Devoções

UM BREVE COMENTÁRIO À ORAÇÃO DA AVE MARIA: SAUDAÇÃO DE SANTA ISABEL (PARTE 1)

por André Aloísio • Você e mais 87 pessoas leram este artigo Comentar

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Nos últimos dois artigos sobre a oração da Ave Maria, analisamos a primeira parte da oração, que consiste na saudação do Arcanjo Gabriel à Nossa Senhora (“Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco”, de Lc 1, 28). Neste artigo e no próximo, examinaremos a segunda parte, a saudação de Santa Isabel (“Bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus”, de Lc 1, 42).

“Bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus”

Na saudação de Santa Isabel, Nossa Senhora e Nosso Senhor são chamados, respectivamente, de “bendita” (“eulogemene”) e “bendito” (“eulogemenos”). O verbo por trás dessa palavra no grego é “eulogeo”, composto por duas palavras: “eu” (“bom” ou “bem”) e “logeo” (“falo”, da mesma raiz de “logos”, “palavra”). O significado primário desse verbo, portanto, é “falar bem”, “louvar”, “exaltar”. Inclusive, um adjetivo da mesma raiz (“eulogetos”) é usado por São Paulo em Ef 1, 3 para louvar a Deus. Assim, a tradução “bendito” captura bem esse sentido básico. Mas, além disso, o verbo “eulogeo” tem o sentido derivado de “abençoar”, como em Gn 1, 28 na Septuaginta (tradução grega do Antigo Testamento), e esse certamente é o sentido mais proeminente nesta saudação. A Virgem Maria e seu Filho são abençoados.

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Outro dado importante é que o verbo grego “bendito” em Lc 1, 42 é um particípio perfeito na voz passiva. Isso significa que Maria Santíssima e o Menino Jesus são alvos da bênção de Deus (voz passiva), receberam essa bênção antes do encontro com Santa Isabel (na Anunciação do Arcanjo e na própria concepção da Virgem Maria no ventre de sua mãe, como visto no artigo anterior; cf. Lc 1, 28) e, como consequência, continuam abençoados (tempo perfeito).

Para compreendermos tudo o que esta saudação nos ensina sobre a Virgem Maria, precisamos analisá-la a partir de dois contextos: o contexto da Visitação de Nossa Senhora à Santa Isabel (Lc 1, 39-56), onde esta saudação ocorre, e o contexto das passagens do Antigo Testamento que são aludidas na Visitação e nesta saudação. Neste artigo, vamos nos concentrar no contexto da visitação.

Visitação de Nossa Senhora à Santa Isabel

Na anunciação do Arcanjo Gabriel à Nossa Senhora, além de lhe falar sobre o nascimento do Senhor Jesus Cristo, ele também lhe informou sobre a gravidez de Santa Isabel, sua parenta (prima, segundo a tradição), na velhice (Lc 1, 36). Isso motivou a Virgem Maria a visitar sua prima na região montanhosa de Judá (Lc 1, 39). Quando Nossa Senhora saudou Santa Isabel (Lc 1,40), São João Batista saltou de alegria no ventre de sua mãe e Santa Isabel ficou cheia do Espírito Santo (Lc 1, 41). De fato, o Arcanjo São Gabriel havia dito a São Zacarias, pai de São João Batista, que ele seria cheio do Espírito Santo desde o ventre de sua mãe (Lc 1, 15).

Por causa desse acontecimento, Santa Isabel saúda a Virgem Maria com a saudação que estamos examinando, chamando-a de “bendita” e seu filho de “bendito” (Lc 1, 42). Ao dizer “bendito é o fruto do teu ventre”, Santa Isabel está fazendo referência a Dt 28, 1-2, 4: “Se ouvires atentamente a voz do SENHOR, teu Deus, guardando e praticando todos os seus mandamentos que eu hoje te ordeno, […] todas estas bênçãos virão sobre ti e te seguirão, por dares ouvido à voz do SENHOR, teu Deus. […] Bendito será o fruto do teu ventre”. Em outras palavras, a Virgem Santíssima mereceu trazer o Cristo bendito em seu ventre por causa de sua obediência à Palavra de Deus (Lc 1, 38), resultado da graça divina que a alcançou em sua Imaculada Conceição (Lc 1, 28).

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Santa Isabel diz mais: “Como me acontece que a mãe do meu Senhor venha a mim?” (Lc 1, 43). Ou seja, o Filho de Maria Santíssima não é apenas o Cristo, mas também o Senhor de Santa Isabel. Se ele é o Senhor, e o Senhor é Deus (Lc 1, 28. 32. 38. 46. 58. 68), segue-se que o Filho da Virgem Maria é Deus e ela é a Mãe de Deus.

Santa Isabel continua: “Bem-aventurada aquela que acreditou, porque se cumprirá o que lhe foi dito da parte do Senhor” (Lc 1, 45). A palavra “bem-aventurada” (“makaria”) é a mesma palavra usada no Sl 1, 1 na Septuaginta, para descrever o homem que tem o seu prazer na lei do Senhor e que nela medita dia e noite (Sl 1, 2). Pode ser traduzida como “abençoada”, mas, pensando no significado da palavra hebraica equivalente (“ashre”), a melhor tradução é “verdadeiramente feliz”. Nossa Senhora é verdadeiramente feliz porque acreditou, e não, pura e simplesmente, por causa de uma relação biológica com o Cristo. Ela é a bem-aventurada porque guardou a Palavra no coração, antes de guardá-la em seu ventre. É por isso que, quando uma mulher disse ao Senhor Jesus: “Bem-aventurado o ventre que te gerou e os seios que te amamentaram” (Lc 11, 27), ele a corrigiu imediatamente: “Bem-aventurados, antes, os que ouvem a Palavra de Deus e a guardam” (Lc 11, 28), que foi exatamente o que sua Mãe fez (cf. Lc 2, 19. 51).

Em reposta à saudação de Santa Isabel, Nossa Senhora louva a Deus com o chamado “Magnificat”, o “Cântico de Maria” (Lc 1, 46-55). Nessa oração, a Virgem Maria diz, entre outras coisas, que “Todas as gerações, desde agora, me chamarão bem-aventurada, porque o Poderoso fez por mim grandes coisas” (Lc 1, 48-49). Assim, Maria Santíssima prevê que o louvor que lhe foi dirigido por Santa Isabel seria repetido por todas as gerações desde então. Toda vez que rezamos uma Ave Maria, estamos nos unindo a essa multidão que exalta Nossa Senhora como a “bendita”.

Ao concluirmos este exame da saudação de Santa Isabel à luz do contexto da Visitação, podemos dizer que, ao saudarmos a Virgem Maria como “bendita entre as mulheres”, estamos louvando-a como a abençoada e verdadeiramente feliz, porque guardou a Palavra em seu coração, merecendo, assim, trazê-la em seu ventre e se tornar a Mãe de Deus. Porém, mais do que palavras em nossos lábios, essas verdades devem se tornar realidades em nossas vidas. Nós devemos imitar a fé e obediência de Nossa Senhora, devemos guardar a Palavra de Deus em nossos corações, para não pecarmos contra Deus (Sl 119, 11) e para produzirmos fruto (Mt 13, 23):

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“A Igreja que contempla a sua santidade misteriosa e imita a sua caridade [da Virgem Maria], cumprindo fielmente a vontade do Pai, torna-se também, ela própria, mãe, pela fiel recepção da palavra de Deus: efetivamente, pela pregação e pelo Baptismo, gera, para vida nova e imortal, os filhos concebidos por ação do Espírito Santo e nascidos de Deus” (Lumen Gentium 64).

André Aloísio

Teólogo

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