (Lm 2, 13)

Sumário. A vida do Redentor foi destituída de qualquer consolação; porquanto os suplícios que devia sofrer até à morte eram-Lhe em todo tempo presentes. O que, porém, O afligia não era tanto esta previsão, como a vista dos pecados que os homens haviam de cometer e a eterna perdição que dali havia de provir. Quando nos acharmos em desolação, animemo-nos unindo a nossa desolação à de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, lembremo-nos de que pelos nossos pecados temos também concorrido para afligir e contristar o seu amabilíssimo Coração.

I. A vida do nosso amantíssimo Redentor foi toda repleta de desolação e destituída de qualquer alívio. A vida de Jesus foi como um imenso oceano de amargura, sem uma só gota de doce consolação: A tua tristeza é grande como o mar. O mesmo Senhor revelou um dia à Santa Margarida de Cortona que em toda a vida jamais teve consolação alguma sensível. A tristeza que Jesus no horto de Getsêmani declarou que chegou a tal extremo que bastava para Lhe tirar a vida, não foi só nessa ocasião que O oprimiu; angustiou-O desde o primeiro instante de sua encarnação; porquanto desde então eram-Lhe presentes todas as penas e ignomínias que devia sofrer até a morte.

O que, porém, Lhe causou essa aflição contínua e suprema, não foi tanto a previsão do que devia sofrer, como a vista de todos os pecados que os homens cometeriam. Ele viera a fim de, pela sua morte, tirar os pecados do mundo e livrar as almas do inferno, e via todas as iniquidades a serem praticadas na terra apesar de sua morte; e cada qual, vista por Ele distintamente, afligia-O imensamente, diz São Bernardino de Sena. Foi esta a dor que Lhe estava sempre diante dos olhos e lhe causou incessante tristeza: Dolor meus in conspectu meo semper (1).

Diz Santo Tomás que a vista dos pecados dos homens e da perdição de tantas almas, causou a Jesus uma dor que excedia a de todos os penitentes, mesmo daqueles que morreram de pura dor. — Foram grandes os sofrimentos dos santos mártires: cavaletes, unhas de ferro, couraças feitas em brasa; porém, os seus sofrimentos foram suavizados por Deus com doçuras interiores. Mais doloroso do que o martírio de todos os mártires foi o de Jesus Cristo; pois que a sua dor e tristeza foi dor pura e tristeza pura, sem o mais pequeno alívio. A grandeza da dor de Jesus Cristo, escreve o Doutor Angélico, avalia-se pela pureza de sua dor e tristeza: Magnitudo doloris Christi consideratur ex doloris et maestitiae puritate.

II. Tal foi, portanto, toda a vida do divino Redentor, e tal também a sua morte; sem consolação alguma. Quando estava agonizando sobre a cruz, sem o menor alívio, esperou se alguém o consolava e não achou: Sustinui qui consolaretur, et non inveni (2). Não achou senão zombadores e blasfemadores. Um dizia: “Se és o Filho de Deus, desce da cruz”; outro acrescentava: “Ele salvou a outros, a si mesmo não se pode salvar” (3). — Pelo que nosso aflito Senhor, vendo-se abandonado de todos, se dirigiu ao Pai Eterno; vendo, porém, que este também o tinha abandonado, queixou-se docemente exclamando em voz alta: “Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?” — Ut quid dereliquisti me? (4)

É assim que terminou a vida de Nosso Salvador, que morreu, conforme a profecia de Davi, abismado num oceano de ignomínias e de dores — Veni in altitudinem maris, et tempestas demersit me (5). — Quando nos acharmos desolados, consolemo-nos com a morte desolada de Jesus Cristo, ofereçamos-Lhe a nossa desolação, unindo-a àquela que por nosso amor sofreu o inocente Jesus no Calvário. E lembremo-nos ao mesmo tempo que, pelos nossos pecados, temos concorrido para aumentar a aflição e desolação desse Coração amabilíssimo.

Ah meu Jesus, quem Vos não amará vendo-Vos tão abandonado e exausto de dores a fim de pagardes por nossos pecados? Sou eu um de vossos algozes, pois que Vos contristei durante toda a vossa vida pela vista de meus pecados. Mas já que convidais à penitência, deixai-me experimentar ao menos uma parte da aflição que Vós em Vossa Paixão sentistes pelos meus pecados. Como poderei ainda correr atrás dos prazeres depois de Vos ter causado em vossa vida tamanha tristeza pelos meus pecados? Não, não Vos peço satisfações e delícias; peço-Vos lágrimas e arrependimento. Fazei que no tempo de vida que me resta, eu viva chorando as mágoas que Vos causei. Abraço-me com os vossos pés, ó meu Jesus crucificado e desolado e assim quero morrer. — Ó Mãe das dores, rogai a Jesus por mim.

Referências:

(1) Sl 37, 18
(2) Sl 68, 21
(3) Mt 27, 40-42
(4) Mt 27, 46
(5) Sl 68, 3

 Sábado da Vigésima Sexta Semana do Tempo Comum

Maria Santíssima é a esperança de todos

In me omnis spes vitae et virtutis – “Em mim há toda a esperança da vida e da virtude” (eclo 24, 25)

Sumário. O Rei do céu deseja sumamente enriquecer-nos das suas graças; mas como da nossa parte é necessária a confiança, a fim de aumentá-la em nós, nos deu por Mãe e Advogada a sua própria Mãe, a quem deu todo o poder para nos ajudar. Por isso quer o Senhor que nela ponhamos a esperança de nossa salvação e de todo o nosso bem. Qual não deve, pois, ser nossa gratidão para com a bondade divina! Qual a confiança que devemos ter em Maria!

I. De dois modos, diz Santo Tomás, podemos por a nossa esperança numa pessoa: como causa principal, ou como causa intermediária. Quem espera alguma graça do rei, espera alcançá-la do rei como senhor; ou espera alcançá-la do seu ministro ou válido, como intercessor. Se consegue a graça, consegue-a principalmente do rei, mas por intermédio do ministro. Pelo que, quem pretende obter a graça, tem razão de chamar àquele intercessor a sua esperança.

O Rei do céu, por ser a bondade infinita, deseja sumamente enriquecer-nos de suas graças; mas como da nossa parte é necessária a confiança, e com o fim de aumentá-la em nós, deu-nos por Mãe e Advogada sua própria Mãe, a quem deu todo o poder para nos ajudar. Por isso quer que ponhamos nela a esperança de nossa salvação e de todo o nosso bem. – Aqueles que põem a sua esperança unicamente nas criaturas, independentemente de Deus, são sem dúvida amaldiçoados de Deus, como diz Isaías (1). Mas aqueles que esperam em Maria, como Mãe de Deus, poderosa para lhes alcançar as graças e a vida eterna, são bem-aventurados e agradam ao Coração de Deus, que assim quer ver honrada a excelsa criatura que mais que todos os homens e anjos o amou e honrou neste mundo.

É, pois, com razão que chamamos à Virgem a nossa esperança, esperando alcançar por sua intercessão o que não alcançaríamos só com as nossas orações. Oh, quantos soberbos, com a devoção a Maria, acharam a humildade! Quantos iracundos a mansidão! Quantos cegos a vista! Quantos desesperados a confiança! Quantos perdidos a salvação! Numa palavra, afirma Santo Antônio que todo verdadeiro devoto de Maria pode dizer: Venernunt mihiomnia bona pariter cum illa – “Com a devoção a Maria vieram-me juntamente todos os bens” (2).

II. É com razão que a santa Igreja aplica a Maria as palavras do Eclesiástico, chamando-a Mãe da santa esperança, Mater sanctae spei; e quer que quotidianamente todos os eclesiásticos e todos os religiosos, na egrégia oração da Salve Rainha, levantem a voz e em nome de todos os fiéis invoquem e chamem a Maria com este doce nome de esperança nossa. – Tu também, meu irmão, seja qual for o teu estado, põe toda a tua confiança nesta Mãe amorosíssima e dize-lhe frequentemente: Spes nostra, salve – “Esperança nossa, salve!”.

Ó Mãe do santo amor, sabeis que, não contente de se fazer nosso perpétuo advogado junto do Pai Eterno, Jesus Cristo vosso Filho quer ainda que vós mesma intercedais junto dele, para nos obter as divinas misericórdias. Decretou que vossas orações nos ajudariam a salvar, e lhes deu tanta eficácia que são sempre atendidas. Dirijo-me então a vós, ó esperança dos miseráveis. Pelos merecimentos de Jesus Cristo e por vossa intercessão espero salvar minha alma. Tal é minha esperança, e tão longe vai que, se minha salvação eterna estivesse nas minhas mãos, logo iria depô-la nas vossas, porque mais me fio de vossa misericórdia e proteção que em todas as minhas obras.

Ó minha mãe e minha esperança, não me desampareis, como o merecia. Confesso que, assaz de vezes, meus pecados puseram obstáculo às luzes e aos socorros que me obtínheis de Deus. Mas vossa compaixão para com os miseráveis e vosso poder junto de Deus transcendem o número e a malícia de minhas iniquidades. O céu e a terra sabem que não é possível se perca quem é vosso protegido. Esqueçam-se, pois, de mim todas as criaturas, mas vós nunca. Dizei a Deus que sou vosso servo, dizei-lhe que tomais minha defesa, e salvo serei. – Ó Maria, confio-me a vós; e na vida e na morte proclamarei sempre que sois toda a minha esperança depois de Jesus. Nesta esperança quero viver e morrer.

Referências:

(1) Is 30, 2
(2) Sb 7, 11
6ª parte

 Vigésima Sétima Semana do Tempo Comum

(Décima Oitava Semana depois de Pentecostes)

Domingo: O compêndio da lei é o preceito da caridade

Segunda-feira: Desprezo do mundo com o pensamento da morte

Terça-feira: Vantagens das tentações

Quarta-feira: Morte continua do inferno

Quinta-feira: Triunfa o amor

Sexta-feira: O grande livro que é o Crucifixo

Sábado: Maria Santíssima suaviza a morte dos seus devotos

 Vigésimo Sétimo Domingo do Tempo Comum

O compêndio da lei é o preceito da caridade

In his duobus mandatis universa lex pendet et prophetae – “Nestes dois mandamentos está encerrada toda a lei e os profetas” (Mt 22, 40)

Sumário. Eis aí a bela resposta que Jesus deu ao fariseu que lhe perguntou sobre qual era o maior preceito da lei: “Amarás”, disse-lhe, “o Senhor teu Deus de todo o teu coração… Este é o máximo e o primeiro mandamento. E o segundo é semelhante a este: Amarás a teu próximo como a ti mesmo. Nestes dois mandamentos está encerrada toda a lei e os profetas.” Meu irmão, como é que praticas o grande mandamento da caridade? Amas a teu Senhor de todo o teu coração?… Amas a teu próximo como a ti mesmo?

I. Estamos no mundo não para entesourar riquezas, nem para obter dignidades, nem para granjear celebridade; mas unicamente para amar a Deus. O amor de Deus é aquela única coisa necessária da qual fala São Lucas, e tudo quanto não se faz para este fim é perder o tempo.

Eis porque Jesus Cristo respondeu ao fariseu que lhe perguntou qual era o preceito fundamental da lei: “Este é o máximo e o primeiro mandamento: Amarás ao Senhor teu Deus” – Diliges Dominum Deum tuum. – E explicando depois a maneira como o devemos amar, acrescenta: “Amá-lo-ás de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento.”

Como observa Santo Agostinho, estas três palavras significam que nenhuma parte de nossa vida ficou deixada a nosso alvedrio, e não nos é mais lícito pormos o nosso afeto em qualquer outra coisa que não seja Deus.

Devemos, pois, amar o Senhor com amor de preferência, isto é, preferi-lo a todas as coisas e estar prontos a perder antes a vida do que a graça divina. Com amor de benevolência, desejando vê-Lo amado de todos e pedindo ao Senhor pela conversão de todos aqueles que não O amam. Com amor doloroso, detestando os nossos pecados, não tanto por termos perdido o céu e merecido o inferno, como por termos ofendido ao Senhor que é a bondade infinita. Com amor de conformidade com a vontade divina, oferecendo-nos muitas vezes a Deus a fim de que disponha de nós segundo a sua vontade. Devemos finalmente amar o Senhor com amor paciente, não nos importando mais nem com as ignomínias, nem com os sofrimentos, desejando mesmo sofrer e ser humilhados por amor de Jesus Cristo. É este o amor forte que dá a conhecer os verdadeiros amantes de Deus. Feliz de quem o possui!

II. Quem ama a Deus, amará necessariamente também a seu próximo, porquanto, no dizer de São Gregório, estes dois amores estão de tal modo unidos, que o segundo nasce do primeiro, e o primeiro alimenta-se do segundo. E acrescenta que um abrange o outro, pois que “são dois elos de uma mesma cadeia; dois atos de uma mesma virtude, dois títulos de mérito diante de Deus, que se encontram sempre acompanhados um do outro.”

Eis porque o Senhor, no Evangelho de hoje, depois de explicar o máximo e o primeiro mandamento do amor para com Deus, logo acrescenta, mesmo sem ser perguntado: “O segundo é semelhante ao primeiro: Amarás a teu próximo como a ti mesmo.” E conclui com estas palavras: “Nestes dois mandamentos está encerrada toda a lei e os profetas.”

Como se dissesse que a estes dois mandamentos do amor se referem todos os demais, e que quem observa aqueles guarda também estes. Para que alguém saiba se ama a Deus, e a que degrau de perfeição tenha chegado, basta que examine de que modo ama a seu próximo.

Meu Deus, amo-Vos de todo o meu coração sobre todas as coisas, porque sois infinitamente bom e digno de ser amado. Por amor de Vós amo também a meu próximo como a mim mesmo. Do fundo de meu coração arrependo-me de todos os meus pecados e detesto-os porque Vos ofendi, ó bondade infinita. Proponho antes morrer do que ofender-Vos. – Mas Vós, ó meu Senhor, ajudai-me com a vossa graça, que Vos peço me concedais agora e sempre; e “fazei que eu evite os contágios diabólicos e continue a servir com pureza de alma a Vós, que sois meu Deus.” (1) † Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

Referências:

(1) Or. Dom.

 Segunda-feira da Vigésima Sétima Semana do Tempo Comum

Desprezo do mundo com o pensamento da morte

Qui utuntur hoc mundo, tamquam non utantur; praeterit enim figura huius mundi – “Os que usam deste mundo, sejam como se não usassem; porque a figura deste mundo passa” (1 Cor 7, 31)

Sumário. A sombra sinistra da morte escurece o brilho de todos os cetros e coroas; faz-nos compreender que o que o mundo estima não é senão fumaça, lodo e miséria. Com efeito, para que servem as riquezas, as dignidades e as honras, já que depois da morte não nos restará nada senão um caixão, dentro do qual nosso corpo se corromperá? Para que serve a beleza e a saúde do corpo, já que afinal não restará nada senão um punhado de pó nojento e alguns ossos descarnados? Nossas obras somente acompanhar-nos-ão para a eternidade. Todavia quão poucos são os que procuram fazer provisão de boas obras?

I. O pensamento da vaidade do mundo e que tudo o que o mundo estima não é senão ilusão e engano fez muitas almas resolverem a dar-se inteiramente a Deus. Quid prodest homini, si mundum universum lucretur? (1) – De que servirá ganhar o mundo inteiro a quem tenha perdido a alma para sempre? Penetrados desta grande máxima do Evangelho, quantos jovens se resolveram a deixar parentes, pátria, riquezas, honras, mesmo coroas, para encerrar-se num convento, ou ocultar-se num deserto, a fim de só pensarem em Deus! – O dia da morte é chamado dia de perdição: Iuxta est dies perditionis (2). Dia de perdição, sim, porque todos os bens que possamos adquirir nesta terra teremos de deixá-los todos no dia da morte. Pelo que Santo Ambrósio nota com muita sabedoria que erradamente chamamos nossos os bens terrestres, já que não os podemos levar conosco para o outro mundo onde teremos de ficar eternamente. Tão somente as boas obras nos acompanharão e nos consolarão na eternidade.

Todos os tesouros terrenos, as dignidades mais altas, a prata, o ouro, as pedras mais preciosas, perdem o seu brilho quando vistos lá do leito da morte. A sombra sinistra da morte escurece até os cetros e as coroas, e faz-nos compreender que tudo quanto o mundo estima não é senão fumaça, lodo, vaidade e miséria – Com efeito, de que servirão na morte todas as riquezas amontoadas, pois que então nada mais teremos do que um caixão no qual nosso corpo, quando dele nada restará senão um punhado de pó nojento e alguns ossos descarnados?

Que é, portanto, a vida do homem sobre esta terra? Eis como nô-la descreve São Thiago: Vapor est ad modicum parens, et deinceps exterminabitur (3) – “É um vapor que aparece por um pouco, e depois se desvanecerá” – Hoje tal personagem é estimado, temido, elogiado; amanhã será desprezado, criticado e amaldiçoado: Vidi impium superexaltatum… et transivi, et ecce non erat (4) – “Vi o ímpio exaltado… e passei, e eis que não mais existia”. Não mora mais na sua fazenda, no seu palácio luxuoso que tinha construído. Onde é que está? Na sepultura, reduzido a pó.

II. Statera dolosa in manu eius (5) – “Tem na mão uma balança enganosa”. Avisa-nos o Espirito Santo que não nos deixemos enganar pelo mundo, que pesa os bens numa balança falsa. Nós devemos pesar os verdadeiros bens, quais são aqueles que em breve devem ter fim. Disse Santa Teresa: Não se deve fazer caso de coisas que acabam com a morte. – Ó Deus, com que ficaram tantos ministros de Estado, tantos generais de exército, tantos príncipes, tantos imperadores romanos, agora que para eles terminou a cena e se acham na eternidade? Periit memoria eorum cum sonitu (6) – “A lembrança deles pereceu com o som”. Representaram papel brilhante no mundo, seu nome estava na boca de todos; e depois que morreram, terminou para eles a cena, o renome e tudo o mais. Feliz, pois, daquele que aos olhos de Deus representou bem o seu papel.

É bem conhecido que mudança de vida operou em São Francisco de Borja a vista do corpo inânime da imperatriz Isabel, formosíssima em vida, mas depois de morta objeto de horror para quem a via. Tomara que todos nós o imitássemos, antes que nos colha a morte! Mas façamo-lo depressa, porque a morte já vem ao nosso encontro, e não sabemos quando chegará. Não permitamos que, das luzes que Deus nos concede agora, só nos reste finalmente o remorso e as contas a dar a Deus, quando tivermos na mão a vela mortuária. Resolvamo-nos a fazer agora o que então quiséramos ter feito e não poderemos mais fazer.

Ó meu Deus! Já tivestes bastante paciência comigo; não quero mais tardar em me dar todo a Vós. Vós me tendes convidado tantas vezes a romper com o mundo e a dar-me todo ao vosso amor! Hoje me convidais uma vez ainda; eis-me aqui, acolhei-me em vossos braços, já que neste momento me entrego todo a Vós. – Ó Cordeiro imaculado, Vós que um dia Vos sacrificastes no Calvário, morrendo por meu amor sobre uma cruz, lavai-me primeiro em vosso sangue, perdoando-me todas as injúrias que de mim recebestes, e depois abrasai-me todo em vosso amor. Amo-Vos sobre todas as coisas; amo-Vos com toda a minha alma. E fora de Vós, que poderia eu achar no mundo mais digno de ser amado e que mais me tenha amado? – Mãe de Deus e minha Advogada Maria, rogai por mim e obtende-me uma verdadeira e constante mudança de vida.

Referências:

(1) Mt 16, 26
(2) Dt 32, 35
(3) Zc 4, 15
(4) Sl 36, 35-36
(5) Os 12, 7
(6) Sl 9, 7

 Terça-feira da Vigésima Sétima Semana do Tempo Comum

Vantagens das tentações

Fidelis Deus est, qui patietur vos tetari supra id quod potestis; sed faciet etiam cum tentatione proventum – “Deus é fiel, e não permitirá sejais tentados mais do que podem as vossas forças; antes fará que tireis proveito da tentação” (1 Cor 10, 13)

Sumário. É sobretudo por três motivos que o Senhor permite que as suas mais queridas almas sejam mais frequente e fortemente tentadas: para as conservar na humildade, para as desapegar da terra, e para as enriquecer de merecimentos. Cada tentação vencida é uma pedra preciosa engastada em nossas coroa celestial. Nem por isso devemos desejar as tentações; mas quando o demônio nos assalta, sem que lhe tenhamos dado ocasião, entreguemo-nos a Deus e não temamos; pois, se ele nos lança ao combate, dar-nos-á também com a tentação a força para resistir.

I. Para as almas que amam a Jesus Cristo não há trabalho maior que as tentações; porquanto todos os outros males as levam a unir-se mais a Deus, aceitando-os com resignação, ao passo que as tentações as levam a separar-se dele. – Saibamos, porém, que, muito embora todas as tentações que induzem ao mal, não venham nunca de Deus, mas do demônio ou de nossas más inclinações, todavia permite as vezes o Senhor, que as suas mais queridas almas sejam mais tentadas.

E permite-o por vários motivos. Primeiramente, a fim de que pelas tentações conheçam mais claramente a sua fraqueza. Quando uma alma se acha favorecida de consolações divinas, julga-se apta para sustentar qualquer assalto e para executar qualquer empresa. Mas quando se sente fortemente tentada e se vê à borda do precipício, então é que conhece melhor a sua miséria, e a sua impotência para resistir, se Deus a não socorresse.

Mais: as tentações desprendem a alma do mundo e fazem-na desejar a morte, para se ver livre de tantos perigos de ofender a Deus. Assim aconteceu a São Paulo, que, sendo assaltado por uma tentação sensual, a fim de que se não vangloriasse de suas revelações, exclamou: Infelix ego homo! Quis me liberabit de corpore mortis huius? – “Infeliz homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (1).

Finalmente, Deus permite que sejamos tentados para mais nos enriquecer de merecimentos. A água estagnada corrompe-se facilmente. Assim a alma, estando quieta sem combate, acha-se em perigo de se perder por alguma vã complacência em seus merecimentos. – Quando é porém agitado pelas tentações, recorre a Deus e à divina Mãe; renova a sua resolução de antes morrer do que pecar; humilha-se e lança-se nos braços da misericórdia divina; numa palavra, é então que pratica as virtudes mais agradáveis ao Coração de Deus, e adorna mais a sua própria coroa. Cada vez que vencemos uma tentação, ganhamos uma nova coroa, diz São Bernardo: Quoties vincimus, toties coronamur.

II. Por serem as tentações vantajosas, não se conclua que devamos desejar tentações. Antes devemos pedir a Deus que nos livre delas, especialmente daquelas nas quais vê que seríamos vencidos. É isto o que significa esta petição do Pai-Nosso: Et ne nos inducas in tentationem – “Não nos deixeis cair em tentação”. Mas quando Deus permite que nos assaltem, é mister que, sem nos inquietarmos, confiemos em Jesus Cristo e lhe peçamos socorro, e ele de certo não deixará de nos dar força para resistirmos. Diz Santo Agostinho:

Entrega-te a Deus e não temas; pois se Ele te expõe ao combate, por certo não te deixará só, para que caias.
Não nos assustemos, pois, por vermos que um mau pensamento, uma sugestão do mal, não se afasta de nosso espírito e continua a atormentar-nos; basta que os detestemos e procuremos desviá-los. Santa Joana Francisca de Chantal foi por mais de quarenta anos atormentada de mil tentações; apesar disso fez-se santa. Numa palavra, persuadamo-nos do que diz o Apóstolo: Deus é fiel e não permitirá sejais tentados mais do que podem as vossas forças; antes fará que tireis proveito da tentação, para que possais resistir.

Ó Jesus Redentor, espero pelos méritos de Vosso Sangue que já me tereis perdoado as ofensas que Vos tenho feito; espero ir dar-Vos graças para sempre no paraíso. Vejo que pelo passado desgraçadamente caí e tornei a cair, não tanto pela força das tentações, mas porque me descuidei de Vos pedir a santa perseverança. Esta perseverança Vos peço agora: Ne permittas me separari a te – “Não permitais que me separe de Vós”. – Assim o proponho e prometo. Mas de que me servirá esta minha promessa se me não derdes a graça de recorrer a Vós? Ah! Pelos merecimentos de Vossa Paixão, concedei-me a graça de sempre me recomendar a Vós em todas as minhas necessidades. – Maria, minha Rainha e minha Mãe, pelo muito que amais a Jesus Cristo, rogo-vos que me alcanceis a graça de sempre recorrer a vosso Filho e a vós por toda a minha vida.

Referências:

(1) Rm 7, 24

 Quarta-feira da Vigésima Sétima Semana do Tempo Comum

Morte contínua do inferno

Sicut oves in inferno positi sunt; mors depascet eos – “Como ovelhas são postos no inferno; e eles serão pasto na morte” (Sl 48, 15)

Sumário. O que os pecadores mais receiam na terra é a morte, mas no inferno será a morte o que mais desejarão e nunca obterão. Ali a morte fará seu repasto nos condenados; mata-os a todos os instantes, mas deixa-lhes a vida para continuar eternamente a infligir-lhes o mesmo tormento. Se quisermos evitar tamanha desgraça, lembremo-nos frequentes vezes da eternidade no tempo de vida que nos resta, e meditemos nestas duas palavras: Sempre! Nunca! Quantos grandes pecadores se converteram por meio desta meditação e são agora grandes Santos no céu!

I. Nesta vida a morte é para os pecadores a coisa mais temida; mas no inferno será a mais desejada. “Eles procurarão a morte”, diz São João, “e não a encontrarão; desejarão morrer, e a morte fugirá deles.” (1) Por isso escreve São Jerônimo: “Ó morte, quão doce serias para aqueles que outrora a acharam amaríssima!”

Diz Davi que a morte fará o seu repasto nos condenados: Mors depascet eos. Destas palavras São Bernardo dá a seguinte explicação: A ovelha, quando anda pastando, come apenas a verdura da erva, deixando as raízes; é assim que a morte trata os condenados: mata-os a todos os instantes, mas deixa-lhes a vida para continuar eternamente a matá-los. De sorte que, conclui São Gregório, o condenado morre a todos os momentos sem nunca morrer: Flammis ultricibus traditus, semper morietur.

Quando alguém agoniza no meio de sofrimentos, todos têm compaixão dele. Se ao menos o condenado tivesse uma pessoa que se compadecesse! Mas não; o miserável morre de dor a todos os instantes e nunca haverá quem tenha pena dele. Encerrado numa sombria prisão, o imperador Zenon gritava: Abri por piedade! Como ninguém o atendesse, acharam-no morto de desespero, havendo devorado os próprios braços. Os condenados gritam do fundo do inferno, diz São Cirilo de Alexandria, mas ninguém os irá libertar, ninguém deles se compadecerá. Nemo eripit, nemo compatitur!

E quanto tempo durará este misérrimo estado? Sempre, sempre! Lê-se nos Exercícios espirituais do Padre Segneri que um dia, em Roma, se perguntou ao demônio, na pessoa de um possesso, quanto tempo devia ficar no inferno. Ao que o demônio respondeu com raiva, batendo com a mão numa cadeira: Sempre! Sempre! O espanto foi tão grande, que muitos moços do Seminário Romano que estavam presentes fizeram logo confissão geral e mudaram de vida, feridos por este terrível sermão em duas palavras: Sempre! Sempre!

II. O Bem aventurado João de Ávila converteu uma senhora dizendo-lhe: Minha senhora, pense nestas duas palavras: Sempre! Nunca! É o que nós também devemos fazer se nos quisermos salvar: meditemos frequentemente nestas duas palavras: sempre e nunca; e nos dias de vida que por ventura nos restem, procuremos viver tendo continuamente em vista a nossa eternidade. Quem vive pensando na eternidade, foge das ocasiões do pecado e procura unir-se cada vez mais a Jesus Cristo por meio de orações frequentes; quem reza, com certeza se salva, e quem não reza, com certeza se condena.

Ó meu amadíssimo Jesus, se um dia tiver a desgraça de me condenar, estarei para sempre no fogo do inferno longe e separado de Vós. E ai de mim! Sei com certeza que muitas vezes tenho merecido esse inferno. Mas também sei com certeza que Vós perdoais a quem se arrepende e que livrais do inferno aquele que espera em Vós. Vós mesmo me dais esta certeza: Clamabit ad me… eripiam eum et glorificabo eum (2) — “Chamará por mim… livrá-lo-ei e glorificá-lo-ei”. Apressai-Vos, ó meu Senhor, apressai-Vos a perdoar-me e livrar-me do inferno. Pesa-me, ó meu soberano Bem, pesa-me, acima de todos os males, de Vos haver ofendido. Restitui-me a vossa graça e dai-me o vosso santo amor.

Se eu estivesse agora no inferno, não Vos poderia mais amar. Ah, meu Deus! Que tendes feito de mal para que eu Vos odeie? Vós me amastes até morrer por mim; sois digno de amor infinito. Meu Senhor, não permitais que eu me afaste de Vós. Amo-Vos e quero amar-Vos sempre. — Quis me separabit a caritate Christi? (3) — “Quem me separará do amor de Cristo?” Meu Jesus, somente o pecado me pode separar de Vós; porém, não o permitais, eu Vô-lo suplico pelo sangue que derramastes por mim; deixai-me antes morrer. Ne permittas me separari a te. — Maria, minha Rainha e minha Mãe, ajudai-me pelas vossas orações; alcançai-me antes a morte, e mil mortes, do que separar-me eu do amor de vosso Filho.

Referências:

(1) Ap 9 6
(2) Sl 90, 15
(3) Rm 8, 35

 Quinta-feira da Vigésima Sétima Semana do Tempo Comum

Triunfa o Amor

Cum dilexisset suos qui erant in mundo, in finem dilexit eos – “Como tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo 13, 1)

Sumário. Posto que o Senhor é todo-poderoso, pode-se todavia dizer que foi vencido pelo amor. O amor levou-O a não só morrer por nós, pregado num patíbulo infame, como a instituir ainda o Santíssimo Sacramento, onde se dá a cada um sem reserva, sem interesse próprio e sempre. Mas se um Deus se dá a nós de tal modo, é de toda a justiça que nós também lhe façamos semelhante oferta; protestando que queremos servi-Lo em todas as coisas e sempre, sem aspirarmos à recompensa e unicamente para Lhe agradarmos e Lhe darmos gosto no tempo e na eternidade.

I. Nosso Deus é todo-poderoso: quem O poderá jamais vencer e subjugar? Todavia, diz São Bernardo, foi vencido e subjugado pelo seu amor para com os homens: Triumphat de Deo amor. Com efeito, o amor levou-O, não só a morrer condenado a um patíbulo infame; mas ainda a instituir o Santíssimo Sacramento da Eucaristia, no qual se dá a nós sem reserva, sem interesse próprio e sempre.

Sem reserva: Totum tibi dedit, nihil sibi reliquit. Deu-se todo, não se reservou nada — diz São Crisóstomo. E São Francisco de Sales acrescenta: “Se um príncipe enviasse a um pobre algumas iguarias de sua mesa, não haveria nisto um sinal bem distinto de afeição? Que se diria, se lhe enviasse um banquete completo? Que seria enfim, se lhe desse para sustento alguma coisa de sua própria substância? Ora, Jesus, na santa comunhão, nos dá para sustento, não só uma parte de sua substância, mas o seu corpo inteiro: Accipite et comedite: hoc est corpus meum (1) — “Tomai e comei: isto é o meu corpo”. E com o corpo dá-nos também a sua alma e a sua divindade, de modo que, na palavra do Concilio de Trento, Jesus neste dom derramou todos os tesouros de seu amor para com os homens.

Nem foi Jesus levado à tamanha liberalidade por qualquer interesse próprio; porquanto, como observa São Paulo, instituiu este sacramento na mesma noite em que foi entregue: In qua nocte tradebatur (2), portanto, no mesmo tempo que os homens preparavam os açoites, os espinhos e a cruz para o fazerem morrer. Instituiu-o, além disso, sabendo a que insultos iria expô-lo este seu invento amoroso; pois que já previa que a maior parte dos homens não O quereriam reconhecer neste grande sacramento e que mesmo os que reconhecessem a sua divina presença pagar-lhe-iam o amor com irreverências e sacrilégios.

Finalmente, na santíssima Eucaristia Jesus se dá a nós sem cessar, não somente quanto à identidade de sua substância, mas também quanto ao tempo e a todos os lugares do universo; cumprindo assim à risca a sua divina promessa de fazer-se nosso companheiro perpétuo: Ecce ego vobiscum sum usque ad consummationem saeculi (3) — “Eis que estou convosco até à consumação do mundo”. É pois com razão que Santo Tomás chama a Eucaristia: sacramento do amor, penhor do amor; e São Bernardo: amor dos amores.

II. Se na santíssima Eucaristia Jesus Cristo se dá a nós sem reserva, sem interesse próprio e sem cessar, é de toda a justiça que nós também lhe façamos semelhante oferta: protestando que queremos servi-Lo em todas as coisas e para sempre, sem aspiração à recompensa; mas unicamente para Lhe agradarmos e Lhe dar gosto no tempo e na eternidade: Dilectus meus mihi, et ego illi (4) — “Meu amado é para mim e eu para Ele”.

Redentor meu amabilíssimo, eu me ofereço e entrego todo a Vós, com minha vontade e liberdade. Meu Jesus, de hoje por diante não quero ser meu; quero ser vosso e todo vosso. A Vós consagro todos os meus sentidos, a fim de que me sirvam unicamente para Vos dar gosto. Que satisfação maior se pode ter, dizia São Pedro de Alcântara, do que em Vos dar gosto a Vós, ó Deus amabilíssimo, amantíssimo e gratíssimo? Consagro-Vos todas as minhas faculdades e quero que sejam todas vossas. Quero que a memória me sirva tão somente para me recordar dos vossos benefícios e do vosso amor; o entendimento para pensar unicamente em Vós, que sempre pensais em meu bem; a minha vontade para Vos amar unicamente a Vós meu Deus, meu tudo, e para querer somente o que Vós quereis. — Meu dulcíssimo Salvador, consagro e sacrifico-Vos hoje tudo o que tenho e tudo o que sou: os meus sentidos, os meus pensamentos, os meus afetos, os meus desejos, as minhas satisfações e inclinações, a minha liberdade; numa palavra, deposito em vossas mãos todo o meu corpo e toda a minha alma.

Aceitai, ó Majestade infinita, o sacrifício que de si mesmo Vos faz o pecador mais ingrato que até hoje tenha existido na terra, mas hoje se oferece e se consagra todo a Vós. Ó meu Senhor, disponde de mim segundo a vossa vontade. Vinde, ó fogo devorador, ó amor divino, e destruí em mim tudo o que é meu e desagrade a vossos olhos puríssimos, a fim de que daqui em diante eu seja todo vosso e viva unicamente para cumprir não somente os vossos mandamentos e conselhos, mas também todos os vossos santos desejos e o que Vos dê maior satisfação. — Ó Maria Santíssima! Apresentai com as vossas mãos esta minha oferta à Santíssima Trindade e fazei que aceite e me conceda a graça de Lhe ser fiel até à morte.

Referências:

(1) Mt 26, 26
(2) 1 Cor 11, 23
(3) Mt 28, 20
(4) Ct 2, 16

 Sexta-feira da Vigésima Sétima Semana do Tempo Comum

O grande livro que é o Crucifixo

Non iudicavi me scire aliquid inter vos, nisi Iesum Christum, et hunc crucifixum – “Não entendi saber entre vós coisa alguma, senão a Jesus Cristo, e este crucificado” (Jo 13, 1)

Sumário. O lenho da cruz serviu a Jesus Cristo, não só de patíbulo, para operar o nosso resgate; mas também de cátedra para nos ensinar as mais sublimes virtudes. À imitação dos santos, procuremos estudar amiúde o grande livro do Crucifixo e nós também nele aprenderemos como devemos praticar a obediência aos preceitos divinos, o amor para com o próximo, a paciência nas adversidades. Nele aprenderemos sobretudo como devemos odiar o pecado e amar a Deus, aceitando por seu amor trabalhos, tribulações e a própria morte.

I. Dizia o Apóstolo São Paulo que ele não queria saber outra coisa senão Jesus, e Jesus crucificado, isto é, o amor que Ele nos testemunhou sobre a cruz. E na verdade, em que livros poderemos melhor estudar a ciência dos santos, que é a ciência de amar a Deus, senão em Jesus crucificado? O grande servo de Deus Frei Bernardo de Corlione, capuchinho, não sabendo ler, queriam os religiosos, seus irmãos, ensiná-lo. Foi primeiro tomar conselho com o Crucifixo; mas Jesus lhe respondeu da cruz: “Que, livros! Que, leituras! Eu é que sou o teu livro, no qual podes sempre ler o amor que tenho tido.” Oh, que grande assunto para meditação por toda a vida e por toda a eternidade: um Deus morto por nosso amor! Um Deus morto por nosso amor! Oh, que grande assunto!

Um dia Santo Tomás de Aquino visitando a São Boaventura perguntou-lhe de que livro tinha feito mais uso para consignar em suas obras tão belos conceitos. São Boaventura mostrou-lhe a imagem de Jesus crucificado, toda enegrecida pelos beijos que lhe dera, dizendo: “Eis aqui o livro que me fornece tudo que escrevo; É ele que me ensinou o pouco que sei.” Jesus crucificado foi também o livro predileto de São Filipe Benicio, que teve a fortuna de exalar a sua alma bendita enquanto beijava aquelas chagas sagradas. Numa palavra, foi no estudo do crucifixo que os santos aprenderam a arte de amar a Deus e de, por amor d’Ele, sofrer as tribulações, os tormentos, os martírios e a morte mais cruel.

Tinha, pois, Santo Agostinho razão para escrever que o lenho da cruz serviu a Jesus Cristo, não só de patíbulo, para nele operar a nossa redenção, mas também de cátedra para nos ensinar as mais sublimes virtudes. — Por isto, o Santo, arrebatado pelo amor à vista de Nosso Senhor coberto de chagas sobre a cruz, fazia esta terna oração: Gravai, ó meu amantíssimo Salvador, gravai as vossas chagas em meu coração, a fim de que nelas leia eu sempre a vossa dor e o vosso amor. Sim, porque, tendo diante dos olhos a grande dor, que Vós, meu Deus, padecestes por mim, sofrerei em paz todas as penas que me possam acontecer; e à vista do amor que me tendes patenteado na cruz, não amarei nem poderei amar senão a Vós.

II. Eis, pois, aí o nosso grande livro: Jesus crucificado! Se o estudarmos amiúde, ficaremos também instruídos na ciência dos santos; porquanto, no dizer de Santo Tomás, ao mesmo tempo que n’Ele acharemos auxílio seguro contra todas as tentações, aprenderemos a praticar a obediência a Deus, a caridade para com o próximo, e a paciência nas adversidades. Mas n’Ele, sobretudo, aprenderemos a temer o pecado e a amar a Jesus Cristo com todas as nossas forças; pois nessas chagas leremos de uma parte a malícia do pecado que constrangeu um Deus a sofrer tão amargosa morte para satisfazer à divina justiça; e da outra o amor que o Salvador nos mostrou querendo sofrer tanto a fim de nos fazer compreender o quanto nos amava.

Procuremos, portanto, ter uma linda imagem de Jesus crucificado, coloquemo-la em nosso quarto, e olhando para ela frequentemente, mesmo entre os nossos estudos e trabalhos, façamos com afeto alguma oração jaculatória e particularmente esta: † Meu Jesus, misericórdia! (1)

O Senhor revelou a Santa Gertrudes, que todo o que olha com devoção o Crucifixo, será cada vez recompensado com um olhar amoroso de Jesus.

Ah, meu Jesus! Quem não Vos há de amar, reconhecendo-Vos pelo Deus que sois e contemplando-Vos na cruz? Oh! Que setas de amor arremessais às almas do alto da cruz! Quantos corações tendes atraído a Vós lá do trono de amor! Ó chagas de meu Jesus, ó belas fornalhas de amor, deixai-me entrar em Vós a fim de ser consumido pelo amor de meu Deus, que quis morrer por mim, consumido pelos tormentos. — Ó minha dolorosa Mãe, Maria, ajudai um vosso servo que deseja amar a Jesus.

Referências:

(1) 300 dias de indulgência a cada vez

 Sábado da Vigésima Sétima Semana do Tempo Comum

Maria Santíssima suaviza a morte dos seus devotos

Non tanget illos tormentum mortis – “Não os tocará o tormento da morte” (Sb 3, 1)

Sumário. Desde o grande dia em que a Santíssima Virgem teve a felicidade e ao mesmo tempo a dor de assistir no Calvário à morte de Jesus Cristo, tornou-se protetora especial dos pobres moribundos. Quando a divina Mãe vê um seu devoto nestes extremos, ordena a São Miguel que o defenda contra os assaltos do demônio e ela mesma também vai assisti-lo e socorrê-lo. Avivemos, pois, a nossa devoção para com Maria, e, ainda que pecadores, esperemos que também nós havemos de gozar da sua proteção na hora de nossa morte. Oh! Que doce consolação morrer entre os braços de Maria!

I. Os amigos do mundo não deixam o amigo enquanto está em prosperidade; mas se vem a cair em alguma desgraça, e especialmente à hora da morte, logo os amigos o deixam. Não faz assim Maria com os seus devotos. Nas suas angústias, e em particular nas da morte, que são as maiores que se pode ter na terra, nossa boa Mãe não sabe desamparar os seus fiéis servos. Assim como ela é nossa vida no tempo de nosso desterro, assim também quer ser doçura na hora suprema, alcançando para nós uma morte doce e preciosa, pelo que a Igreja lhe conferiu o belo título de Auxilio dos agonizantes.

Desde o grande dia em que Maria teve a felicidade, e ao mesmo tempo a dor de assistir à morte de Jesus seu Filho, que foi a cabeça dos predestinados, adquiriu a graça de assistir também a todos os predestinados na sua morte. E por isso, como diz São Boaventura, ela manda que o arcanjo São Miguel vá com outros espíritos celestiais defender seus filhos moribundos das tentações do demônio e receber suas almas a fim de as levar ao tribunal divino.

E não contente com isso, nossa piedosa Rainha, como prometeu à Santa Brígida, virá ela mesma e muitas vezes visivelmente assistir a todos os devotos que a serviram fielmente e se-lhe recomendaram continuamente. Assim, efetivamente, lemos que ela apareceu à Santa Clara de Montefalco, à Santa Teresa de Jesus, a São Pedro de Alcântara e a centenas e milhares de outros. Ó Deus! Que consolação será para um filho de Maria, quando no supremo momento de sua vida, em que se há de decidir a causa de sua eterna salvação, vir ao pé de si a Rainha do céu, para o defender dos assaltos dos demônios e lhe prometer a sua proteção!

II. Quando São João de Deus estava para morrer, esperava a visita de Maria Santíssima, da qual era muito devoto; mas, vendo que ela não aparecia, estava aflito e lamentoso; eis que a divina Mãe lhe aparece e, como que repreendendo-o de sua pouca confiança, lhe diz: “Meu João, não sabes que eu não desamparo os meus devotos na hora da morte?” — Animemo-nos, pois, e tenhamos confiança em que a Virgem virá assistir-nos na hora da morte e consolar-nos com a sua presença, se nós a servirmos com amor, ao menos no tempo de vida que ainda nos resta.

† Ó Maria Santíssima, Mãe de bondade e misericórdia, quando me lembro dos meus pecados e penso no momento da minha morte, estremeço de espanto. Ó Mãe terníssima, todas as minhas esperanças são fundadas nos méritos de Jesus Cristo e na vossa intercessão. Ó Consoladora dos aflitos, não me abandoneis então, não deixeis de me consolar nessa extrema aflição. Se agora estou tão atormentado pelo remorso dos pecados cometidos, pela incerteza do perdão, pelo perigo de recair e pelo rigor da justiça divina, que será de mim naquele momento?

Ah, Soberana minha! Antes que a morte chegue, dai-me uma viva dor dos meus pecados, uma verdadeira emenda e a fidelidade a Deus para o resto de minha vida. E quando soar a hora derradeira, ó Maria, minha esperança, assisti-me nas cruéis agonias em que me achar; sustentai-me para que não me desespere à vista dos pecados que o demônio me há de por diante dos olhos. Obtende-me a graça de vos invocar mais vezes então, a fim de que expire tendo nos lábios o vosso dulcíssimo nome e o vosso divino Filho. Esta graça, vós a tendes feito a muitíssimas almas que vos eram dedicadas; eu a quero e espero para mim também.

“E Vós, ó meu Deus, que quisestes que a Virgem Maria, Mãe de vosso Unigênito, estivesse presente quando Ele estava pregado na cruz pela nossa salvação: concedei-me, suplico-Vos, que, achando-me no fim da vida, também eu seja socorrido pela sua intercessão e alcance a recompensa eterna. Fazei-o pelo amor de mesmo Jesus Cristo.” (1)

Referências:

(1) Or. Eccl.
7ª parte

 Vigésima Oitava Semana do Tempo Comum

(Décima Nona Semana depois de Pentecostes)

Domingo: A cura do paralítico e a causa das tribulações

Segunda-feira: Do negócio da eterna salvação

Terça-feira: Da vida retirada

Quarta-feira: A morte do justo é a entrada na vida

Quinta-feira: Da comunhão espiritual

Sexta-feira: Primeira palavra de Jesus Cristo na cruz

Sábado: Maria Santíssima, modelo da vida solitária e recolhida

 Vigésimo Oitavo Domingo do Tempo Comum

A cura do paralítico e a causa das tribulações

Confide, fili: remittuntur tibi peccata tua – “Filho, tem confiança, perdoados te são os pecados” (Mt 9, 2)

Sumário. De ordinário, a causa de todas as tribulações, e especialmente das enfermidades, são os pecados. Eis porque o Senhor, como refere o Evangelho, antes de restituir ao paralítico a saúde do corpo, lhe restituiu a da alma, concedendo-lhe o perdão dos pecados. Portanto, se quisermos que Deus nos livre das aflições que nos oprimem, arranquemos primeiro a raiz, isto é, o pecado. Aconselhemo-lo igualmente a nosso próximo em suas tribulações.

I. Quando alguém ofende a Deus, provoca todas as criaturas a castigarem-no, e especialmente aqueles de que abusa para ofender o Criador. Sucede então o mesmo, diz Santo Anselmo, que quando um escravo se revolta contra seu senhor: excita a indignação não só de seu senhor, como também de toda a família. – Deus, porém, sendo um Senhor de infinita misericórdia, contém as criaturas a fim de que não castiguem o réu; mas quando vê que este não faz caso das ameaças, serve-se delas então para se desafrontar. De modo que, de ordinário, a causa de todas as tribulações e especialmente das enfermidades corporais, são os pecados: Qui delinquit, incidet in manus medici (1) — “Aquele que peca, virá a cair nas mãos do médico”.

Esta verdade nos é revelada com bastante clareza no fato do Evangelho de hoje. Um paralítico pediu a Jesus Cristo a saúde, e Jesus, antes de curar corporalmente, curou-lhe a alma dizendo: “Filho, tem confiança; perdoados te são os pecados.”

Porque é que Jesus procedeu assim? Responde Santo Tomás: Porque o Senhor, como bom médico, quis primeiro arrancar a causa da enfermidade que eram os pecados, e depois tirar a própria enfermidade, que era efeito deles. É este também o motivo porque o Senhor, depois de curar aquele outro enfermo na piscina de Bethsaida, o qual estivera doente por trinta e oito anos, o exortou a não pecar mais, a fim de que não lhe acontecesse coisa pior. Ne deterius tibi aliquid contingat. (2)

Escuta, pois, meu irmão, o belo conselho que te dá o Espírito Santo, para quando tu também estiveres oprimido pelas tribulações: “Filho, em tua enfermidade (e o mesmo se diga de qualquer tribulação) faze oração ao Senhor e Ele te curará. Aparta-te do pecado, endireita as tuas ações, purifica o teu coração de todo o delito,… e depois dá lugar ao médico.” (3)

II. A narração evangélica mostra-nos também um belo exemplo de caridade, digno de ser imitado. O paralítico, deitado no seu leito, não se apresentou por si mesmo ao Senhor; mas foi apresentado por outros com bastante incômodo. Porque, segundo observa São Marcos, como não pudessem entrar pela porta na casa onde estava Jesus, descobriram parte do teto, e, fazendo uma abertura, arrearam o leito em que o paralítico jazia até perto de Jesus (4). E o Redentor sentiu-se impelido a curá-lo, não tanto pela compaixão para com o enfermo, como pela fé dos que o tinham trazido: videns Jesus fidem illorum — “vendo-lhes a fé”.

Eis o que nós também devemos fazer; empreguemos todos os meios para reconduzir a Jesus as almas enfermas dos pecadores, a fim de que sejam curadas; e se não estiver ao nosso alcance fazer mais, demos-lhes, ao menos, bom exemplo e roguemos por eles. — Desta maneira praticaremos um belo ato de caridade, não somente para com o próximo, como também para conosco; porquanto, na expressão de Santo Agostinho, neste mundo o Senhor castiga muitas vezes os bons com os maus, porque se descuidam de impedir e de corrigir os pecados dos outros.

Ó meu Jesus, saúde dos enfermos, conforto dos que sofrem, tende piedade de mim! Renovai, suplico-Vos, os prodígios que outrora fizestes a favor de Israel, e pela vossa onipotência, livrai-me de todas as enfermidades, de todas as tribulações que com justiça me afligem em castigo das ofensas que Vos tenho feito. Se Vós, porém, ó meu Senhor, dispondes de outras formas, eu Vô-las ofereço como sacrifício, em união e agradecimento daquele que por mim fizestes sobre a cruz, para desconto de meus pecados e para a conversão dos pecadores. Dignai-Vos de as aceitar, e como recompensa, infundi em meu coração a virtude da paciência, e “conduzi-o sempre pela ação da vossa misericórdia; porque sem Vós a Vós não podemos agradar”. (5) † Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

Referências:

(1) Eclo 38, 15
(2) Jo 5, 14
(3) Eclo 38, 9ss
(4) Mc 2, 4
(5) Or. Dom. curr.

 Segunda-feira da Vigésima Oitava Semana do Tempo Comum

Do negócio da eterna salvação

Rogamos autem vos, fratres… ut vestrum negotium agatis – “Nós vos rogamos, irmãos… que trateis de vosso negócio” (1 Ts 10-11)

Sumário. O negócio da nossa eterna salvação é para nós não só o negócio mais importante, mas o único que nos deva preocupar; porque, se o errarmos uma vez, está tudo perdido e perdido para sempre. Mas ó maravilha, todos os que possuem a fé reconhecem que é assim e, contudo, entre os cristãos são poucos os que tratam seriamente de um negócio tão importante. Ponhamos a mão na consciência e se por ventura sejamos do número desses descuidados, resolvamos emendar-nos depressa, custe o que custar.

I. O negócio da nossa salvação eterna não só é para nós o mais importante, mas o único que nos deve preocupar; porque, se o errarmos, está perdido tudo. O pensamento da eternidade bem meditado basta para fazer um santo. O servo de Deus P. Vicente Carafa dizia que, se todos os homens se lembrassem, com viva fé, da eternidade da vida futura, a terra se tornaria um deserto; pois que ninguém se ocuparia ainda com os negócios da vida presente.

Oh! Se todos tivessem sempre diante dos olhos a grande máxima ensinada por Jesus Cristo: “De que serve ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?” (1)

Foi esta a máxima que levou tantos homens a deixarem o mundo; tantas virgens nobres e até de sangue real, a se encerrarem num convento; tantos anacoretas a irem viver nos desertos; e tantos mártires a darem a vida pela fé. Lembravam-se de que, se perdessem a alma, todos os bens deste mundo de nada lhes poderiam servir na vida eterna. — Eis porque o Apóstolo escreveu a seus discípulos:

“Nós vos rogamos, meus irmãos…, que trateis de vosso negócio.” (2)
De que negócio é que falava o Apóstolo? Falava daquele negócio cuja perda acarreta a perda do reino eterno do paraíso e o ser lançado num abismo de tormentos que nunca jamais terão fim.

Tinha, pois, razão São Filipe Neri em chamar de loucos a todos aqueles que nesta vida só cuidam de riquezas e dignidades e pouco se importam com a salvação da alma. Todos eles, dizia o Bem aventurado João de Ávila, mereceriam ser encerrados num hospício de alienados: Como? (quis dizer o Bem-aventurado) Vós credes que há uma eternidade de penas para os que O ofendem; e apesar disso ainda o ofendeis?

II. Toda a perda de riquezas, de reputação de parentes, de saúde, mesmo da vida, é reparável; ao menos por uma boa morte e pela aquisição da vida eterna, como sucedeu aos santos mártires. Mas qual o bem deste mundo, qual a fortuna, seja embora a maior que se possa esperar nesta vida, que compensa a perda da alma? Quam dabit homo commutationem pro anima sua? (3) — “Que dará o homem em troca de sua alma?”

Quem morre na inimizade de Deus e perde a alma, perde ao mesmo tempo toda a esperança de reparar a sua ruína: Mortuo homine impio non erit ultra spes (4) — “Morto o homem ímpio, não resta mais esperança alguma”. Oh céus! Se o artigo da vida eterna não fosse senão uma simples opinião duvidosa dos doutores, deveríamos ainda fazer todo o empenho para nos assegurar a eternidade bem-aventurada e nos livrar da eternidade infeliz. Mas não; não é uma coisa duvidosa; é uma certeza, é um ponto de fé que uma ou outra nos caberá em sorte.

Mas, ó maravilha! Toda a pessoa que tem fé e medita nesta verdade, diz: Com efeito, é preciso cuidar na salvação da alma; e, contudo são poucos os que nisso cuidam deveras. Usa-se de toda prudência para ganhar tal demanda, obter tal posto, e põe-se de parte o negócio da salvação eterna, sem pensar, como diz Santo Euquério, que este erro é pior do que todos os outros; pois, perdida a alma, está perdida irremediavelmente. Utinam saperent et intelligerent, ac novissima providerent! (5) — “Oxalá que eles tivessem sabedoria e inteligência e previssem os fins”. Infelizes dos sábios que sabem muita coisa, mas não sabem cuidar da sua alma, para obterem uma sentença favorável no dia do juízo!

Ah, meu Redentor, derramastes o vosso sangue para adquirirdes a minha alma e eu tantas vezes a perdi e tornei a perdê-la! Agradeço-Vos o tempo que ainda me concedeis para a recuperar recuperando a vossa graça. Ó meu Deus, antes tivesse eu morrido e nunca Vos tivesse ofendido! Consola-me, porém, que não sabeis desprezar um coração humilhado e contrito que se arrepende de seus pecados. † Meu Jesus, misericórdia!

— Ó Maria, refúgio dos pecadores, socorrei um pecador que se recomenda a vós e tem confiança em vós.

Referências:

(1) Mt 16, 26
(2) 1 Ts 4, 11
(3) Mt 16, 26
(4) Pv 11, 7
(5) Dt 32, 29

 Terça-feira da Vigésima Oitava Semana do Tempo Comum

Da vida retirada

Venite seorsum in desertum locum, et requiescite pusillum – “Vinde à parte a um lugar solitário e descansai um pouco” (Mc 6, 31)

Sumário. Todas as almas que amam o Senhor acham o seu paraíso na vida retirada. Ademais, sabemos que Jesus Cristo quis que, depois dos trabalhos do apostolado, seus discípulos se retirassem para um lugar solitário a fim de conversarem só com Deus. Devemos portanto concluir que o retiro para a solidão, feito de tempos a tempos, é necessário a todos, mas em particular aos operários sagrados, a fim de conservarem o recolhimento e refazerem as forças para novos trabalhos na conquista das almas. Sem esse retiro, serão poucos os frutos de seus trabalhos apostólicos.

I. As almas que amam a Deus acham o seu paraíso na vida retirada longe do trato com os homens. A sua conversação (isto é, a conversação com Deus), longe das criaturas, nada tem de desagradável, mas alegria e gozo (1). — Os mundanos têm motivos para fugirem da solidão, porque na solidão, onde não os absorvem os divertimentos ou ocupações terrenas, mais vivamente se fazem sentir em seus corações os remorsos da consciência. Eis porque procuram alívio ou pelo menos distração na conversação com os homens; mas quanto mais procuram alívio entre os homens ou nos negócios mundanos, tanto mais acham espinhos e amarguras.

O mesmo não sucede às almas amantes de Deus, porque na solidão acham um doce companheiro, que as consola e regozija mais do que a companhia de todos os parentes ou amigos e mesmo dos primeiros personagens do mundo. Diz São Bernardo: Nunquam minus solus, quam cum solus — “Nunca me vejo menos só do que quando estou só e longe dos homens; porque então acho Deus que fala comigo e eu por minha vez estou mais atento em ouvi-Lo e mais disposto a unir-me a Ele.”

Quis o Senhor que os seus discípulos, muito embora destinados a pregarem a fé percorrendo o mundo inteiro, interrompessem de tempos a tempos os seus trabalhos e se retirassem à solidão, a fim de tratarem somente com Deus. Sabemos que Jesus Cristo, já no tempo que passava sobre a terra, costumava enviá-los a diversas partes da Judéia, para converterem os pecadores; mas, findos os trabalhos, não deixava de convidá-los ao retiro a algum lugar solitário, dizendo-lhes: “Vinde à parte a um lugar solitário e descansai um pouco.”

Ora, se o Senhor manda isto mesmo aos apóstolos, devemos nós concluir que para todos, mas particularmente para os operários evangélicos, é necessário que de tempos a tempos se retirem para um lugar solitário, a fim de conservarem o espírito recolhido em Deus e restabelecerem suas forças para os trabalhos da conquista das almas.

II. Quem trabalha em prol do próximo, mas com pouco zelo ou pouco amor de Deus, com algum intuito de amor próprio, de ganhar louvores e dinheiro, pouco fruto produz nas almas. Por isso o Senhor diz a seus operários: Requiescite pusillum — “Descansai um pouco”. Falando assim, Jesus Cristo não pretendia de certo que os apóstolos se deitassem a dormir; senão que descansassem na conversação com Deus, pedindo-Lhe graças para viverem bem e desta maneira obtivessem forças para tratar da salvação das almas. Sem esse repouso em Deus pela oração, falta a força para cuidar bem do proveito próprio e do dos outros.

Falando da vida retirada, São Laurenço Justiniani observa com razão que ela sempre deve ser amada, mas não sempre guardada: Semper est amanda, non semper tenenda. Quer dizer que os que são chamados por Deus à conversão dos pecadores, não devem ficar sempre na solidão, encerrados na sua cela, porque assim faltariam à vocação divina (por obediência à qual é preciso sair do retiro); mas nunca devem deixar de amar a solidão e de suspirar por ela, porque é ali que acham Deus com facilidade.

Ah, meu Jesus! Pouco amei a vida retirada, porque pouco Vos amei. Andei buscando prazeres e alívios no meio das criaturas que me fizeram perder a Vós, o Bem infinito. Ai de mim! Que vivi tantos anos com o coração dissipado, pensando só nos bens da terra e esquecendo-me de Vós. Suplico-Vos: apossai-Vos de meu coração, já que o remistes com o vosso sangue, abrasai-o em vosso amor e possui-o inteiramente. — Ó Maria, Rainha do céu, vós me podeis alcançar esta graça, e de vós a espero.

Referências:

(1) Sb 8, 16

 Quarta-feira da Vigésima Oitava Semana do Tempo Comum

A morte do justo é a entrada na vida

Haec porta Domini, iusti intrabunt in eam – “Esta é a porta do Senhor, os justos entrarão por ela” (Sl 117, 20)

Sumário. A morte, considerada segundo os sentidos, causa pavor e temor, mas considerada segundo a fé, é consoladora e desejável; porque é a porta da vida, pela qual forçosamente deve passar quem quiser entrar no gozo de Deus. Tal é a graça que Jesus Cristo nos alcançou pela sua morte. Pelo que os santos, enquanto estavam na terra, não desejavam senão sair do cárcere do miserável corpo e entrar no reino celestial. Se nós temos tamanho horror à morte, é porque amamos pouco ao Senhor.

I. A morte, considerada segundo os sentidos, causa pavor e temor; mas considerada segundo a fé, é consoladora e desejável; porque, como observa São Bernardo, não só é o fim dos trabalhos e o remate da vitória, como também a porta da vida, pela qual deve passar forçosamente quem quiser entrar no gozo e contemplação de Deus: “Esta é a porta do Senhor, os justos entrarão por ela.” — São Jerônimo chamava a morte e lhe dizia: Aperi mihi, soror mea — “Ó morte, minha irmã, se me não abres a porta, não poderei entrar no gozo de meu Senhor”. São Carlos Borromeu, vendo em sua casa um quadro que representava um esqueleto com uma foice na mão, mandou chamar um pintor e ordenou-lhe que apagasse a foice e a substituísse por uma chave de ouro. Queria por este meio inflamar-se mais e mais no desejo da morte, porque é a morte que nos deve abrir o paraíso.

Se um rei, diz São João Crisóstomo, tivesse preparado para alguém uma habitação na sua própria morada e no entretanto o deixasse viver num curral, quanto não deveria esse homem desejar sair do curral para passar ao palácio régio? A alma nesta vida vive no corpo como numa prisão, de onde deve sair um dia para entrar no palácio do céu. É por isso que Davi orava assim: Educ de custodia animam meam (1) — “Livrai a minha alma de sua prisão”. E o santo velho Simeão, quando tinha nos braços o menino Jesus, não lhe soube pedir outra coisa senão a morte, para se ver livre das cadeias da vida presente. Nunc dimittis servum tuum, Domine (2) – “Agora, deixas ir o teu servo”. “Pede que o deixem ir”, diz Santo Ambrósio, “como se fosse retido.”

Qual não foi a alegria do copeiro de Faraó, quando soube por José que dentro em pouco devia sair da prisão e voltar a ocupar o seu posto! E não se regozijará uma alma que ama a Deus, sabendo que dentro em breve vai ser livre da prisão deste mundo e entrar na posse de Deus? É, pois, com razão que a morte dos santos se chama o seu nascimento; visto que pela morte nascem para a vida bem aventurada que nunca terá fim.

II. Lê-se na vida de São João o Esmoleiro, que um homem muito rico lhe recomendara seu filho único e lhe dera muitas esmolas, a fim de obter longa vida para esse filho; mas pouco tempo depois o moço morreu. Queixando-se o pai amargamente da perda do filho, enviou-lhe Deus um anjo que lhe disse: “Pediste para teu filho longa vida. Pois bem, sabe que já está gozando dela no céu por toda a eternidade.”

Tal é a graça que Jesus Cristo nos alcançou, conforme a promessa que nos foi feita pela boca do profeta Oséias: Ero mors tua, o mors (3) — “Ó morte, eu serei a tua morte”. Jesus, morrendo por nós, fez com que a morte se nos tornasse vida.

Ó Deus de minha alma, eu, miserável pecador, merecia uma morte desgraçada, porque Vos desonrei pelo passado, voltando-Vos as costas. Mas vosso Filho Vos honrou, sacrificando a vida na cruz. Pela honra que Vos deu vosso amado Filho, perdoai-me a desonra que Vos causei. Ó meu soberano Bem, arrependo-me de Vos ter ofendido; e prometo-Vos que doravante não hei de amar senão a Vós. A minha salvação, espero-a de vossa bondade. Tudo que atualmente tenho de bom é dádiva de vossa graça; a Vós me reconheço devedor de tudo: Gratia Dei sum id quod sum (4) — “É pela graça de Deus que sou o que sou.” Se pelo passado Vos desonrei, espero honrar-Vos eternamente, abençoando a vossa misericórdia.

Sinto um grande desejo de Vos amar; sois Vós quem me inspirais, e eu Vô-lo agradeço, ó meu amor. Continuai, continuai a ajudar-me do mesmo modo por que tendes começado; para o futuro peço ser vosso, todo vosso. Renuncio a todos os prazeres do mundo. Que maior gozo posso eu ter, do que amar-Vos, a Vós, meu Senhor tão amável e que tanto me tendes amado? É só amor que Vos peço, ó meu Deus, amor, amor. E espero pedir-Vo-lo sempre, até que, morrendo no vosso amor, eu chegue ao reino do amor, onde sem ter que o pedir, estarei cheio de amor e não deixarei nunca mais, um momento, de Vos amar em toda a eternidade e com todas as minhas forças. — Maria, minha Mãe, vós que amais tanto o vosso Deus e tanto O desejais ver amado, fazei com que eu O ame muito nesta vida, a fim de O amar muito na outra e para sempre.

Referências:

(1) Sl 141, 8
(2) Lc 2, 29
(3) Os 13, 14
(4) 1 Cor 15, 10

 Quinta-feira da Vigésima Oitava Semana do Tempo Comum

Da comunhão espiritual

Os meum aperui, et attraxi spiritum – “Abri a minha boca, e atraí o alento” (Sl 118, 131)

Sumário. A comunhão espiritual consiste num desejo ardente de receber Jesus sacramentalmente e num amoroso amplexo, como se fosse recebido realmente. Esta devoção é um meio eficacíssimo para chegar à perfeição e ao mesmo tempo é uma devoção facílima, porque pode ser praticada todos os dias, por todos, e quantas vezes se quiser, sem ser vista ou observada por pessoa alguma. Pratica-a, pois, com frequência, em particular, na oração mental, na visita ao Santíssimo Sacramento e na assistência à Missa à hora da comunhão do sacerdote.

I. Segundo Santo Tomás, a comunhão espiritual consiste num desejo ardente de receber Jesus Cristo sacramentalmente e num amplexo amoroso, como se já fora recebido. O santo Concílio de Trento louva muito a comunhão espiritual e convida todos os fiéis a que a ponham em prática. E Deus mesmo, repetidas vezes, tem dado a entender às almas devotas quanto Lhe agrada esta devoção.

Um dia apareceu Jesus a Soror Paula Maresca, fundadora do convento de Santa Catarina de Sena em Nápoles, e mostrou-lhe dois vasos preciosos, um de ouro e outro de prata, dizendo-lhe que o no primeiro guardava as suas comunhões sacramentais e no segundo as espirituais. Em outra ocasião disse o Senhor também à Venerável Joana da Cruz que, sempre que comungava espiritualmente, concedia-lhe uma graça semelhante à que lhe dava na comunhão sacramental. — Mais tocante é o que um autor fidedigno (1) refere de outro servo de Deus. Quando este fazia na missa a comunhão espiritual, sentira a partícula consagrada levar-se-lhe aos lábios e experimentava na alma uma doçura indizível, querendo o Senhor recompensar desta forma o desejo de seu bom Servo.

Por isso todas as almas devotas costumam praticar com frequência o santo exercício da comunhão espiritual. A Bem-aventurada Angela da Cruz, dominicana, chegou a dizer que, se o confessor não lhe tivesse ensinado este modo de comungar, não teria podido viver. Fazia cem comunhões espirituais durante o dia, e outras cem durante a noite. Nem é de admirar, pois que este modo de comungar, sobre ser uma devoção muito proveitosa, é também facílimo e pode ser praticado cada dia por todos, e quantas vezes se quiser. — A já mencionada Joana da Cruz exclamava: “Ó meu Senhor, que bela maneira de comungar é essa! Sem ser vista por ninguém, sem ter de dar conta a meu diretor espiritual, sem dependência de ninguém senão de Vós, que alimentais minha alma na solidão e lhe falais ao coração!”

II. Procura fazer com frequência a comunhão espiritual; tanto mais que ela é também um meio valiosíssimo para dispor a alma a fazer com mais fruto a comunhão sacramental. Por isso, nas tuas visitas ao Santíssimo Sacramento, na tua oração mental, em cada missa que ouvires, no momento da comunhão do celebrante, faze a comunhão espiritual.

Faze então um ato de fé, crendo firmemente que na Eucaristia está o corpo, o sangue, a alma e a divindade de Jesus Cristo, tão vivo como está no céu. Faze também um ato de amor, unido ao arrependimento dos teus pecados; e em seguida um ato de desejo, convidando Jesus Cristo a entrar em tua alma a fim de a fazer toda sua. Agradece-lhe, afinal, como se já o tivesses recebido. — Para que essas comunhões espirituais te sejam mais proveitosas, une-as aquelas que fizeram todos os santos e em particular a tua querida Mãe Maria. Quantos frutos colherás desta forma para tua alma! Representa-te que cada uma de tuas comunhões será uma pedra preciosa que ornará a tua coroa no céu.

Ó meu Redentor amabilíssimo, agradeço-Vos o me haverdes ensinado este grande meio de santificação e com o vosso auxilio quero aproveitá-lo sempre, a começar pelo dia de hoje. Sim, meu Jesus, creio que estais presente no Santíssimo Sacramento. Amo-Vos sobre todas as coisas e desejo possuir-Vos em minha alma. Visto que não posso agora receber-Vos sacramentalmente, vinde ao menos espiritualmente ao meu coração. Abraço-Vos, como se já tivesses vindo, e me uno inteiramente a Vós; não permitais que jamais me aparte de Vós.

Ó Maria, vós que tanto desejais ver vosso Filho amado de todos, se me amais, eis aí a graça que vos peço e que me haveis de alcançar: obtende-me um grande amor a Jesus. Obtende-me também um grande amor a vós, que sois a criatura mais amante, a mais amável e a mais amada de Deus. O amor para convosco é uma graça que Deus não concede senão a quem deseja salvar.

Referências:

(1) P. J. Bider O. P.

 Sexta-feira da Vigésima Oitava Semana do Tempo Comum

Primeira palavra de Jesus Cristo na cruz

Pater, dimitte illis: non enim sciunt quid faciunt – “Pai, perdoai-lhes; pois não sabem o que fazem” (Sl 118, 131)

Sumário. Ó ternura do amor de Jesus! Os judeus, depois de O pregarem na cruz, injuriam-No e prorrompem em blasfêmias. Ao mesmo tempo, Jesus, movido pelo desejo de salvar a todos, volve-se ao Pai Eterno, roga-Lhe pelos que O crucificaram e procura desculpar o crime. Meu irmão, se pelos nossos pecados temos renovado a crucifixão do Senhor, não desanimemos; porque Jesus nos abrangeu também em sua oração. É, porém, necessário que Lhe imitemos o exemplo, perdoando a nossos inimigos e dando o bem pelo mal.

I. Ó ternura do amor de Jesus Cristo para com os homens! Os judeus, depois de O pregarem na cruz, injuriam-No, insultam-No e prorrompem em blasfêmias; e Jesus, entretanto, que faz? Jesus, diz Santo Agostinho, não cuida tanto nos ultrajes que recebe da parte daquele povo, como no amor que O faz morrer para o salvar; e por isso, ao mesmo tempo que é injuriado pelos seus inimigos, volve-se ao Eterno Pai, pede perdão para eles e procura desculpar o crime nefando pela ignorância: Pai, perdoai-lhes; porque não sabem o quer fazem.

“Ó maravilha!” exclama São Bernardo; “Jesus Cristo pede perdão e os judeus gritam crucifige — crucifica-O.” E São Cipriano acrescenta: Vivificatur Christi sanguine qui effudit sanguinem Christi — “Recebem a vida pelo sangue de Cristo, aqueles mesmos que derramaram o sangue de Cristo”

Na sua morte, tinha o Senhor tamanho desejo de salvar a todos, que não deixa de fazer participar dos méritos de seu sangue àqueles mesmos que Lho extraem das veias à força de tormentos. Numa palavra, como diz Arnoldo de Chartres, ao passo que os judeus trabalham para se condenarem, Jesus Cristo se empenha em os salvar.

E não ficaram improfícuos os seus empenhos; pelo que, sendo mais poderosa para com Deus a caridade do Filho, do que a cegueira daquele povo ingrato, a oração de Nosso Senhor moribundo fez, como escreve São Jerônimo, que no mesmo momento muitos judeus abraçassem a fé; e, na opinião de São Leão, os milhares de judeus que se converteram pela pregação de São Pedro, foram o fruto da oração de Jesus Cristo.

Mas dirá alguém: Porque é que Jesus rogou ao Pai que lhes perdoasse, já que Ele mesmo lhes podia perdoar as injúrias? Responde São Bernardo que assim nos quis ensinar a orar pelos que nos perseguem. Por isso Santo Agostinho conclui: “Cristão, olha o teu Deus pendurado na cruz; ouve como roga pelos que O crucificaram e depois atreve-te a recusar o perdão ao irmão que te ofendeu”.

II. Cada vez que o pecador peca gravemente, diz São Paulo, pelo que depende dele calca aos pés o Filho de Deus, profana e despreza o seu sangue (1) e chega a renovar a sua paixão e morte: Rursum crucifigentes sibimet ipsis Filium Dei (2) — “Outra vez crucificam Jesus Cristo para si próprios”. — Naquela oração que Jesus Cristo fez por seus crucificadores, abrangeu o Senhor, pela sua divina providência, todos os pecadores e a nós particularmente. Eis porque podemos confiadamente dirigir-nos a Deus e dizer-lhe: Pater, dimitte! — “Pai, perdoai-me!”

Ó Pai Eterno, escutai a voz de vosso amado Filho, que Vos pede que me perdoeis. É verdade que o perdão é obra de misericórdia para conosco, visto que não o merecemos; mas é obra de justiça para com Jesus Cristo, que satisfez superabundantemente pelos nossos pecados. Em vista de seus merecimentos não podeis deixar de nos perdoar e de receber em vossa graça àquele que se arrepende das ofensas que Vos fez. Meu Pai, arrependo-me de todo o meu coração e antes quisera ter morrido mil vezes do que Vos ter ofendido.

Meu Deus, não quero ser obstinado como os judeus; quero mudar de vida; em compensação das ofensas que Vos fiz, quero, para o futuro, amar-Vos com mais fervor; e pelos merecimentos de Jesus Cristo, peço-Vos a graça de executar esta minha resolução. — Ó Maria, minha Mãe, sabeis que sou um pobre enfermo, perdido por causa de meus pecados; mas vosso Filho desceu do céu à terra expressamente para se fazer homem em vosso seio, e assim vos fez Rainha de misericórdia e Refúgio dos desesperados, para curar os enfermos e salvar os que estavam perdidos, desde que se arrependam de seus pecados. Curai-me, pois, e salvai-me pela vossa intercessão.

Referências:

(1) Hb 10, 29
(2) Hb 6, 6

 Sábado da Vigésima Oitava Semana do Tempo Comum

Maria Santíssima, modelo da vida solitária e recolhida

Quae est ista, quae ascendit de deserto… innixa super dilectum suum? – “Quem é esta que sobe do deserto… firmada sobre o seu amado?” (Ct 8, 5)

Sumário. A Santíssima Virgem amava tanto a solidão, que, sendo ainda criança de três anos apenas, deixou seus pais e foi encerrar-se no templo. Imagina, pois, a que grau de recolhimento e de união com Deus deve ela ter chegado quando, feita Mãe de Deus, teve a sorte feliz de viver tantos anos com Jesus Cristo. Se aspiras a honra de ser filho de Maria, aplica-te com todo o cuidado a sua imitação, levando uma vida solitária e retirada. Por isso, ama o silêncio, conserva-te sempre na presença de Deus, e volve-te muitas vezes a Ele por meio de fervorosas orações jaculatórias.

I. No tempo do dilúvio, o corvo mandado por Noé fora da arca ficou a comer os cadáveres; mas a pomba, sem pousar em parte alguma, voltou prestes ao ponto de onde partira. Assim, muitos, mandados por Deus a este mundo se detém infelizmente a gozar dos bens terrestres. Não assim a nossa pomba celeste, Maria. Conheceu que o nosso bem, a nossa única esperança deve ser Deus; conheceu que o mundo é cheio de perigos e que aquele que mais cedo o deixa é mais livre dos seus laços. Por esta razão, como afirmam São Germano e Santo Epifânio, a Santíssima Virgem, apenas chegada à idade de três anos, idade em que as crianças desejam mais vivamente a convivência com seus pais, foi encerrar-se no templo, onde melhor pudesse ouvir a voz de seu Deus e, melhor ainda, honrá-Lo e amá-Lo.

Diz Santo Anselmo que, enquanto a Bem-aventurada Virgem vivia no templo, “era dócil, falava pouco, estava sempre recolhida, sempre séria e sem se perturbar. Era, além disso, constante na oração, na leitura da Sagrada Escritura, nos jejuns e em todas as obras de virtude”. Era tão amante do silêncio, que, como ela mesma revelou à Santa Brígida, se abstinha de falar até com os próprios pais.

Não são menos belos os exemplos de recolhimento que a Virgem nos deu, depois de se desposar com o castíssimo São José. Conforme diz São Vicente Ferrer: “Maria não saía de casa senão para ir ao templo; e mesmo então, ia toda recolhida e com os olhos baixos.”

Eis porque São Lucas observa que na visita a Santa Isabel: Abiit in montana cum festinatione (1) — “Ela foi com presteza às montanhas”, para ser menos vista em público e fugir o mais possível da sociedade dos homens.

Se Maria foi tão amante da solidão quando menina e tenra donzela, imagina a que grau de recolhimento e de união com Deus deve ela ter chegado quando, já Mãe de Deus, teve a grande ventura de viver trinta e três anos e de conversar familiarmente com Jesus Cristo. Tinham, pois, os anjos razão para, no dia da Assunção da Virgem ao céu, perguntarem: Quem é esta que sobe do deserto? Sim, porque Maria viveu sempre em solidão neste mundo, como num deserto.

II. Se aspiras à honra de ser filho verdadeiro de Maria Santíssima, deves aplicar-te com todo o cuidado à sua imitação, levando vida retirada e recolhida. Imagina, portanto, que a divina Mãe te diz o que o anjo disse um dia a Santo Arsênio: Fuge, tace, quiesce — “Foge, cala-te e descansa”.

Foge: Segundo o teu estado, retira-te à solidão ao menos pela vontade, evitando as conversações inúteis, mormente com pessoas de sexo diverso. Cala-te: ama o silêncio, que é chamado a guarda da inocência, a defesa nas tentações e a fonte da oração. Descansa: repousa em Deus pelo exercício da presença divina; porque, como Deus mesmo disse a Abraão, este exercício é o caminho mais curto para chegar às alturas da perfeição: Ambula coram me, et esto perfectus (2) — “Anda em minha presença e sê perfeito”.

Para imitares assim a vida solitária de Maria Santíssima, não é preciso que te escondas em alguma gruta ou no deserto; nem tampouco que deixes as ocupações do teu estado; porquanto é mais meritório trabalhar para Deus, do que descansar para pensar em Deus. É todavia necessário que faças cada dia alguma, ainda que breve, meditação. E como a Bem aventurada Virgem conservava todas as palavras de Jesus Cristo em seu coração, comparando-as umas às outras (3), faze tu também dos bons pensamentos, havidos na meditação, um ramalhete de flores, a fim de refrescar durante o dia o espírito pela sua recordação.

É utilíssimo, sobretudo, o uso das orações jaculatórias, que se podem fazer em qualquer parte, tempo e ocupação. Delas diz São Francisco de Sales que suprem a falta de todas as outras orações; mas todas as orações não poderiam suprir a falta delas. — Ó Virgem Santíssima, obtende-nos o amor à oração e à solidão, a fim de que, afastando de nós o amor às criaturas, só possamos aspirar a Deus e ao paraíso, onde esperamos ver-vos um dia, para convosco louvar e amar para sempre a vosso Filho Jesus, por todos os séculos dos séculos.

Referências:

(1) Lc 1, 39
(2) Gn 17, 1
(3) Lc 2, 51
8ª parte

 Vigésima Nona Semana do Tempo Comum

(Vigésima Semana depois de Pentecostes)

Domingo: A parábola do banquete nupcial e a Igreja Católica

Segunda-feira: Do amor à solidão

Terça-feira: A vida presente é uma viagem para a eternidade

Quarta-feira: Entrada da alma no céu

Quinta-feira: Jesus no Santíssimo Sacramento, modelo de virtude

Sexta-feira: As virtudes do Bom Ladrão e a Segunda palavra de Jesus na Cruz

Sábado: Terceira palavra de Jesus Cristo na Cruz

 Vigésimo Nono Domingo do Tempo Comum

A parábola do banquete nupcial e a Igreja Católica

Sumário. Pelo banquete do qual fala o Evangelho de hoje, entende-se a doutrina católica, os sacramentos e a abundância das graças celestiais. Como filhos da Igreja católica, somos do número dos convidados, e portanto, agradeçamos sempre a Jesus Cristo tão grande favor que nos foi concedido com preferência a tantos outros. Cuidemos, porém, que estejamos vestidos da veste nupcial, isto é, da graça santificante, a fim de não sermos, cedo ou tarde, lançados às trevas exteriores, no inferno. Quantos cristãos não se perdem, porque as obras não respondem à fé que professam!

I. “O reino dos céus”, diz Jesus Cristo, “é semelhante a um rei que fez núpcias para o seu filho, e mandou seus servos chamarem os convidados para as bodas. Mas eles desprezaram o convite, e lá se foram, um para sua casa de campo, outro para o seu negócio. Os outros prenderam os servos que enviara, e, depois de os cobrirem de ultrajes, mataram-nos. Mas o rei, tendo ouvido isto, ficou indignado, e enviando os seus exércitos, exterminou aqueles homicidas, e pôs fogo à sua cidade. Disse então aos seus servos: As bodas estão preparadas; mas os que haviam sido convidados não foram dignos. Ide, pois, às embocaduras das estradas, e a quantos encontrardes, convidai-os para as bodas. E, tendo sabido os seus servos pelas ruas, reuniram todos os que encontraram, bons e maus, e a mesa do banquete ficou cheia de convidados: “Et impletae sunt nuptiae discumbentium.”

Segundo a interpretação dos doutores, o rei da presente parábola é o Pai Eterno; o esposo é seu Filho Jesus Cristo; a e a esposa, a Igreja Católica. Pelo banquete nupcial entendem-se a doutrina evangélica, os santos sacramentos e a abundância de todas as graças celestiais. Para este banquete místico fez o Senhor convidar primeiramente os Hebreus, por meio dos profetas e dos apóstolos. Mas, eles, desprezando o convite, maltrataram e mataram os ministros de Deus, e por isso foram expulsos e pereceram na destruição de Jerusalém. E em lugar dos Hebreus foram chamados os gentios, que andavam no caminho largo que leva ao inferno.

Meu irmão, também tu, descendente de antepassados pagãos e sem algum merecimento próprio, pertences ao número destes felizes convidados. Considera, portanto, atentamente o amor especial que Deus te mostrou, agradece-lhe e repara como até agora lhe tens correspondido. Oh! Quantos se tornariam santos, e grandes santos, se lhes tivesse sido dada a mesma abundância de recursos espirituais como a ti! Ao passo que tu há muitos anos talvez estais dormindo na tibieza, e sabe lá Deus se talvez no pecado!

II. Diz ainda a parábola do Evangelho que “entrando o rei para ver os que estavam à mesa, viu aí um homem que não estava vestindo a veste nupcial. E disse-lhe: Amigo, como entraste aqui, não tendo a veste nupcial? Mas ele emudeceu. Então disse o rei aos seus ministros:

“Atai-o de mãos e pés, e lançai-o nas trevas exteriores: aí haverá choro e ranger de dentes.”

Explicando este trecho, São Gregório diz que “a veste nupcial significa a santa caridade. De modo que os cristãos que pela fé são membros da Igreja, mas não possuem a caridade (isto é, não estão na graça de Deus) são semelhantes àquele homem que quis assistir às bodas, mas sem vestir a veste nupcial”. Por isso, no dia do juízo universal será pronunciada contra eles a mesma sentença daquele infeliz, e serão lançados ao inferno para sofrerem no corpo e na alma o tormento do fogo. — E prouvesse a Deus que fosse pequeno o número desses cristãos insensatos que não põem as obras em harmonia com a fé! Mas o mal está grassando em toda a parte. E por isso o Senhor conclui o Evangelho com estas palavras: Multi sunt vocati, pauci vero electi — “São muitos os chamados e poucos os escolhidos”.

Meu amabilíssimo Jesus, agradeço-Vos o me haverdes chamado com tamanho amor ao banquete místico de vossa Igreja e me haverdes tolerado tanto tempo, apesar de não estar vestido com a veste nupcial. Vejo, ó meu Senhor, que enquanto eu me esquecia de Vós, Vós não Vos esquecíeis de mim. Pesa-me de Vos ter voltado as costas, e resolvido estou a dar-me todo a Vós e a levar uma vida conforme à santa fé que professo. Porque esperar mais? Esperarei porventura até que venha a morte e Vós me condeneis às trevas exteriores, a chorar juntamente com os réprobos?

Não, meu Jesus, não Vos quero mais desagradar; quero amar-Vos com todas as minhas forças para ter um dia parte em vossas núpcias celestiais na pátria bem-aventurada. Ó Deus onipotente e misericordioso, ajudai-me com a vossa divina graça e “apartai de mim, propício, todas as adversidades; para que, expedito na alma e no corpo, com liberdade de espírito eu cumpra o que é de vosso serviço” (1). † Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

Referências:

(1) Or. Dom.

 Segunda-feira da Vigésima Nona Semana do Tempo Comum

Do amor à solidão

Ducam eam in solitudinem, et loquar ad cor eius – “Eu a levarei à solidão e lhe falarei ao coração” (Os 2, 14)

Sumário. Deus não costuma geralmente falar-nos no meio dos tumultos e negócios mundanos, pelo receio de não ser entendido. Quando quer elevar uma alma a um grau eminente de perfeição, excita-a a que se retire para algum lugar solitário, longe da conversação com as criaturas. Ali é que lhes fala ao coração, as ilumina e abrasa em seu amor divino. Se quisermos, pois, ouvir a voz de Deus, amemos a solidão e procuremos, o mais possível, ter vida retirada a fim de tratarmos a sós com Deus.

I. Deus não se deixa achar nos tumultos do mundo, pelo que os santos procuravam os desertos mais horrendos, as espeluncas mais ocultas, a fim de se subtraírem à sociedade dos homens e conversarem a sós com Deus. São Hilarion mudou repetidas vezes de um deserto para outro, sempre em busca do mais solitário, onde não encontrasse pessoa alguma com quem conversar e finalmente morreu num deserto de Chipre, depois de ter vivido ali cinco anos. Quando São Bruno foi chamado pelo Senhor a deixar o mundo, foi, com seus companheiros, ter com São Hugo, bispo de Grenoble, a fim de que lhes assinasse em sua diocese um lugar deserto; e São Hugo indicou-lhes a Cartucha, que pela sua atrocidade antes era própria para antro de feras do que para morada de homens.

Certo dia, disse o Senhor à Santa Teresa:

“Eu quisera falar a muitas almas; mas o mundo faz tanto tumulto em seu coração, que minha voz não pode ser ouvida.”

Deus não fala no meio dos rumores e negócios do mundo, cuidando que, se falasse, não seria ouvido. A voz de Deus são as inspirações santas, as luzes e os convites, com que ilumina os santos e os inflama no amor divino; mas quem não ama a solidão, fica privado desta voz divina.

Deus diz:

“Eu a levarei à solidão e lhe falarei ao coração.”

Quando Deus quer elevar uma alma a um grau eminente de perfeição, inspira-lhe a ideia de se retirar para algum lugar solitário, e ali, longe das conversações com as criaturas, fala-lhe aos ouvidos, não do corpo, mas do coração, e assim a ilumina e a abrasa em seu divino amor. Pelo que São Bernardo dizia que tinha aprendido a amar a Deus muito mais nos bosques, entre os carvalhos e as faias, do que nos livros e no trato com os servos de Deus. — E São Jerônimo, que deixou as delícias de Roma para se encerrar na Gruta de Belém, exclamava:

“Ó solidão bem aventurada, na qual o Senhor trata familiarmente com as almas suas diletas e lhes faz ouvir essas palavras que liquefazem os corações no santo amor!”

II. Ensina a experiência que o trato com o mundo e o empenho para aquisição dos bens temporais nos fazem esquecidos de Deus. Mas o que nos restará na hora de morte de todos os trabalhos e de todo o tempo gasto nas coisas da terra, senão remorsos de consciência? Na morte acharemos somente o pouco que tivermos feito ou padecido por Deus. E porque então não nos afastamos do mundo, antes que o mundo se afaste de nós?

Sedebit solitarius, et tacebit (1) — “Sentar-se-á o solitário, e ficará em silêncio”. O solitário não está em movimento contínuo, como outrora entre os negócios do mundo, mas sentar-se-á — ficará em repouso. Ele ficará em silêncio; para ser feliz não irá buscando os bens materiais; porquanto, elevado acima de si mesmo e acima de todas as coisas criadas, achará em Deus todo o bem e toda a sua felicidade. — É com razão que Davi desejava ter as asas da pomba, a fim de deixar a terra e não lhe tocar nem sequer com os pés e assim achar repouso para sua alma (2). Mas já que, enquanto estivermos com vida, não nos é dado deixar a terra, procuremos ao menos amar o recolhimento o mais possível, tratando a sós com Deus, a fim de termos força para evitar as faltas, quando tenhamos de tratar com o mundo. É o que fazia o mesmo Profeta Real até no meio das ocupações do governo de seu reino: Ecce elongavi fugiens, et mansi in solitudine (3) — “Eis aqui, me afastei fugindo e permaneci na solidão”.

Ó Deus de minha alma, tomara que sempre tivesse pensado em Vós e não nos bens desta terra! Amaldiçoo os dias em que, buscando as satisfações terrestres, Vos ofendi, ó meu soberano Bem. Oh! Tivesse Vos amado sempre! Tivesse antes morrido e nunca Vos tivesse ofendido! Ai de mim! Já a morte se aproxima e ainda me vejo apegado ao mundo. Meu Jesus, tomo hoje a resolução de abandonar tudo e de ser todo vosso. Vós sois Todo-Poderoso, Vós me deveis dar força para Vos ser fiel. — Ó Maria, Mãe de Deus, rogai a Jesus por mim.

Referências:

(1) Lm 3, 28
(2) Sl 54, 7
(3) Sl 54, 8

 Terça-feira da Vigésima Nona Semana do Tempo Comum

A vida presente é uma viagem para a eternidade

Non enim habemus hic manentem civitatem, sed futuram inquirimus – “Não temos aqui cidade permanente, mas procuramos a futura” (Hb 13, 14)

Sumário. Vendo tantos ímpios em prosperidade e tantos justos em tribulação, os próprios pagãos, guiados pela luz da razão, reconheceram que a terra não é nossa pátria, mas somente um lugar de passagem e de merecimento. Quão insensatos, pois, somos, se, sendo cristãos e crendo as verdades da fé, nos afeiçoamos aos bens deste mundo, do qual teremos de sair um dia e, entretanto, nos descuidamos de construir com as boas obras uma morada no outro mundo, onde ficaremos por toda a eternidade!

I. Vendo que nesta terra tantos ímpios vivem em prosperidade, e tantos justos, ao contrário, em tribulação, os próprios pagão, iluminados unicamente pela luz natural, reconheceram esta verdade que, dada a existência de Deus e sendo Deus justo, deve haver outra vida, onde os maus sejam castigados e os justos recebam o prêmio. Ora, o que os pagãos admitiram, seguindo unicamente a luz da razão, nós, os cristão, reconhecemo-lo pela fé:

“Não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a futura.”

A terra não é nossa pátria, é apenas um lugar de passagem, por onde, em pouco tempo, nos devemos dirigir à morada da eternidade: Ibit homo in domum aeternitatis suae (1) — “O homem irá à casa de sua eternidade”.

Assim, meu irmão, a casa que habitas não é tua morada; é uma hospedaria, de onde bem cedo e quando menos o imaginares, terá de sair. Sabe que, chegada a hora de tua morte, teus amigos mais caros serão os primeiros a expulsar-te. E qual então será a tua morada? Uma cova será a casa de teu corpo até o dia do juízo; e tua alma irá à casa da eternidade, quer no céu, quer no inferno.

Daí o conselho de Santo Agostinho: Hospes es, transis et vides — “És hóspede; vais passando e vês”. Bem louco seria o viajante que, achando-se de passagem num país, nele gastasse todo o seu patrimônio na compra de uma quinta ou casa, que dentro de breves dias teria de abandonar. Lembra-te, portanto, diz o Santo, que não és neste mundo senão um passageiro; não te afeiçoes ao que vês. Vê e passa; procura uma boa casa na qual terá de morar para sempre. — Se te salvares, feliz de ti! Que bela habitação não é o paraíso! Os mais belos palácios dos monarcas não passam de currais em comparação da cidade celeste, única que se possa chamar toda bela: Urbs perfecti decoris (2) — “Cidade de beleza perfeita”. Pelo contrário, ai de ti se te condenares! Estarias abismado num mar de fogo e de tormentos, desesperado, abandonado de todos e sem Deus. E por quanto tempo? Por toda a eternidade!

II. Meu irmão, queres saber qual será tua habitação na eternidade? Será a que tu mesmo tiveres escolhido por meio de tuas obras. Aviva a tua fé, e se pelo passado mereceste o inferno, chora o tempo que perdeste e procura remi-lo, empregando o que te resta unicamente em servires a Deus e em O amares de todo o teu coração.

Se não houvesse outro motivo, pensa que cada instante podes embelezar a casa de tua eternidade e enriquecê-la de imensos tesouros. Portanto não deixes para fazer amanhã o que puderes fazer hoje, porque o dia de hoje estaria perdido para ti e não voltaria mais. Se te fizessem doação de tanta terra quanto pudesses percorrer num dia, ou de tanto dinheiro quanto pudesses contar no mesmo tempo, como não havias de te apressar? E agora, que a cada momento podes adquirir tesouros eternos, quererás perder o tempo?

Ó meu Senhor, aí está a morada que mereci pelo meu procedimento: o inferno. Bendita seja para sempre a vossa misericórdia, que esperou por mim e me dá tempo para reparar as faltas. Bendito seja o sangue de Jesus Cristo que me alcançou esta misericórdia! Não, meu Deus, não quero mais abusar de vossa paciência. Pesa-me sobre todos os males de Vos ter ofendido, menos por ter merecido o inferno do que por ter ultrajado a vossa bondade infinita.

Se eu estivesse agora no inferno, ó meu soberano Bem, nem eu poderia amar-Vos, nem Vós me poderias amar. Amo-Vos e quero ser por Vós amado. Eu não o mereço, mas merece-O Jesus Cristo, que na cruz se Vos ofereceu em sacrifício, a fim de que me pudésseis perdoar e amar. Pai Eterno, pelo amor de vosso Filho, concedei-me a graça de sempre Vos amar e de Vos amar muito. Amo-Vos, ó Filho de Deus, que morrestes por mim. — Amo-vos, ó Mãe de Deus, que pela vossa intercessão me obtivestes o tempo de fazer penitência. Alcançai-me ainda, ó minha Senhora, a dor de meus pecados, o amor de Deus e a santa perseverança.

Referências:

(1) Ecle 12, 5
(2) Lm 2, 15

 Quarta-feira da Vigésima Nona Semana do Tempo Comum

Laetatus sum in his, quae sunt mihi; in domum Domini ibimus – “Eu me alegrei no que me foi dito: iremos à casa do Senhor” (Sl 121, 1)

Sumário. Imaginemos ver uma alma que faz a sua primeira entrada no céu. Ó Deus! Qual será a sua consolação ao entrar pela primeira vez nessa pátria bem-aventurada, ao ver os parentes e amigos, os Anjos e os Santos; ao beijar os pés de Maria Santíssima, ao receber os amplexos de Jesus Cristo; ao ser abençoada pelo Pai celestial. Pois bem, é um ponto de nossa fé que gozaremos igual consolação, contanto que vivamos bem, ao menos durante o tempo que ainda nos resta. Ó dulcíssima esperança, tu nos deves confortar no meio das nossas mais duras tribulações.

I. Oh Deus! Que dirá a alma ao entrar no reino bem-aventurado do Céu? Imaginemos ver morrer essa virgem, esse jovem, que, tendo-se consagrado ao amor de Jesus Cristo, e, chegada a hora da morte, vai deixar esta terra. Sua alma apresenta-se para ser julgada; o Juiz acolhe-a com bondade e lhe declara que está salva. O seu Anjo da guarda vem ao seu encontro e mostra-se todo contente; ela lhe agradece toda a assistência recebida, e o anjo responde-lhe: Alegra-te, alma formosa; já estás salva; vem contemplar a face do teu Senhor.

Eis que a alma se eleva acima das nuvens, acima do firmamento e de todas as estrelas: entra no Céu. Que dirá ao penetrar pela primeira vez nessa pátria bem-aventurada, ao lançar o primeiro olhar sobre essa cidade de delícias? Os Anjos e os Santos saem-lhe ao encontro e lhe dão, jubilosos, as boas vindas. Que consolação experimentará ao encontrar ali os parentes e amigos que a precederam, e os seus gloriosos protetores! A alma quererá prostrar-se diante deles; mas os Santos lhe dirão: Guarda-te de o fazer; porque somos servos como tu: “Vide ne feceris; conservus tuus sum” (1).

Ela irá depois beijar os pés de Maria, a Rainha do paraíso. Que ternura não experimentará ao ver pela primeira vez essa divina Mãe, que tanto a ajudou a salvar-se! Então a alma verá todas as graças que Maria lhe alcançou. A Rainha celestial abraça-a amorosamente e a conduz a Jesus que a acolhe como esposa e lhe diz: “Veni de Libano, sponsa mea; veni, coronaberis” – “Vem do Líbano, esposa minha; vem, serás coroada” (2). Regozija-te, esposa querida, passaram já as lágrimas, as penas, os temores: recebe a coroa eterna que te alcancei a preço de meu sangue. Ah, meu Jesus! Quando chegará o dia em que eu também ouvirei de tua boca estas doces palavras?

II. Jesus mesmo acompanhará a alma bem-aventurada a fim de receber a bênção de seu Pai divino, que a abraçará carinhosamente e a abençoará, dizendo: “Intra in gaudium Domini tui” – “Entra no gozo do teu Senhor” (3), e então fala-á participar da sua própria gloriosa beatitude.

Meu Deus, aqui tendes a vossos pés um ingrato, que foi criado por Vós para o Céu, mas que muitas vezes, na vossa presença, o renunciou por indignos prazeres, consentindo em ser condenado ao inferno. Espero que já me haveis perdoado todas as injúrias que Vos fiz e de que de novo me arrependo e quero arrepender-me até à morte. Quero também que Vós sempre as torneis a perdoar-me. Mas, ó Jesus, embora já me tenhais perdoado, sempre ficará sendo verdade que tive a audácia de amargurar-Vos, meu Redentor, que, para me conduzir ao vosso reino, sacrificastes a própria vida. Para sempre seja louvada e abençoada a vossa misericórdia, ó meu Jesus, que me haveis aturado com tamanha paciência, e que, em vez de me punir, multiplicastes para comigo as graças, as luzes e os convites.

Vejo, meu amantíssimo Salvador, que quereis deveras a minha salvação; quereis ver-me em vosso reino para eu Vos amar eternamente; mas quereis que primeiramente Vos ame nesta terra. Sim, quero Vos amar. Ainda que não houvesse paraíso, quisera amar-Vos por toda a vida, com toda a minha alma, com todas as minhas forças. Basta-me saber que Vós, meu Deus, desejais ser amado por mim. Assisti-me, meu Jesus, com a vossa graça; não me abandoneis. Minha alma é eterna; estou, pois, na alternativa de Vos amar ou de Vos odiar eternamente! O que eu quero é amar-Vos eternamente; quero amar-Vos muito nesta vida para Vos amar muito na outra. Disponde de mim como Vos aprouver; castigai-me como quiserdes; não me priveis do vosso amor, e depois fazei de mim segundo a vossa vontade. Meu Jesus, os vossos méritos são a minha esperança. Ó Maria, ponho toda a minha confiança na vossa intercessão. Livrastes-me do inferno, quando estava em pecado; agora, que desejo só a Deus, deveis salvar-me e tornar-me santo.

Referências:

(1) Ap 22, 9
(2) Ct 4, 8
(3) Mt 25, 21

 Quinta-feira da Vigésima Nona Semana do Tempo Comum

Jesus no Santíssimo Sacramento, modelo de virtude

Qui appropinquant pedibus eius, accipient de doctrina illius – “Os que chegam a seus pés, receberão da sua doutrina” (Dt 33, 3)

Sumário. Para a nossa salvação, é mister que no dia do juízo a nossa vida se ache conforme à de Jesus Cristo. Esforcemo-nos, pois, por imitar os exemplos luminosos de virtude que Ele nos dá continuamente no Santíssimo Sacramento da Eucaristia: a sua humildade profunda, a sua mansidão inalterável, aceitando de boa vontade o que Deus manda. Para suprirmos ao que nos falta, ofereçamos a Deus muitas vezes, e particularmente na missa, os merecimentos do divino Redentor.

I. Consideremos os belos exemplos de virtude que nos dá Jesus Cristo na Santíssima Eucaristia. Inefável é a sua paciência. Ele vê que a maior parte dos homens não O adora neste sacramento, nem O quer reconhecer pelo que é. Já antes da instituição sabia que muitas vezes os homens chegariam a calcar aos pés as hóstias consagradas e a atirá-las sobre a terra, à água e ao fogo.

Mas o que mais Lhe amargura o coração tão sensível, é o ver que também a maior parte dos que n’Ele creem, em vez de repararem tantos ultrajes pelos seus obséquios, ou vão à Igreja para o ofenderem pela sua irreverência, ou o deixam abandonado sobre os altares, desprovidos às vezes de lâmpada e dos ornamentos necessários. Tudo isso Jesus, escondido sob as espécies eucarísticas, o vê e sabe, e todavia sofre-o com paciência e fica calado. Oh, que exprobração de nossa loquacidade nos momentos de ira!

É igual à humildade de Jesus, pois que em nenhuma obra de seu divino amor se ocultou tanto como no mistério do Santíssimo Sacramento. Para nos inspirar confiança, e ao mesmo tempo, para nos dar um remédio de nosso orgulho, chegou a ocultar a sua Majestade, a esconder as suas grandezas, a consumir e aniquilar a sua vida divina. Pode, portanto, com razão dizer-nos de dentro do tabernáculo: Discite a me, quia mitis sum et humilis corde – “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração.” (1)

Mas sobretudo o Senhor nos dá na Eucaristia exemplos de obediência. Enquanto vivia na terra, diz São Lucas que Ele obedecia a Maria Santíssima e a São José (2). São Paulo acrescenta que Jesus se fez obediente a seu Pai Eterno até a morte na cruz (3). Mas neste sacramento Jesus vai mais longe ainda, pois aí quer obedecer não somente ao Eterno Pai, não somente a seus pais, mas a tantas criaturas quantos sacerdotes há, e não somente até à morte, mas enquanto durar o mundo. Coisa assombrosa! O Rei do céu desce à terra por obediência ao homem; e sobre os altares parece que não faz outra coisa senão obedecer aos homens, deixando-se tratar por todos conforme entenderem, sem replicar uma palavra, sem se subtrair à obediência. Ego autem non contradico, retrorsum non abii – “Eu não contradigo; não me retirei para trás.” (4)

II. Diz São Paulo que para nossa salvação é mister que no dia do juízo a nossa vida se ache conforme a de Jesus Cristo: Quos praescivit et praedestinavit conformes fieri imaginis Filii sui – “Os que Ele conheceu na sua presciência, também os predestinou para se fazerem conformes à imagem de seu Filho” (5). Esforça-te, portanto, por imitares as virtudes exímias de que o divino Redentor nos dá na Santíssima Eucaristia; exemplos tão luminosos.

Por isso sê sempre e em tudo obediente às leis de Deus e aos preceitos da Santa Madre Igreja. Se tiveres a ventura de viver numa comunidade religiosa, considera todas as prescrições da Regra como ordens vindas do céu e a pessoa do superior como pessoa do próprio Deus.

Sê também humilde e prova sê-lo não somente com palavras, senão com obras, aceitando tranquilamente as humilhações, os desprezos e levando enquanto o permitir o teu estado, uma vida retirada e oculta. Mas, sobretudo, sê sempre paciente, suportando os defeitos do próximo, assim como este deve suportar os teus. Aceita também de boa vontade as cruzes que Deus te envia para teu bem. Para suprir as tuas faltas, oferece ao Senhor muitas vezes, e especialmente nas visitas a Jesus sacramentado ou na assistência à santa missa, os merecimentos de teu divino Redentor.

Pai Eterno, ofereço-Vos hoje todas as virtudes, todos os atos e todos os afetos do coração do vosso querido Jesus. Aceita-os em meu nome, e pelos seus merecimentos (que aliás são todos meus, porque Jesus m´os cedeu), dai-me aquelas graças que Jesus os pede por mim. Com esses merecimentos agradeço-Vos toda a misericórdia que tivestes para comigo. Com eles satisfaço o que Vos devo em expiação de meus pecados. Por meio deles espero de Vós todas as graças: o perdão, a perseverança, o paraíso e, sobretudo, o dom supremo do vosso amor.

Vejo que sou eu quem opõe impedimentos a tudo; remediai também a esta minha miséria. Eu Vô-lo peço em nome de Jesus Cristo, que prometeu: Si quid petieritis Patrem in nomine meo, dabit vobis – “Se pedirdes alguma coisa ao Pai em meu nome, Ele vô-lo dará” (6). Não m’o podeis portanto recusar. Senhor, o que quero é amar-Vos, dar-me inteiramente a Vós e nunca mais ser-Vos ingrato, assim como hei sido até agora. Olhai para mim e atendei-me; fazei que o dia de hoje seja o de minha conversão, para nunca mais deixar de Vos amar. Amo-Vos, meu Deus; amo-Vos, bondade infinita; amo-Vos, meu amor, meu paraíso, meu tesouro, meu tudo. Amo-vos também a vós Mãe de Deus e minha Mãe, Maria.

Referências:

(1) Mt 11, 29
(2) Lc 2, 51
(3) Fl 2, 8
(4) Is 50, 5
(5) Rm 8, 29
(6) Jo 16, 23

 Sexta-feira da Vigésima Nona Semana do Tempo Comum

As virtudes do Bom Ladrão e a Segunda palavra de Jesus na Cruz

Amen dico tibi: Hodie mecum eris in paradiso – “Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23, 43)

Sumário. Observam os santos Padres que o Bom Ladrão, reconhecendo em Jesus crucificado o seu verdadeiro Deus, confessando-O como tal na presença de seus inimigos e recomendando-se-Lhe, deu exemplos das mais sublimes virtudes. Pelo que o Senhor lhe fez com razão a bela promessa de que naquele mesmo dia havia de gozar das delícias do paraíso. Meu irmão, o Senhor não se mudou, e, portanto, se porventura tivéssemos imitado o ladrão em seus desvarios, imitemo-lo também na sua conversão sincera a Deus e também teremos a mesma sorte feliz.

I. Para que o nome de Jesus Cristo ficasse eternamente difamado, os judeus crucificaram-No entre dois ladrões, como usurpador sacrílego da divindade; cumprindo assim a profecia de Isaías: Et cum sceleratis reputatus est (1). — “Ele foi colocado no número dos malfeitores”. O Senhor permitiu esta malícia diabólica a fim de nos dar um belo exemplo de conversão sincera e, ao mesmo tempo, uma prova exímia de sua infinita misericórdia.

Refere São Lucas que dos dois ladrões um ficou obstinado e outro se converteu. Este, vendo que seu companheiro perverso blasfemava contra o Senhor, pôs-se a repreendê-Lo dizendo que eles eram castigados conforme mereceram, mas que Jesus era inocente e não tinha feito mal algum. E depois , volvendo-se para o próprio Jesus, disse: Domine, memento mei, cum veneris in regnum tuum (2). — “Senhor, lembra-te de mim quando entrares no teu reino”. Com estas palavras, reconheceu-O por seu verdadeiro Senhor, e, segundo observa Arnoldo de Chartres, deu provas das mais belas virtudes: Ibi credit, poenitet, praedicat, amat, confidit et orat — “Ele crê, arrepende-se, prega, ama, confia e ora”.

Na cruz, o bom ladrão praticou a fé, crendo, como diz São Gregório, que Jesus Cristo, depois de morto, havia de entrar triunfante no reino de sua glória. Praticou penitência, confessando que merecia a morte e não se atrevendo, na palavra de Santo Agostinho, a esperar perdão antes da confissão de suas culpas. Pregou, exaltando a inocência de Jesus. Praticou, sobretudo, o amor para com Deus, aceitando com resignação a morte em expiação de seus pecados. Pelo que São Cipriano não hesita em chamá-lo verdadeiro mártir, batizado em seu próprio sangue. Felizes de nós, se, tendo seguido o ladrão em seus desvarios, o imitarmos também na sua conversão sincera a Deus! .

II. À súplica do bom ladrão, respondeu Jesus unicamente prometendo-lhe para o mesmo dia o paraíso:

“Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no paraíso”.

Escreve um sábio escritor que, em virtude desta promessa, o Senhor, no mesmo dia e imediatamente depois da morte, se lhe mostrou a descoberto e tornou-o felicíssimo, muito embora não lhe comunicasse todas as delícias do céu antes de ali entrar.

Consideremos neste fato a bondade de Deus, que sempre concede mais do que se lhe pede; porquanto, como observa Santo Ambrósio, o bom ladrão pediu tão somente a Jesus Cristo que se lembrasse dele e no mesmo instante Jesus Cristo lhe promete e lhe dá o paraíso. Observa, além disso, São João Crisóstomo, que antes do bom ladrão ninguém merecera a promessa do paraíso. Realizou-se então o que Deus disse pela boca de Ezequiel que, quando o pecador se arrepende de seus pecados com coração sincero, Deus os perdoa de tal modo, como se não se lembrasse mais das injúrias recebidas: Si autem impius egerit poenitentiam, omnium iniquitatum eius non recordabor (3).

Consideremos ainda que, para o mau ladrão, a cruz padecida com impaciência foi causa de maior perdição no inferno, ao passo que para o bom ladrão a cruz padecida com paciência se tornou escada do paraíso. – Feliz de ti, ladrão santo, que tiveste a ventura de unir a tua morte à de teu Salvador!

Ó meu Jesus, d’oravante consagro-Vos toda a minha vida, e peço-Vos a graça de, na hora da morte, poder unir o sacrifício de minha vida ao que oferecestes a Deus sobre a cruz. Pelos méritos desse vosso sacrifício espero morrer em vossa graça, amando-Vos com amor puro e livre de todo o afeto terreno, a fim de continuar a amar-Vos com todas as minhas forças por toda eternidade. — Ó Maria, minha aflita Mãe, alcançai-me a santa perseverança.

Referências:

(1) Is 53, 12
(2) Lc 23, 42
(3) Ez 18, 21-22

 Sábado da Vigésima Nona Semana do Tempo Comum

Terceira palavra de Jesus Cristo na Cruz

Dicit matri suae: Mulier, ecce filius tuus. Deinde dieit discipulo: ecce mater tua – “Diz a sua mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois diz ao discípulo: Eis aí tua mãe” (Jo 19, 26-27)

Sumário. Consideremos como Jesus moribundo, volvendo-se para sua mãe, que estava ao pé da cruz, e indicando-lhe pelo olhar o discípulo predileto, lhe disse: Mulher, eis aí teu filho; e depois acrescentou dirigindo-se ao discípulo: Eis aí tua mãe. E assim Maria foi constituída mãe de todos os cristãos, e nós fomos feitos seus filhos. Ponhamos portanto na Santíssima Virgem toda a nossa confiança, e em todas as necessidades recorramos a ela por socorro. Mas ao mesmo tempo provemos pelas nossas obras que somos filhos dignos de seu amor.

I. Fogem as mães da presença de seus filhos moribundos; o amor não lhes permite assistirem a tal espetáculo, verem-nos sofrer sem que lhes possam trazer alívio. A divina Mãe, porém, quanto mais o Filho estava próximo a morrer, tanto mais se aproximava da cruz. E assim como o Filho sacrificava a vida pela salvação dos homens, ela oferecia a sua dor, compartilhando com perfeita resignação todos os seus sofrimentos e opróbrios. Pelo que o Senhor volvendo-se para ela, e indicando-lhe pelo olhar São João, que estava ao lado dela, disse: Mulier, ecce filius tuus – “Mulher, eis aí teu filho”.

Mas porque é que Jesus a chamou mulher e não mãe? Pode-se dizer que a chamou mulher, porque estava já próximo à morte e assim lhe falou para se despedir, como se dissesse: Mulher, em breve estarei morto, de modo que ficarás sem filho na terra. Deixo-te, portanto, a João, que te servirá e amará com amor de filho. A razão, porém, mais íntima, pela qual Jesus chamou Maria mulher e não mãe, é esta: quis Jesus assim patentear que é ela a grande mulher predita no livro do Gênesis, a qual havia de esmagar a cabeça do orgulho Lúcifer.

Disse Deus à serpente: Inimicitias ponam inter semen tuum et semen mulieris (1) – “Porei inimizade entre a tua descendência e a da mulher”. Isso indicava que, depois da perdição dos homens em consequência do pecado, e apesar da obra da Redenção, haveria no mundo duas famílias e duas descendências. Pela descendência do demônio é significada a família dos pecadores, pela descendência de Maria é significada a família santa que abrange todos os justos com seu chefe Jesus Cristo. De modo que a Virgem foi destinada a ser mãe tanto da cabeça como dos membros, que são os fiéis. – Queres saber se também és do número dos filhos espirituais de Maria? Examina se és animado pelo espírito de seu filho, Jesus Cristo.

II. Para compreendermos melhor ainda que Maria é mãe de todo bom cristão, já o Evangelista não quis chamar São João pelo seu nome próprio, mas pelo de discípulo; e logo em seguida acrescenta que o Senhor, volvendo-se para o discípulo, lhe disse: “Eis aí a tua mãe” – Ecce mater tua. Por esta razão escreve Dionísio o Cartusiano, que a divina Mãe, pelas suas orações e pelos merecimentos que adquiriu, especialmente pela assistência à morte de Jesus Cristo, alcançou para nós o podermos participar dos merecimentos da Paixão do Redentor. – Ponhamos, pois, na Santíssima Virgem toda a esperança e em toda a necessidade recorramos a ela, dizendo: Monstra te esse matrem – “Mostrai que sois minha mãe”. Mas tratemos ao mesmo tempo de pelas nossas obras nos mostrarmos seus dignos filhos – Monstra te esse filium.

Ó Rainha das dores, são demasiado caras a uma mãe as recordações de um filho querido que morre, e nunca mais lhe podem sair da memória. Lembrai-vos, pois, que na pessoa de São João vosso Filho me vos deu por filho, a mim que sou um pecador. pelo amor que votais a Jesus, tende compaixão de mim. Não vos peço bens terrestres. Vejo que vosso Filho morre por meu amor, de morte tão dolorosa; vejo que também vós, minha mãe inocente, padeceis por mim tantas dores; e vejo que eu, pecador miserável e réu do inferno pelos meus pecados, não tenho sofrido nada por vosso amor. Alguma coisa quero sofrer, antes que morra. É esta a graça que vos peço, e com São Boaventura vos digo que, se vos ofendi, justo é que eu sofra por castigo,; e, se vos servi, é justo que eu sofra em recompensa.

Ó Maria, alcançai-me uma grande devoção à Paixão de vosso Filho e uma lembrança continua da mesma. Pela aflição que padecestes ao vê-lo expirar na cruz, obtende-me uma boa morte. Minha Rainha, assisti-me nesse último momento, e fazei com que eu morra dizendo: † Jesus, Maria, José, eu vos dou meu coração e minha alma. Jesus, Maria, José, assisti-me na minha última agonia. Jesus, Maria, José, expire eu em paz na vossa companhia. (2)

Referências:

(1) Gn 3, 15
(2) Indulgência de 100 dias por cada uma destas jaculatórias
9ª parte

 Trigésima Semana do Tempo Comum

(Vigésima Primeira Semana depois de Pentecostes)

Domingo: O filho do régulo e a utilidade das doenças

Segunda-feira: Da solidão do coração

Terça-feira: Da Misericórdia de Deus

Quarta-feira: A perda da Salvação é um mal sem remédio

Quinta-feira: Jesus no Santíssimo Sacramento, nosso bom Pastor

Sexta-feira: Quarta palavra de Jesus Cristo na Cruz

Sábado: Grandeza da Misericórdia de Maria Santíssima

 Trigésimo Domingo do Tempo Comum

O filho do régulo e a utilidade das doenças

Credidit ipse et domus eius tota – “Creu ele e toda a sua família” (Jo 4, 53)

Sumário. Em nossas tribulações não nos é proibido pedirmos a Deus que nos livre delas; mas é necessário que nos conformemos com a sua vontade. Estejamos certos de que Deus não nos envia as cruzes para nossa perdição, mas para nossa salvação e para nos comunicar as suas graças. Vede o bom régulo de quem nos fala o Evangelho. Talvez nunca tivesse pensado em ser discípulo de Jesus Cristo; mas o Senhor atraiu-o a si por meio da enfermidade do filho, e comunica-lhe, a ele e a toda a família, o mais precioso de seus dons, a fé.

I. Refere São João que, tendo certo régulo vindo pedir a Jesus Cristo que quisesse acompanhá-lo até a casa dele para lhe curar um filho moribundo, o Senhor lhe respondeu: Vai, teu filho está vivo. O régulo creu nesta palavra, e, voltando à casa, soube pelos seus criados que a febre deixara o filho na mesma ora em que Jesus dissera: Teu filho está vivo. Pelo que creu ele e toda a sua família: Credidit ipse et domus eius tota.

Admiremos neste trecho do Evangelho uma disposição amorosa da divina Providência, que “toca de uma extremidade à outra e dispõe todas as coisas com suavidade” (1). Aquele bom régulo talvez nunca tivesse pensado em fazer-se discípulo de Jesus Cristo; mas o Senhor atraiu-o a si por meio da doença do filho e comunica-lhe, bem com à toda a família, o mais precioso dos seus dons, que é o da fé. — É o que Deus quer fazer também a nosso respeito, quando nos envia tribulações e, em particular, a enfermidade.

Em primeiro lugar, Deus no-las envia a fim de que nos emendemos de alguma falta; porquanto, na palavra de São Jerônimo, “assim como as coisas materiais são lavadas com sabão, assim as almas se purificam por meio das enfermidades e tribulações”. — Deus no-las envia também para nos consolidar mais na virtude. Por esse meio nos faz, por assim dizer, tocar com a mão a nossa fraqueza, esclarece-nos acerca da nossa vaidade e desapega-nos das coisas terrestres. — Mas, o que é mais importante, as enfermidades, ao passo que diminuem as forças do corpo, reprimem os apetites de nosso maior inimigo, a carne; ao mesmo tempo que nos recordam que a terra é para nós um lugar de desterro, fazem-nos levar uma vida digna de um cristão e estar preparados para a passagem à eternidade. Por isso é que o Eclesiástico disse: Infirmitas gravis sobriam facit animam (2) – “Uma grave enfermidade faz a alma sóbria”.

II. Tenhamos a persuasão de que Deus não nos envia as cruzes para nossa perdição, mas para nossa salvação. Quando, pois, o Senhor nos visita por alguma doença ou outra aflição, examinemos logo a nossa consciência e reconheçamos que temos merecido essa cruz, e, mais ainda, humilhemo-nos em sua presença e digamos com o bom ladrão: Digna factis recipimus (3) — “Recebemos o que merecemos pelas nossas obras”. — Entretanto, sem esperarmos que outros no-lo digam, aproximemo-nos espontaneamente dos santos sacramentos, lembrados do que nos diz o Espírito Santo: Nas doenças deve-se, antes de mais nada, recorrer ao médico da alma, a fim de que nos livre da doença (4).

Não te é proibido rogar a Deus, como o régulo do Evangelho, que te alivie os sofrimentos. Se, porém, aprouver a Deus deixar-te na tribulação, dize então o que Jesus Cristo, muito mais aflito do que tu, não deixava de dizer no Horto: “Pai meu, se não pode passar este cálice sem que eu beba, faça-se a tua vontade” — Fiat voluntas tua (4). Entretanto, consolemo-nos com a esperança do paraíso, que é um bem tão grande, que, para o ganharmos, todo o trabalho é leve. “Eu tenho por certo”, diz o Apóstolo, “que os sofrimentos da vida presente não têm proporção alguma com a glória futura que se manifestará em nós (5). A tribulação que nos vem no presente, momentânea e leve, produz em nós, de modo incomparável e maravilhoso, um peso eterno de glória.” (6)

Meu Jesus, agradeço-Vos as luzes com que me iluminais agora. Arrependo-me, sobre todo o mal, de Vos ter ofendido, e proponho de hoje por diante conformar-me sempre com a vossa vontade santíssima.

— “Dignai-Vos, Senhor, conceder-me benignamente, com o perdão dos pecados, a paz da consciência; para que, limpo de toda a culpa, Vos sirva com a confiança alegre e firme” (7), nos dias de vida que ainda me restam.

† Doce coração de Maria, sede minha salvação.

Referências:

(1) Sb 8, 1
(2) Eclo 31, 2
(3) Lc 23, 41
(4) Eclo 38, 9
(5) Mt 26, 42
(6) Rm 8, 18
(7) 2 Cor 4, 17
(8) Or. Dom.

 Segunda-feira da Trigésima Semana do Tempo Comum

Da solidão do coração

Ecce elongavi fugiens, et mansi in solitudine – “Eis que me afastei fugindo e permaneci na solidão” (Sl 54, 8)

Sumário. A solidão do coração consiste em só a Deus consagrarmos o nosso amor. Vê-se, portanto, que para esta solidão não se precisa de desertos nem de grutas. Os que por obrigação têm de tratar com o mundo, desde que tenham o coração livre de apegos terrestres, podem gozá-la no meio das ruas e das praças. Numa palavra, nenhuma das ocupações que têm por fim o cumprimento da vontade divina impede a solidão do coração. Devemos, por isso, elevar muitas vezes o nosso espírito a Deus, para o que serve o uso frequente das orações jaculatórias.

I. A solidão favorece muito o recolhimento de espírito. Observa, porém, São Gregório que pouco ou nada serve estar com o corpo num lugar deserto e ficar com o coração cheio de pensamentos e afetos mundanos. Para que uma alma pertença toda a Deus, duas coisas são precisas: primeira, desapegar o afeto de todas as criaturas, segunda, consagrar todo o amor a Deus, e é nestas duas coisas que consiste a solidade do coração.

Em primeiro lugar, portanto, é preciso desapegar o coração de todo o afeto terrestre. Dizia São Francisco de Sales:

“Se eu soubesse que em meu coração havia uma fibra que não fosse de Deus, quisera logo arrancá-la”.

Enquanto se não limpar e purificar o coração de todo o afeto terrestre, não pode nele entrar o amor de Deus para o possuir todo. Pelo seu amor Deus quer reinar em nosso coração, mas quer reinar ali sozinho. Não admite rivais que lhe roubem parte do afeto, que ele com justiça exige todo para si. — Certas almas queixam-se de que em todos os seus exercícios de devoção não acham Deus e não sabem que meios devam empregar para o acharem. Santa Teresa, porém, ensina-lhes o meio acertado, dizendo:

“Desapega teu coração de todas as criaturas, busca Deus e achá-lo-ás.”

Para se separarem das criaturas e tratar somente com Deus, muitos não podem retirar-se para os desertos, conforme talvez quisessem. Compreendamos bem, que para gozarmos da solidão do coração, não são precisos desertos. Os que se virem obrigados a tratar com o mundo, desde que tenham o coração livre de apegos ao mundo, poderão possuir a solidão do coração e estar unidos com Deus até no meio das ruas, das praças e dos tribunais. — É necessário, todavia que o espírito se eleve muitas vezes a Deus, para o que serve o uso frequente das orações jaculatórias. A respeito destas, escreve São Francisco de Sales que suprem a falta de todas as outras orações, mas que todas as outras orações não podem suprir a falta das jaculatórias.

II. Vacate et videte, quoniam ego sum Deus (1) — “Cessai e vede que eu sou Deus”. Para que obtenhamos a luz divina que nos faça conhecer a bondade de Deus, mister é que nos desfaçamos de todos os apegos terrestres. Como um vaso de cristal, repleto de areia, não deixa passar os raios do sol, assim tampouco pode um coração apegado ao dinheiro, às dignidades terrestres, aos prazeres sensuais, receber em si a luz divina; e não conhecendo a Deus, não o ama. Qualquer que seja o estado de vida, deve cada um, a fim de que as criaturas não o distraiam, aplicar-se a cumprir exatamente os seus deveres; mas pelo mais faça como se no mundo houvesse somente ele e Deus.

Devemo-nos desapegar de tudo e particularmente de nós mesmos, contrariando sempre o nosso amor próprio. Por exemplo: agrada-nos tal objeto, desfaçamo-nos dele exatamente por que nos agrada. Alguma pessoa nos ofendeu; devemos fazer-lhe bem, exatamente porque nos ofendeu. Numa palavra, devemos querer o que Deus quer, e não querer o que Deus não quer, sem preferência por esta ou tal outra coisa, enquanto não soubermos ser vontade de Deus que a desejemos.

— Se alguma criatura quiser entrar para tomar posse de nosso coração, devemos logo recusar-lhe a entrada, e, dirigindo-nos ao nosso soberano Bem, dizer-lhe: Quid mihi est in coelo, et a te quid volui super terram (2) — “Que tenho eu no céu? E fora de ti que desejarei eu sobre a terra?”

Não, meu Jesus, não quero que as criaturas tenham parte em meu coração; Vós deveis ser seu único Senhor e possui-lo todo. Procure quem quiser as delicias e as grandezas desta terra; na vida presente e na futura sereis Vós a minha única riqueza, o meu único bem, o meu único amor. E já que me amais, como vejo pelas provas que me dais, ajudai-me a desapegar-me de tudo que me possa afastar do vosso amor. Fazei com que minha alma se ocupe toda em Vos agradar, a Vós que sois o objeto único de todos os meus afetos. Tomai posse do meu coração todo inteiro; possuí e governai-me todo e fazei-me pronto a executar em tudo a vossa vontade.

— Ó Mãe de Deus, Maria, em Vós confio; as vossas orações me devem fazer pertencer todo a Jesus.

Referências:

(1) Sb 8, 1
(2) Eclo 31, 2

 Terça-feira da Trigésima Semana do Tempo Comum

Da Misericórdia de Deus

Misericordia domini plena est terra – “Da misericórdia do Senhor é cheia a terra” (Sl 32, 5)

Sumário. A bondade é por sua natureza inclinada a comunicar seus bens a outros. Por isso é que Deus, a bondade essencial, tem um extremo desejo de comunicar a sua felicidade, e a sua natureza não o inclina a punir, mas a usar de misericórdia. Esta o fez descer do céu à terra, levar uma vida penosa e, afinal, morrer por nós sobre uma cruz. Não pensemos, pois, que Jesus Cristo nos faça esperar o perdão muito tempo, depois do pecado; contanto que estejamos resolvidos a não o tornarmos a ofender.

I. A bondade é essencialmente comunicativa, isto é, tende a comunicar seus bens também a outros. Ora, Deus, que de natureza é a bondade infinita, tem um desejo extremo de nos comunicar a sua felicidade. Por isso, não deseja castigar, mas usar de misericórdia para com todos. O castigar, diz Isaías, é uma obra alheia da natureza de Deus, e se manda algum castigo, fá-lo, por assim dizer, contra sua vontade, e como que coagido pela impiedade: Irascetur, ut faciat opus suum, alienum opus eius, ut operetur opus suum; peregrinum est opus eius ab eo (1).

E Davi dizia:

“Ó Deus, desamparaste-nos, e destruíste-nos: tu te iraste, e tiveste piedade de nós. Mostraste ao teu povo coisas duras; deste-nos a beber o vinho de compunção. Deste aos que te temem um sinal, para que fugissem da face do arco.” (2)

Como se dissesse: O Senhor se mostrou irado, para que venhamos à resipiscência e detestemos os pecados. Se nos manda algum castigo, é porque nos ama, e, usando de misericórdia na vida presente, nos quer livrar do castigo eterno. — Numa palavra, o Senhor constitui a sua glória em usar de misericórdia e em perdoar aos pecadores: Exaltabitur parcens vobis (3), pois, como diz a Santa Igreja, desta maneira Deus se compraz em manifestar a sua onipotência: Omnipotentiam tuam parcendo maxime et miserando manifestas (4).

Foi esta grande misericórdia que o levou a enviar à terra seu próprio Filho, para se fazer homem, levar trinta e três anos uma vida penosa e finalmente morrer sobre uma cruz, a fim de nos livrar da morte eterna: Proprio Filio suo non pepercit, sed pro nobis omnibus tradidit illum (5) — “Não poupou a seu Filho, mas entregou-O por todos nós”.

— Pela mesma razão cantou São Zacharias:

“Pelas entranhas de misericórdia do nosso Deus, com que nos visitou o Sol nascente do alto.” (6)

Por estas palavras, entranhas de misericórdia, entende-se uma misericórdia que procede do íntimo do coração de Deus, porquanto preferiu ver morto seu Filho feito homem a ver-nos perdidos.

II. Não penses, meu irmão, que Deus te fará esperar muito tempo pelo perdão. Apenas desejes o perdão, já Ele estará pronto a dar-to. Não é preciso chorar muito; logo à primeira lágrima derramada pela dor de teus pecados, Deus terá misericórdia de ti: Ad vocem clamores tui, statim ut audierit, respondebit tibi (7) — “Logo que ouvir a voz de teu clamor, te responderá”. O Senhor não age para conosco como nós agimos para com Ele: Deus nos convida e nós nos fazemos de surdos. Não assim Deus: statim ut audierit — logo que nos ouvir dizer: Perdão, meu Deus —, responder-nos-á e concederá o perdão.

Meu amado Redentor, prostrado aos vossos pés, agradeço-Vos não me haverdes abandonado depois de tantos pecados. Quantos dos que Vos ofenderam menos que eu não terão as luzes com que agora me iluminais! Vejo que me quereis salvo e eu quero salvar-me principalmente para Vos agradar. Quero ir ao céu para cantar eternamente as misericórdias que tendes tido comigo. Tenho confiança que já me perdoastes; mas, se por ventura ainda estivesse em vossa desgraça, por não ter sabido arrepender-me devidamente das ofensas que Vos fiz, agora me arrependo de toda a minha alma e detesto-as sobre todos os outros males. † Meus Jesus, misericórdia!

Perdoai-me, por piedade, e aumentai cada vez mais em mim a dor de Vos ter ofendido, meu Deus, que sois tão bom. Dai-me dor, dai-me amor. Amo-Vos, † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas; mas amo-Vos muito pouco. Quero amar-Vos muito; e este amor eu Vô-lo peço e de Vós espero. Atendei-me, meu Jesus; prometestes atender a quem Vos roga. — Ó Mãe de Deus, Maria, todos me dizem que não deixais sem consolo o que a vós se recomenda. Ó vós, que depois de Jesus sois minha esperança, a vós recorro e em vós confio; recomendai-me a vosso Filho e salvai-me.

Referências:

(1) Is 28, 21
(2) Sl 59, 3-6
(3) Is 30, 18
(4) Miss. Rom.
(5) Rm 8, 32
(6) Lc 1, 78
(7) Is 30, 19

 Quarta-feira da Trigésima Semana do Tempo Comum

A perda da Salvação é um mal sem remédio

Qui poenas dabunt in interitu aeternas a facie Domini – “Os quais, longe da presença de Deus, sofrerão por castigo eterno a perdição” (2 Ts 1, 9)

Sumário. Para todos os males há remédio; só para o condenado não. Morre-se uma vez, e, perdida a alma uma vez, está perdida para sempre e só lhe resta lamentar eternamente a sua perdição eterna, causada pela sua própria culpa. Avivemos, pois, a nossa fé, e lembrando-nos que nos caberá por sorte o céu ou o inferno, tomemos as providências apropriadas para nos assegurarmos a salvação eterna. Sejamos especialmente devotos à Santíssima Virgem e examinemos frequentes vezes, se por ventura nos temos relaxado nesta devoção.

I. O negócio da salvação eterna é não somente o nosso negócio mais importante, o nosso negócio único; é, além disso, o nosso negócio irreparável. “Não há falta que se possa comparar à do descuido da salvação eterna”, diz Santo Euquério. Para todos os outros males há remédio. Perdidos os bens, podem-se adquirir outros; perdido o emprego, pode-se obtê-lo de novo; ainda no caso de se perder a vida, contanto que se salva a alma, está tudo reparado. Só o condenado não tem remédio. — Morre-se uma vez; e perdida a alma uma vez, está perdida para sempre: Periisse semel, aeternum est. Só lhe resta gemer eternamente no inferno com os outros infelizes insensatos. Ali o pesar maior que os atormenta é o pensar que para eles acabou o tempo de remediar seus males: Finita est aestas, et nos salvati non sumus (1) — “O estio findou-se e nós não fomos salvos”.

Perguntai a esses sábios do mundo, que já estão mergulhados no abismo de fogo, perguntai-lhes que pensam hoje e se estão contentes por terem feito fortuna na terra, agora que estão condenados a uma prisão eterna. Ouvi o que respondem, gemendo: Ergo erravimus a via veritatis (2) — “Assim, nos desencaminhamos da estrada da verdade”. — Mas para que lhe serve reconhecerem o seu erro, já que não há mais remédio para a sua eterna condenação?

Qual não seria o pesar de um homem que, tendo podido com pequena despesa acudir ao desabamento de sua casa, a encontrasse um dia em ruínas e pensasse em sua negligência, quando não havia mais remédio? Muito maior é a pena que os réprobos sentem, pensando que perderam a alma e se condenaram por sua própria culpa: Perditio tua, Israel; tantummodo in me auxilium tum (3) — “A tua perdição, ó Israel, toda vem de ti; só em mim está o teu auxílio”. Ó céus! Qual não será o desespero de um cristão, no momento em que cair no inferno, quando, vendo-se encerrado nesse lugar de tormentos, refletir na sua desgraça e reconhecer que por toda a eternidade não haverá meio de a reparar! Assim, dirá ele, perdi a alma, o paraíso e Deus; perdi tudo para sempre; e como? Por minha própria culpa!

II. Cum metu et tremore vestram salutem operamini (4) — “Com temor e tremor empenhai-vos na obra da vossa salvação”. Meu irmão, avivemos a nossa fé, que tanto o inferno como o céu são eternos; lembremo-nos que um ou outro nos caberá por sorte. Este grande pensamento nos encherá de medo e nos fará evitar as ocasiões de ofendermos a Deus e empregar os meios necessários para alcançarmos a salvação. Quem não treme pelo temor de se perder, não se salvará. — Façamos sobretudo por adquirir uma devoção verdadeira para com a Santíssima Virgem e examinemos frequentes vezes se porventura nos tenhamos relaxado neste ponto. Oh, quantos cristãos estão ardendo no inferno por terem deixado de honrar à grande Mãe de Deus!

Ah Senhor, como é possível que, sabendo que pelo pecado me condenava a uma eternidade de penas, Vos tenha ofendido tantas vezes e perdido a vossa graça? Sabendo que sois meu Redentor, morto na cruz para minha salvação, como pude voltar-Vos tantas vezes as costas por um desprezível prazer? Meu Senhor, pesa-me sobre todos os males de Vos ter assim ofendido e quisera morrer de dor. Agora amo-Vos sobre todas as coisas, de hoje em diante sereis o meu único bem, o meu único amor, e antes quero perder tudo, antes quero perder mil vezes a vida, do que perder a vossa amizade.

Rogo-Vos, meu Jesus, não me repilais de vossa presença, como bem merecia; tende piedade de um pecador que volta arrependido aos vossos pés e Vos quer amar muito, porque muito Vos ofendeu. Que seria de mim, se me tivésseis deixado morrer quando estava na vossa inimizade? Ó Senhor, já que tivestes tamanha piedade de mim, dai-me força para Vos ser sempre fiel e me santificar. Espero-o pelos vossos merecimentos. Espero-o também pela vossa intercessão, ó grande Mãe de Deus e minha Mãe, Maria.

Referências:

(1) Jr 8, 20
(2) Sb 5, 6
(3) Os 13, 9
(4) Fl 2, 12

 Quinta-feira da Trigésima Semana do Tempo Comum

Jesus no Santíssimo Sacramento, nosso bom Pastor

Ego sum pastor bonus – “Eu sou o bom pastor” (Jo 10, 14)

Sumário. O ofício de bom pastor é guiar as suas ovelhas, apascentá-las e defendê-las contra os lobos devoradores. Depois de ter cumprido este tríplice dever durante toda a sua vida terrestre, Jesus continua a cumpri-lo no Santíssimo Sacramento do Altar. Aí Ele nos guia pelos exemplos, defende-nos contra os inimigos espirituais, e alimenta-nos com o seu corpo imaculado. Se quisermos progredir na vida espiritual, nunca percamos de vista o nosso amante Pastor, visitemo-Lo frequentemente, e lembremo-nos que, se ficarmos perto d’Ele, receberemos os seus mais especiais favores.

I. O ofício do bom pastor é guiar as suas ovelhas, apascentá-las e defendê-las contra os lobos devoradores. Depois de ter cumprido este tríplice dever durante toda a sua vida terrestre, Jesus Cristo continua a cumpri-lo ainda no Santíssimo Sacramento do Altar. — Em primeiro lugar, lá, de dentro do tabernáculo, Ele nos guia pelos seus exemplos de humildade profunda e de paciência perfeita no meio dos muitos ultrajes que recebe; de grande resignação e de obediência pronta a cada aceno dos sacerdotes; e sobretudo de ardente caridade e zelo extremo pela glória de Deus e salvação das almas.

Jesus não só nos guia, mas nos defende também contra os lobos, isto é, contra os três inimigos formidáveis de nossa salvação eterna, subministrando-nos armas poderosas, para sustentarmos o combate contra as tentações malignas do demônio, contra as máximas perversas do mundo e contra os apetites desregrados da carne corrompida. — Muitas vezes apaga até o ardor das paixões que nos consomem. Pelo que dizia São Bernardo: “Se alguém dentre vós não experimenta mais tão frequentes nem tão violentos movimentos de ira, de inveja, de luxúria, agradeça-o ao Santíssimo Sacramento, que produziu efeito tão salutar.”

Finalmente, na santíssima Eucaristia Jesus Cristo nos apascenta com o seu corpo imaculado. “Qual o pastor”, pergunta São Crisóstomo, “que apascenta suas ovelhas com seu próprio sangue? As próprias mães dão muitas vezes seus filhos a amas que os nutram. Mas Jesus no Santíssimo Sacramento alimenta-nos com o seu próprio sangue e nos une a si”. — “Ó céus!” exclama o Santo, “nós nos unimos a Jesus e nos tornamos um só corpo e uma só carne com esse Senhor no qual os anjos não se atrevem a fitar os olhos: Huic nos unimur, et facti sumus unum corpus et una caro.” Oh, que Pastor verdadeiramente admirável é Jesus na Santíssima Eucaristia!

II. Toma por regra comungares ao menos de oito em oito dias, com o firme propósito de nunca o deixares por qualquer negócio terreno. Além da santa missa, faze, enquanto possível, cada dia uma visita a Jesus sacramentado fazendo então uma comunhão espiritual. “Cuida”, diz Santa Teresa, “de não te separares de Jesus, e de nunca perderes de vista teu muito amado Pastor, porque as ovelhas que ficam perto de seu Pastor são sempre as mais acariciadas e favorecidas, e nunca Ele deixa de lhe dar algum pedaço escolhido do que Ele próprio come.”

Ó meu Redentor sacramentado, eis-me aqui perto de Vós: o único sinal de ternura que Vos rogo é o fervor e a perseverança no vosso amor. Graças vos dou, ó santa fé: Vós é que me ensinais com certeza que no divino Sacramento do Altar, neste Pão celeste, não há mais pão, que meu Senhor Jesus Cristo está aí todo inteiro e aí mora por meu amor. Meu Senhor e meu Tudo, creio que estais presente no Santíssimo Sacramento; e ainda que Vos não veja com os olhos da carne, Vos reconheço com a luz da fé, na hóstia consagrada, por Soberano do céu e da terra e Salvador do mundo.

Ah, dulcíssimo Jesus! Assim como sois minha esperança, minha salvação, minha força, minha consolação, quero que sejais também todo o meu amor, o único objeto de todos os meus pensamentos, de todos os meus desejos, de todos os meus afetos. Alegro-me com a suprema felicidade de que gozais e gozareis eternamente, mais do que com todos os bens que eu pudesse jamais ter no tempo e na eternidade. O meu supremo contentamento é saber que sois plenamente feliz e que a vossa felicidade é eterna. Reinai, pois, Senhor, reinai absolutamente na minha alma; eu Vô-la dou inteira; possui-a para sempre. Só à vossa vontade e glória sirva tudo o que em mim existe: vontade, sentidos, potenciais. — Tal foi a vossa vida, ó primeira Amante e Mãe de meu Jesus, Maria Santíssima; ajudai-me e obtende-me a graça de viver doravante, como vós sempre vivestes, toda feliz por serdes de Jesus sem reserva.

 Sexta-feira da Trigésima Semana do Tempo Comum

Quarta palavra de Jesus Cristo na Cruz

Et circa horam nonam clamavit Iesus voce magna dicens: Deus meus, Deus, meus, ut quid dereliquisti me? – “E perto da hora nona deu Jesus um grande brado, dizendo: Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?” (Mt 27, 46)

Sumário. Em castigo de nossos pecados, tínhamos merecido que Deus nos abandonasse nos abismos infernais entregues à desesperação eterna. Mas, para nos livrar, quis Jesus tomar sobre si a pena que nos era devida e ser entregue pelo Pai a uma morte sem alívio. Demos graças à bondade divina e em nossas desconsolações espirituais unamos a nossa desolação à de Jesus agonizante; lembremo-nos do inferno merecido e digamos: Senhor, seja feita a vossa santa vontade!

I. Escreve São Leão, que aquele brado do Senhor não foi uma queixa, mas um ensino: Vox ista doctrina est, non querela. Ensino pelo qual Jesus nos quis mostrar quão grande é a malícia do pecado, que, por assim dizer, obrigou Deus a entregar a uma pena sem alívio seu Filho amadíssimo, unicamente por se ter este encarregado de satisfazer pelos nossos crimes. — Jesus não foi então abandonado pela divindade, nem privado da glória, que fora comunicada à sua alma bendita desde o primeiro instante de sua criação; foi, porém, privado de todo o consolo sensível com que Deus costuma confortar os seus servos fiéis, no meio de seus sofrimentos e foi entregue às trevas, a temores e amarguras, penas essas por nós merecidas. No horto o Getsêmani, Jesus sofreu igual privação da presença sensível da divindade; mas a que sofreu na cruz foi mais completa e mais amargosa.

Mas, ó Pai Eterno, que desgosto Vos deu jamais vosso Filho inocente e obedientíssimo, para o punirdes com uma morte tão amargosa? Vêde como está pregado no lenho, a cabeça atormentada pelos espinhos, como está suspenso em três pregos de ferro, apoiando-se nas mesmas chagas. Abandonaram-No todos, mesmo os seus discípulos; todos ao redor o escarnecem e blasfemam contra Ele; porque é que Vós, que tanto O amais, O haveis também abandonado?

Lembremo-nos que Jesus se tinha encarregado dos pecados de todos os homens. Por isso, muito embora fosse Jesus, quanto à sua pessoa, o mais santo de todos os homens, ou antes a santidade mesma, todavia pelo ônus assumido de satisfazer por todos os pecados, parecia ser o maior pecador do mundo, como tal se fizera réu em lugar de todos e se oferecera a pagar por todos. E já que nós merecíamos ser abandonados eternamente no inferno, entregues à desesperação eterna, Jesus quis ser entregue a uma morte sem consolação alguma, a fim de nos livrar assim da morte.

II. Demos graças a bondade do nosso Salvador, por ter tomado sobre si as penas por nós merecidas, a fim de nos livrar assim da morte eterna. Procuremos ser d’oravante gratos ao nosso libertador, expelindo de nosso coração todo o afeto que não seja para Ele. Quando estivermos em desconsolação espiritual, privados da presença sensível da divindade, unamos nossa desolação à que padeceu Jesus na hora de sua morte. — O Senhor não ficará ofendido, se nesse desamparo dissermos o que Ele mesmo no horto disse a seu Pai divino: “Pai meu, se é possível, passe de mim este cálice” (1) mas devemos logo acrescentar como Ele: “Todavia não seja como eu quero, mas sim como Tu”.

Se a desolação continuar, devemos repetir o mesmo ato de conformidade, assim como Jesus o repetiu durante as três horas de sua oração no Horto: Et oravit tertio, eumdem sermonem dicens (2) — “Orou pela terceira vez, dizendo as mesmas palavras”. Diz São Francisco de Sales, que Jesus é igualmente amável quando se deixa ver como quando se esconde. — Pelo mais, o que mereceu o inferno e se vê fora dele, sempre deve dizer: Benedicam Dominum in omni tempore (3) — “Bendirei o Senhor em todo o tempo”. Senhor, não mereço consolações; fazei com que Vos ame sempre, e estou contente por viver em desolação por todo o tempo que Vos aprouver. Ah! Se os réprobos pudessem em suas penas conformar-se assim com a vontade divina, o inferno deixaria de ser inferno.

Ó meu Jesus, pelos merecimentos de vossa morte, rogo-Vos não me desampareis no grande combate que na hora da morte terei de sustentar contra o inferno. Então todos me abandonarão e não me poderão mais valer; Vós porém não me abandoneis, Vós morrestes por meu amor e só me podereis socorrer nesse momento supremo. Fazei-o pelo merecimento da pena que sofrestes no vosso desamparo, pelo qual nos merecestes não sejamos desamparados pela divina graça, conforme os nossos pecados tinham merecido. Fazei-o também pela dor que então sentiu vossa e minha amada Mãe, Maria.

Referências:

(1) Mt 26, 39
(2) Mt 26, 44
(3) Sl 33, 2

 Sábado da Trigésima Semana do Tempo Comum

Grandeza da Misericórdia de Maria Santíssima

Transite ad me omnes qui concupiscitis me, et a generationibus meis implemini – “Passai-vos a mim todos os que me cobiçais, enchei-vos dos meus frutos” (Eclo 24, 26)

Sumário. Quando a Santíssima Virgem vivia ainda na terra, já não podia ver algum necessitado sem socorrê-lo. Quanto mais misericordiosa não será agora que está no céu, de onde melhor vê as nossas misérias e nos ama com coração de Mãe! Não nos descuidemos portanto de recorrer a uma Mãe tão boa em todas as nossas necessidades e de pôr nela toda a nossa esperança. Mas, ao mesmo tempo, deixemos de lhe amargurar o coração pela nossa tibieza e pelos nossos pecados.

I. Considera que Maria é uma advogada tão piedosa, que não só ajuda ao que a ela recorre, mas ela mesma vai à procura dos miseráveis para os defender e salvar. Eis como ela convida a todos, animando-nos a esperarmos todos os bens, se a ela recorrermos: “Passai-vos a mim todos e enchei-vos dos meus frutos.” — “O demônio”, diz São Pedro, “vai sempre ao redor de nós, buscando quem possa tragar”; mas nossa divina Mãe, acrescenta Bernardino de Bustis, vai sempre ao redor de nós buscando a quem possa salvar: Circuit, quaerens quem salvet.

Maria é Mãe de misericórdia porque a piedade que tem de nós faz que de nós se compadeça e procure sempre salvar-nos; assim com uma mãe não pode ver seus filhos em perigo de se perderem e deixar de os ajudar. E quem, depois de Jesus Cristo, pergunta São Germano, interessa-se mais pela nossa salvação do que vós, ó Mãe de misericórdia? — Ela certamente nos ajudará quando a invocarmos e nunca jamais foi alguém por ela desamparado. Isso, porém, não basta a seu Coração piedoso. Como diz Ricardo de São Victor, ela previne as nossas súplicas e procura ajudar-nos antes que nós a invoquemos. Apenas vê alguma miséria, socorre logo e não pode ver algum necessitado sem o ajudar.

A Santíssima Virgem assim praticava desde a sua vida terrestre, como sabemos pelo fato sucedido nas bodas de Caná na Galileia. Vindo a faltar o vinho, ela não esperou até ser rogada; mas, compadecendo-se da aflição e do pejo daqueles esposos, pediu ao Filho que os consolasse dizendo: Vinum non habent (1) — “Eles não têm vinho”; e obteve que seu Filho, por um milagre, convertesse a água em vinho. Pois bem, diz São Boaventura, se foi tão grande a piedade de Maria para com todos quando estava ainda em terra, muito maior sem dúvida será a sua piedade para nos socorrer, agora que está no céu, onde conhece melhor as nossas misérias e mais de nós se compadece.

II. Ah! Não nos descuidemos jamais de recorrer à nossa divina Mãe em todas as nossas necessidades, pois que sempre será achada com as mãos repletas de misericórdia; sempre disposta a ajudar ao que a invoque, e tão desejosa de nos fazer bem e de nos ver salvos, que ela mais deseja conceder-nos graças do que nós desejemos recebê-las. São Boaventura chega a dizer que a Bem-aventurada Virgem se julga ofendida não só pelos que a injuriam positivamente, mas também por aqueles que lhe não pedem graças. Recorramos, pois, sempre a esta Mãe de misericórdia e digamos-lhe o que dizia o mesmo Santo: In te, Domina, speravi, non confundar in aeternum — “Em vós, Senhora, esperei, não permitais que eu seja confundido para sempre”. Mas ao mesmo tempo deixemos de lhe amargurar o Coração pela nossa tibieza e pelos nossos pecados.

Ó Rainha do céu, Maria Santíssima, eu, que era outrora escravo do demônio, consagro-me agora e sempre a vosso serviço e ofereço-me a vós, para vos honrar e servir pelo restante da minha vida. Recebei-me, então para vosso servo, e não me rejeiteis como o merecera. Ó minha Mãe, em vós hei posto todas as minhas esperanças. Eu bendigo e agradeço a Deus, que por sua misericórdia me deu esta confiança em vós. Verdade é que, no passado, caí desgraçadamente no pecado; mas tenho confiança de haver obtido perdão pelos merecimentos de Jesus e vossas orações.

Entretanto, isto não basta, ó minha Mãe; um pensamento me aflige: posso de novo perder a graça de Deus. Os perigos são contínuos, os inimigos não dormem, novas tentações virão assaltar-me. Ah! Soberana minha, protegei-me, socorrei-me nos assaltos do inferno, e não permitais me aconteça ainda no futuro cometer pecado e ofender a vosso divino Filho Jesus. Não, não perca eu de novo a minha alma, o paraíso e Deus. Peço-vos esta graça, ó Maria, não m’a recuseis, antes alcançai-m’a pela vossa intercessão. Assim espero.

Referências:

(1) Jo 2, 3
10ª parte

 Trigésima Primeira Semana do Tempo Comum

(Vigésima Segunda Semana depois de Pentecostes)

Domingo: O servo desumano e o perdão das injúrias

Segunda-feira: O pecador desonra a Deus

Terça-feira: Fins da oração mental

Quarta-feira: O grande segredo da morte

Quinta-feira: Felicidade dos religiosos em morarem junto com Jesus no Santíssimo Sacramento

Sexta-feira: Quinta palavra de Jesus Cristo na Cruz

Sábado: Necessidade que temos da intercessão de Maria Santíssima para nossa salvação

 Trigésimo Primeiro Domingo do Tempo Comum

O servo desumano e o perdão das injúrias

Sic et Pater meus coelestis faciet vobis, si non remiseritis unusquisque fratri suo de cordibus vestris – “Assim vos tratará meu Pai celestial, se do íntimo dos vossos corações não perdoardes cada um a seu irmão” (Mt 18, 35)

Sumário. O servo descaridoso, a quem o dono perdoou muito e não quis apiedar-se do companheiro que lhe devia pouco, é uma imagem viva daqueles cristãos que não querem perdoar a seu inimigo. Meu irmão, não te creio culpado de tamanho delito; mas considera bem, não sejas do número dos que julgam com severidade os defeitos dos outros e exigem tolerância para os defeitos próprios e talvez maiores. Sendo assim, não tardes em emendar-te; senão, serás julgado com o mesmo rigor e condenado pelo Pai celestial.

I. No evangelho de hoje, Jesus Cristo compara o reino dos céus a um rei que quis tomar contas aos seus servos. E, “tendo começado a tomar as contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos. Como não tivesse com que pagar, mandou o seu senhor que o vendessem a ele e a sua mulher e a seus filhos, e tudo quanto possuía, para com isto ser pago. O servo, porém, lançando-se-lhe aos pés, o implorava dizendo: Tem paciência comigo, que eu te pagarei tudo. Compadecido então desse servo, o senhor deixou-o em liberdade, e lhe perdoou sua dívida. — Mas tendo saído este servo, encontrou-se com um de seus companheiros que lhe devia cem dinheiros; e, pondo-lhe as mãos, sufocava-o dizendo: Paga-me o que deves. E o companheiro, prostrando-se-lhe aos pés, lhe implorava, dizendo: Tem paciência comigo, que te pagarei tudo. Mas ele não quis; e fez metê-lo em prisão até pagar a dívida: Misit eum in carcerem, done redderet debitum.”

Meu irmão, ao ouvir tamanha crueldade, talvez nunca sucedida, sem dúvida te sentes comovido. Quantos há, porém, que se comovem com a parábola e tropeçam na realidade! — Com efeito, Jesus Cristo (figurado pelo rei) mostra-se no tribunal da penitência tão misericordioso para com os cristãos, que basta um ato de contrição para lhes serem perdoadas todas as culpas, representadas pelo débito enorme de dez mil talentos. Ao contrário, os cristãos, (figurados pelo servo descaridoso) são tão exigentes, que, apesar do preceito de Deus, se recusam a perdoar ao próximo as ofensas recebidas, simbolizadas na pequena quantia de cem dinheiros.

Não te quero julgar réu de tamanha desumanidade. Examina, porém, se não és porventura do número daqueles que, deixando-se dominar pela ira, querem que para com eles se use de paciência, sem que eles a tenham de praticar para com os outros; isto é, julgam com rigor os pequenos defeitos dos outros, e exigem condescendência a respeito dos próprios defeitos que são muito maiores.

II. Coisa assombrosa! Diz o Eclesiástico: O homem, um bicho da terra guarda rancor e quer vingar-se de um seu irmão; e depois atreve-se a implorar a misericórdia de Deus. Quem poderá interceder para obter o perdão dos pecados desse temerário: Quis exorabit pro delictis illius? (1) Talvez haverá muitos que rogarão ao Senhor julgue sem misericórdia a quem foi misericordioso (2). — É o que parece insinuar Jesus Cristo, quando, continuando a parábola do servo impiedoso, acrescenta: “Os outros servos, porém, seus companheiros, vendo o que se passava, sentiram-no fortemente, e foram dar parte a seu senhor de tudo o que tinha acontecido. Então seu senhor o chamou, e lhe disse: Servo mau, toda a dívida te perdoei, porque me rogaste. Pois, não devias também compadecer-te do teu companheiro, como eu me compadeci de ti? Indignado, entregou-o o seu senhor aos verdugos, até pagar tudo que devia. Assim vos tratará meu Pai celestial, se do íntimo dos vossos corações não perdoardes cada um a seu irmão.”

Ó Jesus, meu divino Redentor, visto que por palavras e por exemplos me ensinastes a amar os seus inimigos, a fazer bem aos que me odeiam, a rogar aos que me perseguem e caluniam (3): eis que agora, prostrado na vossa presença, resolvo seguir sempre, e em todas as coisas, esses ensinos santíssimos. Sim, meu Jesus, por amor de Vós perdoo a quem me haja ofendido, e peço-Vos que também lhe perdoeis. Dai-lhe prosperidade nas empresas, aumentai-lhe as riquezas, cumpri-lhe os desejos, e sobretudo inspirai-lhe no coração sentimentos de caridade e de paz, a fim de que, extinta toda discórdia, possamos unanimemente servi-Vos neste mundo e gozar de vossa presença no outro.

Perdoai-me, pois, as minhas dívidas, assim como eu perdoo aos meus devedores, e “guardai-me com piedade contínua, para que, sob a vossa proteção, fique eu livre de todas as adversidades, e, para glória de vosso nome, seja sempre fervoroso no exercício das boas obras.”
† Doce coração de Maria, sede minha salvação.

Referências:

(1) Eclo 28, 5
(2) Tg 2, 13
(3) Mt 5, 44

 Segunda-feira da Trigésima Primeira Semana do Tempo Comum

O pecador desonra a Deus

Per praevaricationem legis Deum inhonoras – “Pela transgressão da lei desonras a Deus” (Rm 2, 23)

Sumário. O pecador desonra a Deus, porque, por um vil interesse, por uma indigna satisfação, renuncia à amizade divina. Se ao menos não O desonrasse na sua presença. Mas não, desonra-O ante seus próprios olhos, pois que Deus está em todos os lugares; e, mais ainda, para desonrá-Lo serve-se do mesmo corpo que Deus lhe deu para o glorificar. Que negra ingratidão! Quão amargurado não deve sentir-se o Coração amabilíssimo de Jesus!

I. O pecador não só injuria a Deus, mas também o desonra: Pela transgressão da lei desonras a Deus. Sim, porque renuncia à graça divina e por uma indigna satisfação calca aos pés a amizade de Deus. Se um homem perdesse a amizade divina para ganhar um trono, ou mesmo o mundo inteiro, com certeza faria um grande mal; porque a amizade de Deus vale mais que o mundo, mais que mil mundos. E porque será que o pecador ofende a Deus? Por um punhado de terra, por um ímpeto de cólera, por um prazer brutal, por uma quimera, por um capricho: Violabant me propter pugillum hordei et fragmen panis (1) — “Eles me desprezaram por um punhado de cevada e por um pedaço de pão”.

Quando o pecador se põe a deliberar se consentirá ou não consentirá no pecado, toma, por assim dizer, nas mãos a balança e vê o que pesa mais: se a graça de Deus, ou essa paixão, essa quimera, esse prazer. Quando por fim consente, declara que, quanto a si, essa paixão, esse prazer, valem muito mais do que a amizade divina. É deste modo que Deus é desonrado pelo pecador! — Deus queixa-se disso pela boca do Profeta, dizendo: A quem me assemelhastes vós, e igualastes? (2) Sou Eu porventura tão vil a vossos olhos, que mereça ser posposto a uma indigna satisfação?

Mais. Dizem São Cipriano e Santo Tomás que, quando o pecador, para satisfazer qualquer paixão, ofende a Deus, converte em divindade essa paixão, porque dela faz seu último fim. De forma que, segundo a palavra de São Jerônimo, uma paixão no coração é como que um ídolo no altar. — Quando Jeroboão se revoltou contra Deus, quis atrair consigo o povo à idolatria, e por isso apresentou-lhes ídolos, dizendo: Ecce dii tui, Israel (3) — “Eis aqui os teus deuses”. De igual modo pratica o demônio: apresenta ao pecador qualquer satisfação desordenada e diz: Que tens tu que ver com Deus? Ei-lo aqui, o teu deus; é este prazer, esta paixão; toma-os e deixa a Deus. E o pecador, dando o consentimento, assim o faz: no coração adora a satisfação em vez de Deus: Vitium in corde est idolum in altare.

II. Se ao menos o pecador, desonrando a Deus, não o desonrasse na sua presença; se, injuriando-O, não abusasse dos próprios benefícios divinos! Mas não, o atrevido injuria-O e desonra-O ante seus próprios olhos, pois que Deus está em todo o lugar; injuria-O e desonra-O servindo-se das mesmas criaturas, do mesmo corpo que Deus lhe deu para O glorificar.

É isto o que mais amargura o Coração de Jesus e O faz prorromper em sentidas queixas: Filios enutrivi et exaltavi; ipsi autem spreverunt me (4) — Criei uns filhos, diz o Senhor, nutri-os e engrandeci-os, mas com a mais negra ingratidão eles me desprezaram e continuam a desprezar-me ante meus próprios olhos: Ad iracundiam provocant me ante faciem meam (5) — “Estão provocando a minha ira diante de minha face”.

Ó meu Deus, Vós sois um bem infinito, e mais de uma vez Vos troquei por um miserável prazer, que logo desapareceu, apenas saboreado! Apesar de serdes assim desprezado, Vós me ofereceis o perdão, se o quiser e prometeis receber-me na vossa graça, se me arrepender de Vos haver ofendido. Ah sim, meu Senhor, arrependo-me de todo o coração de Vos haver ultrajado; soberanamente detesto o meu pecado. Eis que já volto a Vós; Vós me acolheis e abraçais como a um filho. Agradeço-Vos, bondade infinita. Mas socorrei-me agora: não consintais que Vos expulse ainda de meu coração.

O inferno não deixará de me tentar, mas Vós sois mais poderoso que o inferno. Sei que nunca mais me separarei de Vós, se eu sempre me recomendar a Vós. Eis, pois, a graça que me haveis de fazer, a de sempre me recomendar a Vós e de Vos suplicar como o faço agora. Assisti-me, Senhor, dai-me luz, dai-me força, dai-me a perseverança, dai-me o vosso paraíso; mas concedei-me sobretudo o vosso amor, que é o verdadeiro paraíso das almas. Amo-Vos, bondade infinita, e quero sempre amar-Vos. Ó Pai Eterno, atendei-me pelo amor de Jesus Cristo. — Ó Maria, vós sois o refúgio dos pecadores, socorrei um pobre pecador que quer amar o vosso Deus.

Referências:

(1) Ez 13, 19
(2) Is 40, 25
(3) 3 Rs 12, 28
(4) Is 1, 2
(5) Is 62, 3

 Terça-feira da Trigésima Primeira Semana do Tempo Comum

Fins da Oração Mental

“Quem reza se salva, quem não reza se condena” (Santo Afonso)

In meditatione mea exardescet ignis – “Na minha meditação se acenderá o fogo” (Sl 38, 4)

Sumário. Para fazer bem a oração mental e tirar proveito dela, é preciso conhecer os seus fins, que são principalmente três: primeiro, a união mais íntima com Deus; segundo, a obtenção das graças necessárias; terceiro, o conhecimento da Santíssima vontade de Deus e a força para executá-la plenamente. Enganam-se, pois, aqueles que deixam de fazer meditação, porque nela não acham consolações ou doçuras. Lembremo-nos bem, que o que não faz oração mental, dificilmente perseverará na graça de Deus e dificilmente se salva.

I. Para que façamos bem a oração mental e tiremos dela grande fruto para a alma, devemos fixar o fim pelo qual a queiramos fazer. Primeiro, devemos fazer oração para nos unir mais a Deus. O que nos une a Deus, não são tanto os bons pensamentos do espírito, como os atos da vontade, os santos afetos. E são estes afetos que se excitam na meditação: como sejam os afetos de humildade, de confiança, de desapego, de resignação e, sobretudo, os de amor e de arrependimento dos próprios pecados. Os atos de amor, diz Santa Teresa, conservam aceso no coração o fogo do santo amor.

Em segundo lugar, devemos fazer a meditação a fim de alcançarmos de Deus as graças necessárias para progredir no caminho da salvação e especialmente a fim de alcançarmos a luz divina para evitar os pecados e empregar os meios que nos conduzem à perfeição. O grande fruto da oração é excitar-nos a rogar graças, visto que, de ordinário, Deus não concede as graças senão ao que as pedir. Escreve São Gregório: Deus quer ser rogado, quer ser constrangido, quer ser vencido pela importunação. Notemos estas palavras: Vult quadam importunitate vinci — “Quer ser vencido pela importunação”. Para obtermos certas graças mais importantes, às vezes não será bastante que as peçamos; deveremos insistir, e com nossos pedidos obrigar Deus a no-las conceder. Verdade é que em todo tempo o Senhor está pronto para nos atender; mas no tempo da meditação, quando estamos mais recolhidos a Deus, Ele nos concede auxílio com mais liberalidade.

O que sobretudo devemos pedir na oração é a perseverança e o santo amor. A perseverança não é uma única graça, senão uma corrente de graças, à qual deve corresponder a corrente de nossas orações. Se deixarmos de rezar, Deus deixará de nos dar o seu auxílio e assim nos perderemos. O que não medita, dificilmente perseverará na graça de Deus até à morte. — Devemos rezar e rezar muito, para obtermos de Deus o seu divino amor. Dizia São Francisco de Sales que o santo amor traz unidas consigo todas as virtudes: Venerunt autem mihi omnia bona pariter cum illa (1) — “Juntamente com ela vieram-me todos os bens”.

II. A oração não é senão um colóquio entre Deus e a alma. Esta lhe manifesta os seus afetos, os seus desejos, os seus temores, os seus pedidos; e Deus lhe fala ao coração, fazendo-lhe conhecer a sua bondade, o amor que lhe tem e o que a alma deve fazer para lhe agradar. D´onde resulta que não devemos ir à meditação para nela gozarmos consolações espirituais, mas principalmente para conhecermos o que Deus quer de nós. Digamos a Deus com Samuel: Loquere, Domine, quia audit servus tuus (2) — “Senhor, fazei-me conhecer o que quereis de mim, que eu quero fazê-lo”.

Alguns perseveram na oração, enquanto durem as consolações; mas, cessando estas, deixam a oração. Enganam-se, pois, saibamos bem, que em regra geral as almas santas sofrem aridez. Por isso escreve Santa Teresa:

“O Senhor experimenta os que o amam com aridez e tentações. Mas por mais que dure a aridez, não deixe a alma de fazer oração; tempo virá em que tudo lhe será pago com abundância.”

— O tempo de aridez é, portanto, o tempo de maior lucro. Humilhemo-nos e resignemo-nos; porque tal oração nos trará mais fruto do que qualquer outra. Se não pudermos fazer mais, basta que repitamos então:

† Meu Jesus, misericórdia!

Senhor, ajudai-me tende piedade de mim, não me abandoneis. Recorramos também à nossa consoladora, Maria Santíssima. Bem-aventurado o que não deixa a oração no tempo de desolação! Deus o encherá de graças.

Ah, meu Deus! Como posso pretender ser consolado por Vós, eu que mereci estar no inferno, separado de Vós para sempre e sem esperança de Vos poder ainda amar? Não me queixo, pois, meu Senhor, de que me privais das vossas consolações; não as mereço nem as exijo. Contento-me em saber que não repelis a alma que Vos ama. Não me priveis de vosso amor e depois tratai-me como quiserdes. Se é vossa vontade que até minha morte e por toda a eternidade eu esteja em aflição e desolação, fico satisfeito. Basta que deveras Vos possa dizer: Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas.

— Maria, Mãe de Deus, tende piedade de mim!

Referências:

(1) Sb 7, 11
(2) 1 Rs 3, 10

 Quarta-feira da Trigésima Primeira Semana do Tempo Comum

O Grande Segredo da Morte

O mors, bonum est iudicium tuum homini indigenti – “Ó morte, é bom o teu juízo para o homem necessitado” (Eclo 41, 3)

Sumário. Durante a vida, as paixões fazem que os bens terrestres pareçam de modo muito diferente do que são; a morte, porém, mostra-os na sua verdade: fumaça, lodo e miséria. Meu Deus! Para que servirão as riquezas, quando não nos restar senão uma simples mortalha? Para que servirão honras e dignidades, quando não tivermos nada senão um cortejo fúnebre? Para que servirá a beleza do corpo, quando nada mais nos ficar senão vermes e podridão? Que grande segredo é o da morte! Como seria bem regrada a nossa vida se o soubéssemos aproveitar bem!

I. Oh, quantas pessoas podem repetir a palavra do rei Ezequias: Praecisa est velut a texente vita mea (1) — “A minha vida foi cortada como por um tecelão”. Apenas estão urdindo a tela, isto é, planejando e executando os seus projetos terrestres, combinados com tanta prudência, senão quando vem a morte e põe fim a tudo! Então, ao clarão do último facho, todas as coisas do mundo desaparecem: aplausos, regozijos, pompas e grandezas. — Grande segredo o da morte! Ela nos faz ver o que não veem os amantes do mundo. As fortunas mais cobiçadas, os postos mais eminentes, os triunfos mais magníficos, perdem todo o brilho, quando considerados no leito da morte. Convertem-se então em indignação contra a nossa própria loucura as ideias que tínhamos formado acerca de certas felicidades ilusórias. A sombra negra e sinistra da morte encobre e obscurece todas as dignidades, sem excetuar as dos reis.

Durante a vida, as paixões fazem que os bens terrestres pareçam muito diferentes do que são; a morte tira-lhes a máscara e mostra o que são na verdade: fumaça, lodo, vaidade e miséria. — Meu Deus, para que servirão na hora da morte riquezas, título, reinos, quando nada nos restar senão um esquife de madeira e uma simples mortalha para nos cobrir o corpo? Para que servirão as dignidades e as honras, quando nada mais tivermos senão um cortejo fúnebre e pomposas exéquias, que de nada valerão à alma, se esta estiver perdida? Para que servirá a beleza do corpo, quando, ainda antes de morrer, se tornar em vermes, podridão e pouco depois em um punhado de pó infecto?

Posuit me quasi in proverbium vulgi, et exemplum sum coram eis (2) — “Ele me reduziu a ser como um provérbio do povo, e estou feito diante deles um exemplo”. — Morre tal ricaço, tal ministro, tal general e sua morte será apregoada por toda a parte; mas se viveu mal, tornar-se-á alvo dos ataques do povo; e como prova da vaidade do mundo e também da divina justiça, servirá para exemplo dos outros. – Na cova estará confundido entre os cadáveres dos pobres: Parvus et magnus ibi sunt (3) — “O pequeno e o grande ali estão”. Que lhe valeu a bela estatura do corpo, agora que não é senão um montão de vermes? Que lhe valeu a autoridade que possuía, agora que seu corpo está condenado a apodrecer numa vala e sua alma a arder no inferno?

II. Se quisermos dirigir bem as nossas ações e avaliar bem as coisas deste mundo, avaliemo-las como no leito de morte. Tempus breve est (4). O tempo é breve, diz o Apóstolo; tudo passa e acaba depressa. Por isso, imaginando cada dia que estamos próximos da morte, apressemo-nos a fazer o que então quiséramos ter feito. Quem sabe se a morte não nos virá surpreender de improviso? — Oh, que miséria! Vivermos apegados aos bens transitórios e descuidarmo-nos dos eternos! Que insensatez! Servirmos aos outros de assunto para reflexões úteis e não as termos feito para nosso próprio proveito!

Persuadamo-nos de que, para remediar as desordens da consciência, não é próprio o tempo da morte, mas sim o da vida. A razão nô-lo persuade; porquanto um homem mundano achar-se-á então fraco de espírito, escurecido e endurecido de coração, pelos maus hábitos adquiridos e as tentações serão mais veementes. O que em vida costumava ceder-lhes e deixar-se vencer, como lhes resistirá na morte? Seria mister uma graça divina mais poderosa, e será porventura Deus obrigado a concedê-la? Ou tê-la-á merecido o homem pela vida desregrada que levou?

Ó Deus de minha alma, ó bondade infinita, tende piedade de mim, que tanto Vos tenho ofendido. Sabia que, pecando, perdia a vossa graça e quis perdê-la. Dizei-me: que tenho eu a fazer para a recuperar? Se quereis que me arrependa dos meus pecados, eu me arrependo de todo o coração e quisera morrer de dor. Se quereis que espere o perdão de vossa misericórdia, eu o espero pelos merecimentos de vosso Sangue. Se quereis que Vos ame sobre todas as coisas, tudo deixo, renuncio a todas as doçuras e vantagens que me pode oferecer o mundo e amo-Vos mais que a todos os bens, ó meu Salvador amabilíssimo. Se quereis, enfim, que Vos peça graças, eu Vos peço duas: não permitais que ainda torne a ofender-Vos, fazei que Vos ame e depois disponde de mim segundo a vossa vontade.

— Maria, minha esperança, alcançai-me estas duas graças; é de vós que as espero.

Referências:

(1) Is 38, 12
(2) Jó 17, 6
(3) Jó 3, 19
(4) 1 Cor 7, 29

 Quinta-feira da Trigésima Primeira Semana do Tempo Comum

Felicidade dos religiosos em morarem junto com Jesus no Santíssimo Sacramento

Beati qui habitant in domo tua, Domine; in saecula saeculorum laudabunt te – “Bem-aventurados, Senhor, os que moram em tua casa; pelos séculos te louvarão” (Sl 83, 5)

Sumário. Se os mundanos estimam tanto serem chamados pelos reis para habitarem nos seus palácios, quanto mais os religiosos devem estimar o habitarem continuamente com o Rei do céu em sua casa? Meu irmão, já estás morando muito tempo com Jesus Cristo debaixo do mesmo teto; mas que fruto tiraste até agora de sua presença?… Procura ao menos aproveitá-la para o futuro, demorando-te o mais possível a seus pés, expandindo ali os teus afetos, as tuas aflições, os teus desejos de amá-Lo de todo o coração e de O contemplar um dia no céu.

I. A Venerável Madre Maria de Jesus, fundadora de um instituto em Tolosa, dizia que por dois grandes motivos estimava a sua felicidade de ser religiosa: o primeiro, porque os religiosos são todos de Deus pelo voto de obediência; segundo, porque os religiosos têm a ventura de habitar sempre com Jesus sacramentado. — E na verdade, se os mundanos estimam tanto serem chamados pelos reis para habitarem nos seus palácios, quanto mais os religiosos devem estimar o habitarem continuamente com o Rei do céu na sua casa?

Nas casas religiosas, Jesus se deixa ficar na igreja expressamente para eles, a fim de que O achem a toda hora. Os seculares podem ir visitá-Lo apenas de dia, e em muitas partes só de manhã; mas o religioso acha-O no sacrário sempre que O procure: de manhã, de dia e de noite. Aí pode entreter-se continuamente com seu Senhor, e aí Jesus se compraz em tratar familiarmente com seus amados servos, que Ele para este fim tirou do Egito, isto é, do mundo, para nesta vida lhes fazer companhia, escondido no Santíssimo Sacramento, e na outra, ser-lhes companheiro, mas então descoberto, no céu. A respeito de qualquer casa religiosa pode-se dizer:

“Ó beata solidão, em que Deus fala e trata familiarmente com os seus!” (1)

As almas que amam deveras a Jesus Cristo não sabem desejar na terra outro paraíso mais perfeito do que acharem-se na presença de seu Senhor sacramentado, que aí está por amor de quem O procura e visita. Non habet amaritudinem conversatio illius, nec taedium convictus illius (2) — “A sua conversação não tem nada de desagradável, nem a sua companhia nada de fastidioso”. Acha fastio junto de Jesus quem não O ama; mas uma alma que nesta terra pôs o seu amor só em Jesus, acha no Santíssimo Sacramento todo o seu tesouro, o seu repouso, o seu paraíso. Por isso, só pensa em fazer corte a seu Jesus sacramentado e em visitá-Lo o mais que puder, expandindo ao pé do altar os seus afetos, as suas aflições, os seus desejos de amá-Lo e de vê-Lo um dia face a face no paraíso e entretanto cumprir em tudo a sua vontade.

II. Eis-me aqui na vossa presença, ó meu Jesus sacramentado. Vós sois aquele que um dia Vos sacrificastes por mim na cruz. Vós sois aquele que tanto me amais e por isso residis encerrado neste cárcere de amor. De entre tantos que menos do que eu Vos tinham ofendido e mais do que eu Vos amavam, me escolhestes, por vossa bondade, para Vos fazer companhia nesta casa, onde, depois de me arrancardes do meio do mundo, me destinastes a viver sempre unido convosco, para me conservardes depois junto de vosso trono a louvar-Vos e amar-Vos no reino eterno. Senhor, eu Vos agradeço. Como podia merecer tamanha ventura?

Elegi abiectus esse in domo Deis mei, magis quam habitare in tabernaculis peccatorum (3) — “Preferi estar aviltado na casa de meu Deus, a morar nas tendas dos pecadores”. Sim, contente estou, meu Jesus, por ter deixado o mundo e antes quero fazer na vossa casa o oficio mais humilde, do que morar nos mais soberbos palácios dos homens. Aceitai-me, pois, meu Senhor, para ficar convosco toda a minha vida; não me expulseis, como eu merecia. Consenti que no meio de tantos bons irmãos que Vos servem nesta casa Vos sirva também eu mísero pecador. Muitos anos vivi longe de Vós: mas já que me iluminastes para conhecer a vaidade do mundo e a minha insensatez, não me quero mais afastar de Vós, ó meu Jesus. A vossa presença me animará no combate quando for tentado: a vossa proximidade me recordará a obrigação que tenho de Vos amar e de recorrer sempre a Vós nos meus combates contra o inferno. Por isso sempre quero estar perto de Vós, para cada vez mais me unir e abraçar-me convosco.

Amo-Vos, ó meu Deus, escondido neste Sacramento. Vós, por meu amor, estais continuamente neste altar; por vosso amor quero ficar o mais possível na vossa presença. Vós, aqui encerrado, estais-me sempre amando; eu também aqui encerrado quero amar-Vos sempre. Assim, meu Jesus, meu amor, meu tudo, estaremos sempre juntos, no tempo nesta casa, na eternidade no céu. Assim espero, assim seja.

— Maria Santíssima, obtende-me um grande amor ao Santíssimo Sacramento.

Referências:

(1) S. Hieron.
(2) Sb 8, 16
(3) Sl 83, 11

 Sexta-feira da Trigésima Primeira Semana do Tempo Comum

Quinta palavra de Jesus Cristo na Cruz

Sciens Jesus quia omnia consummata sunt, ut consummaretur Scriptura, dixit: Sitio – “Sabendo Jesus que tudo estava cumprido, para se cumprir ainda a escritura, disse: Tenho sede” (Jo 19, 28)

Sumário. É dupla a sede que sofre Jesus moribundo: a sede corporal, causada pelo cansaço das caminhadas, pela tristeza interior e pelo muito sangue derramado. Outra sede espiritual, isso é, o desejo da salvação eterna de todos os homens, que O faz anelar maiores tormentos, se for preciso. Ah! Se nos lembrássemos sempre desta dúplice sede do Senhor, não procuraríamos delicadezas supérfluas e esforçar-nos-íamos por reconduzir as almas a Deus. Longe de nos queixarmos das tribulações, desejá-las-íamos maiores por amor de Jesus Cristo.

I. Quando Jesus estava próximo à morte, disse: Tenho sede — Sitio, a fim de nos manifestar a grande sede corporal que experimentava, quer pelo cansaço causado pelas muitas caminhadas, quer pela tristeza interior, mas principalmente pelo muito sangue derramado no horto, na flagelação, na coroação de espinhos e finalmente sobre a cruz, onde corria abundantemente das chagas das mãos e dos pés, como de quatro fontes. — Jesus Cristo quis padecer este tormento pungentíssimo para que compreendamos quão caro lhe custaram a nossa gulodice e intemperança, causadoras de tantas queixas e murmurações nas famílias e nas comunidades sob pretexto de saúde e de necessidade.

Mais do que pela sede corporal foi Nosso Senhor aflito atormentado por uma sede espiritual, nascida, como escreve São Lourenço Justiniani, da fonte do amor: Sitis haec de amoris fonte nascitur. Com efeito, porque é que Jesus, que não faz menção das outras penas imensas padecidas sobre a cruz, se queixa unicamente da sede? Ah, exclama Santo Agostinho, a sede de Jesus Cristo é o desejo de nossa salvação. Jesus, assim acrescenta São Gregório, ama as nossas almas com excesso de amor e por isso almeja que tenhamos sede dele: Sitit sitiri Deus.

São Basílio dá mais outra explicação e diz que Jesus Cristo manifesta a sua sede para nos dar a entender que pelo amor que nos tem, morria com o desejo de padecer por nós, mais ainda do que tinha padecido: O desiderium Passione maius! Meu irmão, lembremo-nos muitas vezes da dúplice sede de Jesus Cristo. Então não procuraremos mais as delicadezas supérfluas e nos esforçaremos por reconduzir as almas ao seio paternal de Deus; em vez de nos lamentarmos das cruzes que Ele nos envia, aceitá-las-emos com resignação e com desejo de carregarmos por seu amor outras cruzes mais pesadas.

II. Qual foi o alívio que os judeus deram à sede ardente do Redentor? Somente aquele que Davi predissera tanto tempo antes: Dederunt in escam meam fel, et in siti mea potaverunt me aceto (1) — “Deram-me na minha comida fel e na minha sede me propinaram vinagre”. Ó barbaridade inaudita! Exclama São Lourenço Justiniani, ó crueldade sem limites Para apagar a sede a um pobre moribundo, dá-se vinagre misturado com fel! E o povo que trata assim Nosso Senhor é o mesmo que por Ele foi tantas vezes beneficiado com água milagrosa!

Mas de igual maneira e com a mesma ingratidão apagam a dúplice sede de Jesus Cristo os cristãos que pecam por intemperança e que, em vez de reconduzirem as almas ao regaço paterno de Deus, as afastam d’Ele pelos seus maus exemplos. Se no passado nós também temos sido do número de tais ingratos, peçamos perdão ao Senhor e roguemos-Lhe nos dê a graça de O amarmos mais fervorosamente para o futuro.

Ah, meu Senhor, Vós tendes sede de mim, verme desprezível, e eu não terei sede de Vós, meu Deus infinito? — Suplico-Vos pela sede que padecestes sobre a cruz, dai-me uma grande sede de Vos amar e de Vos agradar em tudo! Prometestes dar-nos tudo quanto Vos pedirmos: Petite et accipietis (2). Eis o único favor que Vos peço: o dom de vosso amor. Reconheço minha indignidade, mas a glória de vosso Sangue seja o fazer-Vos amar por um coração que Vos tem desprezado tanto tempo; o abrasar no fogo do amor a um pecador todo cheio de lodo do pecado. Mais do que isto é o que fizestes morrendo por mim.

Ó Senhor infinitamente bom, quisera amar-Vos tanto quanto mereceis. Comprazo-me no amor que Vos têm as almas, vossas diletas, e mais no amor que tendes a Vós mesmo; com ele uno o meu amor miserável. — Amo-Vos, ó Deus eterno, amo-Vos, ó amabilidade infinita. Fazei que eu cresça sempre mais em vosso amor, multiplicando os atos de amor e procurando agradar-Vos em todas as coisas, sem interrupção e sem reserva. Fazei com que, miserável e vil como sou, seja ao menos todo vosso.

— Maria, minha Mãe, intercedei por mim. Fazei-o pela Paixão de vosso divino Filho.

Referências:

(1) Sl 68, 22
(2) Jo 16, 24

 Sábado da Trigésima Primeira Semana do Tempo Comum

Necessidade que temos da intercessão de Maria Santíssima para nossa salvação

Gens et regnum, quod non servierit tibi, peribit – ““A gente e o reino que te não servir, perecerá” (Is 60, 12)

Sumário. Para a salvação, a graça divina é indispensável. Verdade é que esta graça nos foi merecida por Jesus Cristo, o Medianeiro de justiça; mas a dispensadora da graça é Maria Santíssima, por ser Mãe de Deus. É por isso que o demônio tanto esforço faz para arrancar da alma a devoção à Santa Virgem. O espírito maligno sabe que obstruído este canal de graças, tudo está perdido. Examinemo-nos, pois, se temos devoção verdadeira à divina Mãe e, descobrindo que nos temos relaxado, retomemos o nosso primeiro fervor.

I. Que a prática de invocar aos Santos, a fim de nos alcançarem a divina graça, seja não somente lícita, mas também útil, é um ponto da fé. Entre os Santos, porém, que são amigos de Deus, e a Santíssima Virgem, que é sua verdadeira Mãe, há esta diferença, que a intercessão de Maria não é só utilíssima, mas também moralmente necessária, de modo que o Bem-aventurado Alberto Magno e São Boaventura chegam a afirmar que todos os que se descuidam da devoção a Nossa Senhora, não a servem, e consequentemente não são por ela protegidos, morrerão todos em pecado mortal e se condenarão:

“A gente que te não servir, perecerá”.

É esta, diz Soares, a opinião universal da Igreja.(1)

E com razão; porquanto, não sendo nós capazes de conceber um só bom pensamento em ordem à vida eterna, a graça divina nos é indispensável para a salvação. Verdade é que só Jesus Cristo nos mereceu esta graça, por ser Medianeiro de justiça. Mas, para nos inspirar mais confiança de obtermos a graça, e ao mesmo tempo para exaltar sua Mãe Santíssima, Jesus a depositou nas mãos de Maria, e, constituindo-a medianeira de graça, decretou que nenhuma graça fosse dispensada aos homens sem que passasse pelas mãos de Maria.

Numa palavra, diz São Bernardo, Deus constituiu Nossa Senhora como que um aqueduto dos bens celestes que descem à terra e determinou que por meio de Maria recebamos o Salvador que por seu intermédio nos foi dado na encarnação. Vede, pois, conclui o Santo, vede, ó homens, com que afeto de devoção quer o Senhor que honremos à nossa Rainha, refugiando-nos sempre a ela e confiando em seu patrocínio!

II. Assim como Holofernes, para conquistar a cidade de Betúlia, ordenou que se cortassem os aquedutos, também o demônio faz quanto pode, a fim de que as almas percam a devoção à Mãe de Deus. Pela experiência, o espírito maligno sabe que, tapado este canal das graças, depois fácil ou, antes, certamente consegue conquistá-las. Quantos cristãos estão agora no inferno por se terem deixado iludir assim. — Nós, portanto, demos graças à divina Mãe, por nos ter tomado debaixo de seu santíssimo manto, como nô-lo garantem as graças recebidas pela sua intercessão. Ao mesmo tempo, porém, examinemos se por ventura estamos resfriados na sua devoção e renovemos nosso propósito de sermos para o futuro mais constantes.

Sim, eu vos dou graças, ó minha Mãe amorosíssima, por todos os bens que tendes feito a este desgraçado réu do inferno. Ó minha Rainha, de quantos perigos me tendes livrado! Quantas luzes e quantas misericórdias me tendes alcançado de Deus! Que grande bem, ou que grande honra recebestes de mim para vos empenhardes tanto a meu favor? Foi só a vossa bondade que a isso vos moveu. Ah! Se eu pudesse dar por vosso amor o sangue e a vida, ainda seria pouco, à vista da obrigação que vos devo, pois que me livrastes da morte eterna e me fizestes recuperar, como espero, a graça divina; a vós sou devedor de toda a minha felicidade.

Senhora minha amabilíssima, eu, miserável, não tenho que vos dar senão os meus louvores e o meu amor. Ah, não desprezeis o afeto de um pobre pecador, abrasado em amor pela vossa bondade. Se o meu coração é indigno de vos amar, por estar imundo e cheio de afetos terrestres, vós o podeis mudar: mudai-o, pois. — Ah, minha Senhora prendei-me a meu Deus e prendei-me de tal modo que nunca mais possa separar-me de seu amor. Vós quereis que eu ame o vosso Deus; e eu quero que me alcanceis este amor; fazei que o ame sempre e nada mais deseje.

Referências:

(1) Tom. 2 in 3 p., disp. 23, sect. 3.
11ª parte

 Trigésima Segunda Semana do Tempo Comum

(Vigésima Terceira Semana depois de Pentecostes)

Domingo: O tributo de Cesar e a obrigação de amar a Deus

Segunda-feira: Remorso do condenado por causa do bem que perdeu

Terça-feira: Em que consiste a felicidade dos bem-aventurados no céu

Quarta-feira: Para a Salvação é necessário o sacrifício da vontade própria

Quinta-feira: O que tenha de fazer a alma na presença de Jesus no Santíssimo Sacramento

Sexta-feira: Sexta palavra de Jesus Cristo na Cruz

Sábado: Maria Santíssima, modelo de Oração

 Trigésimo Segundo Domingo do Tempo Comum

O tributo de Cesar e a obrigação de amar a Deus

Reddite quae sunt Caesaris Caesari, et quae sunt Dei Deo – “Dai a Cesar o que é de Cesar, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22, 21)

Sumário. Para convencer os fariseus da obrigação de pagarem tributo a Cesar, o divino Redentor mostrou-lhes a imagem estampada na moeda com que costumavam pagar o tributo. Lancemos nós também um olhar sobre nós mesmos: consideremos que fomos criados por Deus à sua imagem e semelhança; lembremo-nos mais que no santo batismo nos foi impresso o caráter indelével de discípulos de Jesus Cristo, e facilmente chegaremos a esta bela conclusão: Dai a Deus o que é de Deus.

I. É esta a bela resposta que no Evangelho de hoje Jesus Cristo dá aos fariseus, que, com o intuito maligno de o apanharem em suas palavras, o interrogavam sobre se era ou não lícito pagar o tributo: “Dai a Cesar o que é de Cesar, e a Deus o que é de Deus“. Por estas palavras quer ensinar-nos que devemos dar aos homens o que ele o quer todo para si.

Isto é de inteira justiça, porque o Senhor não é somente a primeira Verdade, mas além disso o supremo Bem. Como portanto o nosso entendimento paga a Deus, como à primeira Verdade, o tributo de submissão pela fé, crendo sobre a palavra de Deus coisas que não compreende; assim a nossa vontade deve pagar a Deus, como ao Bem supremo, um tributo de afeto, “amando-o com todo o coração, com toda a alma e com todas as forças” (1). Tanto mais que é unicamente para cativar o nosso amor que Jesus se fez homem, nos remiu com o seu preciosíssimo sangue e morreu sobre a cruz nos mais atrozes tormentos.

Ó meu lastimoso Redentor! Quantos são os que Vos amam? Vejo a maior parte dos homens ocupados em amarem, uns os parentes, outros os amigos, outros até os animais; mas Jesus não é amado; ao contrário, é ofendido e pago com a mais negra ingratidão. – Meu irmão, quero crer que te achas em estado de graça e por isso quero crer que amas Jesus Cristo. Podes, porém, dizer que o amas de todo o teu coração?… És porventura um daqueles que, levando vida tíbia, nutrem a ilusão de poderem servir ao mesmo tempo a dois senhores inteiramente opostos, como são Deus e o mundo? – Ah! Lembra-te, assim te direi com São Felipe Neri, que todo o amor que consagramos às criaturas é roubado de Deus; se não cuidarmos em séria emenda, acabaremos cedo ou tarde por o roubarmos todo.

II. Observa o Evangelho que, para convencer os fariseus da necessidade de pagar o tributo, Jesus se fez mostrar a moeda do tributo, e referindo-se a ela, disse:

“De quem é esta imagem e inscrição”

E tendo eles respondido: “É de Cesar“, o Senhor logo acrescentou: “Dai, pois, a Cesar o que é de Cesar“. Como se dissesse: Já que do imperador recebestes a moeda, justo é que lh’a restituais pagando o tributo.

É o que tu também deves fazer para que mais facilmente te resolvas a pagar teu tributo a Deus. Pergunta muitas vezes a ti mesmo: Cuius est haec imago et superscriptio? – “De quem é esta imagem e inscrição?”. Quer dizer: Põe-te a considerar que foste criado por Deus à sua imagem e semelhança e para o único fim de o amares; considera mais que no santo Batismo te foi impresso o caráter indelével de discípulo de Cristo; e logo chegarás à conclusão que deves dar a Deus o que é de Deus: Reddite ergo quae sunt Dei, Deo.

Ó meu Senhor, visto que me quereis todo para Vós, eis que me dou a Vós todo inteiro, sem reserva. Não quero que outro qualquer me roube uma parte deste coração que Vos criastes só para Vós, ó bondade infinita, digna de amor infinito. O meu coração é muito pequeno para Vos amar tanto como mereceis. Que injustiça, pois, não Vos faria, se o quisesse dividir para amar outra coisa que não seja Vós? Não, meu Jesus amabilíssimo, só a Vós quero amar, e nesta vida e na outra nada desejo senão o tesouro de vosso amor, ó Deus de meu coração e minha herança para sempre (2).

Não desprezeis o amor de um pecador que outrora Vos ofendeu; abrasai sempre mais em mim as felizes chamas do amor, e sede em toda ocorrência o meu refúgio e a minha força.

– “Ó Pai Eterno, pelo amor de Jesus Cristo atendei-me, pois que sois o mesmo autor da piedade, e fazei que eficazmente consiga o que Vos peço com viva confiança” (3).

† Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

Referências:

(1) Dt 6, 5
(2) Sl 15, 5
(3) Or. Dom. curr.

 Segunda-feira da Trigésima Segunda Semana do Tempo Comum

Remorso do condenado por causa do bem que perdeu

Perditio tua, Israel; tantummodo in me auxilium tuum – “A tua perdição, ó Israel, toda vem de ti; só em mim está o teu auxílio” (Os 13, 9)

Sumário. O que mais atormenta o réprobo no inferno é o ver que perdeu o céu e o Bem supremo, que é Deus; e perdeu-O não por qualquer acidente ou por malevolência d´outrem, mas por sua própria culpa. Meu irmão, se no passado nós também tivemos a insensatez de renunciar por malícia própria ao paraíso, remediemo-lo enquanto houver tempo, antes que tenhamos de chorar eternamente a nossa desgraça. Talvez seja este o último apelo que Deus nos dirige.

I. O tormento mais feroz do réprobo será reconhecer o grande bem que perdeu. Segundo São João Crisóstomo, os réprobos sentirão mais aflição pela perda do paraíso que pelos tormentos do inferno: Plus coelo torquentur, quam gehenna. — Refere-se que a infeliz Isabel, rainha de Inglaterra, disse:

“Conceda-me Deus quarenta anos de reinado e renuncio ao paraíso.”

Teve a infeliz esses quarenta anos de reinado; mas que dirá agora, que a sua alma saiu deste mundo? Sem dúvida já não pensa da mesma forma. Como não deve estar aflita e desesperada, ao pensar que, por quarenta anos de reinado, passados em temores e angústias, perdeu para sempre o reino celestial?

Mas, o que por toda a eternidade afligirá mais o réprobo será reconhecer que perdeu o céu e o soberano bem que é Deus, e que o perdeu não por algum mau acidente, nem pela malevolência d´outrem, mas por sua própria culpa. Verá que foi criado para o paraíso, verá que Deus lhe pôs na mão a escolha entre a vida e a morte eterna: Ante hominem vita et mors… quod placuerit ei dabitur illi (1). Verá, pois, que esteve na sua mão, se quisera, o tornar-se eternamente feliz. Mas verá igualmente que de seu motuproprio se quis precipitar nesse abismo de suplícios, de onde nunca poderá sair e de onde ninguém o procurará livrar.

Verá então o miserável que muitas pessoas de seu conhecimento, que passaram pelos mesmos, quiçá por maiores perigos de pecar, chegaram à salvação, ou porque se souberam conter recomendando-se a Deus, ou, se caíram, souberam levantar-se a tempo e dar-se a Deus. Ele, porém, por não ter querido pôr um termo a suas desordens, veio a acabar tão deploravelmente no inferno, nesse mar de tormentos, sem esperança de poder remediar a sua desgraça. Oh, que cruel remorso! Oh, que desespero lancinante!

II. Meu irmão, se no passado foste tão insensato para querer sacrificar o paraíso e Deus a uma indigna satisfação, procura quanto antes aplicar o remédio, agora que ainda é tempo. Não sejas obstinado em teu desvairamento. Receia ir chorar um dia a tua desgraça na eternidade.

— Quem sabe se a presente consideração não será o último apelo que Deus te dirige? Se desde já não mudares de vida, quem sabe se no primeiro pecado mortal que venhas a cometer, o Senhor não te abandonará para te condenar em seguida a sofrer eternamente entre essa multidão de insensatos, que estão agora no inferno e lá confessam seu erro, mas confessam-no desesperados, vendo que a sua desgraça é irremediável. Quando o demônio te tentar de novo ao pecado, lembra-te do inferno e recorre a Deus e à Santíssima Virgem. O pensamento do inferno te livrará do inferno: Memorare novissima tua, et in aeternum non peccabis (2) — “Lembra-te de teus novíssimos e nunca jamais pecarás”.

Ah! Meu Bem supremo, quantas vezes Vos perdi por um nada e quantas vezes mereci perder-Vos para sempre! Tranquiliza-me, porém, a palavra de vosso Profeta: Laetetur cor quaerentium Dominum (3) — “Alegre-se o coração dos que buscam o Senhor”. Não devo, pois, perder a esperança de Vos tornar a encontrar, ó meu Deus, se Vos procurar com coração sincero. Ó Senhor, neste momento suspiro mais pela vossa graça que por qualquer outro bem. Consinto em ser privado de tudo, até da vida, mas não em ver-me privado de vosso amor. Amo-Vos, ó Jesus meu Deus, sobre todas as coisas e por isso que Vos amo me arrependo de Vos ter ofendido.

Ó meu Deus, perdido por mim e desprezado, perdoai-me já e fazei que Vos encontre sem demora, porque nunca mais Vos quero perder. Se me receberdes novamente em vosso amor, quero renunciar a tudo e amar só a Vós: assim o espero de vossa misericórdia. — Padre Eterno, atendei-me pelo amor de Jesus Cristo. Perdoai-me e concedei-me a graça de nunca mais me separar de Vós, porque, se viesse a perder-Vos de novo por própria culpa, devia com razão recear que me abandonásseis.

— Ó Maria, ó reconciliadora dos pecadores, reconciliai-me com Deus. Guardai-me debaixo de vossa proteção, a fim de que nunca mais chegue a perder meu Deus.

Referências:

(1) Eclo 15, 18
(2) Eclo 7, 40
(3) Sl 140, 3

 Terça-feira da Trigésima Segunda Semana do Tempo Comum

Em que consiste a felicidade dos bem-aventurados no céu

Intra in gaudium Domini tui – “Entra no gozo de teu Senhor” (Mt 25, 21)

Sumário. Os bem-aventurados contemplando a Deus face a face e conhecendo as suas infinitas perfeições, amam-No imensamente mais que a si próprios e não desejam outra coisa senão verem-No feliz. Sabendo, além disso, que o seu Senhor goza e gozará eternamente uma felicidade infinita, acham nisto a sua complacência e o seu gozo e é este gozo de Deus que constitui o seu verdadeiro paraíso. Habituemo-nos a fazer muitas vezes atos de amor perfeito a Deus, alegremo-nos com o Senhor pela sua felicidade infinita, e assim começaremos a exercer na terra o ofício dos bem-aventurados no céu.

I. Vejamos o que seja que torna os santos moradores do céu plenamente felizes. A alma do Bem-aventurado, vendo Deus face a face e conhecendo a sua beleza infinita e todas as perfeições que o fazem digno de amor infinito, não pode deixar de O amar com todas as forças e ama-O mais que a si mesma. Mas esquecendo-se de si própria, o seu único pensamento e desejo é ver contente e feliz o seu Deus. Vendo, pois, que Deus único objeto de todos os seus afetos, goza de uma beatitude infinita, esta beatitude de Deus é que constitui o seu paraíso. — Se em um Bem-aventurado pudessem caber coisas infinitas, a vista da beatitude infinita de seu Amado lhe causaria igual beatitude infinita. Mas porque um gozo infinito não pode caber na criatura, fica ao menos tão repleta de alegria que nada mais deseja. É esta a saciedade pela qual suspirava Davi, quando disse: Satiabor, cum apparuerit gloria tua (1) — “Saciar-me-ei, quando aparecer a tua glória”.

Assim se realizará o que Deus diz à alma, dando-lhe posse do paraíso:

“Entra no gozo de teu Senhor.”

Não diz ao gozo que entre na alma, porque, sendo infinito, não cabe numa criatura. Diz que a alma entre no gozo para participar dele, mas participar de tal forma que fica saciada e repleta. — Portanto entre os atos de amor de Deus, que se podem fazer na oração, não há ato mais perfeito do que o comprazer-se na felicidade infinita de que Deus está gozando. É este o exercício contínuo dos Bem aventurados no céu; de sorte que o que se compraz na felicidade de Deus, começa a fazer cá na terra o que espera fazer no céu por toda a eternidade.

É tão grande o amor para com Deus de que os Bem-aventurados no céu estão abrasados, que se jamais lhes viesse o medo de perderem a Deus ou de não O amarem com todas as forças, assim como O amam, tal temor lhes faria sofrer uma pena igual ao inferno. Mas não; eles estão certos, como o são da posse de Deus, que O amarão sempre com todas as forças e sempre serão amados de Deus e que esse amor recíproco não acabará mais nunca. Meu Deus, pelo amor de Jesus Cristo, fazei-me digno de tamanha ventura.

II. Santo Agostinho tinha razão quando disse que para se obter uma beatitude eterna, seria preciso um trabalho eterno. Para ganhar o paraíso é pouco o que fizeram os eremitas com suas penitências e orações, pouco o que fizeram os santos deixando parentes, riquezas e reinos; pouco o que padeceram os mártires nos cavaletes, nas coraças em brasa, pelas mortes mais cruéis.

Cuidemos ao menos em carregar com alegria as cruzes que Deus nos envia; porquanto, se viermos a nos salvar, todas elas se mudarão para nós em gozos eternos. Quando nos aflijam as enfermidades, as dores ou outras adversidades, levantemos os olhos ao céu e digamos: Um dia todas estas penas terminarão e depois espero gozar da posse de Deus para sempre. Animemo-nos a sofrer e a desprezar todas as coisas do mundo. Suportemos tudo e desprezemos as coisas criadas. Jesus está à nossa espera, tendo na mão a coroa para nos coroar reis do céu, se lhe formos fiéis.

Ó meu Jesus, como posso eu pretender à posse de tão grande bem? Eu que por umas satisfações miseráveis da terra renunciei abertamente ao paraíso e calquei aos pés a vossa amizade? Mas o vosso sangue anima-me a esperar o paraíso, depois de ter merecido tantas vezes o inferno. Sim, porque Vós quisestes morrer na cruz exatamente para dar o paraíso a quem não o merecia. Meu Redentor e meu Deus, não Vos quero mais perder, dai-me vossa graça para Vos ser fiel. Adveniat regnum tuum — “Venha a nós o vosso reino”; peço-Vos pelos merecimentos de vosso sangue que me deixeis entrar um dia em vosso reino. Enquanto não chegar a hora de minha morte, fazei que eu cumpra perfeitamente a vossa vontade; é nisso que consiste o maior bem e o paraíso de que nesta terra pode gozar o que Vos ama. Fiat voluntas tua —“Seja feita a vossa vontade”.

— A vós também, ó grande Mãe de Deus e minha Mãe, Maria, peço esta graça.

Referências:

(1) Sl 16, 15

 Quarta-feira da Trigésima Segunda Semana do Tempo Comum

Para a Salvação é necessário o sacrifício da vontade própria

Qui facit voluntatem Patris mei, qui in coelis est, ipse intrabit in regnum coelorum – “O que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse entrará no reino dos céus” (Mt 7, 10)

Sumário. O que faz a vontade de Deus, entrará no céu; o que não a faz, não entrará. Se portanto quisermos ser salvos, renunciemos à nossa vontade própria, e entregando-a sem reserva a Deus, digamos frequentes vezes cada dia: Senhor, ensinai-me a cumprir a vossa vontade santíssima; protesto não querer senão o que quereis Vós. Para que estejamos sempre dispostos a cumprir a vontade divina, é utilíssimo que desde de manhã nos representemos as contrariedades que nos possam suceder durante o dia.

I. O que faz a vontade de Deus, entrará no céu; o que não a faz, nele não entrará. Alguns fazem depender a sua salvação de certas devoções, de certas obras exteriores de piedade, e entretanto não cumprem a vontade de Deus. Jesus Cristo, porém, diz: “Não todos aqueles que me dizem: Senhor, Senhor, entrarão no reino dos céus; mas entrará somente o que faz a vontade de meu Pai” — Qui facit voluntatem Patris mei, qui in coelis est, intrabit in regnum coelorum.

Portanto, se nos quisermos salvar e chegar à união perfeita com Deus, habituemo-nos a rogar-lhe sempre com Davi: Doce me, domine, facere voluntatem tuam (1) — “Senhor, ensinai-nos a fazer a vossa santa vontade.” Ao mesmo tempo desfaçamo-nos da vontade própria e entreguemo-la toda inteira e sem reserva a Deus. — Quando damos a Deus os nossos bens pela esmola, o alimento pelo jejum, o sangue pela disciplina, damos-lhe a nossa própria pessoa. Eis porque o sacrifício da vontade própria é o sacrifício mais aceito que possamos fazer a Deus; e Deus enriquece de graças ao que o faz.

Porém, para que tal sacrifício seja perfeito, deve ter duas qualidades: deve ser feito sem reserva e constantemente. Alguns dão a Deus a sua vontade, mas com reserva, e semelhante dádiva pouco agrada a Deus. Outros dão a Deus a sua vontade, mas logo em seguida tornam a retomá-la, e estes se expõem a grande risco de serem abandonados de Deus. Por isso, todos os nossos esforços, desejos e orações devem ser dirigidos ao fim de obtermos de Deus a perseverança em não querermos senão o que Deus quer. Habituemo-nos a antever desde de manhã, no tempo da meditação, as tribulações que nos possam suceder no correr do dia e a fazermos continuamente atos de resignação à vontade Divina. Diz São Gregório: Minus iacula feriunt, quae praevidentur — “São menos dolorosas as feridas antevistas”.

II. Meu Jesus, cada vez que eu disser: Louvado seja Deus, ou Seja feita a vontade de Deus, tenho intenção de aceitar todas as vossas disposições a meu respeito, no tempo e na eternidade. — Só quero o emprego, a habitação, os vestuários, o nutrimento, a saúde que me tendes destinado. Se quereis que meus negócios não surtam feliz êxito, meus projetos se esvaeçam, meus processos se percam, tudo quanto possuo seja roubado, eu também o quero. Se quereis que eu seja desprezado, odiado, posposto aos outros, difamado e maltratado, até por aqueles a quem mais amo, eu também o quero. Se quereis que eu fique privado de tudo, banido de minha pátria, encerrado numa prisão e viva em penas e angústias contínuas, eu também o quero. Se quereis que esteja sempre enfermo, coberto de chagas, estropiado, estendido sobre um leito, abandonado de todos, eu também o quero; tudo seja como Vos agradar e por quanto tempo quiserdes.

Minha vida mesma ponho nas vossas mãos e aceito a morte que me destinais; aceito igualmente a morte de meus parentes e amigos e tudo o que quiserdes. Quero também tudo o que quereis no que diz respeito ao meu bem espiritual. Desejo Vos amar com todas as minhas forças nesta vida e ir Vos amar no paraíso como Vos amam os Serafins; mas contente fico com o que bem quiserdes conceder-me. Se não quereis dar-me senão um só grau de amor, graça e glória, não quero mais do que isto, porque Vós assim o quereis. Prefiro o cumprimento de vossa vontade a todos os bens.

Numa palavra, ó meu Deus, de mim e de tudo o que me pertence, disponde como for vossa vontade; com a minha não tenhais consideração alguma, pois só quero o que Vós quereis. Qualquer que seja o tratamento que me deis, amargo ou doce, agradável ou penoso, aceito-o e abraço-o, porque tanto um como outro me virá de vossa mão. — Aceito, meu Jesus, de maneira especial a morte que me espera e todas as penas que devem acompanhá-la, no lugar e momento que for vossa vontade. Unindo-as à vossa santa morte, ó meu Salvador, Vo-las ofereço em testemunho de meu amor a Vós. Quero morrer para Vos agradar e cumprir vossa divina vontade. — Ó Maria, Mãe de Deus, obtende-me a santa perseverança.

Referências:

(1) Sl 142, 10

 Quinta-feira da Trigésima Segunda Semana do Tempo Comum

O que tenha de fazer a alma na presença de Jesus no Santíssimo Sacramento

Delectare in Domino, et dabit tibi petitiones cordis tui – “Deleita-te no Senhor, e te outorgará as petições do teu coração” (Sl 36, 4)

Sumário. Estas palavras ensinam-nos como temos de nos haver na presença de Jesus no Santíssimo Sacramento. Diante do tabernáculo, agradeçamos ao Senhor os muitos benefícios que nos fez, especialmente o querer Ele ficar conosco sobre o altar; amemo-Lo com todas as nossas forças e ofereçamo-nos a Ele sem reserva. Afinal supliquemos a Jesus Cristo as graças de que necessitamos, principalmente o aumento do amor e a união à sua vontade divina. Oh! Se nós soubéssemos aproveitar bem da companhia de nosso divino amante, em breve seríamos todos santos.

I. A condessa de Feria, feita religiosa de Santa Clara, escolheu uma cela donde se avistava o altar do Santíssimo Sacramento, e aí se demorava quase todo o tempo, de dia e de noite. Perguntada sobre o que fazia durante longas horas na igreja, respondeu:

“Ah! Eu ficaria ali durante toda a eternidade. Que é o que se faz diante do Santíssimo Sacramento? Agradece-se, ama-se e pede-se.”

— Eis ai, meu irmão, um belo método para aproveitares bem o tempo na presença de Jesus no Santíssimo Sacramento.

Em primeiro lugar, agradece-se. És tão agradecido a um parente que veio de longe para te visitar, e não tens uma palavra de gratidão para Jesus Cristo, que desceu do céu, não só para te visitar, mas para estar sempre contigo? Quando, pois, o visitares, antes de mais nada aviva a tua fé, adora o Esposo de tua alma e rende-Lhe graças pela bondade com que por teu amor fixou a sua morada sobre esse altar.

Em segundo lugar, ama-se. Quando São Filipe Neri na sua doença viu o santo Viático em seu quarto, exclamou todo abrasado em amor: Eis ai o meu amor! Eis ai o meu amor! Assim dize tu também, quando vires a sagrada Custódia; multiplica então os atos de amor que tanto agradam a Jesus, e renunciando a toda vontade própria consagra-te a Ele todo e sem reserva, dizendo: Senhor, fazei com que eu sempre Vos ame, e depois disponde de mim como Vos agradar.

Por fim, pede-se. O Venerável Padre Alvarez viu no Santíssimo Sacramento Jesus com as mãos cheias de graças, mas sem achar a quem distribuí-las, porque ninguém ia pedi-las. Portanto, pede-as tu; roga-lhe que te dê força para resistir às tentações, para te emendar de qualquer defeito, para te livrar de alguma paixão… Pede-lhe em particular que aumente em teu coração a chama de seu amor e te conserve bem unido a sua santa vontade, fazendo-te sofrer em paz todos os desprezos e contrariedades. Ah! Se todas as almas fizessem assim e soubessem aproveitar-se bem da companhia de seu divino Esposo, em breve todas se tornariam santas.

II. Ó meu Jesus, eu vos adoro no Santíssimo Sacramento do altar. Vós sois o mesmo Jesus que um dia por meu amor sacrificastes a vossa vida divina sobre a cruz e agora estais encerrado na Custódia, como em uma prisão de amor. Entre tantos outros que Vos ofenderam menos do que eu, quisestes escolher-me para Vos fazer companhia sobre a terra, a fim de que depois Vos vá amar e gozar sem véu no paraíso. Além disso me convidais a alimentar-me muitas vezes na santa comunhão com a vossa santa carne, a fim de me unir todo a Vós e me fazer todo vosso. Meu amado Redentor, que Vos poderei dizer? Agradeço-Vos e espero ir um dia agradecer-Vos no céu por toda a eternidade: Miserircordias Domini in aeternum cantabo (1) — “Eu cantarei eternamente as misericórdias do Senhor”. Sim, meu Jesus, assim espero pelos vossos merecimentos.

Declaro que estou mais contente por ter deixado por vosso amor o mundo e o pouco de que no mundo podia gozar, do que por ser rei de toda a terra. Arrependo-me de Vos ter dado até agora em vossa casa tantos desgostos pelos quais merecia ser expulso. Perdoai-me, ó meu Jesus; com o vosso auxílio d´oravante não será mais assim. Não me quero mais afastar de vossos pés, quero visitar-Vos muitas vezes. A vossa presença me dará forças para desprender-me de todo o afeto que não seja para Vós; perto de Vós lembrar-me-ei sempre da obrigação que tenho de Vos amar e de recorrer a Vós em todas as minhas necessidades. Desejo permanecer sempre a vossos pés e receber-Vos freqüentemente na comunhão, a fim de Vos amar sempre mais e unir-me convosco, meu amado Salvador.

Amo-vos, ó meu Deus, oculto no Santíssimo Sacramento. Por amor meu é que ficais continuamente neste altar; por vosso amor, quero ficar o mais que puder na vossa presença. Aqui encerrado me amais sem cessar e eu também Vos quero amar sem cessar; assim, meu Jesus e meu tudo, estaremos sempre juntos aqui durante a minha vida e depois durante a eternidade no paraíso.

— Ó Maria, minha Mãe, rogai a Jesus por mim e consegui-me um grande amor ao Santíssimo Sacramento.

Referências:

(1) Sl 88, 2

 Sexta-feira da Trigésima Segunda Semana do Tempo Comum

Sexta palavra de Jesus Cristo na Cruz

Cum ergo accepisset Jesus acetum, dixit: Consummatum est – “Jesus, havendo tomado o vinagre, disse: Tudo está consumado” (Jo 9, 30)

Sumário. Consideremos como Jesus moribundo, antes de expirar, percorreu em espírito toda a sua vida. Viu todos os seus trabalhos penosos, as suas dores, as ignomínias suportadas e tudo isso ofereceu-o de novo a seu eterno Pai para a salvação do mundo. Em seguida, virando-se para nós, disse: Tudo está consumado. — Foi como se dissesse: “Ó homens, nada mais tenho a fazer para ser amado por vós; tempo é que afinal resolvais amar-me.” Amemos, portanto, a Jesus e provemos-Lhe nosso amor fazendo e sofrendo alguma coisa por seu amor, assim como Ele fez e sofreu tanto por nosso amor.

I. Nosso amabilíssimo Jesus, chegado o momento de render o último suspiro, disse com voz moribunda: Tudo está consumado. Pronunciando estas palavras, repassou em seu pensamento todo o decurso de sua vida, viu todos os seus trabalhos, a pobreza, as dores, as ignomínias que tinha sofrido e tudo ofereceu de novo a seu Pai pela salvação do mundo. Depois, voltando-se para nós disse: Tudo está consumado. — Foi como se dissesse: Homens, tudo está consumado, tudo está cumprido; a ora da vossa redenção se completou, a divina justiça está satisfeita, o paraíso está aberto. Et ecce tempus tuum, tempus amantium (1) — “Eis aqui o vosso tempo, o tempo dos que amam”. É tempo, enfim, ó homens, de vos resolverdes a amar-me. Amai-me, pois, amai-me; porque nada mais tenho a fazer para ser amado por vós.

Tudo está consumado. Vede, disse então Jesus moribundo, vede o que tenho feito para adquirir o vosso amor. Por Vós tenho levado uma vida cheia de tribulações; no fim de meus dias, antes de morrer, consenti que fosse derramado o meu sangue, que me escarrassem no rosto, que me despedaçassem o corpo, que me coroassem de espinhos; finalmente, sujeitei-me a suportar as dores da agonia sobre este madeiro em que me vedes. Que resta fazer? Uma só coisa: expirar por vós. Sim, quero morrer. Vem, ó morte, eu to permito, tira-me a vida pela salvação de minhas ovelhas, amai-me, amai-me, porque já não posso ir mais longe para me fazer amar. Consummatum est — “Tudo está consumado”.

Amemos, pois, a nosso Jesus, e, conforme à exortação do Apóstolo, provemos-Lhe nosso amor, correndo com paciência generosa ao combate que em vida teremos de sustentar conta os nossos inimigos espirituais; provemos-lho resistindo até ao fim as tentações, a exemplo de Jesus Cristo mesmo, que não desceu da cruz antes de expiar e quis consumar o seu sacrifício até morrer: Per patientiam curramus ad propositum nobis certamen, aspicientes in auctorem fidei et consummatorem Iesum (2) — “Corramos pela paciência ao combate que nos é proposto, olhando para o autor e consumador da fé, Jesus”.

II. Quando as paixões interiores, as tentações do demônio, ou as perseguições da parte dos bons, nos fizerem perder a paciência e aceitar a ofensa de Deus, olhemos para Jesus crucificado que derramou todo o seu sangue pela nossa salvação e lembremo-nos que por seu amor não temos ainda derramado uma só gota de sangue: Nondum enim usque ad sanguinem restitistis, adversus peccatum repugnantes (3) — “Ainda não resististes até o sangue, combatendo contra o pecado”.

Quando tivermos de ceder em algum pundonor, de reprimir algum ressentimento, de nos privarmos de alguma satisfação, de alguma curiosidade ou de outra coisa inútil à nossa alma, tenhamos pejo de o recusarmos a Jesus Cristo. Jesus se nos deu sem reserva, deu-nos toda a sua vida, todo o seu sangue: tenhamos, pois, pejo de usarmos de reserva para com Ele. Não nos enfastiemos de fazer e sofrer alguma coisa por amor de Jesus Cristo, que por nossa salvação chegou, no dizer de Taulero, “a consumar tudo o que a justiça divina exigia, tudo o que o amor pedia, tudo o que podia dar um claro testemunho de seu amor”.

Meu amabilíssimo Jesus, tomara que eu também pudesse dizer morrendo: Senhor, tudo está consumado; tenho feito tudo que me mandastes, tenho levado com paciência a minha cruz, tenho procurado agradar-Vos em tudo. Ah, meu Deus! Se tivesse de morrer agora, morreria bem descontente de mim mesmo, pois nada disto poderia dizer. Mas, Senhor, viverei sempre tão ingrato ao vosso amor? Suplico-Vos que me concedais a graça de Vos agradar nos anos de vida que me restam, a fim de que, quando vier a morte, possa dizer-Vos que ao menos desde o dia de hoje cumpri a vossa vontade. — Se no passado Vos ofendi, a vossa morte é a minha esperança; para o futuro não Vos quero trair mais. De Vós espero a minha perseverança; eu a peço e o espero, ó meu Jesus, pelos vossos merecimentos. — Ó Maria, Mãe das dores, ajudai-me pela vossa intercessão.

Referências:

(1) Ez 6, 8
(2) Hb 12, 1
(3) Hb 12, 4

 Sábado da Trigésima Segunda Semana do Tempo Comum

Maria Santíssima, modelo de Oração

Oportet semper orare et non deficere – “Importa orar sempre e não cessar de o fazer” (Lc 18, 1)

Sumário. Desde o instante em que a Santíssima Virgem recebeu a vida, e com esta o uso perfeito da razão, começou também a orar e nunca mais deixou de orar até ao seu último suspiro. Se Maria, tão santa e imaculada, foi tão amante da oração, quanto mais nós a devemos amar, que estamos tão propensos ao mal e temos inimigos tão fortes que combater? À imitação de nossa querida Mãe, habitemos com os nossos afetos no céu, nunca percamos de vista a eternidade e seja a oração o nosso único ornato.

I. Jamais existiu neste mundo quem com tanta perfeição como a Santíssima Virgem executasse o grande preceito de nosso Salvador: Importa orar sempre e não cessar de o fazer. Pelo que diz São Boaventura, que ninguém melhor que Maria nos pode servir de exemplo e ensinar a necessidade que temos de perseverar na oração.

Primeiramente, como escreve Dionísio o Cartusiano, a oração da Virgem foi toda recolhida e sem distração alguma. Isenta como ficara do pecado original, estava também livre de qualquer afeto terrestre e de todo o movimento desordenado, e todos os seus sentidos estavam sempre em harmonia com o seu bendito espírito. Assim a sua bela alma, livre de todo o empecilho, elevava-se incessantemente a Deus, amava-O sempre e crescia sempre no amor.

A oração da Bem-aventurada Virgem foi além disso continua e perseverante. Desde o primeiro momento em que juntamente com a vida ela recebeu o uso perfeito da razão, começou também a fazer oração. Para melhor se aplicar à oração quis, sendo menina de três anos, encerrar-se no templo, e ali, além das outras horas destinadas à oração, levantava-se sempre à meia noite, como ela mesma disse à santa virgem Isabel, para orar diante do altar do templo.

Com tal fim também, e para sempre meditar nas penas de Jesus, como diz Odilon, Maria, depois da Ascensão do Senhor, visitava muitas vezes os lugares santos da Palestina, ora a Gruta de Belém, onde o Filho nasceu; ora a casa de Nazaré, onde o Filho viveu tantos anos, pobre e desprezado, ora o horto de Getsêmani, onde o filho começou a sua Paixão; ora o pretório de Pilatos, onde foi açoitado e coroado de espinhos; ora o Calvário, onde o viu expirar; e, finalmente, o sepulcro, no qual o acomodou com as suas próprias mãos. — Numa palavra, toda a vida da Santíssima Virgem foi uma oração contínua. E, como conclui o Bem-aventurado Alberto Magno, ela foi excelentíssima nesta virtude, e depois de Jesus Cristo a mais perfeita de todos quantos tem existido, existem ou existirão. Felizes de nós se a soubermos imitar!

II. Se Maria, toda santa e imaculada como era, foi sempre tão amante da oração, para se conservar e crescer na graça divina, com muito mais razão devemos nós amar e praticar esta virtude, nós que tão fracos somos, tão propensos ao mal, e que temos inimigos tão poderosos para combater e vencer. — Tratemos, pois, de imitar o espírito de oração de nossa boa Mãe, e procuremos reproduzir em nós o que o devoto Taulero diz da Santíssima Virgem: Mariae cella fuit coelum — “A morada de Maria foi o céu”. Seja o céu também a nossa habitação, e fixemos nele pelo afeto a nossa morada contínua. Schola aeternitas — “A sua escola foi a eternidade”. Nunca percamos de vista a eternidade, vivendo sempre desapegados dos bens terrestres. Paedagogus divina veritas — “Seu mestre foi a verdade divina”. Tomemos por nosso mestre aquele que é a verdade essencial, e guiemo-nos em nossas ações pela luz divina. Speculum divinitas — “O seu espelho foi a divindade”. Sirva-nos a divindade de espelho; tenhamos sempre Deus em mira, para nos conformarmos com a sua vontade. Ornatus eius devotio — “O seu adorno foi a devoção”. Seja também a devoção o nosso ornato, e estejamos sempre prontos a fazer a vontade de Deus. Numa palavra, façamos consistir a nossa paz na união com Deus, e seja Deus todo o repouso e todo o tesouro de nossa alma: Quies, unitas cum Deo.

Ó grande Mãe de Deus, proponho-me sempre a imitar os vossos santos exemplos e especialmente o vosso espírito de oração. Vós, porém, que conheceis a minha fraqueza e inconstância no bem, ajudai-me pela vossa intercessão. Fazei-me pontual em recomendar-me sempre a vós e a vosso Filho em todas as minhas necessidades, sobretudo nos perigos de ofender o meu Senhor. Minha Rainha, atendei-me; fazei-o pelo grande amor que tendes a Jesus Cristo.
12ª parte

 Trigésima Terceira Semana do Tempo Comum

(Vigésima Quarta Semana depois de Pentecostes)

Domingo: A filha de Jairo, a hemorroíssa, e a alma pecadora

Segunda-feira: Das penas do Inferno

Terça-feira: Necessidade da oração

Quarta-feira: Obrigação que temos de socorrer as almas do purgatório

Quinta-feira: Amor de Jesus na instituição do Santíssimo Sacramento, antes de ir morrer

Sexta-feira: Sétima palavra de Jesus Cristo na Cruz

Sábado: Devoção a São Joaquim e Santa Ana, pais de Maria Santíssima

 Trigésimo Terceiro Domingo do Tempo Comum

A filha de Jairo, a hemorroíssa, e a alma pecadora

Domine, filia mea modo defuncta est: sed veni, impone manum tuam super em et vivet – “Senhor, nesta hora acaba de expirar minha filha; mas vem, impõe sobre ela a tua mão, e viverá” (Mt 9, 18)

Sumário. Meu irmão, se porventura te achares enfermo espiritualmente por causa do pecado, imita a hemorroíssa, da qual nos fala o Evangelho, chega-te a Jesus, na pessoa de seu representante, o sacerdote, no sacramento da penitência. Se, como espero, a consciência não te acusa de pecado grave, imita a confiança de Jairo, e roga ao Senhor faça reviver espiritualmente tantos pecadores, teus irmão. Considera, porém, atentamente que não seja daqueles que têm o nome de vivos e estão mortos ou moribundos por causa de sua tibieza.

I. Refere o Evangelho que, “enquanto falava aos judeus, acercou-se um príncipe, e o adorou dizendo: Senhor, nesta hora acaba de falecer minha filha; mas vem, impõe sobre ela tua mão e viverá. E Jesus, levantando-se, o foi seguindo com os seus discípulos. E eis que uma mulher, que havia doze anos padecia um fluxo de sangue, chegou-se por detrás dele e lhe tocou a fimbria do vestido. Porque dizia consigo: Se tocar ao menos o seu vestido, estarei curada. E, voltando-se Jesus e vendo-a, disse: Tem confiança, filha, tua fé te sarou. E ficou sã a mulher desde aquela hora – “Et salva facta est mulier ex illa hora.”

Diz Cornélio a Lapide, que tanto a hemorroíssa como a jovem morta são figuras da alma pecadora, a qual Jesus Cristo quer ressuscitar para a vida espiritual e livrar do desregramento da concupiscência, figurado pelo fluxo de sangue. E São Boaventura, refletindo sobre este trecho do Evangelho, dirige-se ao pecador e diz:

“Aquela jovem é tua alma, morta há pouco pelo pecado; converte-te já para Deus: Festina conversionem.”

– Portanto, meu irmão se porventura tens ofendido a Deus, imita a fé daquela pobre mulher e chega-te a Jesus, na pessoa de seu ministro, no tribunal da penitência. E não tardes em fazê-lo, porque, se fores adiando, virá talvez sobre ti a ira de Deus e te mandará ao inferno (1).

Se, porém, como espero, não tens pecado grave na alma, imita a Jairo, pai da jovem, e roga ao Senhor venha com a sua graça e faça ressuscitar espiritualmente tantos pecadores, teus irmãos. – Considera todavia atentamente não sejas do número daqueles de quem diz São João: “Tem reputação de que vivem, mas estão mortos”, ou quase moribundos por causa de sua tibieza (2).

II. Continua o Evangelista dizendo que “chegado Jesus à casa do príncipe, vendo os músicos e um bando de gente em alarido, disse: Retirai-vos; porque não está morta a menina, mas dorme. E zombavam dele. Tendo saído a gente, entrou Jesus e tomou-a pela mão. E a menina se levantou. E correu esta fama por toda aquela terra.”

Observa, diz São Gregório, que antes de ressuscitar a menina, Jesus manda a gente sair e faz cessar o alarido. Isso nos ensina que para ressurgirmos do pecado ou da tibieza, devemos afastar de nós esse tropel de pensamentos e afetos desordenados, esse tumulto de cuidados terrestres e de conversações supérfluas. – Acrescenta o evangelista São Marcos, que depois da ressurreição da menina, o Senhor a fez andar e ordenou que lhe dessem de comer (3). É o que nós também devemos fazer depois de ressuscitados para a vida da graça. Não devemos ficar parados, senão andar no caminho da perfeição e com este fim alimentar-nos com o Pão dos Anjos. Os santos ensinam unanimemente que não progredir no caminho do Senhor é voltar para trás: In via Domini non progredi retrogredi est.

Ó meu amado Jesus, eu me esqueci de Vós, mas vejo que Vós não Vos esquecestes de mim. Agradeço-Vos as luzes que me comunicais e peço-Vos “queirais absolver-me de todos os meus delitos, para que, por vossa liberalidade, seja livre dos grilhões das culpas que por minha fraqueza contraí.”(4)

† Doce coração de Maria, sede minha salvação.

Referências:

(1) Ecle 5, 8
(2) Ap 3, 1
(3) Mc 5, 43
(4) Or. Dom. curr.

 Segunda-feira da Trigésima Terceira Semana do Tempo Comum

Das penas do Inferno

Omnis dolor irruet super eum – “Toda a sorte de dores virá sobre ele” (Jó 20, 22)

Sumário. É artigo de fé que há um inferno, isto é, uma prisão miserabilíssima toda cheia de fogo, onde cada sentido e cada faculdade do réprobo sofrem uma pena particular. Enquanto fazemos esta meditação, tantos cristãos desgraçados, talvez da mesma idade que nós, talvez conhecidos nossos, estão ardendo nessa fornalha ardente, sem a mínima esperança de saírem de lá. Reflete agora, meu irmão: qual é o estado de tua consciência? Se o Senhor te deixasse morrer na primeira noite, para onde iria a tua alma?

I. Considera que o inferno é uma prisão miserabilíssima, toda cheia de fogo. Nesse fogo estão submergidos os réprobos, tendo um abismo de fogo acima de si, um abismo ao redor de si e um abismo abaixo de si. Fogo há nos olhos, fogo na boca, fogo por todos os lados.

Cada um dos sentidos sofre a sua pena própria. Os olhos são cegados pela fumaça e pelas trevas, e aterrados pela vista dos outros condenados e réprobos. Os ouvidos ouvem dia e noite urros, gemidos e blasfêmias. O olfato é empestado pelo mau cheiro daqueles inumeráveis corpos infectos. — O gosto é atormentado por uma sede ardentíssima e uma fome devoradora sem jamais obter uma gota de água nem um pedaço de pão. Por isso os desgraçados prisioneiros, ardendo em sede, devorados pelo fogo, cruciados por toda a espécie de tormentos, choram, urram e se desesperam. Mas não há, nem haverá jamais, quem os alivie ou console. Oh inferno, oh inferno! Como é que alguns não querem crer em ti, senão quando se veem precipitados dentro de ti!

Considera depois as penas que sofrerão as faculdades da alma. A memória será atormentada pelo remorso de consciência. O remorso é aquele verme que está roendo sempre no condenado ao pensar que se condenou por culpa própria, por uns poucos prazeres envenenados. Oh meu Deus! Como se lhe afigurarão aqueles prazeres momentâneos depois de cem, depois de mil milhões de anos? O verme do remorso lhe recordará o tempo que Deus lhe deu para salvação; a facilidade que teve de se salvar; os bons exemplos dos companheiros; as resoluções tomadas, mas não cumpridas. Verá então que não pode mais remediar a sua ruína eterna. Oh meu Deus, meu Deus! Que inferno no inferno será este! — A vontade será sempre contrariada; não terá nada do que deseja e terá sempre aquilo que não quer, isto é, toda a espécie de tormentos. O entendimento conhecerá o grande bem que perdeu, a saber: Deus e o paraíso. – Ó Senhor, perdoai-me, pelo amor de Jesus Cristo!

II. Meu irmão, dize-me se agora tivesses de morrer, para onde iria a tua alma? Não sabes suportar uma centelha caída de uma vela sobre tua mão e poderá suportar a permanência num abismo de fogo devorador, desolado e desamparado de todos, por toda a eternidade? — Ah! Quantos da mesma idade que tu, talvez conhecidos e companheiros teus, estão agora ardendo naquela fornalha ardente, sem a mínima esperança de poderem remediar a sua desgraça!

Agora talvez não te importe perder o paraíso e Deus; conhecerás porém a tua cegueira, quando vires os bem-aventurados em triunfo e no gozo do reino dos céus, e tu, como um cão lazarento, fores excluído daquela pátria feliz, da bela presença de Deus, da companhia de Maria Santíssima, dos Anjos e dos Santos. Então gritarás enfurecido: Ó paraíso de felicidades, ó Deus, Bem infinito, não sois nem sereis jamais para mim! — Ânimo, pois, faze penitência, muda de vida; não esperes que não haja mais tempo para ti. Pede a Jesus, pede a Maria que tenham piedade de ti.

Aqui tendes, Senhor, a vossos pés, o desgraçado que tão pouco caso fez da vossa graça e dos vossos castigos. Ai de mim! Quanto anos já devia estar abandonado por Vós e ardendo na fornalha do inferno! Mas vejo que me quereis salvar a todo o preço, porquanto com tamanha bondade me ofereceis o perdão, se eu quiser detestar os meus pecados; ofereceis-me a vossa graça e o vosso amor, se eu Vos quiser amar. Sim, meu Jesus, quero sempre chorar as ofensas que Vos fiz e amar-Vos de todo o meu coração. — Fazei-me saber o que quereis; quero satisfazer-Vos em tudo. Permiti que eu viva e morra em vossa graça; não me mandeis ao inferno onde não Vos poderia mais amar e disponde de mim segundo a vossa vontade.

— Ó Maria, minha esperança, guardai-me sob a vossa proteção e não permitais que eu venha ainda a perder o meu Deus.

 Terça-feira da Trigésima Terceira Semana do Tempo Comum

Necessidade da oração

Oportet semper orare et non deficere – “É preciso orar sempre e não deixar de o fazer” (Lc 18, 1)

Sumário. É certo que Deus, excetuando as primeiras graças, tais como a vocação para a fé ou penitência, nenhuma outra graça concede em regra geral (e menos ainda a perseverança) senão àquele que ora. Pelo que a oração é necessária aos adultos por necessidade de meio, de modo que o que ora, certamente se salva e o que não ora, certamente se condena. Este será o maior motivo de desespero para os réprobos, verem que tão facilmente se podiam salvar pela oração e que não há mais tempo para orar. Meu irmão, como usaste até hoje deste grande meio?

I. Afirma São João Crisóstomo que, assim como um corpo sem alma está morto, assim está morta a alma sem a oração. Diz ainda que, assim como a água é necessária às plantas para não murcharem, assim nos é necessária a oração para não nos perdermos.

— Omnes homines vult salvos fieri (1) — Deus quer que todos os homens se salvem e não quer que ninguém se perca; mas ao mesmo tempo exige que lhe peçamos as graças necessárias para nos salvarmos, pois, por um lado, não podemos observar os preceitos divinos e salvar-nos sem a assistência atual do Senhor; e por outro, não nos quer Ele dar graças (ordinariamente falando), se lh´as não pedirmos. O santo Concílio de Trento declarou que Deus não nos impõe ordens impossíveis, visto dar-nos, ou a graça próxima e atual para as cumprirmos, ou a graça de lhe pedirmos essa graça atual.

Ensina-nos Santo Agostinho que, à exceção das primeiras graças, tais como a vocação para a fé ou conversão, Deus nenhuma outra concede (e especialmente a perseverança) senão àquele que ora. — D´aqui concluem os teólogos, com São Basílio, Santo Agostinho mesmo, São João Crisóstomo, Clemente de Alexandria e outros, que a oração é necessária aos adultos por necessidade de meio, de modo que sem a oração é impossível salvarem-se. E o sábio Lessio diz que esta doutrina se deve considerar artigo de fé.

As Sagradas Escrituras são claras: Oportet semper orare — “É preciso orar sempre”. Orate, ut non intretis in tentationem (2) — “Orai, para não cairdes em tentação”. Petite et accipietis (3) — “Pedi e recebereis”. Sine intermissione orate (4) — “Rezai sem cessar”. Estes termos: é preciso, orai, pedi, segundo a opinião comum dos teólogos, de acordo com Santo Tomás (5), têm força de preceito que obriga sob pecado grave, particularmente em três casos: quando se está em pecado, quando se está em perigo de morte e quando se está em grande risco de pecar. Os teólogos ensinam que ordinariamente o que passa um mês ou, quando muito, dois, sem rezar, não está livre de pecado mortal. A razão é que a oração é um meio sem o qual não podemos obter os socorros necessários para nos salvarmos.

II. O que pede, obtém; por consequência, diz Santa Teresa, o que não pede, não obtém. E o mesmo fora declarado muito antes por São Tiago: Non habetis, propter quod non postulastis (6) — “Não tendes nada, porque não pedistes”. A oração é particularmente necessária para obter a virtude de pureza:

“Sabendo que não podia ser continente, sem que Deus o desse, recorri ao Senhor e lh´o pedi.” (7)

— Numa palavra, concluamos: O que reza, certamente se salva; o que não reza, certamente se condena. Todos os que se salvaram, salvaram-se pela oração todos os que se condenaram, condenaram-se porque não rezaram. O seu maior motivo de desespero no inferno será o verem que tão facilmente se podiam salvar pela oração e que não há mais tempo para rezar.

Ó meu Redentor, como pude viver no passado tão esquecido de Vós? Estáveis pronto a conceder-me todas as graças que Vos pedisse; esperáveis somente que Vos suplicasse; mas eu só pensava em contentar os meus sentidos, pouco se me dando de ficar privado do vosso amor e da vossa graça. Senhor, não vos lembreis de tantas ingratidões minhas e tende piedade de mim. Perdoa-me todos os desgostos que Vos dei; dai-me a perseverança, dai-me a graça de pedir sempre o vosso auxílio para nunca mais Vos ofender, ó Deus de minha alma.

Não permitais, Senhor, que no futuro seja tão descuidado como no passado. Dai-me luz e força para sempre me recomendar a Vós, especialmente quando meus inimigos me tentarem para de novo Vos ofender. Meu Deus, concedei-me esta graça pelos merecimentos de Jesus Cristo e pelo amor que lhe tendes. Bastante Vos ofendi; quero amar-Vos o resto de meus dias. Dai-me o vosso santo amor e que esse amor me faça pedir o vosso auxílio, todas as vezes que me vir em perigo de Vos perder pelo pecado.

— Maria, minha esperança, de vós espero a graça de, em minhas tentações, me recomendar sempre a vós e a vosso Filho. Atendei-me, ó minha Rainha, pelo grande amor que tendes a Jesus Cristo.

Referências:

(1) 1Tm 2, 4
(2) Lc 22, 40
(3) Jo 16, 24
(4) 1Ts 5, 17
(5) Suma Teológica P. 3, q. 29, a. 5.
(6) Tg 4, 2
(7) Sb 8, 21

 Quarta-feira da Trigésima Terceira Semana do Tempo Comum

Obrigação que temos de socorrer as almas do purgatório

Rezemos pelas almas do Purgatório, especialmente em nossas orações pelo Santo Rosário

Mortuo non prohibeas gratiam – “Não impeças que a liberalidade se estenda aos mortos” (Eclo 7, 37)

Sumário. A caridade cristã não só nos aconselha, mas até nos obriga a socorrermos as almas do purgatório; porquanto são nossos próximos e se acham em grandíssima necessidade. Tanto mais que entre elas podem penar também as almas de nossos pais, parentes e amigos; e, não podendo valer-se por si próprias, recomendam-se a nós por socorro. Que crueldade, pois, não nos apressarmos a socorrê-las, ainda que à custa de algum sacrifício!… Receemos ser tratados depois como nós agora tratamos os outros.

I. A caridade cristã não só nos dá o conselho, mas nos impõe a obrigação de rezarmos pelas almas do purgatório. Sim, porque, conforme ensina Santo Tomás, a caridade estende-se não só aos vivos, senão também a todos os que morreram na amizade de Deus; e, além disso, ela pede que socorramos especialmente aqueles próximos que mais precisem do nosso auxílio. Ora, quem dentre os nossos próximos está em tão grande necessidade de socorro, como essas santas prisioneiras? As infelizes ardem continuamente naquele fogo, que as atormenta muito mais do que qualquer fogo terrestre, e fá-las sofrer juntamente toda a espécie de suplícios cruciantes.

Mais. Em cada uma de suas faculdades padecem penas indizíveis. Aflige-as a vista pavorosa dos pecados, pelos quais amarguraram o seu Deus, a quem tanto amam, e atraíram sobre si mesmas as dores acerbas que estão sofrendo. Aflige-as a lembrança dos grandes benefícios recebidos de Deus, quando estavam na terra; e especialmente a lembrança daquelas misericórdias e graças especiais que lhes podiam adquirir mais merecimentos no paraíso, ao passo que só ganharam mais tormento no purgatório, porque não corresponderam às graças com a devida gratidão. Aflige-as finalmente e sobretudo o estarem longe de seu esposo, isto é, de Deus, sem sequer saberem quando terão a consolação de O irem ver.

O que, porém, mais nos deve excitar a aliviarmos essas santas almas é o pensamento de que entre elas penam talvez as almas de nossos pais, irmãos ou outros parentes e amigos e benfeitores; que não se podendo valer a si próprias, porque se acham em estado de satisfação pelas suas faltas, socorrem-se a nós por alívio e dizem-nos com Jó: Miseremini mei, miseremini mei, saltem vos amici mei (1) — “Compadecei-vos de mim, compadecei-vos de mim, ao menos vós que sois meus amigos”.

II. Examinemos o nosso procedimento para com as almas dos defuntos e particularmente para com as almas dos nossos parentes, amigos e benfeitores. Quero crer, meu irmão, que não és do número daqueles que, tendo adquirido uma herança, não se importam com o cumprimento das últimas vontades dos testadores, e por qualquer pretexto fútil se descuidam dos legados pios.

Mas atende bem que não sejas do número daqueles outros que, tendo pago a seus defuntos um pequeno tributo de lágrimas e satisfeito aquilo a que o obrigava a justiça mais rigorosa, depois se esquecem por completo daquelas almas santas e as tratam como se lhes fossem estranhas. Se for este o caso, ah, lembra-te que talvez em breve estejas também nessa prisão, ardendo nas chamas. Então o Senhor permitiria com justiça que teus supérstites te tratem da mesma maneira como tu trataste os teus antepassados: Eadem mensura, qua mensi fueritis, remetietur vobis (2) — “Com a mesma medida com que tiverdes medido, se vos há de medir a vós”.

“Ó meu Senhor Jesus Cristo, Rei da glória, livrai as almas de todos os fiéis defuntos das penas do purgatório. Livrai-as das goelas do demônio, a fim de que não sejam absorvidas pelo abismo e não venham a cair no inferno. Conduza-as o Arcanjo São Miguel àquela pátria bem-aventurada prometida a Abraão e a seus descendentes.”

“Ó Deus, que folgais em perdoar os pecadores e salvar os homens, suplicamos vossa clemência, pela intercessão da Bem-aventurada Maria sempre Virgem e de todos os Santos, concedei que os confrades de nossa congregação, parentes e benfeitores, que deixaram este mundo, cheguem à morada da eterna felicidade. — Dai, Senhor, o descanso eterno a essas almas benditas e a todas as que penam na prisão do purgatório; fazei brilhar para elas a luz perpétua e que elas possam em breve descansar na paz dos justos. Amém.”(3)

Referências:

(1) Jó 19, 21
(2) Lc 6, 38
(3) Orationes Eccl.

 Quinta-feira da Trigésima Terceira Semana do Tempo Comum

Amor de Jesus na instituição do Santíssimo Sacramento, antes de ir morrer

Dominus Iesus, in qua nocte tradebatur, accepit panem … et dixit: Hoc est corpus meum – “O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue, tomou o pão… e disse: Isto é o meu corpo” (I Cor 11, 23)

Sumário. Porque os testemunhos de amor, dados pelos amigos no momento de morrer, se gravam mais fundo na memória e se conservam mais preciosamente, o Senhor quis instituir a santíssima Eucaristia na véspera de sua morte. Ó prodígio de amor! Os homens preparam para Jesus açoites, espinhos e uma cruz, e ele escolhe exatamente esse tempo para nos dar a prova mais preciosa de seu amor. Este amor de Jesus convida-nos a que lhe correspondamos pelo nosso afeto e façamos alguma coisa por seu amor.

I. O Santíssimo Sacramento é um dom feito unicamente por amor. Segundo os decretos divinos, foi necessário para nossa salvação que o Redentor morresse e que, pelo sacrifício de sua vida, satisfizesse à divina justiça pelos nossos pecados. Mas que necessidade havia que Jesus Cristo se nos desse em sustento, depois de sua morte? Assim o quis o seu amor. Se Ele instituiu a Eucaristia, diz São Lourenço Justiniani, foi unicamente para nos fazer compreender o imenso amor que nos tem.

É o que escreve também São João: Sciens Iesus quia venit hora eius (1) — Sabendo Jesus que era chegado o tempo de deixar a terra, quis deixar-nos a maior prova de seu amor, isto é, o dom do Santíssimo Sacramento. Tal é o precisamente o sentido destas palavras: In finem dilexit eos – “Amou-os até o fim”, isto é, segundo a explicação de Teofilato e São João Crisóstomo, extremo amore, summe dilexit eos — “amou-os com amor extremo”.

— E observemos o que nota o Apóstolo: o tempo em que Jesus nos quis fazer este donativo, foi o de sua morte: na noite em que foi entregue. Enquanto os homens preparavam açoites, espinhos e uma cruz para o supliciarem, é que o bom Salvador nos quis dar este último penhor de sua ternura.

Mas porque instituiu este sacramento no momento de sua morte, e não antes? Diz São Bernardino que Jesus assim fez, porque os testemunhos de afeto dados pelos amigos no momento da morte, se imprimem mais profundamente na memória e mais preciosamente se conservam. Jesus Cristo, continua o mesmo Santo, já se nos tinha dado por muitos modos: por amigo, por mestre, por pai, por guia, por modelo, por vítima. Restava um último grau de amor, que era dar-se por alimento, a fim de se unir todo a nós, assim como o sustento se une ao que o toma, e é o que fez dando-se-nos no Santíssimo Sacramento.

II. Dizia o Padre Colombière:

“Se alguma coisa pudesse abalar a minha fé no mistério da Eucaristia, não duvidaria do poder que Deus nele manifesta, mas sim do amor que Deus nos mostra no Santíssimo Sacramento. A pergunta: como é que o pão se torna o corpo de Jesus? Como é que Jesus está presente em diversos lugares? Respondo que Deus tudo pode. Mas se me perguntarem como é que Deus pode amar o homem a ponto de se lhe dar em alimento? Não sei responder senão que não o compreendo e que o amor de Jesus é incompreensível.”

Ah, bem se vê, ó meu Senhor, que o amor não reflete, e faz o amante esquecer-se da própria dignidade, e, como diz São João Crisóstomo, quando o amor se quer patentear ao amado, não vai aonde convém, mas aonde o leva o seu ardor: Amor ratione caret.

O amor imenso de Jesus convida-nos a que lhe correspondamos com outro tanto amor. Ad nihil amat Deus, nisi ut ametur — Deus, diz São Bernardo, não ama senão para ser amado. Se, pois, o amor de Jesus para conosco o levou a sacrificar-se todo para nosso bem, justo é que nós também nos sacrifiquemos todos para sua glória e o amemos tanto quanto deseja.

Ó amor infinito de Jesus, digno de infinito amor! Quando, ó meu Jesus, Vos amarei assim como Vós me amastes? Vós não tendes mais o que fazer para serdes amado por mim; e eu tive ânimo para Vos abandonar, a Vós, ó Bem infinito, a fim de correr atrás de bens vis e miseráveis! Ó meu Deus, suplico-Vos que me ilumineis, descobri-me cada vez mais as grandezas de vossa bondade, a fim de que me inflame todo no vosso amor e me esforce por Vos agradar. Amo-Vos, † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas; e muitas vezes me quero unir a Vós no Santíssimo Sacramento para me desprender de tudo e amar somente a Vós, minha vida, meu amor, meu tudo. Socorrei-me, Redentor meu, pelos merecimentos de vossa paixão.

— Também vós, ó Mãe de Jesus e minha Mãe, Maria, rogai a Jesus que me abrase todo no seu amor.

Referências:

(1) Jo 13, 1

 Sexta-feira da Trigésima Terceira Semana do Tempo Comum

Sétima palavra de Jesus Cristo na Cruz

Clamans voce magna Jesus ait: Pater, in manus tuas commendo spiritum meum – “Jesus, dando um grande brado, disse: Pai, nas tuas mãos encomendo o meu espírito” (Lc 23, 46)

Sumário. Antes de expirar, soltou Jesus um grande brado para nos dar a entender que morria, não pela malevolência de seus inimigos, mas por sua própria vontade. Entrega o espírito nas mãos de seu Pai e recomendando-Lhe a própria pessoa, recomendando-Lhe juntamente todos os fiéis, que pelos seus merecimentos deviam ser salvos. Se formos devotos da Paixão de Jesus Cristo, oh, que conforto nos darão na hora da morte estas suas palavras: Senhor, em vossas mãos encomendo a minha alma!

I. Diz Eutíquio que Jesus soltou esse grande brado para dar a entender a todos que era verdadeiramente o Filho de Deus, visto que chamava Deus de seu Pai. Mas, São João Crisóstomo diz que Jesus bradou em voz alta para tornar patente que não morria por necessidade, mas por sua própria vontade, falando tão alto quanto estava próximo a expirar, o que não podem fazer os agonizantes por causa da grande fraqueza que sentem. — Esta explicação do Santo é mais conforme ao que Jesus Cristo mesmo havia dito em vida, a saber: que pela sua própria vontade sacrificava a vida pelas suas ovelhas e não pela vontade e malícia de seus inimigos: Et animam meam pono pro ovibus meis… Nemo tollit eam a me, sed ergo pono eam a meipso (1).

Acrescenta Santo Atanásio que Jesus Cristo, recomendando-se ao Pai, recomendou-Lhe ao mesmo tempo todos os fiéis que pelos seus merecimentos deviam ser salvos; porquanto a cabeça forma com os membros um só corpo. Pelo que o Santo diz que Jesus entendeu repetir então o pedido feito pouco antes: Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste, a fim de que sejam um como nós (2).

É o que fez São Paulo dizer, quando estava na prisão: Patior sed non confundor (3) — Suporto estes sofrimentos, mas não tenho pejo deles, porque depositei o tesouro de meus sofrimentos e de todas as minhas esperanças nas mãos de Jesus Cristo e sei que Ele é grato e fiel para com aqueles que padecem por seu amor. — Se Davi já punha toda a sua esperança no Redentor vindouro, quanto mais não o deveremos fazer nós, visto que Jesus já consumou a nossa redenção? Digamos-Lhe, pois, com grande confiança: In manus tuas commendo spiritum meum; redemisti me, Domine Deus veritatis (4) — “Em tuas mãos encomendo o meu espírito; remiste-me, Senhor Deus da verdade”.

II. Pai, em tuas mãos encomendo o meu espírito. Que conforto trazem estas palavras aos agonizantes contra as tentações do inferno e os temores causados pelos pecados cometidos! — Mas, Jesus, meu Redentor, não quero esperar até a hora de minha morte para Vos encomendar a minha alma; desde já Vô-la encomendo; não permitais que ela ainda se afaste de Vós. Vejo que até agora a vida me tem servido unicamente para Vos ofender; não consintais que no resto de minha vida continue a Vos causar desgostos.

Ó cordeiro de Deus, sacrificado sobre a cruz e morto por meu amor, qual vítima de amor e exausto pelas dores, fazei pelos merecimentos de vossa morte que Vos ame com todo o meu coração e seja todo vosso nos dias que me restam. E, quando chegar o fim de meus dias, deixai-me morrer abrasado em vosso amor. Vós morrestes por meu amor, eu quero morrer por amor vosso. Vós Vos destes todo a mim, eu me consagro todo a Vós. Em vossas mãos, ó Senhor, encomendo o meu espírito; remistes-me, ó Deus da verdade.

Ó Jesus, para minha salvação derramastes todo o vosso sangue, sacrificastes a vossa vida; não permitais que por minha culpa tudo isso seja sem fruto para mim. Meu Jesus, eu Vos amo, e pelos vossos merecimentos espero amar-Vos sempre. In te, Domine, speravi, non confundar in aeternum.

— Em vós, Senhor, pus minha esperança; não permitais que eu seja confundido para sempre. Ó Maria, Mãe de Deus, confio também em vossas orações; pedi que eu seja fiel a vosso Filho na vida e na morte. A vós também direi com São Boaventura: In te, Domina, speravi, non confundar in aeternum.

— Em vós, Senhora, pus minha esperança; não permitais que eu seja confundido para sempre. Não, minha Senhora, nunca se perdeu quem pôs as suas esperanças em vós, e de certo não serei eu o primeiro.

Referências:

(1) Jo 10, 15 et 18
(2) Jo 17, 10
(3) 2 Tm 1, 12
(4) Sl 30, 6

 Sábado da Trigésima Terceira Semana do Tempo Comum

Devoção a São Joaquim e Santa Ana, pais de Maria Santíssima

Gloria filiorum patres eorum – “A glória dos filhos são seus pais” (Pv 17, 6)

Sumário. São Joaquim e Santa Ana são as pessoas venturosas a quem, depois de Deus, Maria Santíssima é devedora de tudo quanto possui. Infiramos disso quanto lhe deve agradar o nosso amor e veneração para com eles. Se amas a divina Mãe, sê também devoto a seus santos pais. Agradece muitas vezes à Santíssima Trindade os dons, as graças e os privilégios que lhes concedeu, e invoca-os em tuas necessidades. Procura sobretudo imitar as suas virtudes, especialmente o amor que tinham a sua santíssima filha.

I. Considera quão agradável deve ser à Santíssima Virgem a devoção a seus santos pais, a quem se reconhece de mil modos obrigada. Conforme uma tradição antiquíssima, São Joaquim e Santa Ana ficaram muitos anos sujeitos à provação da esterilidade. Se finalmente da sua santa união nasceu essa filha celestial, foi porque pelas suas orações, vigílias, jejuns e esmolas fizeram violência a Deus. De modo que com razão se pode dizer que aqueles santos esposos foram duplamente os progenitores de sua filha santíssima.

São Joaquim e Santa Ana foram os primeiros que aqui na terra começaram a amar Nossa Senhora, e, como afirmam São Jerônimo e Santo Epifânio, foi por ordem da Santíssima Trindade que lhe puseram o nome de Maria o qual, pelas suas sublimes significações, já prognosticava os altos ofícios a que era destinada. Foram eles igualmente que lhe deram a primeira educação, e ah, quão esmerada!

Quando depois a virgenzinha chegou a completar três anos, tomaram-na nos braços, e carregando-a alternadamente na longa viagem de Nazaré a Jerusalém, apresentaram-na no Templo, em cumprimento da promessa feita. Este sacrifício custou bastante a seu coração paternal; fizeram-no todavia para se conformarem com a vontade de Deus e para o grande bem que disso devia resultar para a sua amada filha.

Finalmente, quando esses santos personagens morreram, deixaram à Bem-aventurada Virgem todos os seus haveres, e particularmente a casa de Nazaré, na qual o Redentor passou a maior parte de sua vida em submissão a São José e à sua casta esposa. Numa palavra, depois de Deus, é a São Joaquim e Santa Anna que Maria Santíssima é devedora de tudo que tem, e daí se infere quanto lhe deve ser agradável se a ajudarmos no seu tributo de gratidão, praticando a devoção a esses grandes Santos.

II. Se é tão agradável à Santíssima Virgem a devoção para com seus amados pais, procuremos ser-lhe particularmente devotos a fim de darmos à nossa Mãe maior satisfação. Cada ano, no dia que lhes é consagrado, recebe os santíssimos sacramentos em sua honra, e desde hoje toma a resolução de os amar com o mesmo amor com que os amam e amarão eternamente Jesus e Maria. Agradece muitas vezes à Santíssima Trindade os dons, as graças e as prerrogativas que lhes concedeu, e em todas as tuas necessidades corre a eles com inteira confiança. — Esforça-te sobretudo por imitares os exemplos de virtude que nos deixaram, em particular o amor que tiveram a Maria Santíssima. Como diz Santo Agostinho, a devoção verdadeira consiste exatamente na imitação: Vera devotio est imitari quem colimus.

Ó progenitores digníssimos de Maria sempre Virgem, São Joaquim e Santa Ana, eu, vosso servo humilde, cheio de confiança em vossa bondade, ofereço-me hoje todo a vós e proponho honrar-vos sempre o mais possível, para contentar o coração de vossa santíssima filha, minha rainha Maria. Não vos dedigneis de me aceitar por vosso servo e de me ajudar em todas as necessidades, tanto da alma como do corpo. Obtende-me especialmente uma terníssima devoção para com vossa filha e minha amadíssima Mãe.

Ó meus santos protetores, quisera eu amar a Maria assim como vós a amastes. Mas este desejo é superior às minhas forças, meu coração está demais apegado às criaturas para se elevar tão alto. A vós recorro, portanto, e rogo-vos, pelo amor da mesma Virgem, me alcanceis a graça de a amar, honrar e servir com todas as minhas forças; e juntamente com a devoção a Maria, obtende-me um amor ardentíssimo para com Jesus Cristo, seu divino Filho e vosso descendente segundo a carne.
13ª parte

 Trigésima Quarta Semana do Tempo Comum

(Vigésima quinta e última semana depois de Pentecostes)

Domingo: O fim do mundo e o procedimento dos bons católicos em tempo de perseguição

Segunda-feira: Em que coisas nos devemos conformar com a vontade divina

Terça-feira: Na morte tudo acaba

Quarta-feira: A pena da perda de Deus é o que faz o inferno

Quinta-feira: Da assistência à Santa Missa

Sexta-feira: A Paixão de Jesus Cristo, nossa Consolação

Sábado: Maria Santíssima conduz os seus servos ao paraíso

 Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo

O Fim do Mundo e o Procedimento dos Bons Católicos em Tempo de Perseguição

Erit tunc tribulatio magna, qualis non fuit ab initio mundi usque modo – “Será então a aflição tão grande, que, desde que há mundo até agora, não houve outra semelhante” (Mt 24, 21)

Sumário. A perseguição que o espírito infernal suscitará no fim do mundo não é a única que devemos temer. Cada dia os ímpios tramam uma revolta igual à do Anticristo, como de sobejo demonstram os males que nos sobrevêm e as guerras que a Igreja Católica tem de sustentar. Aproveitemos os ensinos que Jesus Cristo nos dá no presente Evangelho: Sejamos constantes na fé; humilhemo-nos perante Deus, confessando que temos merecido os seus castigos, e rezemos com fervor, a fim de que sejam abreviados os dias de provação.

I. No Evangelho de hoje Jesus Cristo nos fala da destruição de Jerusalém e ao mesmo tempo do fim do mundo prefigurado pela ruína daquela cidade infeliz. “Será tão grande a aflição”, diz Jesus, “que desde que há mundo até agora, não houve nem haverá outra semelhante. E se não se abreviassem aqueles dias, não se salvaria pessoa alguma; mas hão de abreviar-se em atenção aos escolhidos: Propter electos breviabuntur dies illi.” (1)

— Passando depois a dar-nos avisos apropriados àqueles tempos, recomenda-nos o Senhor especialmente a constância na fé, e prossegue:

“Então, se alguém vos disser: Aqui está o Cristo, ou ei-lo acolá; não lhe deis crédito. Pois se levantarão falsos Cristos e falsos profetas; farão grandes prodígios e maravilhas tais, que (se fôra possível) até os escolhidos se enganariam. Vede que eu vô-lo adverti antes: Ecce praedixi vobis”.

Meu irmão, esperas e estás confiado que não presenciarás esta última tribulação, mas nem por isso creias que não te dizem respeito os avisos do Redentor. São Gregório afirma:

“A perseguição que o espírito infernal suscitará nos últimos tempos não é a única que devamos temer; porque cada dia os ímpios tramam a revolta do Anticristo, e até agora este mistério de iniquidade se planeja às ocultas no seu coração: Iam nunc occultus operatur”.

Ou, para melhor dizer, já está planejado e está sendo executado pela guerra continua e múltipla movida contra a Esposa de Jesus Cristo, a Igreja Católica. — Aproveita-te, pois, dos avisos do Senhor:

“Sede sóbrios e vigiai, porque vosso adversário, o diabo, como leão a rugir, anda ao redor, buscando a quem devore: resisti-lhe fortes na fé”. (2)

II. Abreviar-se-ão aqueles dias em atenção aos escolhidos. Assim como no tempo da destruição de Jerusalém foram abreviados os dias de miséria para os infelizes judeus, em atenção aos escolhidos; assim como em atenção aos mesmos serão para todos os homens abreviados os dias de tribulação na destruição final do mundo; assim Deus, em atenção às almas justas que vivem na Igreja, abreviará em sua infinita misericórdia para esta sua Esposa imaculada os dias de aflição e acelerará o desejado triunfo.

Meu irmão, se não podes de outro modo cooperar para este fim, faze-o pelo menos humilhando-te na presença de Deus, e reconhecendo que os castigos que nos oprimem são consequência dos nossos pecados. E, entretanto, não deixes de dirigir a Deus orações fervorosas. — A fim de que essas orações sejam mais facilmente atendidas, procura fazê-las o mais possível diante de Jesus sacramentado, que, na interpretação comum dos santos, é aquele corpo do qual fala o Evangelho e ao redor do qual se ajuntam as águias, isto é, as almas desapegadas dos afetos terrestres: Ubicumque fuerit corpus, illic congregabuntur et aquilae.

† “Ó clementíssimo Jesus, Vós sois a nossa única salvação, a nossa vida e a nossa ressurreição. Nós Vos pedimos que não nos abandoneis em nossas angústias e tribulações; mas pela agonia do vosso Coração sacratíssimo e pelas dores de vossa Mãe imaculada, socorrei os vossos servos que remistes com vosso precioso sangue.” (3)

— Excitai também, ó Senhor, a vontade dos vossos fiéis; a fim de que pratiquem com maior fervor as obras de piedade, e mereçam com elas maiores remédios da vossa piedade.” (4)

— A vós também, ó grande Mãe de Deus, pedimos esta graça.

Referências:

(1) Mt 24, 22
(2) 1 Pd 5, 8
(3) Indulg. de 100 dias.
(4) Or. Dom. curr.

 Segunda-feira da Trigésima Quarta Semana do Tempo Comum

Em que coisas nos devemos conformar com a vontade divina

Si bona suscepimus de manu Dei, mala quare non suscipiamus? – “Se temos recebido os bens da mão de Deus, porque não receberemos também os males?” (Jó 2, 10)

Sumário. É certo que tudo o que acontece no mundo, acontece pela vontade ou permissão divina. Mesmo quando alguém nos prejudica nos nossos bens ou na reputação, ainda que Deus não queria o pecado do ofensor, quer todavia os efeitos, isto é, a nossa pobreza e humilhação. Quando, pois, nos acontecem desgraças, seja qual for a sua causa imediata, consideremo-las como vindas das mãos de Deus, e aceitemo-las não só com paciência, senão com alegria, porquanto serão no céu as joias mais preciosas da nossa coroa.

I. Devemo-nos conformar com a vontade de Deus, não só nos males que nos vêem diretamente d’Ele, tais como doenças, desolações espirituais, perda de bens ou de parentes; mas ainda nos que vêem só indiretamente de Deus, isto é, por meio dos homens, como infâmias, desprezos, injustiças e todas as outras espécies de perseguições. É de observar que, quando alguém nos faz algum agravo nos bens ou na honra, Deus não quer o pecado do que nos ofende, mas sim a nossa pobreza e a nossa humilhação. Numa palavra, tudo vem de Deus, tanto os bens como os males.

Chamam-se males, porque nós os chamamos e os fazemos assim. Se os recebêssemos com resignação das mãos de Deus, não seriam para nós males, mas bens. As pedras preciosas que mais adornam a coroa dos Santos, são as tribulações que aceitaram por amor de Deus, pensando que tudo nos vem das suas mãos divinas. — Quando o santo homem Jó recebeu a notícia de que os Sabeus lhe haviam roubado os bens, que respondeu ele? Dominus dedit, Dominus abstulit (1) — “O Senhor os deu, o Senhor os tirou”. Não disse: o Senhor me deu esses bens e os Sabeus m´os roubaram; mas disse: o Senhor m´os deu, o Senhor m´os tirou. Por isso bendisse o nome do Senhor, pensando que tudo tinha acontecido pela sua vontade: Sicut Domino placuit, ita factum est; sit nomen Domini benedictum.

Quando os santos mártires Epicteto e Astion eram atormentados com ganchos de ferro e tochas acesas, não proferiam senão estas palavras:

“Senhor, cumpra-se em nós a vossa vontade!”

E quando expiravam, as suas últimas palavras foram estas:

“Bendito sejais, ó Deus eterno, por nos terdes dado a graça de cumprir em nós o vosso santo beneplácito.”

— A mesma coisa nós devemos fazer, quando nos sucedam algumas contrariedades; recebamo-las todas da mão de Deus, não só com paciência, mas até com alegria; seguindo o exemplo dos apóstolos, que se regozijavam de ser maltratados pelo amor de Jesus Cristo (2). Que maior satisfação poderemos ter, do que abraçar algumas cruzes e saber que abraçando-as podemos ser agradáveis a Deus?

II. Se quisermos viver em paz contínua, tenhamos d´ora em diante, o cuidado de nos unirmos estreitamente à vontade de Deus, dizendo em tudo o que nos suceda: Ita, Pater, quoniam sic fuit placitum ante te (3) — “Senhor, assim é que foi do vosso agrado! Seja feito assim!”. Para este fim devemos dirigir todas as nossas meditações, comunhões, visitas e orações. Ofereçamo-nos incessantemente ao Senhor dizendo: Meu Deus, eis-me aqui: disponde de mim segundo a vossa vontade. Santa Teresa oferecia-se a Deus pelo menos cinquenta vezes ao dia, e pedia-lhe que dispusesse dela à sua vontade.

— Quando as cruzes se nos afigurarem demais pesadas, lancemos um olhar sobre Jesus crucificado e pensemos na glória celeste. As plantas destinadas a serem transplantadas ao paraíso devem deitar suas raízes no Calvário. Elas crescem tão somente à sombra da Cruz, e não se multiplicam enquanto não forem regadas pelo sangue que os açoites, os espinhos e os cravos fizeram correr das chagas do Salvador. Numa palavra, a Cruz demonstra a virtude dos santos e aperfeiçoa as obras.

Ah, meu divino Redentor! Vinde e doravante reinai só na minha alma. Atraí a Vós toda a minha vontade, a fim de que só deseje e queira o que Vós quiserdes. Meu Jesus, no passado tantas vezes Vos desagradei, opondo-me às vossas santas vontades; arrependo-me disso e detesto-o de todo o coração. Mereço os castigos, não os recuso; mas não me castigueis privando-me do vosso amor.

Ó Sangue do meu Jesus, em vós espero estar sempre ligado à divina vontade; ela será a minha guia, o meu desejo, o meu amor e a minha paz. Nela é que sempre quero viver e repousar. Em tudo o que me acontecer, direi sempre: Meu Deus, assim o quisestes, assim o quero; meu Deus, só quero o que Vós quiserdes, seja feita sempre em mim a vossa vontade: Fiat voluntas tua. Meu Jesus, pelos vossos merecimentos, concedei-me a graça de Vos repetir sem cessar esta bela palavra de amor: Seja feita a vossa vontade! — Fiat voluntas tua!

— Ó Maria, minha Mãe, como sois feliz por terdes sempre e em tudo cumprido a vontade de Deus! Fazei que também doravante eu a possa cumprir! Minha Rainha, por todo esse amor que tendes a Jesus Cristo, peço-vos que me alcanceis esta graça: de vós a espero.

Referências:

(1) Jó 1, 21
(2) At 5, 4
(3) Mt 11, 26

 Terça-feira da Trigésima Quarta Semana do Tempo Comum

Na morte tudo acaba

Dies mei breviabuntur; et solum mihi superest sepulchrum – “Os meus dias se abreviam, e só me resta o sepulcro” (Jó 17, 1)

Sumário. A felicidade da vida presente é comparada por Davi ao sono de um homem que desperta; porque os bens deste mundo parecem grandes, mas em realidade nada são e duram pouco, como pouco dura o sono e logo se evapora. Já que nos temos que separar um dia desses bens, desprendamo-nos de tudo aquilo que nos afasta ou nos pode afastar de Deus, e não deixemos para amanhã o bem que podemos fazer hoje. Por terem procrastinado o bem, quantos se acham agora no purgatório e quiçá no inferno!

I. Davi chama à felicidade da vida presente sonho de um homem que desperta: Velut somnium surgentium (1); porque os bens deste mundo parecem grandes, mas em realidade nada são e duram pouco, assim como pouco dura o sonho e logo se evapora. Este pensamento determinou São Francisco de Borja a dar-se inteiramente a Deus.

O Santo foi encarregado de acompanhar à Granada o corpo da imperatriz Isabel. Quando abriram o caixão, o aspecto horrível e o mau cheiro do cadáver afugentaram toda a gente. Mas Francisco, guiado pela luz divina, deteve-se a contemplar naquele cadáver a vaidade do mundo e exclamou fitando-o:

“Sois vós então a minha imperatriz? Sois vós aquela diante de quem se prostravam respeitosos tão notáveis personagens? Ó Isabel, minha senhora, que é feito da vossa majestade, da vossa beleza?”… “É, pois, assim”, concluiu consigo, “que terminam as grandezas e coroas da terra! Quero para o futuro servir um senhor que me não possa ser roubado pela morte.”

Desde então consagrou-se inteiramente ao amor de Jesus crucificado, fazendo voto de abraçar o estado religioso, o que depois executou entrando na Companhia de Jesus.

Tinha, portanto, razão certo homem desiludido quando escreveu estas palavras sobre um crânio: Cogitanti vilescunt omnia — “Tudo se afigura desprezível àquele que reflete”. Quem pensa na morte, não pode amar a terra. Mas porque é que há tantos desgraçados que amam este mundo? Porque não pensam na morte. — Filii hominum, usquequo gravi corde (2) — Pobres filhos de Adão, diz o Espírito Santo, porque não arrancais do coração tantas afeições terrenas que vos fazem amar a vaidade e a mentira? O que aconteceu a vossos pais, acontecer-vos-á também. Habitaram eles essa mesma morada, dormiram nesse mesmo leito, e agora não estão mais aí. O mesmo vos acontecerá igualmente.

II. Meu irmão, cuida em dar-te sem demora todo inteiro a Deus, antes que a morte chegue, não deixes para amanhã o que podes fazer hoje, porque o dia presente passa e não volta mais, e amanhã pode vir a morte que nada mais te deixará fazer. Por causa dessas procrastinações, quantos estão agora no purgatório, e quiçá no inferno? Liberta-te quanto antes do que te afasta ou te pode afastar de Deus. Abandonemos pelo afeto os bens terrestres, antes que a morte no-los venha arrancar à força. — Beati mortui qui in Domino moriuntur (3). Felizes aqueles que, ao morrer, se acham já mortos para as afeições do mundo! Longe de recearem a morte, desejam-na e abraçam-na com alegria, pois, em lugar de os separar dos bens que amam, une-os ao soberano Bem, que é o único objeto do seu amor e que os tornará eternamente felizes.

Meu amado Redentor, agradeço-Vos o terdes esperado por mim. Que seria de mim, se me tivésseis deixado morrer quando estava longe de Vós? Seja sempre bendita a vossa misericórdia e a paciência que durante tantos anos me dispensastes. Agradeço-Vos a luz e a graça com que hoje me favoreceis. Então não Vos amava e pouco se me dava ser amado de Vós. Agora Vos amo de todo o coração, e não sinto maior pena do que a de haver desagradado tanto a um Deus tão bom.

Meu doce Salvador, porque não morri mil vezes antes de Vos ter ofendido! Tremo só ao pensar que no futuro Vos posso ofender ainda. Fazei-me morrer da morte mais cruel, antes que eu perca de novo a vossa graça. Fizestes-me tantas graças que não pedia, que já não receio me negueis a que Vos peço agora. Não permitais que Vos perca; dai-me o vosso amor e nada mais desejo. — Maria, minha esperança, intercedei por mim.

Referências:

(1) Sl 72, 20
(2) Sl 4, 3
(3) Ap 14, 13

 Quarta-feira da Trigésima Quarta Semana do Tempo Comum

A pena da perda de Deus é o que faz o inferno

Iniquitates vestrae diviserunt inter vos et Deum vestrum – “As vossas iniquidades fizeram uma separação entre Vós e vosso Deus” (Is 59, 2)

Sumário. A malícia do pecado mortal consiste no desprezo da graça divina e na perda voluntária de Deus, o Bem supremo. Com toda a justiça, pois, a maior pena do pecador no inferno é tê-lo perdido, sem esperança de O tornar a achar. Se quisermos ter uma garantia de não incorrermos em tamanha desgraça, demo-nos inteiramente e sem reservas ao Senhor. O que não se dá inteiramente a Deus ou o serve com tibieza, corre grande risco de O perder para sempre.

I. A gravidade da pena deve corresponder à gravidade do delito. Os teólogos definem o pecado mortal por estas duas palavras: aversio a Deo — “aversão de Deus”. Eis, pois, em que consiste a malícia do pecado mortal: consiste no desprezo da graça divina e na perda voluntária de Deus, o Bem supremo. Pelo que com toda a justiça a maior pena do pecador no inferno é o ter perdido a Deus.

São grandes as demais penas do inferno: o fogo que devora, as trevas que obcecam, os uivos dos condenados que ensurdecem, o mau cheiro que faria morrer aqueles desgraçados se pudessem morrer, a estreiteza que os oprime e lhes tolhe a respiração; mas todas estas penas nada são comparadas com a perda de Deus. No inferno os réprobos choram eternamente, mas o objeto mais amargoso do seu choro é o pensar que perderam a Deus pela sua culpa.

Ó Deus, que grande bem perderam eles! Durante esta vida os objetos que nos rodeiam, as paixões, as ocupações temporais, os prazeres dos sentidos, as contrariedades não nos deixam contemplar a beleza e bondade infinita de Deus. Mas uma vez que a alma sai do corpo, reconhece logo que Deus é um bem infinito, infinitamente formoso, e digno de amor infinito. E sendo que foi criada para ver e amar esse Deus, quisera logo elevar-se a Ele e com Ele unir-se. Como, porém, está em pecado, acha levantado um muro impenetrável, quer dizer, o pecado mesmo que lhe fecha para sempre o caminho para Deus: As vossas iniquidades fizeram uma separação entre vós e o vosso Deus.

— Meu Senhor, graças Vos dou, porque não me foi ainda fechado este caminho, como tinha merecido, e porque posso ainda ir para Vós. Peço-Vos, não me repilais! Meu Jesus, com Santo Inácio de Loyola Vos direi: Aceito toda a pena, mas não a de ser privado de Vós.

II. Se quisermos ter uma garantia de que não perderemos o nosso Deus, consagremo-nos inteiramente a Ele. O que não se dá todo a Deus corre sempre o risco de Lhe virar as costas e de O perder. Uma alma, porém, que resolutamente se desapega de todas as coisas e se dá toda a Deus, não O perde mais; porquanto, Deus mesmo não consentirá que uma alma que se Lhe deu de todo o coração Lhe volte as costas e O perca. Pelo que um grande Servo de Deus dizia que, em lendo-se a queda de alguns que primeiro levaram vida santa, se deve concluir que eles nunca se deram a Deus com todas as véras.

— Demo-nos, pois, ao Senhor sem reserva e roguemos-Lhe sempre pelos merecimentos de Jesus Cristo que nos livre do inferno. Especialmente deve pedir isso aquele que na sua vida já perdeu a Deus por algum pecado grave.

Ai de mim, ó Senhor, que pelo desprezo da vossa graça mereci estar para sempre separado de Vós, meu Bem supremo, e odiar-Vos para sempre. Agradeço-Vos o me haverdes suportado quando estava na vossa inimizade: se então tivesse morrido, que seria de mim? Mas já que me prolongastes a vida, fazei que dela nunca me sirva para Vos ofender de novo, mas unicamente para Vos amar e para chorar os desgostos que Vos dei.

Meu Jesus, d’oravante sereis Vós o meu único amor; e o meu único temor será o de Vos ofender e de me separar de Vós. Nada, porém, posso, se não me ajudardes. Prendei-me sempre mais a Vós pelos laços de vosso santo amor; reforçai as santas e doces correntes de salvação, que me liguem mais e mais convosco. Pelos méritos de vosso Sangue espero que me ajudareis para ser sempre vosso, ó meu Redentor, meu amor, meu tudo: Deus meus et omnia.

— Ó grande Advogada dos pecadores, Maria, ajudai um pecador que se recomenda a vós e em vós confia.

 Quinta-feira da Trigésima Quarta Semana do Tempo Comum

Da assistência à Santa Missa

Immolabit (agnum) universa multitudo filiorum Israel – “Toda a multidão dos filhos de Israel imolará (um cordeiro)” (Ex 12, 6)

Sumário. Para ouvir a missa com devoção, devemos ter bem presente que o sacrifício do altar é o mesmo que foi um dia oferecido no Calvário, posto que se ofereça sem derramamento de sangue. Avivemos, pois, a nossa fé, e, quando assistirmos aos augustos mistérios, afiguremo-nos que em companhia de Maria Santíssima e de São João estamos ao pé da árvore da Cruz, para oferecer ao Pai Eterno a vida de seu Filho adorável. E, quando tivermos a ventura de comungar, façamos que bebemos o Sangue preciosíssimo do Coração amável de Jesus Cristo.

I. Para ouvir a missa com devoção, devemos ter bem presente que o sacrifício do altar é o mesmo que foi oferecido um dia no Calvário; com esta diferença: que ali o sangue de Jesus se derramou realmente, e aqui só se derrama misticamente. Se então tivesses estado no Calvário, com que devoção e ternura terias assistido a tão sublime sacrifício! Aviva, pois, a tua fé e pensa que a mesma oferenda de então se renova sobre o altar pela mão do sacerdote. Por isso, cada vez que assistires à missa, afigura-te que em companhia de Maria Santíssima e de São João te achas ao pé da árvore da Cruz, para ofereceres a Deus Pai a vida de seu adorável Filho. Se tiveres ainda a ventura de comungar, faze que da chaga do sagrado Coração de Jesus estás bebendo o seu preciosíssimo Sangue.

Além disso deves lembrar-te que o assistir à missa é de algum modo oferecê-la; porque o sacerdote, sendo ministro público, obra, fala e ora em nome de todos os fiéis e em particular daqueles que assistem. De modo que, ouvindo devotamente a missa, também tu, posto que não sejas sacerdote, ofereces de algum modo a Deus um sacrifício de valor infinito, e pagas-Lhe, segundo a justiça, as quatro grandes dividas que Lhe deves: a de honrá-Lo tanto como merece a sua grandeza; a de satisfazer-Lhe, conforme exige a sua justiça; a de agradecer-Lhe à proporção da sua liberalidade; e finalmente a de pedir-Lhe tudo o que exige a nossa miséria.

É, pois, com razão que um autor célebre dizia:

“Antes quisera eu perder o mundo inteiro, do que uma só missa, porque sei que o que na terra podemos fazer de mais sublime para a glória de Deus é exatamente a missa, na qual o próprio Jesus Cristo se oferece para dar a seu Pai uma glória infinita. — Que consolo sinto depois de assistir à missa! Então, posto que não seja sacerdote, eu também ofereci à Deus um sacrifício de valor infinito. Ó meu amado Jesus, que tesouro inestimável possuímos em Vós, se soubéssemos apreciá-lo.” (1)

II. Ainda que a missa tenha um valor infinito, Deus o aceita de um modo finito, segundo a disposição daquele que a ouve. Por isso, procura ouvir quantas missas puderes. — Visto que a Igreja católica tem seus ministros em todas as regiões que o sol ilumina sucessivamente, e assim, por consequência, não há hora do dia ou da noite em que não se celebre em alguma parte do mundo o divino sacrifício, forma de manhã a intenção de assistir a todos estos milhares de missas, e com este pensamento consolador santifica todas as ocupações do dia e todos os momentos de insônia durante a noite.

Convence-te de que o dia começado devotamente ao pé do altar será um dia acompanhado da bênção de Jesus Cristo; será, portanto, um dia cristão e cheio de merecimentos para a vida e para a eternidade. Oh! Quão abundante provisão de paciência, de força, de resignação para durante o dia tiram as almas desta fonte inesgotável do divino sacrifício!

Meu Deus, adoro a vossa Majestade infinita e quisera honrar-Vos tanto como mereceis. Mas que honra Vos pode dar um pecador miserável? Ofereço-Vos a honra que continuamente Vos tributa Jesus Cristo sobre o altar em todas as missas que agora estão sendo celebradas e serão celebradas no futuro, até à consumação dos séculos.

— Detesto, ó Senhor, e abomino mais que todos os males, os desgostos que Vos hei causado, e em satisfação ofereço-Vos o vosso Filho, que por nosso amor se sacrifica novamente sobre o altar. Eu Vô-lo ofereço também em ação de graças por todos os favores que me tendes dispensado desde o princípio da minha vida até ao presente. Rogo-Vos, pelos merecimentos desse preciosíssimo Sangue, que me perdoeis as ingratidões para convosco, e me concedais um amor ardente a Jesus sacramentado, e a santa perseverança até à morte.

— Ó grande Mãe de Deus e minha Mãe, Maria, peço-vos a mesma graça.

Referências:

(1) M. de Bernières

 Sexta-feira da Trigésima Quarta Semana do Tempo Comum

A Paixão de Jesus Cristo, nossa Consolação

Recogitate eum qui talem sustinuit a peccatoribus adversum semetipsum contradictionem, ut ne fatigemini, animis vestris deficientes – “Não deixeis de pensar naquele que dos pecadores suportou contra si uma tal contradição; para que não vos fatigueis, desfalecendo em vossos ânimos” (Hb 12, 3)

Sumário. O Senhor chama com razão a si todos aqueles que sofrem e gemem sob o peso das tribulações; porque neste vale de lágrimas ninguém nos pode consolar tanto como Jesus crucificado. Em todas as perseguições, calúnias, desprezos, enfermidades, misérias, especialmente em vendo-nos opressos pelos sofrimentos e abandonados por todos, lancemos um olhar sobre a cruz de Jesus, lembremo-nos do muito que Ele sofreu por nós, unamos os nossos sofrimentos aos de Jesus e teremos achado o remédio mais eficaz para todos os nossos males.

I. Neste vale de lágrimas, quem nos pode consolar melhor do que Jesus crucificado? Nos remorsos de consciência, suscitados pela lembrança de nossos pecados que poderá melhor suavizar as nossas angústias, do que a certeza de que Jesus Cristo se quis entregar à morte a fim de satisfazer pelas nossas culpas? Dedit semetipsum pro peccatis nostris — “(Jesus) se deu a si mesmo pelos nossos pecados” (1). Em todas as perseguições, calúnias, desprezos, privações de bens e dignidades que nos sobrevêm na nossa vida, quem nos poderá melhor fortalecer, para sofrermos com paciência e resignação, do que Jesus Cristo desprezado, caluniado e pobre, que morre numa cruz nu e abandonado por todos?

Quando estamos doentes, deitamo-nos numa cama bem arranjada; quando, porém, Jesus estava enfermo na cruz na qual morreu, não teve outro leito senão um rude lenho, em que foi pregado com três cravos; nem teve outro travesseiro senão a coroa de espinhos, que continuou a atormentá-lo até ao último suspiro. Quando estamos doentes, vemos o leito rodeado de parentes e amigos, que se compadecem de nós, e nos procuram distrair; Jesus morreu cercado de inimigos, que ainda na hora da sua agonia e da morte já próxima o injuriavam e escarneciam como a um malfeitor e sedutor.

Nada consola tanto um enfermo nas dores que sofre, especialmente quando na sua enfermidade se vê abandonado por todos os mais, como a vista de Jesus crucificado. Ah! O alívio maior que então pode experimentar um pobre enfermo, é unir os próprios sofrimentos aos de Jesus Cristo. — Ainda nas angústias mais acerbas da morte, tais como os assaltos do inferno, a vista dos pecados cometidos e as contas que em breve se terá que dar ao Juiz divino, a única consolação que pode haver um moribundo, já nas vascas da morte, é abraçar o Crucifixo e dizer: Meu Jesus e meu Redentor, Vós sois o meu amor e a minha esperança.

II. Toda a verdadeira consolação que podemos desejar, todas as graças que Deus nos concede, todas as luzes, inspirações, santos desejos, bons afetos, dor dos pecados, bons propósitos, amor de Deus, esperança do céu: todos estes bens são frutos e dons que nos veem da Paixão de Jesus Cristo. Pelo que São Boaventura nos anima dizendo que “aquele que se aplica a meditar com devoção na vida e paixão santíssima do Senhor, acha ali tudo de que precisa; e nada terá que buscar fora de Jesus”. E Santo Agostinho acrescenta que para obtermos graças celestes especiais vale mais uma só lágrima derramada em memória da Paixão do Senhor, do que uma peregrinação a Jerusalém e um ano de jejum a pão e água.

Mas quem mais ânimo nos inspira, é nosso divino Redentor: Venite ad me omnes, qui laboratis et onerati estis; et ego reficiam vos (2) — “Vinde a mim todos os que vos achais em sofrimentos e sobrecarregados; e eu vos aliviarei”. Meus queridos filhos, diz Jesus, vós que gemeis sob o peso das culpas próprias e sois combatidos pela concupiscência e corrupção do homem velho, ah! Não percais o ânimo. Chegai-vos à minha cruz, recorrei a mim e eu vos livrarei de todo o mal; persuadi-vos de que em nenhuma parte achareis remédio tão eficaz, como na meditação de minhas chagas.

Ó meu Jesus, que esperança me poderia restar, a mim, que tantas vezes Vos voltei as costas e mereci o inferno? Que esperança poderia ainda nutrir, de um dia, entre tantas virgens inocentes, entre tantos santos mártires, entre os apóstolos e serafins, ir gozar no céu de vossa bela face, se Vós, meu Salvador, não tivésseis morrido por mim? É a vossa Paixão que, apesar dos meus pecados, me faz esperar de um dia ir na companhia dos Santos e de vossa santíssima Mãe, cantar as vossas misericórdias, agradecer-Vos e amar-Vos para sempre no paraíso. Meu Jesus, assim espero. Misericordias Domini in aeternum cantabo (3) — “Eu cantarei eternamente as misericórdias do Senhor”.

— Ó Maria, Mãe de Deus, rogai a Jesus por mim.

Referências:

(1) Gl 1, 4
(2) Mt 11, 28
(3) Sl 88, 2
7x Sábado da Trigésima Quarta Semana do Tempo Comum
Maria Santíssima conduz os seus servos ao paraíso

Qui me invenerit, inveniet vitam, et hauriet salutem a Domino – “Aquele que me achar, achará a vida, e haverá do Senhor a salvação” (Pv 8, 35)

Sumário. De que serve inquietarmo-nos com as sentenças das escolas sobre a predestinação para a glória? Quem é verdadeiramente servo de Maria está certo de que está escrito no livro da vida e se salvará; porque de todos aqueles que perseveram na sua devoção a esta bem-aventurada Mãe, ninguém se perdeu. Só se condena aquele que não recorre a ela ou deixa de ser seu servo. Procuremos, portanto, entrar sempre mais e permanecer nesta arca da salvação; e cada vez que nos for possível, procuremos, por palavras e exemplos, fazer que outros também ali entrem.

I. Oh! Que belo sinal de predestinação têm os servos de Maria! A santa Igreja aplica a esta bem-aventurada Mãe as palavras da Sabedoria divina e lhe faz dizer: In omnibus requiem quaesivi et in haereditate Domini morabor (1) — “Em toda parte busquei repouso e morarei na herança do Senhor”. A Santíssima Virgem, pelo amor que tem para com os homens, procura fazer que em todos reine a sua devoção. Muitos ou não a recebem, ou não a conservam; porém, bem-aventurado aquele que a recebe e a conserva, porque nesta devoção habita em todos aqueles que são a herança do Senhor, isto é, que irão ao céu louvá-Lo eternamente.

Qui audit me, non confundetur (2) — “Aquele que me ouve, não será confundido”. De todos aqueles que recorreram a esta Rainha de misericórdia, nenhum ficou confundido. A experiência de todos os dias demonstra que aqueles que operam por ela, que a honram, e especialmente aqueles que com palavras e exemplos procuram que outros também a amem, nunca cairão em pecado e viverão eternamente. Numa palavra, diz Maria Santíssima: Aquele que me achar, achará a vida, e haverá do Senhor a salvação. Ao contrário, aquele que de mim se afastar, achará infalivelmente a morte; porque ficará privado daqueles socorros que não se dispensam aos homens senão pelo meu intermédio. — É assim que a santa Igreja, de acordo com todos os Doutores, faz a divina Mãe falar, para conforto dos seus servos. — De que serve, pois, inquietarmo-nos com as sentenças das Escolas, sobre se a predestinação para a glória é anterior ou posterior à previsão dos merecimentos? Se estamos ou não escritos no livro da vida? Se formos verdadeiros servos de Maria, e alcançarmos a sua proteção, seguramente nele havemos de ser inscritos e nos salvaremos.

II. Santa Maria Madalena de Pazzi viu no meio do mar uma pequena nau, em que estavam embarcados todos os devotos de Maria, e ela, fazendo ofício de piloto, seguramente os conduzia ao porto do céu. Procuremos, pois, entrar nesta nau bem aventurada da proteção de Maria, sejamos devotos verdadeiros da Virgem, pois assim estaremos seguros de alcançar o reino do céu.

Não nos contentemos com amar, só por nós, esta Senhora amabilíssima; mas sempre que nos for possível, em público ou em particular, esforcemo-nos para que ela seja também amada dos outros. Fazendo isso, exerceremos um apostolado muito frutuoso, pois que todos aqueles que por nosso intermédio abraçarem a devoção para com Maria Santíssima, serão depois os nossos eternos companheiros no céu.

Ó Rainha do paraíso, que assenta acima de todos os coros angélicos, ocupais o primeiro lugar junto do trono de Deus! Do fundo deste vale de lágrimas, eu, miserável pecador, vos saúdo, e peço vos digneis volver para mim vossos olhos cheios de misericórdia. Vêde, ó Maria, em que perigos me acho e acharei enquanto viver nesta terra, de perder minha alma, o paraíso e meu Deus. Em vós, ó minha Rainha, hei posto todas as minhas esperanças. Amo-vos, e suspiro pelo momento de vos ir ver e louvar no paraíso. Ah, Maria! Quando chegará o dia em que me verei já salvo aos vossos pés? Quando beijarei essas mãos que me dispensaram tantas graças?

É verdade, ó minha Mãe, que muito ingrato vos tenho sido durante a minha vida; mas se chego ao paraíso, lá vos amarei a cada instante durante toda a eternidade, e repararei a minha ingratidão passada por bênçãos e ações de graças sem fim. A Deus agradeço por me dar esta confiança no sangue de Jesus Cristo e na vossa poderosa intercessão. Assim esperam os vossos verdadeiros servos e nenhum foi frustrado na sua esperança. Também eu não o serei.

— Ó Maria, suplicai a Jesus, vosso divino Filho, — assim como eu também o faço pelos merecimentos da sua Paixão, — que confirme e aumente sempre mais em mim estas esperanças. Amém.

Referências:

(1) Eclo 24, 11
(2) Eclo 24, 30