PODEMOS FAZER IMAGENS DE DEUS?
Em Êxodo 20, 3-5, no primeiro mandamento, Deus proíbe o povo de Israel de ter outros deuses e de fazer imagens para adorá-las:
“Não terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti qualquer ídolo ou figura do que existe em cima nos céus, ou embaixo na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles, nem os servirás, pois eu sou o SENHOR, teu Deus, um Deus zeloso…”.
É um fato bastante conhecido que, nesse mandamento, Deus não proíbe a confecção de qualquer tipo de imagem, mas apenas de ídolos, para fins de adoração, já que o próprio Deus mandou que o povo de Israel fizesse imagens: querubins de ouro em cima da arca da Aliança (Ex 25, 16-22; 1Rs 6, 23-27), animais e querubins no templo de Salomão (1 Rs 7, 28-30) e a serpente de bronze no deserto (Nm 21, 8-9). Portanto, não se pode usar o primeiro mandamento para proibir a confecção de imagens de Nossa Senhora, anjos e santos.
Entretanto, muitas pessoas ficam na dúvida se Deus pode ser representado por meio de imagens, por causa da passagem de Deuteronômio 4, 12.15-18, onde Moisés descreve a fala de Deus no monte Horeb (Sinai), ao entregar os Dez Mandamentos, e traz um mandamento a partir disso:
“Então, o SENHOR vos falou do meio do fogo. Ouvíeis a voz das palavras, mas não enxergáveis figura alguma, só havia uma voz! […] Tende muito cuidado! Não vistes figura alguma no dia em que o SENHOR vos falou no Horeb, do meio do fogo. Não vos entregueis à corrupção, fazendo qualquer estátua de alguma figura, qualquer ídolo com forma masculina ou feminina, forma de animal vivendo sobre a terra ou forma de ave voando no céu, forma de bicho rastejando pelo chão ou forma de qualquer peixe vivendo na água, debaixo da terra”.
Nessa passagem, Deus, de fato, proíbe Israel de representá-lo por meio de imagens. Como explicar, então, que a Igreja Católica, desde o início, como na Catacumba de Domitila, no século II, tem feito imagens do Senhor Jesus Cristo, que é Deus? A resposta a essa pergunta foi dada há muito tempo, pelo último dos Padres da Igreja: São João Damasceno.
No século VII, o Islamismo, que proibia representações de Deus, avançou para regiões anteriormente ocupadas por cristãos, inclusive no Oriente Médio, Oriente Próximo e em parte da Ásia Menor. Sob essa influência islâmica, no século VIII, alguns cristãos, conhecidos como iconoclastas (“quebradores de imagens”), começaram a se opor ao uso de imagens, inclusive de Nosso Senhor, usando passagens como a de Deuteronômio acima. É nesse contexto que São João Damasceno, monge e sacerdote sírio, reconhecido como Doutor da Igreja, escreve em favor das imagens do Cristo, lançando as bases para a decisão favorável às imagens do Sétimo Concílio Ecumênico, o Segundo de Nicéia, em 787. Comentando a passagem de Deuteronômio 4, 15-17, ele reconhece que o Deus invisível não pode ser retratado:
“Entenda que Ele proíbe a fabricação de imagens para servirem como ídolos, e que é impossível fazer uma imagem do imensurável, incircunscrito, Deus invisível. […] Que sabedoria a do legislador. Como descrever o invisível? Como retratar o inconcebível? Como dar expressão ao ilimitado, o imensurável, o invisível? Como dar forma a imensidão? Como pintar a imortalidade? Como localizar o mistério?” (Apologia contra os que condenam as imagens sagradas).
Todavia, ele continua explicando que a Encarnação do Filho de Deus inaugurou uma nova “economia” das imagens (cf. Catecismo da Igreja Católica, 1159):
“É claro que quando você contempla a Deus, que é puro espírito, tornando-se homem por nossa causa, você será capaz de vesti-lo com a forma humana. Quando o Invisível se torna visível para a carne, então é possível retratar a imagem de sua forma. Quando Ele, que é puro espírito, sem forma ou limite, imensurável na imensidão de sua própria natureza, existindo como Deus, toma sobre Si a forma de servo em substância e em estatura, e um corpo de carne, então você pode desenhar Seu semblante, e mostrá-lo para qualquer pessoa disposta a contemplá-lo […] Desde a antiguidade, Deus o incorpóreo e incircunscrito nunca foi retratado. Agora, no entanto, quando Deus é visto revestido de carne, e conversando com os homens (Br 3, 38), eu faço uma imagem do Deus a quem eu vejo” (Apologia contra os que condenam as imagens sagradas).
Observe que a proibição de Deuteronômio tem um motivo: Israel não pode fazer imagens de Deus, porque não viu Deus no Sinai, mas apenas ouviu sua voz, sua Palavra. Porém, no Novo Testamento, “a Palavra se fez carne e veio morar entre nós”, e nós não apenas a ouvimos, mas também “contemplamos a sua glória, glória como do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade. […] A Deus, ninguém jamais viu. O Deus Unigênito, que está no seio do Pai, foi quem o revelou” (Jo 1, 14.18); ou, como é dito em 1Jo 1, 1-3:
“O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e nossas mãos apalparam da Palavra da Vida – vida esta que se manifestou, que nós vimos e testemunhamos, vida eterna que a vós anunciamos, que estava junto do Pai e que a nós se manifestou –, isso que vimos e ouvimos, nós vos anunciamos…”.
Desse modo, se o motivo para se proibir imagens de Deus no Antigo Testamento era que Deus não tinha sido visto, e no Novo Testamento Deus foi visto, segue-se que a proibição não mais permanece. Por essa razão, São João Damasceno afirma, e a Igreja Católica com ele no Segundo Concílio de Niceia, que, a partir da encarnação, Deus pode ser representado por meio de imagens. Isso se aplica principalmente ao Filho, mas também ao Pai (“Quem me viu, viu o Pai” – Jo 14, 9) e ao Espírito Santo (“Eu vi o Espírito, como pomba, descer do céu e permanecer sobre ele” – Jo 1, 32). Continua sendo verdadeiro que não conseguimos representar o Deus incircunscrito, invisível. Mas uma imagem de Deus se propõe a representar apenas aquilo que Deus revelou e que se tornou visível.
Então, podemos fazer imagens de Deus? Não só podemos, como devemos:
“devem ser colocadas nas santas igrejas de Deus, sobre as alfaias e vestes sagradas, nos muros e em quadros, nas casas e nos caminhos […] tanto a imagem de nosso Senhor, Deus e Salvador, Jesus Cristo, como a de nossa Senhora, a puríssima e santa Mãe de Deus, a dos santos anjos e de todos os santos e justos” (Segundo Concílio de Niceia).
André Aloísio
Teólogo
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