Apresentação

“Toda Santidade consiste em amar a Deus e todo o amor a Deus consiste em fazer a sua vontade”

Apresentamos aqui a coleção de meditações católicas diárias escritas por Santo Afonso de Ligório. Obra esta compilada em 3 Tomos e que compreendem todos os dias e festas do ano, todas tiradas de suas mais de 120 obras publicadas. Para facilitar e organizar todo o conteúdo, colocaremos as meditações separadas por tempo, assim, tornar-se-á mais fácil de encontrar um artigo desta preciosa obra deste grande Santo da nossa Santa Igreja dentro do Pocket Terço.

Essas meditações são para o Tempo Comum (entre a 10ª e a 21ª Semana do Tempo Comum) após o Tempo da Páscoa até o Tempo do Advento.

Recomendamos que faça essas meditações seguindo a Meditação Dirigida disponível aqui no aplicativo. Quando chegar no momento de realizar a leitura meditada, volte aqui para ler.

Fonte:
LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921.

(rumoasantidade.com.br/meditacoes-santo-afonso)
1ª parte

 Décima Semana do Tempo Comum

(Primeira Semana depois de Pentecostes)

Segunda-feira: A salvação é o negócio mais importante e o mais descuidado

Terça-feira: A pena dos sentidos no inferno

Quarta-feira: Necessidade da observança regular para um religioso

Quinta-feira: Respeito devido à dignidade sacerdotal

Sexta-feira: Devoção de Santo Afonso à Paixão de Jesus Cristo

Sábado: Maria Santíssima, modelo de castidade

 Segunda-feira da Décima Semana do Tempo Comum

A salvação é o negócio mais importante e o mais descuidado

Quam dabit homo commutationem pro anima sua? – “Que dará o homem em troca da sua alma?” (Mt 16, 26)

Sumário. Coisa estranha! Ninguém quer passar por negligente nos negócios do mundo e muitos não tem pejo de descuidar o negócio da eternidade, o mais importante de todos. Muitos fazem até tudo para perderem a alma e a maior parte dos cristãos vivem como se as verdades eternas fossem outras tantas fábulas. Nós ao menos não sejamos tão insensatos e pensemos seriamente de que nada nos serviria ganharmos o mundo inteiro, se depois viéssemos a perder a nossa alma. Perdida alma, está tudo perdido, e para sempre!

I. A salvação eterna é certamente o negócio que sobre todos os outros mais nos interessa, porque dele depende a nossa eterna felicidade ou desgraça. Todavia é deste negócio que os cristãos menos se ocupam. Não se poupa nenhum cuidado, nem se perde nenhum momento, para chegar a tal dignidade, ganhar tal demanda, concluir tal negócio; que de conselhos então, que de providenciais! Não se come, não se dorme. Mas depois, que se faz para assegurar a salvação eterna? Como é que se vive? Não se faz nada, ou, para melhor dizer, faz-se tudo para a perder e a maior parte dos cristãos vive como se a morte, o juízo, o inferno, o céu e a eternidade não fossem verdades da fé, mas sim fábulas inventadas pelos poetas.

Que mágoa não sentimos quando se perde uma demanda, uma colheita! Quantos cuidados para reparar o prejuízo! Quando se perde um cavalo, um cão, quantas diligências para os reaver! Perdemos a graça de Deus e dormimos e gracejamos e rimos! – Coisa estranha! Cada um tem pejo de passar por negligente nos negócios do mundo; e são inúmeros os que não têm pejo de se descuidar do negócio da salvação, o mais importante de todos! Confessam que os Santos foram verdadeiros sábios, porque só trabalharam para se salvarem e eles mesmos ocupam-se de todas as cosias do mundo com exceção da sua própria alma!

Mas vós, diz são Paulo, ao menos vós, meus irmãos, aplicai-vos ao grande negócio da vossa salvação eterna, que é o negócio que mais vos interessa: Rogamus vos, ut vestrum negotium agatis (1). “Porquanto”, exclama Jesus Cristo, “de que serve ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma? Ou que dará o homem em troca de sua alma? (2)” Perdida a alma está tudo perdido, e perdido para sempre.

II. Persuadamo-nos de que a salvação eterna é para nós o negócio mais importante, por ser irreparável se não o realizarmos. Portanto, a fim de o levarmos a feliz êxito, não receemos trabalhos nem fadigas. “O reino eterno”, diz são Bernardo, “não se da aos preguiçosos, mas aos que se houverem valorosamente no serviço de Jesus Cristo.”

Ah! Meu Deus, graças Vos dou por me achar ainda aqui aos vossos pés e não no inferno, tantas vezes por mim merecido. Mas de que me serviria a vida que me concedeis, se eu continuasse a viver privado da vossa graça? Nunca mais isto me suceda! Virei-Vos as costas e Vos perdi, ó meu supremo Bem. Arrependo-me de todo o coração e antes tivesse morrido mil vezes! Eu Vos perdi; mas o Profeta me diz que sois todo bondade e Vos deixais achar pela alma que Vos busca: Bonus est Dominus animae quarenti illum (3) . Se no passado tenho fugido de Vós, ó Rei de meu coração, agora Vos busco e só a Vós quero buscar.

Amo-Vos, † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas, com todo o afeto da minha alma. Aceitai-me e não desprezeis o amor de um coração que algum tempo Vos desprezou. Doce me facere voluntatem tuam (4) – “Ensinai-me a fazer a vossa vontade.” Dizei-me o que devo fazer para Vos agradar; quero fazer tudo que desejardes. Meus Jesus, salvai a minha alma, pela qual destes o sangue e a vida; dai-me a graça de Vos amar sempre nesta vida e na outra.

Espero tudo pelos vossos merecimentos. Confio também em vossa intercessão, ó grande Mãe de Deus e minha Mãe, Maria.

Referências:

(1) 1 Ts 4, 11
(2) Mt 16, 26
(3) Lm 3, 25
(4) Sl 142, 10

 Terça-feira da Décima Semana do Tempo Comum

A pena dos sentidos no inferno

Quantum glorificavit se et in deliciis fuit, tantum date illi tormentum et luctum – “Quanto se glorificou e esteve em delícias, tanto lhe dai de tormento e pranto” (Ap 18, 7)

Sumário. É com razão que o inferno é chamado um lugar de tormentos, porque ali todos os sentidos e todas as faculdades do condenado terão o seu tormento próprio; e quanto mais tiver ofendido a Deus com algum dos sentidos, tanto mais terá de sofrer nesse sentido. Meu irmão, vê se a vida que levas te inspira confiança de não caberes naquele abismo. Quantos cristãos meditaram no inferno como tu, mas, porque não quiseram romper com o pecado e abusaram da divina misericórdia, estão agora queimando ali para sempre!

I. É um ponto da fé que há um inferno, horrível prisão destinada a punir os que se revoltaram contra Deus. O que é o inferno? Um lugar de tormentos: locus tormentorum, como o chama o mau rico condenado (1). É um lugar de tormentos, onde todos os sentidos e todas as faculdades do condenado terão o seu tormento próprio e quanto mais alguém tiver ofendido a Deus com algum dos sentidos, tanto mais terá a sofrer neste mesmo sentido: Quantum in deliciis fuit, tantum date illi tormentum.

A vista será atormentada pelas trevas. Que compaixão não sentiríamos, se soubéssemos que um pobre homem está encerrado num cárcere escuro por toda a vida, por quarenta ou cinqüenta anos! O inferno é um abismo fechado de todos os lados, onde nunca penetrará um raio de sol ou de qualquer outra luz. O fogo mesmo que na terra ilumina, no inferno deixará de ser luminoso, tão somente arderá.

O olfato terá também o seu suplício. Quanto não sofreríamos se estivéssemos num quarto junto com um cadáver em putrefação? De cadaveribus eorum ascendet foetor (2) – “De seus cadáveres levantar-se-á grande fedor”. O condenado deve ficar no meio de milhões e milhões de cadáveres, vivos com relação aos sofrimentos, mas verdadeiros cadáveres pelo mau cheiro que exalam. Diz São Boaventura que o corpo de um só condenado, se fosse atirado à terra, bastaria com a infecção para fazer morrer todos os homens.

E ainda há insensatos que dizem: “Se for para o inferno, não me hei de achar só“. Infelizes, quantos mais lá encontrarem, tanto mais sofrerão, por causa da infecção, dos gritos e do aperto, porque os réprobos estarão no inferno tão juntos uns dos outros, como ovelhas encerradas no curral durante a tempestade: Sicut oves in inferno positi sunt (3) – “Como ovelhas são postos no inferno“. Para melhor dizer, serão como uvas esmagadas no lagar da cólera de Deus. – Daí nasce o suplício da imobilidade. Da maneira como o condenado cair no inferno no último dia, estará sempre, sem nunca poder mudar de situação, sem nunca poder mexer pés nem mãos, enquanto Deus for Deus.

II. No inferno será também atormentado o ouvido, pelos rugidos e queixas daqueles infelizes desesperados. Como não se sofre quando se quer dormir e se ouvem os gemidos contínuos de um enfermo, o ladrar de um cão ou o choro de uma criança? Qual não será então o tormento dos condenados obrigados a ouvir incessantemente durante toda a eternidade estes ruídos e clamores insuportáveis?

O gosto será atormentado pela fome. O condenado sentirá uma fome canina: Famem patientur ut canes (4), mas nunca terá nem uma só migalha de pão. Terá uma tal sede, que nem todas as águas do mar bastariam para lh’a apagar; mas nem terá uma só gota. O mau rico pediu-a, mas nunca a obteve e nunca a obterá, nunca.

Aqui, Senhor, tendes aos vossos pés aquele desgraçado que tão pouco caso fez das vossas graças e dos vossos castigos! Ai de mim, se não tivésseis tido piedade! Quantos anos teria passado já nessa fornalha infecta, onde ardem tantos dos meus semelhantes! Ó meu Redentor, quanto este pensamento me abrasa no vosso amor! Como poderei no futuro pensar em Vos ofender? Ah, não! Meu bom Jesus, nunca isso aconteça; fazei-me antes mil vezes morrer.

Já que haveis começado, acabai a vossa obra. Tirastes-me do lodaçal dos meus muitos pecados e convidastes-me a Vos amar. Fazei com que empregue o tempo, que ainda me dais, todo para Vós. Com que ardor não desejariam os condenados um dia, uma hora desse tempo, que me concedeis! E eu continuarei a consumi-lo em coisas que Vos desagradam? Não, meu Jesus, peço-Vos, pelos merecimentos de vosso Sangue, que não o permitais.

– Amo-Vos, soberano Bem, e porque Vos amo, pesa-me de Vos haver ofendido. Não quero mais ofender-Vos, mas sim, amar-Vos sempre. – Minha Rainha e minha Mãe, Maria, rogai a Jesus por mim, e obtende-me o dom da perseverança e do seu santo amor.

Referências:

(1) Lc 16, 28
(2) Is 34, 3
(3) Sl 48, 15
(4) Sl 58, 15

 Quarta-feira da Décima Semana do Tempo Comum

Necessidade da observança regular para um religioso

Fili mi… custodi legem atque consilium, et erit vita animae tuae – “Filho meu… guarda a lei e o conselho e terá vida a tua alma” (Pv 3, 21)

Sumário. Cumpre observar que a predestinação dos religiosos está ligada à observância da Regra. Quem a transgride habitualmente, muito embora em coisas pequenas, posto que faça muitas outras coisas boas, não progredirá nunca na perfeição e trabalhará sem fruto. Foi por estas transgressões que começou a ruína de tantos que agora vivem fora da Ordem e talvez estão ardendo no inferno. Façamos muito caso da Regra; imaginemos que somente nós a temos de guardar e se virmos outros faltar à observância, procuremos suprir os seus defeitos.

I. São Francisco de Sales escreveu a seguinte célebre sentença: A predestinação dos religiosos está ligada à observância das regras. Quer com isso dizer que o único caminho para a salvação e a santidade para os religiosos é a observância das regras; outro caminho qualquer não os poderia levar a este termo. Um religioso, pois, que habitualmente transgride algum ponto da Regra, nunca se adiantará um passo sequer na perfeição, posto que praticasse muitas penitências e orações, pregasse ao próximo ou fizesse outras obras espirituais. Trabalhará, mas sem fruto e verificar-se-á nele o que diz o Espírito Santo: “Os que não fazem caso da disciplina, são infelizes e esperam em vão; porque os seus esforços ficarão sem fruto e inúteis serão as suas obras.” (1)

Nem serve dizer que se trata de coisas pequenas; porque as prescrições da Regra são todas importantes e, quando guardadas, conduzem à alta perfeição. Costumava dizer o Bem-aventurado Egidio: “Um leve descuido nos pode fazer perder uma grande graça.” – Não se guardem numa Comunidade os pequenos pontos da Regra e não será mais um horto de delícias para Jesus Cristo, mas um antro de desordens, confusões e defeitos. Daí resultará afinal o relaxamento da Ordem inteira, porque a falta de observância passará de uma Comunidade para outra, e das transgressões de coisas leves se passará para a transgressão das grandes.

Oh! Que satisfação tem o demônio ao ver um religioso que começa a não fazer caso das coisas pequenas! O espírito maligno sabe por experiência que, quando alguém contraiu o hábito de não fazer caso das faltas leves, em breve deixará de fazer caso das faltas graves, relativas aos votos. Nemo repente fit turpissimus, diz São Bernardo. Ninguém se torna de uma vez, de bom que era, um grande celerado; mas os que finalmente caíram nos maiores pecados, começaram com faltas muito pequenas. – Persuade-te de que foi por aí que começou a ruína de tantos confrades teus, que agora vivem fora da Ordem, e quiçá estão ardendo no inferno. O princípio foi o pouco caso das pequenas regras do Instituto: Ipse morietur, quia non habuit disciplinam (2) – “Ele morrerá, porque não guardou a disciplina”.

II. Santa Maria Magdalena de Pazzi dava os seguintes três belos conselhos acerca da observância das regras: “Estima as tuas regras tanto como estimas ao próprio Deus; faze como se fosses o único que as tem de observar e se outros cometem faltas, procura suprir os seus defeitos.” Imaginemos, meu irmão (minha irmã), que o nosso santo Fundador (a nossa santa Fundadora) nos repete cada dia estes mesmos conselhos, e cada noite, no exame da consciência, perguntemos a nós mesmos, se ele (ela) pode estar satisfeito do modo como naquele dia guardamos a observância exata. – É o que devem fazer especialmente os que tem cargo de Superior, ou estão há mais tempo na Ordem, porque o exemplo destes influi muito no espírito dos mais novos. É esta também a melhor pregação que um religioso possa fazer aos seus confrades, porquanto, como diz Santo Ambrósio, persuadem mais os exemplos que entram pela vista, do que as exortações que entram pelo ouvido: Citius persuadent oculi, quam aures.

Meu Deus, sou eu a árvore que já de há muito devia ter ouvido a sentença do Evangelho: Succide illam (3). – Cortai aquela árvore, que não produz fruto e atire-a ao fogo; para que deverá ocupar mais tempo e lugar? Ai de mim! Há tantos anos que abracei a vida religiosa, fui favorecido com tantos dons para ser santo, e até agora que frutos haveis Vós, meu Senhor, colhido de mim? – Vos, porém, não quereis que desespere, senão que confie em vossa misericórdia. Dissestes: Petite et accipietis; buscai e recebereis (4). Já que tanto desejais que peça graças, a primeira que Vos peço é o perdão de todos os desgostos que Vos dei. Deles arrependo-me de todo o coração, considerando que paguei os vossos benefícios com ofensas e amarguras. A segunda graça que Vos peço é o dom do vosso santo amor e a perseverança no mesmo até à morte. É de sobejo justo que eu ame muito a um Deus que por mim deu o sangue e a vida.

Finalmente, a terceira graça que Vos peço, ó meu Jesus, é que me deis força para guardar de hoje em diante cada regra de minha Ordem, por menor que seja e para este fim renovo os meus votos. Não quero, ó Senhor, que ainda viva em mim a minha própria vontade, mas unicamente a vossa. Fazei-me conhecer pelos meus Superiores o que desejais de mim e dai-me força para o executar. Protesto que Vos quero obedecer à custa de qualquer sacrifício. – Ó Maria, minha Mãe, falai por mim a vosso divino Filho e impetrai-me a santa perseverança.

Referências:

(1) Sb 3, 11
(2) Pv 5, 23
(3) Lc 13, 7
(4) Jo 16, 24

 Quinta-feira da Décima Semana do Tempo Comum

Respeito devido à dignidade sacerdotal

Ego dixi: Dii estis, et filii Excelsi omnes – “Eu disse: Sois deuses, e todos filhos do Excelso” (Sl 81, 6)

Sumário. É com muita razão que os santos tinham os sacerdotes na mais alta estima. Quanto ao corpo místico de Jesus Cristo, que são todos os fiéis, os sacerdotes têm poder de livrar o pecador do inferno e fazê-lo herdeiro do paraíso. Quanto ao corpo real, é um ponto da fé que, quando o sacerdote consagra, o Verbo eterno desce do céu para esconder-se sob as espécies sacramentais. Oh dignidade sublime!… Procuremos sempre ter grande veneração para com os ministros de Deus, e, sendo sacerdotes, sejamos os primeiros a respeitar o nosso caráter sacerdotal, se desejamos ser respeitados pelos outros.

I. A dignidade do sacerdote e o respeito que lhe é devido dimanam do poder que ele possui sobre o corpo místico e sobre o corpo real de Jesus Cristo. Quanto ao corpo místico, que são todos os fiéis, o sacerdote tem o poder das chaves, isto é, o poder de livrar o pecador do inferno e fazê-lo herdeiro do paraíso. Deus mesmo quis obrigar-se a ratificar a sentença do sacerdote, a perdoar ou não perdoar, conforme o sacerdote absolve o penitente por estar disposto, ou não o absolve. Precede a sentença do sacerdote e Deus a subscreve.

Se o Redentor baixasse do céu a uma igreja e se sentasse num confessionário para administrar o sacramento da penitência e em outro se sentasse um sacerdote: se Jesus Cristo e o sacerdote ambos dissessem: Ego te absolvo – “Eu te absolvo”, os penitentes, tanto de um como de outro, ficariam igualmente absolvidos. – Que honra não seria para um súdito, se o rei lhe conferisse o poder de livrar da cadeia a quem quisesse! Mas muito maior é o poder que Jesus Cristo deu a seus ministros: o poder de livrar do inferno não só os corpos, mas também as almas.

Quanto ao corpo real de Jesus Cristo, é um ponto da fé que o Verbo encarnado se obrigou a descer às mãos do sacerdote que consagra, sob as espécies sacramentais. Causa pasmo o ouvir que Deus obedeceu a Josué, fazendo parar o sol ao mando dele: obediente Deo voce hominis (1) – “obedecendo Deus à voz do homem”. Mais pasmo, porém, causa o ouvirmos que em virtude de poucas palavras do sacerdote Deus mesmo obedece e vem sobre o altar, ou aonde quer que o chamem, e se põe entre as mãos do sacerdote ainda quando este fosse seu inimigo.

Jesus, uma vez vindo, fica inteiramente ao dispor do sacerdote. Toca ao padre, conforme quiser, encerrá-lo no tabernáculo, ou expô-lo sobre o altar, ou levá-lo para fora da igreja, ou tomá-lo para seu próprio sustento, ou dá-lo em alimento aos outros. Ó poder sublime do sacerdote! Ó bondade inefável do Redentor!

II. Sendo tão grande a dignidade dos ministros de Deus, tiveram razão os santos em terem para com eles sentimentos da mais alta veneração. São Martinho, convidado à mesa do imperador Máximo, bebeu primeiro à saúde de seu capelão e depois à do imperador. No Concílio de Nicea, Constantino Magno quis sentar-se no último lugar, depois de todos os sacerdotes e numa cadeira mais baixa. Quando Santo Antão se encontrava no caminho com um sacerdote, dobrava logo o joelho e não se levantava, enquanto não lhe tivesse beijado a mão e fosse por ele abençoado. Santa Catarina de Sena chegou a Beijar devotamente a terra que o sacerdote tinha pisado na sua passagem.

Meu irmão, seja qual for o teu estado, faze por imitar os santos na sua veneração para com os ministros de Jesus Cristo. Se tu mesmo tens a sorte ditosa de pertencer ao número dos sacerdotes, a fim de ser respeitado dos outros, sê o primeiro a respeitar na tua própria pessoa, bem como na dos próprios colegas, o teu caráter sagrado. Estejam as tuas ações sempre em harmonia com a tua dignidade e conforme o preceito do apóstolo: “Mostra-te a ti mesmo em tudo um exemplo de boas obras, na doutrina, na integridade, na gravidade. Tua palavra seja sã, irrepreensível, para que o adversário se confunda, não tendo nenhum mal que dizer de nós.” (2)

Considerando em seguida que é por meio dos sacerdotes que se opera a salvação ou a ruína dos povos, que sobre eles vem a bênção ou a maldição, roga com ardor e insiste junto de Deus para que dê à sua Igreja ministros zelosos. É este um dos fins principais por que foram instituídas as Têmporas, nas quatros estações do ano.

Meu Deus, creio que entre todas as dignidades criadas a do sacerdócio é a mais alta. Creio-o, ó Senhor, e por isso prometo com o vosso auxílio estimar e venerar sempre todos os sacerdotes, por serem os vossos representantes na terra. Proponho também escutar àqueles que me queirais dar por Superiores, assim como escutaria a vossa própria voz, por terdes dito: Que vos audit, me audit, et qui vos spernit, me spernit (3) – “Quem vos ouve, a mim é que ouve, e quem vos despreza, a mim é que despreza”. Mas Vós, ó meu Deus, dai-me a graça de Vos ser fiel, e dai à vossa Igreja ministros zelosos, que sejam agradáveis a vosso Coração e convertam grande número de almas. – Peço-Vos esta graça pela intercessão de Maria Santíssima.

Referências:

(1) Js 10, 14
(2) Tt 2, 7
(3) Lc 10, 16

 Sexta-feira da Décima Semana do Tempo Comum

Devoção de Santo Afonso à Paixão de Jesus Cristo

Mihi autem absit gloriari, nisi in cruce Domini nostri Iesu Christi – “Quanto a mim, livre-me Deus de me gloriar, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (Gl 6, 14)

Sumário. Com muita razão a Igreja chama Santo Afonso contemplador assíduo e propagador admirável da devoção à paixão e morte de Jesus Cristo. Foi este o assunto quase contínuo de suas meditações, de seus colóquios públicos e particulares. Se queremos ser devotos verdadeiros e dignos filhos do santo Doutor, sejamos, à sua imitação, devotos da Paixão de Jesus, façamos dela em todas as circunstâncias o assunto habitual de nossas meditações.

I. Com muita razão a Igreja (1) chama Santo Afonso contemplador assíduo e propagador admirável da devoção à paixão e morte de Jesus Cristo. Foi este o assunto mais frequente, ou antes contínuo, de suas meditações; não deixava passar um dia sem percorrer as estações da Via sacra, e a cada instante lançava um olhar sobre o Crucifixo que tinha no seu quarto, acompanhando o olhar de alguma oração jaculatória de amor. – As suas mortificações e penitências eram sempre mais rigorosas nas sextas-feiras do ano; mas aumentava-as quase até ao excesso na Semana Santa, especialmente nos três últimos dias da mesma. Então via-se Afonso silencioso, pálido e triste, como que fora de si e absorto, na contemplação dos mistérios dolorosos da Paixão do Senhor, da qual a Igreja faz então comemoração especial.

Para desafogar os afetos de sua devoção e excitá-los também no coração de outros, o Santo falava muitas vezes desta devoção em seus colóquios privados; ensinava-a ao povo em quase todas as suas prédicas, e compôs diversas obras para transfundir à alma de seus leitores as puras chamas de seu amor. – Mais, não contente com isso, quis que todos os pregadores da sua diocese e especialmente os membros de sua Congregação, nunca deixassem de inculcar ao povo a meditação dos sofrimentos de Jesus Cristo. “Nas missões”, dizia o Santo, “são muito úteis os sermões sobre o juízo e o inferno, porque incutem o temor; mas as conversões que provém do temor, são pouco duráveis. Ao contrário, as conversões por meio do amor a Jesus crucificado, são mais fortes e constantes. Quem se afeiçoa a Jesus crucificado, não tem mais medo.”

Numa palavra, foi tão grande em Afonso a devoção à Paixão, que não querendo, à imitação do Apóstolo, saber coisa alguma senão a Jesus crucificado, bem podia dizer com o mesmo São Paulo: Mihi autem absit gloriari, nisi in cruce Domini nostri Iesu Christi – “Quanto a mim, livre-me Deus de gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo”. Felizes de nós, se soubermos imitá-lo!

II. O fruto a tirar de nossa consideração, nos é indicado pelo próprio Santo Afonso, quando diz: “Todas as meditações são boas, mas a que se faz sobre a Paixão de Jesus Cristo é a mais útil. Por isso recomendo-vos que a façais cada dia, ao menos um quarto de hora. Mas não vos detenhais tão somente na superfície; penetrai na humildade, na mortificação e nas penas do Redentor. Fazei com que esta meditação vos seja familiar; e quando virdes cordas, espinhos, cravos, lembrai-vos logo do que Jesus Cristo sofreu na sua dolorosa Paixão; quando virdes uns cordeiros serem levados ao matadouro, pensai, como fazia São Francisco de Assis, que é assim que o inocente Jesus foi conduzido à morte.

“Cada um procure ter uma bela imagem do Crucificado, suspenda-a no seu quarto e lance sobre ela de vez em quando um olhar, dizendo: Ah, meu Jesus, Vós morrestes por mim e eu não Vos amo! Se alguém sofresse por um amigo injúrias, golpes e cadeias, ser-lhe-ia muito agradável se o amigo disso se lembrasse e falasse. Assim também agrada muito a Jesus, que nós frequentemente pensemos na sua Paixão. Oh, que consolação nos darão na morte as dores e a morte de Jesus Cristo, se em vida tivermos a miúde e com amor meditado nelas!

“Quem é devoto da Paixão do Senhor, não deixará de sê-lo também das dores de Maria, cuja lembrança nos consolará muito no momento da morte. Oh, que bela meditação, meditar em Jesus Cristo crucificado! Que bela morte, morrer abraçado com Jesus crucificado; morrer de boa vontade por amor de um Deus que morreu por nosso amor.” (2)

– Senhor, prometo-Vos que quero seguir os ensinamentos e os exemplos de Santo Afonso; e Vós, pelo amor deste grande Santo, dai-me a graça de Vos ser fiel. – Esta mesma graça peço-a a vós, oh grande Mãe de Deus e minha Mãe, Maria.

Referências:

(1) Lect. Brev.
(2) Passim.

 Sábado da Décima Semana do Tempo Comum

Maria Santíssima, modelo de castidade

Sicut lilium inter spinas, sic amica mea inter filias – “Como é a açucena entre os espinhos, assim é a minha amiga entre as filhas” (Ct 2, 2)

Sumário. A pureza da Santíssima Virgem foi tão grande, que o Verbo divino a elegeu para sua Mãe, a fim de que servisse a todos de exemplo de castidade. Como recompensa da sua inefável virgindade, Maria tem o privilégio de preservar do pecado os seus devotos e de os levantar depois da queda. É necessário, porém, que da nossa parte ponhamos em prática os meios para vencer, especialmente o evitar as ocasiões, e praticar a oração, consagrando-nos à Virgem de manhã e à noite, e invocando o seu nome em cada assalto do inimigo infernal.

I. Depois da queda de Adão e de os sentidos se haverem rebelado contra a razão, a virtude da castidade tornou-se a mais difícil de ser praticada. Mas, seja para sempre louvado o Senhor, que em Maria nos deu um grande modelo desta virtude. Diz o Bem-aventurado Alberto Magno que Maria é chamada com razão Virgem das virgens; pois que, sendo ela a primeira, sem conselho nem exemplo de ninguém, a oferecer a sua virgindade a Deus, deu ao mesmo Deus todas as virgens que depois a imitaram, segundo a profecia de Davi: Adducentur Regi virgines post eam (1) – “Serão apresentadas ao Rei virgens depois dela”. E São Sofrônio acrescenta que Deus escolheu esta Virgem puríssima por Mãe, exatamente para que ela servisse a todos de modelo de castidade. Pelo que Santo Ambrósio lhe dá o belo título de Porta-bandeira da virgindade.

Por motivo desta sua pureza foi a Santíssima Virgem chamada pelo Espírito Santo bela como a rola (2); como também açucena: sicut lilium inter spinas. E aqui adverte Dionísio Cartusiano, que ela foi chamada açucena entre os espinhos, porque todas as demais virgens foram espinhos para si próprias ou para os outros; Maria Santíssima, ao contrário, não o foi nem para si nem para os outros. Segundo observa Santo Tomás, a beleza de Maria inspirava a todos amor à pureza e só ao ser vista infundia pensamentos e afetos castíssimos.

Numa palavra, diz um autor que a Bem-aventurada Virgem foi tão amante desta virtude, que, para a conservar, estaria disposta a renunciar ainda à dignidade de Mãe de Deus. Isto se colige das mesmas palavras que dirigiu ao Arcanjo e das que por fim acrescentou: Fiat mihi secundum verbum tuum (3) – “Faça-se em mim segundo a tua palavra”; significando que dava o seu consentimento porque o Anjo lhe assegurava que devia ser mãe unicamente por obra do Espírito Santo.

II. Os que são castos, tornam-se anjos, como já disse o Senhor: Erunt sicut angeli Dei (4) – “Eles serão como anjos de Deus”. Mas os impuros fazem-se odiosos a Deus como os demônios. Quantos homens caem todos os dias no inferno por causa da impureza! Diz São Bernardo: “Este vício arrasta quase o mundo todo ao suplício” – Hoc peccatum quasi totum mundum trahit ad supplicium.

Como recompensa de sua pureza singular a Santíssima Virgem obteve de Jesus Cristo o privilégio de poder preservar os seus devotos desde vício e de os erguer da queda, se por ventura viessem a cair. Ela quer, porém, que ponhamos em prática os meios de que ela mesma usou, posto que não tivesse necessidade disso. Estes meios são três: a mortificação dos sentidos, em particular da gula e da vista; a fuga das ocasiões e a oração.

Será sobretudo utilíssimo para a conservação da pureza, que tomemos o hábito tão louvável de rezar de manhã e à noite três Ave-Marias com o rosto em terra, de nos consagrarmos inteiramente a esta divina Mãe, de recorrer com confiança a ela nos momentos da tentação; de lhe recordar que somos seus filhos, e de repetir os dulcíssimos Nomes de Jesus e Maria, enquanto durar a tentação. Oh! quantas almas, que deviam estar no inferno, estão agora no céu por terem tomado este hábito tão salutar! E ao contrário, quantas almas, que atualmente estão ardendo no abismo, teriam sido grandes santos no céu, se tivessem seguido tão bela prática!

† “Ó minha Senhora e Mãe, eu me ofereço todo a vós, e como prova de minha devoção, vos consagro hoje os meus olhos, os meus ouvidos, a minha boca, o meu coração, todo o meu ser. E já que sou vosso, ó boa Mãe, guardai-me, defendei-me como coisa e propriedade vossa (5). – Ó minha Senhora e Mãe, lembrai-vos de que sou vosso; salvai-me, defendei-me como propriedade vossa”(6).

Referências:

(1) Sl 44, 14
(2) Ct 1, 9
(3) Lc 1, 38
(4) Mt 22, 30
(5) Indulgência de 100 dias, para quem reza de manhã e à noite uma Ave-Maria com esta oração.
(6) Indulgência de 40 dias nos momentos da tentação.
2ª parte

 Décima Primeira Semana do Tempo Comum

(Segunda Semana depois de Pentecostes)

Domingo: Festa da Santíssima Trindade

Segunda-feira: O corpo na tumba

Terça-feira: Acusação da alma no juízo particular

Quarta-feira: 1º Dia da Novena do Sagrado Coração de Jesus – Coração amável de Jesus

Quinta-feira: 2º Dia da Novena do Sagrado Coração de Jesus – Solenidade do Corpo de Deus

Sexta-feira: 3º Dia da Novena do Sagrado Coração de Jesus – Coração amante de Jesus

Sábado: 4º Dia da Novena do Sagrado Coração de Jesus – Coração de Jesus, suspirando por ser amado

 Domingo da Santíssima Trindade

Solenidade da Santíssima Trindade

Tres sunt qui testimonium dant in coelo: Pater, Verbum et Spiritus Sanctus, et hi tres unum sunt – “Três são os que dão testemunho no céu: o Pai, o Verbo e o Espírito Santo, e estes três são um” (1 Jo 5, 7)

Sumário. A Santíssima Trindade é nosso tudo; e todos os bens que já temos recebido e ainda esperamos para o futuro, nos vieram e virão da Santíssima Trindade. É, pois, com razão que a Igreja embora Lhe consagre todos os Domingos, Lhe dedique o dia de hoje de um modo especial. Veneremos devotamente tão augusto mistério, dizendo à miúde o Gloria-Patri; respeitemos também a imagem da Santíssima Trindade que se acha em nosso própria alma como na do próximo.

I. Posto que todas as homenagens tributadas aos Santos redundem em honra da Santíssima Trindade, cuja imagem se honra na pessoa deles, exigem, contudo, a justiça e a gratidão que, tanto para glória do Altíssimo como para nosso próprio proveito, veneremos tão augusto mistério com obséquios especiais. É-nos isto um dever absolutamente indispensável; porquanto a Santíssima Trindade é o princípio d’onde procedemos, e o fim para o qual havemos de voltar. A primeira graça que nos foi conferida no batismo, veio-nos em nome da Santíssima Trindade e a glória essencial que se goza no paraíso é ainda a Santíssima Trindade.

É este o nome que faz tremer o inferno, põe em fuga os demônios, faz cessar as tentações, alegra os céus, beatifica os Santos, consola os justos, derrama a abundância das graças. Numa palavra, a Santíssima Trindade é nosso tudo. Todos os bens, que já temos recebido e ainda esperamos para o futuro, quer na ordem da natureza, quer na ordem graça e da glória, todos nos vieram da Santíssima Trindade.

Eis porque os Ofícios divinos da Igreja abundam em louvores, invocações e súplicas dirigidas expressamente às três Pessoas divinas. Não satisfeita ainda com isto e apesar de ter consagrado à augustíssima Trindade todos os domingos do ano, dedica-Lhe o dia de hoje de um modo especial. Quer nossa boa Mãe que todos os fiéis sejam devotos fervorosos de tão grande mistério; ou, antes, quer que esta seja a sua devoção particular. Todavia é talvez a devoção mais descuidada.

II. Para acharmos e visitarmos à Santíssima Trindade, não é mister que subamos ao céu ou entremos numa igreja; basta que lancemos um olhar de fé sobre nossa própria alma, na qual está impressa a bela e amada imagem de Deus que ali habita como em seu templo. Recolhe-te, portanto, dentro de ti mesmo, e ali, todo silencioso, adora, louva, ama e bendiga à Santíssima Trindade. Em particular diga frequente e devotamente o Gloria-Patri, onde, na palavra de São Francisco de Assis, se acha resumida toda a ciência e virtude das Sagradas Escrituras.

Se porventura manchaste por alguma culpa a tua alma, feita à semelhança de Deus, procura purificá-la quanto antes no sacramento da Penitência pelas lágrimas da contrição e esforça-te por adorná-la com todas as virtudes cristãs. Habitua-te também a ver na alma do próximo outras tantas imagens vivas da Santíssima Trindade e por este motivo ama-as, compadece-te delas e ajuda-as conforme puderes, ao menos rezando por elas.

A fim de que esses teus obséquios sejam mais agradáveis à Santíssima Trindade, une-os àqueles que lhe tributam todos os anjos e santos do paraíso, Maria Santíssima, e especialmente o divino Redentor. Imagina que Jesus Cristo te diz o que um dia disse a Santa Gertrudes: “Minha Filha, eis aí o meu Coração, que faz as delícias da Santíssima Trindade. Eu to dou a fim de que por ele possas suprir o que te falta”.

Ó Santíssima Trindade, objeto, agora de minha fé e um dia da minha eterna beatitude, creio em Vós, adoro-Vos, amo-Vos; e em união com toda a corte celeste quero sempre dizer: † “Santo, Santo, Santo é o Senhor, Deus dos exércitos. A terra está cheia da vossa glória. Glória ao Pai, glória ao Filho, glória ao Espírito Santo” (1); assim como foi no princípio, agora e sempre, e por todos os séculos dos séculos, Amém. “Ó Deus, que concedeste aos vossos servos conhecer na confissão da verdadeira fé a glória da eterna Trindade e adorar sua Unidade no poder da Majestade; nós Vos rogamos que com a firmeza da mesma fé possamos vencer todas as adversidades.“(2) Fazei-o pelo amor de Jesus e Maria.

Referências:

(1) Indulgência de 100 dias; Indulgência plenária para quem rezar este Trisagio durante um mês inteiro, contanto que se confesse e comungue.
(2) Or. fest.

 Segunda-feira da Décima Primeira Semana do Tempo Comum

O corpo na tumba

Subter te sternetur tinea, et operimentum tuum erunt vermes – “Debaixo de ti se estenderá por cama a polila, e a tua coberta serão os bichos” (Is 14, 11)

Sumário. Meu irmão, para ver melhor o que és, aproxima-te de um túmulo. Eis como daquele cadáver sai uma matéria infecta, na qual se gera uma multidão de vermes que se nutrem da carne. Caem as faces, os lábios, os cabelos. E finalmente, daquele corpo nutrido com tanta delicadeza, causa talvez de tantas ofensas do Senhor, não resta nada senão um esqueleto fétido, um punhado de pó. Quantos têm, à vista de um cadáver, deixado o mundo e entrado numa ordem religiosa!

I. Para melhor ver o que és, ó cristão, diz São João Crisóstomo: Perge ad sepulchrum – “vai visitar os túmulos”. Vê como esse cadáver se vai tornando de amarelo em negro. Em seguida aparece pelo corpo todo uma penugem branca e repelente. Sai dela uma matéria viscosa e infecta que corre pela terra. Nesse pus gera-se em breve uma multidão de vermes que se nutrem das carnes. Despegam-se e caem as faces, os lábios, os cabelos; e daquele corpo só resta finalmente um esqueleto fétido, que com o tempo se divide, destacando-se os ossos uns dos outros, e separando-se a cabeça do tronco. Redacta quasi in favillam aestivae areae, quae rapta sunt vento (1) – “Como a miúda palha, que o vento leva fora da eira em tempo de estio”. Tal é o homem, um pouco de pó arrastado pelo vento.

Onde está aquele cavalheiro, outrora encanto e alma da sociedade? Entra no seu quarto; já lá não está. Se procurares o seu leito, saberás que foi dado a outro. Os vestidos, as armas: outros já tomaram posse delas e as dividiram entre si. Se o queres ver, vai a essa cova, onde jaz em podridão e com os ossos descarnados. Ó Deus! A que estado ficou reduzido o corpo nutrido com tanta delicadeza, vestido com tanta pompa, cercado de tantos servos! Quantos têm, à vista de um cadáver, deixado o mundo e entrado numa ordem religiosa!

II. Santos do céu, como haveis sido prudentes, vós que pelo amor de Deus, a quem só amastes na terra, soubestes mortificar o vosso corpo. Agora, vossos ossos são conservados e honrados como relíquias santas em relicários de ouro, enquanto que vossas belas almas gozam de Deus, esperando o dia final em que vossos corpos irão também tomar parte na glória eterna, como tomaram parte na cruz durante a vida. É assim que se ama verdadeiramente o corpo, carregando-o neste mundo de aflições, a fim de que seja eternamente feliz e recusando-lhe as doçuras que o tornariam infeliz na eternidade.

Aí está, meu Deus, o que deve ser um dia este corpo, pelo qual tanto Vos ofendi, presa dos vermes e da podridão! Mas não me aflijo, ó Senhor, antes me regozijo, de que assim se deve corromper e consumir esta carne, que me fez perder-Vos, ó soberano Bem. O que me aflige é ter-Vos dado tantos desgostos, só para alcançar mais algum prazer. Não quero, porém, desconfiar da vossa misericórdia. Vós esperastes por mim para me perdoar: Expectat Deus, ut misereatur vestri (2). Quereis perdoar-me, se eu me arrepender. Oh, sim! Eu me arrependo de todo o meu coração, de Vos haver desprezado, ó bondade infinita. Dir-Vos-ei com Santa Catarina de Gênova: Meu Jesus, nunca mais pecarei; não, nunca mais pecarei! Não, não quero mais abusar de vossa paciência.

Ó meu amor crucificado, não quero esperar para Vos abraçar até que me sejais apresentado pelo confessor no momento da morte. Desde já Vos abraço; desde já Vos recomendo a minha alma: In manus tuas, Domine, commendo spiritum meum (3). A minha alma entregou-se anos e anos ao mundo e não Vos amou: dai-me a luz e a força para Vos amar o resto de minha vida. Não quero, para Vos amar, esperar pela hora da morte; desde já Vos amo, Vos abraço, e Vos estreito ao coração; e prometo nunca mais abandonar-Vos.

– Ó Virgem Santíssima, ligai-me a Jesus Cristo e alcançai-me a graça de nunca mais o perder.

Referências:

(1) Dn 2, 35
(2) Is 30, 18
(3) Sl 30, 6

 Terça-feira da Décima Primeira Semana do Tempo Comum

Acusação da alma no juízo particular

Quid faciam, cum surrexerit ad iudicandum Deus? Et cum quaesierit, quid respondebo illi? – “Que farei quando Deus se levantar para me julgar? E quando me perguntar, que lhe responderei?” (Jó 31, 14)

Sumário. Logo que o homem expira, assentar-se-á contra ele o juízo. Virão depois os acusadores, particularmente o demônio, que o tentou durante a vida e o Anjo da guarda, cujas inspirações desprezou. Jesus Cristo mesmo, que a tudo esteve presente, será, ao mesmo tempo, testemunha e juiz. Dize-me: que responderemos a tais acusadores se tivermos a desgraça de morrer em pecado?… E se a morte nos colhesse nesta noite, qual seria a nossa sentença?

I. Logo que o homem expira, assentar-se-á contra ele o juízo e serão abertos os livros (1). Esses livros serão dois: o Evangelho e a consciência. No Evangelho se lerá o que o culpado devia fazer; na consciência, o que tiver feito. – Na balança da divina justiça, não se pesarão as riquezas, nem a dignidade, nem a nobreza das pessoas, mas tão somente as obras. Pelo que Daniel disse ao rei Baltazar: Appensus es in statera, et inventus es minus habens (2) – “Foste pesado na balança e achou-se que tinhas menos do peso”. Notai bem, comenta o Padre Alvarez: não é o ouro, nem o poder de rei que está na balança, mas unicamente a sua pessoa.

Virão depois os acusadores e em primeiro lugar o demônio. O espírito maligno agora engana-nos com mil astúcias; mas ali, diz Santo Agostinho, perante o tribunal de Jesus Cristo: recitabit verba professionis nostrae, representará todas as obrigações que havíamos assumido e deixado de cumprir. Obiciet in faciem nostram, denunciar-nos-á todas as faltas, marcando o dia e a hora em que as cometemos. Depois, segundo diz o mesmo Santo, dirá ao Juiz: Senhor, por este culpado eu não sofri bofetadas como Vós, nem açoites, nem qualquer outro castigo e contudo ele Vos virou as costas, a Vós que morrestes pela sua salvação, para se fazer meu escravo; é, pois, justo que seja meu. Ordenais, pois, que seja todo meu, já que não quis ser vosso: Iudica esse meum qui tuus esse noluit.

Virá em seguida como acusador o Anjo da Guarda, que, na palavra de Orígenes, dirá: Senhor, durante tantos anos me empenhei junto dele, mas desprezou todas as minhas admoestações. Então sucederá o que diz Jeremias; os próprios amigos serão contra a alma culpada: Omnes amici eius spreverunt eum (3).

II. Não serão somente os demônios e os Anjos da guarda os acusadores da alma perante o tribunal de Jesus Cristo. Segundo o profeta Habacuc serão também acusadores as paredes, no recinto das quais se tiver pecado (4); e segundo São Paulo, a própria consciência dará testemunho contra o pecador, e São Bernardo acrescenta que também os pecados falarão e dirão: Sabes que tu nos praticaste, somos, pois, obras tuas; não te deixamos: Opera tua sumus, non te deseremus.

Mas acima de todos, diz São João Crisóstomo, bradarão por vingança as chagas de Jesus Cristo: “Os cravos”, diz o Santo, “queixar-se-ão de ti; as chagas falarão contra ti, a própria Cruz de Jesus Cristo levantará a voz contra ti.”

A tudo isso que poderá responder o pobre pecador?… E tu, minha alma, que é que responderás? Interroga-te a tia mesma e pergunta com o santo Jó: Quid faciam, cum surrexerit ad iudicandum Deus (5) – “Que farei quando Deus se levantar para me julgar?”

Ah! Meu Jesus, se me quisésseis agora pagar segundo as obras que fiz, não receberia em paga senão o inferno. Quantas vezes eu mesmo escrevi a minha condenação àquele lugar de tormentos! Agradeço-Vos a paciência que tivestes em me suportar. Ó meu Deus, se devesse agora comparecer no vosso tribunal, que conta daria de toda a minha vida? Non intres in iudicium cum servo tuo (6) – “Não entreis em juízo com vosso servo”. Esperai, Senhor, um pouco; não me julgueis ainda! Já que tantas misericórdias me tendes prodigalizado até ao presente, concedei-me ainda esta: dai-me uma grande dor de meus pecados. Arrependo-me, ó Bem supremo, de Vos ter tantas vezes desprezado. Amo-Vos sobre todas as coisas.

– Perdoai-me, Eterno Pai, pelo amor de Jesus Cristo e pelos seus merecimentos dai-me a santa perseverança. Tudo espero, meu Jesus, do vosso sangue.

– Maria Santíssima, em vós confio. Lançai, ó minha Mãe, um olhar sobre a minha miséria e tende piedade de mim.

Referências:

(1) Dn 7, 10
(2) Dn 5, 27
(3) Lb 1, 2
(3) Hab 2, 11
(4) Jó 31, 14
(5) Sl 142, 2

 Quarta-feira da Décima Primeira Semana do Tempo Comum

1º Dia da Novena ao Sagrado Coração de Jesus
Coração amável de Jesus

Totus desiderabilis: talis est dilectus meus – “Todo desejável, tal é o meu amado.” (Ct 5, 16)

Sumário. O fim principal que nos devemos propor nesta novena é o nosso progresso contínuo no amor de Jesus Cristo, para assim o desagravar dos ultrajes que recebe, especialmente no Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Consideremos, pois, a amabilidade desse Coração divino, todo puro, todo santo, todo amor para com Deus e para conosco. Basta dizer que Deus nele acha as suas delícias, toda a sua complacência. Será então possível não as acharmos também?… Ah, meu Jesus, eu Vos amo e quero amar-Vos sempre de todo o coração.

I. Quem se mostra sempre e em tudo amável faz-se necessariamente amar. Ah! Se procurássemos conhecer todos os belos títulos que Jesus Cristo tem para ser amado, todos nós acharíamos na feliz necessidade de o amar. Que coração há mais amável que o de Jesus Cristo? Coração este, todo puro, todo santo, todo amor para com Deus e para conosco. Coração cujos desejos têm por objeto único a glória divina e o nosso bem. Coração no qual Deus acha todas as suas delícias e toda a sua complacência.

No coração de Jesus estão concentradas todas as perfeições e virtudes: um amor ardentíssimo a Deus seu Pai, unido à mais profunda humildade e reverência; uma suprema confusão pelos nossos pecados que tomou sobre si, unida à confiança mais perfeita de Filho terníssimo; uma extrema detestação das nossas culpas, unida a uma viva compaixão das nossas misérias; uma dor suprema unida a uma conformidade perfeita com a vontade de Deus. Em Jesus, portanto, acha-se tudo que possa haver de amável.

Uns são atraídos ao amor pela beleza, outros pela inocência, estes pela convivência, aqueles pela devoção. Mas se houvesse uma pessoa que em si reunisse todas estas e mais outras virtudes, quem poderia deixar de a amar? Se soubéssemos que longe de nós reina um monarca famoso, humilde, afável, piedoso, cheio de caridade, manso para com todos e bem-fazejo até para com os que lhe fazem mal; mesmo sem o conhecermos e termos que ver com ele, seríamos cativados pelo seu amor e constrangidos a amá-lo. – Como é então possível, que Jesus Cristo, que possui todas estas virtudes e em grau supremo, que nos ama tão ternamente, seja amado tão pouco pelos homens e não seja o objeto único de nosso amor?

Ah, Deus! Jesus, que só é amável e nos deu tantas provas do amor que nos tem, Jesus só, por assim dizer, é tão inditoso, que não consegue ver-se amado de nós, como se não fosse bastante digno de nosso amor! É o que fazia chorar uma Rosa de Lima, uma Catarina de Gênova, uma Teresa, uma Maria Madalena de Pazzi, que contemplando a ingratidão dos homens exclamavam entre lágrimas: O amor não é amado! O amor não é amado!

II. Ó meu amável Redentor, que objeto mais digno de amor podia o vosso Eterno Pai mandar-me amar fora de Vós? Vós sois o enlevo do paraíso e o amor de vosso Pai; vosso Coração é a sede de todas as virtudes. Amabilíssimo Coração do meu Jesus, Vós mereceis o amor de todos os corações. Muito pobre e infeliz é o coração que Vos não ama. Tão infeliz foi o meu coração durante todo o tempo que Vos não amou. Mas não quero continuar a ser tão desgraçado, pois amo-Vos, ó Jesus e quero sempre amar-Vos.

Ó Senhor, no passado vivi esquecido de Vós; e agora que esperarei? Talvez que a minha ingratidão Vos obrigue a Vos esquecer inteiramente de mim e a me desamparar? Não, meu dulcíssimo Salvador, não o permitais. Vós sois o amor de um Deus e não o sereis de um miserável pecador como eu, a quem tanto tendes amado e cumulado de benefícios? Ó formosas chamas, que ardeis no Coração amoroso do meu Jesus, acendei no meu pobre coração este fogo sagrado e bendito que Jesus veio trazer do céu à terra. Consumi e destruí todos os afetos impuros que reinam em meu coração e o impedem de ser todo de Deus. Fazei, ó meu Jesus, que eu viva unicamente para Vos amar, meu amado Salvador.

Se outrora Vos desprezei, sabei que hoje sois o meu único amor. Amo-Vos, amo-Vos, amo-Vos e só a Vós quero amar. Ó meu amadíssimo Senhor, não recuseis o amor de um coração que por tanto tempo Vos afligiu. Seja uma glória vossa mostrar aos Anjos um coração todo abrasado em vosso amor, que outrora fugia de Vós e Vos desprezava. – Virgem Santíssima e esperança minha, Maria, ajudai-me; rogai-Lhe que com a sua graça me torne tal qual seu Coração me deseja.

 Quinta-feira da Décima Primeira Semana do Tempo Comum

Solenidade do Corpo de Deus
2º Dia da Novena ao Sagrado Coração de Jesus

Exulta et lauda, habitatio Sion; quia magnus in medio tui Sanctus Israel – “Exulta e louva, morada de Sião, porque o Grande, o Santo de Israel, está no meio de ti” (Is 12, 6)

Sumário. Para celebrarmos com fruto a Solenidade do Corpo de Deus, conformemo-nos ao espírito da Igreja, que com a instituição da festa de hoje quis tributar a seu divino Esposo um tríplice preito: primeiro, um preito de veneração, em compensação das humilhações a que se sujeitou por nós; segundo, um preito de gratidão, pelo dom tão grande da Santíssima Eucaristia; terceiro, um tributo de reparação, para desagravá-Lo das injúrias que continuamente recebe neste divino Sacramento.

I. Consideremos os elevados fins que nossa Mãe a santa Igreja teve em mira pela instituição da festa do Santíssimo Sacramento com oitava solene. Com todo esse esplendor de missas, procissões e outros exercícios piedosos, ela quer tributar a seu divino Esposo um tríplice preito, de veneração, de gratidão e de reparação.

Um preito de veneração para compensar-Lhe de algum modo o estado de aniquilamento e humilhação a que se quis sujeitar e ainda se sujeita continuamente para ficar conosco sobre os altares; onde, na palavra de São Bernardo, esconde a sua divindade, esconde também sua humanidade, só deixando ver as aparências de pão para assim patentear a ternura do amor que nos tem: Latet divinitas, latet humanitas, sola patent viscera caritatis.

Quis a Igreja também tributar a Jesus Cristo um preito de gratidão, por um dom tão grande, no qual fez o supremo esforço de seu amor para com os homens. — “O Esposo”, diz São Pedro de Alcântara, “para consolar a sua Esposa durante a sua longa ausência, quis dar-lhe uma companhia; e instituiu este Sacramento, no qual reside em pessoa: era a melhor prova que lhe podia dar do seu amor”. Justo pois era que a Igreja excitasse os fiéis, seus filhos, por uma solenidade especial a agradecerem a Jesus sua amorosa presença e a venerarem com afetos de gratidão.

Finalmente, com a festa de hoje, a Igreja quer tributar a Jesus um preito de reparação, a fim de O desagravar de tantas ofensas que Ele recebe continuamente neste divino Sacramento. A Igreja vê que a maior parte dos homens recusa adorá-Lo e reconhecê-Lo pelo que é neste adorável mistério. Sabe que mais de uma vez estes mesmos homens chegaram a calcar aos pés as hóstias consagradas, a lançarem-nas ao lodo, à água, ou às chamas. O que mais a aflige é ver que também a maior parte dos que creem na Eucaristia, em vez de repararem tantos ultrajes por testemunhos de respeito e piedade, vêm aumentar a dor de Jesus pelas suas irreverências nas igrejas, ou deixam-No só sobre o altar, desprovido por vezes de lâmpada e dos ornamentos mais indispensáveis. Oh, que negra ingratidão!

II. Meu irmão, procura conformar-te ao espírito da Igreja e tributa a Jesus o tríplice preito de veneração, de gratidão e de reparação, assistindo com fé ás missas e outros exercícios piedosos, aproximando-te da santa comunhão e visitando-O nestes dias com mais freqüência.

† Senhor meu Jesus Cristo, que por amor dos homens ficais noite e dia no Sacramento do altar, onde, cheio todo de misericórdia e bondade, chamais e acolheis todos os que Vos vêm visitar: eu creio que estais presente neste Sacramento. Desde o abismo de meu nada, Vos adoro, e graças Vos dou por todos os benefícios que me tendes feito; especialmente porque Vos destes a mim neste Sacramento, me concedestes por advogada vossa Mãe, a Santíssima Virgem Maria, e me chamastes a Vos visitar nesta igreja. Saúdo hoje o vosso Coração amantíssimo e quero saudá-lo por três fins: 1º. em reconhecimento deste grande dom; 2º. em reparação de todos os ultrajes que dos vossos inimigos tendes recebido neste Sacramento; 3º. na intenção de Vos adorar, por esta visita, em todos os lugares do mundo, onde sois menos reverenciado e mais abandonado neste Sacramento.

Amo-Vos, meu Jesus, de todo o meu coração. Pesa-me, de ter, no passado, desagradado tantas vezes vossa bondade infinita. Proponho, com o socorro de vossa graça, não Vos ofender mais no futuro. E nesta hora, miserável como sou, me consagro todo a Vós; eu Vos dou e sacrifico minha vontade, meus afetos, meus desejos e todos os meus interesses. D’ora avante fazei de mim, e de tudo que é meu, o que for de vosso agrado. Somente peço e quero o vosso santo amor, a perseverança final e a graça de cumprir perfeitamente a vossa vontade, — Recomendo-Vos as almas do purgatório, principalmente as mais devotas do Santíssimo Sacramento e de Maria Santíssima. Recomendo-Vos também todos os pobres pecadores. Enfim, amadíssimo Salvador meu, uno os meus afetos aos afetos do vosso Coração amantíssimo, e assim unidos, ofereço-os a vosso Eterno Pai, pedindo-Lhe em vosso nome que por vosso amor se digne de os aceitar e atender (1).

Referências:
(1) Indulg. de 300 dias cada vez; indulgência plenária uma vez por mês.

 Sexta-feira da Décima Primeira Semana do Tempo Comum

3º Dia da Novena ao Sagrado Coração de Jesus
Coração amante de Jesus

In caritate perpetua dilexi te: ideo attraxi te miserans – “Com amor eterno te amei; por isso compadecido de ti, te atraí a mim” (Jr 31, 3)

Sumário. Oh, se compreendêssemos o amor de que o Coração de Jesus está abrasado para conosco! Não contente de nos ter criado, de preferência a tantos outros, o Verbo divino chegou a se fazer homem por nosso amor, a escolher uma vida penosíssima e a morrer sobre uma cruz. Este amor levou-O ainda a se deixar ficar conosco no Santíssimo Sacramento, onde parece que não tem outro ofício senão o de amar os homens. Mais: o amor levou-o a fazer-se nosso sustento, a fim de se unir a nós e fazer dos nossos corações e o seu próprio uma só coisa. Porque então correspondemos tão mal ao amor de Jesus?

I. Oh! Se compreendêssemos o amor de que o Coração de Jesus está abrasado para conosco! Jesus nos ama tanto que, se todos os homens e todos os anjos se unissem para amar com todas as suas forças, não chegariam à milésima parte do amor que nos tem Jesus. Ele nos ama imensamente mais que nós mesmos nos amamos; Ele nos amou até ao excesso: Dicebant excessum eius, quem completurus erat in Ierusalem (1) – “Falavam do excesso que havia de cumprir em Jerusalém”. E que excesso maior do que um Deus morrer pelas suas criaturas?

Jesus nos amou até ao fim: Cum dilexisset suor, in finem dilexit eos (2). Sim, porque, depois de nos haver Deus amado desde a eternidade, de forma que em toda a eternidade não houve um instante em que não tenha pensado em nós e amado a cada um de nós; por nosso amor se fez homem e escolheu uma vida penosa e a morte de cruz. Amou-nos, portanto, mais que a sua honra, mais que seu repouso, mais que a vida, porquanto sacrificou tudo para nos provar o amor que nos tem. Não vai nisto um excesso de amor, que fará os anjos e o paraíso todo pasmarem por toda a eternidade?

Foi ainda o amor que levou Jesus a permanecer conosco no Santíssimo Sacramento, como num trono de amor. Ali está sob as aparências de um pouco de pão, encerrado numa âmbula, por assim dizer, num completo aniquilamento da sua majestade, sem movimento e sem o uso dos sentidos; de forma que parece que não tem outro ofício a cumprir senão o de amar aos homens. O amor faz desejar a presença contínua da pessoa amada; pois este amor e este desejo fizeram Jesus Cristo ficar conosco no Santíssimo Sacramento.

Em suma, parece que para o amor de nosso Senhor era demasiadamente breve a permanência com os homens durante trinta anos; pelo que, a fim de mostrar seu desejo de estar entre nós, resolveu fazer o maior de todos os milagres, a instituição da Santíssima Eucaristia. – Mas, já estava realizada a obra da Redenção, já estavam os homens reconciliados com Deus. Para que servia então a permanência de Jesus na terra neste Sacramento? Ah! Jesus ali fica, porque não se pode separar de nós, dizendo que acha as suas delícias em estar conosco.

II. Mas não foi suficiente ao amor de Jesus Cristo, que na Santíssima Eucaristia se fizesse nosso companheiro; quis ainda Jesus fazer-se o sustento das nossas almas, a fim de se unir a nós e fazer com que nossos corações fossem uma só coisa com o seu próprio coração: Qui manducat meam carnem, in me manet et ego in illo (3) – “Quem come a minha carne, fica em mim e eu nele”. Ó pasmo! Ó excesso do amor divino! Dizia um servo de Deus: “Se alguma coisa pudesse fazer vacilar a minha fé no mistério da Eucaristia, não seria o modo como o pão se torna carne, nem como é que Jesus está em tantos lugares e reduzido a tão pequeno espaço; a tudo isso eu responderia que Deus pode tudo. Mas quando se me pergunta, como Jesus ama aos homens a ponto de se lhes dar para sustento, já não sei mais que responder, senão que esta verdade da fé está acima de minha inteligência e que o amor de Jesus é incompreensível.”

Ó Coração adorável de meu Jesus, Coração consumido pelo amor aos homens, Coração criado de propósito para amar aos homens, como é possível que os homens correspondam tão mal a vosso amor e o desprezem? Ai de mim, miserável, que também fui um desses ingratos que não souberam amar-Vos! Meu Jesus, perdoai-me o grande pecado de não Vos ter amado, a Vós que sois tão amável e tanto me amastes, que nada mais podíeis fazer para me obrigar a amar-Vos. Reconheço que, por ter algum tempo desprezado vosso amor, mereceria ser condenado a não Vos poder amar. Mas não, meu amado Salvador, infligi-me qualquer castigo que não seja este. Dai-me a graça de Vos amar, e depois castigai-me como quiserdes. Como, porém, poderei receiar tal castigo, visto que Vos ouço ainda intimar-me o doce, o amável preceito de Vos amar, meu Senhor e meu Deus: Diliges Dominum Deum tuum ex toto corde tuo (4) – “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração”.

Sim, meu Deus, desejais o meu amor e eu Vos quero amar; e não quero amar senão a Vos, que me tendes amado tanto. Ó amor de meu Jesus, Vós sois o meu amor. Ó Coração abrasado de Jesus, abrasai também o meu coração. Não permitais que no futuro eu viva um instante sem o vosso amor. – Deixai-me antes morrer; aniquilai-me; não seja o mundo testemunha desta ingratidão, que eu, tão amado de Vós, depois de tantas graças e luzes recebidas, torne a desprezar o vosso amor. Não, Jesus meu, não o permitais. Pelo sangue que por mim derramastes, espero que Vos amarei sempre e Vós sempre me amareis; e que este laço de nosso amor nunca mais será rompido em toda a eternidade. – Ó Mãe do belo amor, Maria, vós que desejais tanto ver vosso Jesus amado, ligai-me, estreitai-me a vosso Filho; mas estreitai-me de tal modo, que nunca mais dele me possa separar.

Referências:
(1) Lc 9, 31
(2) Jo 13, 1
(3) Jo 6, 57
(4) Mt 22, 37

 Sábado da Décima Primeira Semana do Tempo Comum

4º Dia da Novena ao Sagrado Coração de Jesus
Coração de Jesus, suspirando por ser amado

Ecce, sto ad ostium et pulso: si quis… aperuerit mihi ianuam, intrabo ad illum – “Eis que estou à porta e bato; se alguém… me abrir a porta, entrarei em sua casa” (Ap 3, 20)

Sumário. Jesus não precisa de nós; com ou sem o nosso amor é Ele igualmente feliz, rico e poderoso. Mas, porque nos ama, acha as suas delícias em conversar com os filhos dos homens e deseja tanto ser de nós amado, como se o homem lhe fosse Deus e a sua felicidade dependesse da do homem. Que monstruosa seria, pois, a nossa ingratidão, se não procurássemos satisfazer os desejos desse Coração amabilíssimo! Que contas teríamos de lhe dar um dia no tribunal divino!

I. Jesus não precisa de nós; com ou sem o nosso amor é Ele igualmente feliz, rico e poderoso. Todavia, diz Santo Tomás, porque Jesus Cristo nos ama, Ele deseja tanto o nosso amor, como se o homem lhe fosse Deus e a sua felicidade dependesse da do homem. É o que pasmava ao santo Jó que dizia: Quid est homo, quia magnificas eum: aut quid apponis erga eum cor tuum? (1) – “Que é o homem para o engrandeceres? E porque pões sobre ele o teu coração?” Como? Um Deus desejar e pedir com tamanha instância o amor de um verme!

Já seria grande favor, se Deus nos tivesse permitido amá-Lo. Se um vassalo dissesse a seu monarca: Senhor, eu vos amo; seria tido por um sujeito presunçoso. Mas que se havia de dizer, se o rei ordenasse ao vassalo: eu quero que me ames: não se abaixam a tanto os reis da terra; mas Jesus Cristo, o Rei do céu, Ele nos pede com todo o empenho o nosso amor: Diliges Dominum Deum tuum ex toto corde tuo (2) – “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração”. Com toda a insistência nos pede o coração: Praebe, fili mi, cor tuum mihi (3) – “Meu filho, dá-me teu coração”. – Mesmo quando se vê expulso de uma alma, Jesus não se afasta, fica à porta do coração, chama e bate para entrar: Sto ad ostium et pulso – “Estou à porta e bato”: roga à alma que lhe abra, chamando-a sua irmã e esposa: Aperi mihi, soror mea, sponsa (4) – “Abre-me, minha irmã e esposa”. Numa palavra, Jesus acha as suas delícias em ser amado de nós e fica todo consolado quando uma alma lhe diz e frequentemente repete: Jesus, meu Deus, eu Vos amo sobre todas as coisas.

Tudo isso é efeito do grande amor que Jesus nos tem. Quem ama, deseja necessariamente ser amado. O coração pede o coração; amor busca amor. Ad quid diligit Deus, nisi ut ametur? – “Para que é que Deus ama, senão para ser amado?” pergunta São Bernardo; e antes dele o próprio Deus dissera: “Ó Israel, que é que o Senhor teu Deus pede de ti, senão que o temas, andes nos seus caminhos e O ames e sirvas de todo o teu coração e de toda a tua alma?” (5)

II. Porque Jesus Cristo deseja que o amemos de todas as nossas forças, nos diz que Ele é o Pastor, que, tendo achado a ovelha perdida, convida todos a congratularem-se com Ele: Congratulamini mihi, quia inveni ovem meam quae perierat (6). Assegura-nos que é aquele pai que, quando o filho pródigo se prostra a seus pés, não somente lhe perdoa, mas o abraça com ternura (7). Diz-nos que, quem não o ama, fica entregue à morte: Qui non diligit, manet in morte (8). Ao contrário, estreita a si ao que O ama e toma posse dele: Qui manet in caritate, in Deo manet, et Deus in eo (9) – “Aquele que permanece na caridade, permanece em Deus e Deus nele”. E tantos pedidos, tantas instâncias, tantas ameaças e promessas, não nos moverão a amar um Deus que tamanho desejo tem de ser amado por nós?

Meu amado Redentor, assim Vos direi com Santo Agostinho, Vós me ordenais que Vos ame, e se Vos não queira amar, me ameaçais o inferno; mas que inferno me poderia ser mais horrível, que desgraça mais triste do que ver-me privado do vosso amor? Se, pois, quereis, aterrar-me, ameaçai-me que terei de viver sem Vos amar: só esta ameaça me inspira mais medo que mil infernos. Meu Deus, se, no meio das chamas do inferno, os réprobos ainda Vos pudessem mais amar, o inferno se lhes transformaria em paraíso; e se, ao contrário, os Bem-aventurados do céu não Vos pudessem mais amar, o paraíso lhes seria um inferno.

Reconheço, ó meu amado Senhor, que pelos meus pecados mereceria ser abandonado pela vossa graça, e portanto condenado a não poder mais amar-Vos; mas ouço que ainda me ordenais que Vos ame, e sinto em mim um grande desejo de Vos amar. Este desejo já é um dom de vossa graça; Vós mesmo m´o inspirais; dai-me, portanto, a força para o realizar. Fazei que doravante eu Vos diga com todas as veras e de todo o coração, e o diga sempre: Amo-Vos, meu Deus, amo-Vos, amo-Vos – Vós desejais meu amor, eu desejo o vosso. Esquecei-Vos, ó meu Jesus, dos desgostos que no passado Vos causei; amemo-nos sempre; eu Vos não deixarei e Vós tampouco me deixareis. Vós me amareis sempre e eu sempre Vos amarei. Meu querido Salvador, vossos méritos são a minha esperança. Por piedade, fazei que sempre e muito Vos ame e Vos ame um pecador que muito Vos ofendeu. – Virgem imaculada, Maria, socorrei-me, rogai a Jesus por mim.

Referências:
(1) Jó 7, 17
(2) Mt 22, 37
(3) Pv 23, 26
(4) Ct 5, 2
(5) Dt 10, 12
(6) Lc 15, 6
(7) Lc 15, 20
(8) 1 Jo 3, 14
(9) 1 Jo 4, 16
3ª parte

 Décima Segunda Semana do Tempo Comum

(Terceira Semana depois de Pentecostes)

Domingo: 5º Dia da Novena do Sagrado Coração de Jesus – Coração aflito de Jesus

Segunda-feira: 6º Dia da Novena do Sagrado Coração de Jesus – Coração misericordioso de Jesus

Terça-feira: 7º Dia da Novena do Sagrado Coração de Jesus – Liberalidade do Coração de Jesus

Quarta-feira: 8º Dia da Novena do Sagrado Coração de Jesus – Coração agradecido de Jesus

Quinta-feira: 9º Dia da Novena do Sagrado Coração de Jesus – Coração de Jesus desprezado

Sexta-feira: Solenidade do Sagrado Coração de Jesus

Sábado: Coração de Maria, imagem fiel do Coração de Jesus

 Décimo Segundo Domingo do Tempo Comum

5º Dia da Novena ao Sagrado Coração de Jesus
Coração aflito de Jesus

Tristis est anima mea usque ad mortem – “Minha alma está triste até a morte” (Mc 14, 34)

Sumário. A dor mais cruciante que afligiu o Coração de Jesus no correr de toda a sua vida, não foi a previsão dos tormentos e ultrajes que o esperavam, mas sim a previsão da ingratidão dos homens e dos ultrajes que lhe haviam de fazer no Sacramento de seu amor, na Santíssima Eucaristia. Ó Deus! Se nós temos cometido pecados, temos igualmente cooperado para afligir o Coração amabilíssimo de Jesus. Peçamos-Lhe ao menos perdão e tomemos a resolução de O amarmos com tanto mais ardor para o futuro.

I. É impossível considerar a grandeza da aflição do Coração de Jesus nesta terra pelo amor dos homens e não nos compadecermos dele. Jesus Cristo mesmo nos faz saber que seu Coração chegou a tal auge de tristeza, que esta só fora suficiente para lhe tirar a vida e fazê-Lo morrer de pura dor, se o poder divino não tivesse por um milagre impedido a morte. Tristis est anima mea usque ad mortem – “Minha alma está triste até a morte”.

A dor mais cruciante que tanto afligiu o Coração de Jesus, não foi a previsão dos tormentos e opróbrios que os homens Lhe preparavam, mas sim a previsão da ingratidão deles para com o seu amor imenso. Jesus previu distintamente todos os pecados que nós havíamos de cometer, depois de tantos sofrimentos seus e de uma morte tão amargosa e ignominiosa. Previu em particular as injúrias horrorosas que os homens haviam de infligir a seu adorável Coração, que lhes queria deixar no Santíssimo Sacramento, como penhor de afeto.

Ó Deus! Que ultrajes não recebeu Jesus dos homens neste Sacramento de amor! Uns calcaram-no aos pés, outros atiraram-no aos esgotos, outros dele se serviram para fazerem obséquio ao demônio! Todavia, a previsão de todos esses desprezos não obstou a que nos deixasse tão Grande penhor do seu amor. Jesus odeia em extremo o pecado, mas parece que o amor para conosco ainda ultrapassa o ódio que tem ao pecado; porquanto prefere permitir tantos sacrilégios a privar as almas andantes deste alimento celeste.

Não será tudo isso bastante para nos mover a amar um Coração que tanto nos amou? Não terá, por ventura, Jesus Cristo feito bastante para merecer o nosso amor? Deixaremos, ingratos, Jesus Cristo abandonado sobre o altar como fazem a maior parte dos homens? E não nos uniremos antes àquelas poucas almas devotas que sabem ser reconhecidas, para nos consumir de amor mais do que se consomem as velas que ardem ao redor dos santos tabernáculos? O Coração de Jesus ali está ardendo de amor para conosco; e, na sua presença, nós não arderemos de amor para com Ele?

II. Ó meu adorável e amado Jesus, eis aqui a vossos pés aquele que tanto contristou vosso amabilíssimo Coração. Ó céu! Como pude amargurar tanto esse Coração que tamanho amor me tem e não poupou nada para se fazer amar de mim! Mas, consolai-Vos, ó meu Salvador, assim Vos direi, consolai-Vos e sabei que meu coração, ferido pela graça do vosso santo amor, experimenta agora vivo pesar dos desgostos que Vos deu, e quisera morrer de dor. Quem me dera, ó meu Jesus, ter uma dor dos meus pecados igual à que Vós tivestes durante a vossa vida!

A Vós, Eterno Pai, ofereço a pena e o horror que vosso divino Filho sentiu de minhas faltas, e Vos peço, pelos seus merecimentos, que me deis tal arrependimento dos meus pecados, que viva d’aqui em diante em estado de dor continua, pensando no desprezo que outrora fiz à vossa amizade. E Vós, ó meu Jesus, dai-me no futuro tão grande horror do pecado, que me faça detestar ainda as faltas mais leves, por desagradarem a Vós, que sois digno de nunca ser ofendido, nem leve nem gravemente; sois digno de um amor infinito.

Ó meu amado Senhor, detesto tudo que Vos desagrada e no futuro só a Vós quero amar e aquilo que Vós amais Ajudai-me e fortalecei-me; dai-me a graça de Vos invocar sempre e de repetir sem cessar: Meu Jesus, dai-me o vosso amor, dai-me o vosso amor. † Doce Coração de meu Jesus, fazei que eu vos ame mais e mais. E vós, Maria Santíssima, obtende-me a graça de nunca deixar de vos dizer: Minha Mãe, fazei que eu ame a Jesus Cristo.

 Segunda-feira da Décima Segunda Semana do Tempo Comum

6º Dia da Novena ao Sagrado Coração de Jesus
Coração misericordioso de Jesus

Misericordia eius a progenie in progenies timentibus eum – “A sua misericórdia se estende de geração a geração, sobre os que o temem” (Lc 1, 50)

Sumário. Onde poderemos encontrar um coração mais terno que o Coração de Jesus, um coração que se compadeça mais de nossas misérias? É movido por esta misericórdia que baixou do céu à terra para nos buscar, suas ovelhas desgarradas; agora ainda sempre nos convida a que voltemos a ele, e promete que se esquecerá de todas as injúrias recebidas. Não tardemos, pois, a nos lançar nos braços de tão amoroso Pai; peçamos-Lhe perdão das ingratidões passadas e façamos o protesto que nunca jamais d’Ele nos afastaremos.
I. Onde poderíamos achar um coração mais terno e misericordioso do que o Coração de Jesus, um coração que se tenha compadecido mais das nossas misérias? A sua misericórdia fê-lo baixar do céu à terra; fê-lo dizer que era Ele o bom Pastor vindo a dar a vida pelas suas ovelhas. Para nos obter o perdão, a nós, pecadores, não perdoou a si mesmo e quis sacrificar-se sobre a cruz, a fim de sofrer Ele mesmo o castigo que nós tínhamos merecido.

É a mesma piedade e compaixão que O faz ainda agora dizer: Quare moriemini, domus Israel? Revertimini et vivite (1) – “Porque morrereis, ó casa de Israel? Voltai e vivei”. Ó homens, parece dizer, meus pobres filhos, porque vos quereis condenar, fugindo de mim? Não vedes que afastando-vos de mim correis para a morte eterna? Não vos quero ver condenados; não desanimeis, se quereis voltar a mim, voltai e recuperareis a vida: Revertimini et vivite. – A mesma misericórdia O faz ainda dizer que ele é o Pai amoroso que, posto que desprezado pelo filho, não sabe repulsá-lo quando volta arrependido, mas o abraça com ternura e se esquece de todas as injúrias recebidas: Peccatorum tuorum non recordabor (2) – “Não me lembrarei de teus pecados”.

Não é assim que soem fazer os homens. Estes, ainda que perdoem, guardam sempre a lembrança da ofensa recebida e sentem desejos de vingança; e se não se vingam, porque são tementes de Deus, ao menos têm grande repugnância de conversar e tratar com aqueles que os ofenderam. – ah, meu Jesus, Vós perdoais aos pecadores arrependidos e não recusais dar-Vos a eles todo inteiro nesta terra pela santa comunhão e no céu pela luz da glória, sem que mostreis a menor repugnância em conservar unida convosco, por toda a eternidade, à alma que Vos ofendeu. Onde então achar um coração tão amável e misericordioso como o vosso, ó meu amado Salvador?

II. Ó Coração misericordioso de meu Jesus, tende compaixão de mim. Meu dulcíssimo Jesus, tende compaixão de mim. Eu Vo-lo digo agora e dai-me, ó Jesus, a graça de sempre Vos repetir esta súplica: Ó meu dulcíssimo Jesus, tende compaixão de mim. Antes de Vos ofender, ó meu Redentor, não merecia, por certo, nenhuma das muitas graças que me fizestes. Vós me criastes, me comunicastes tantas luzes, sem merecimento da minha parte. Depois, porém, que pequei, não somente não sou digno de favores, mas mereço ser abandonado de Vós e precipitado no inferno. A vossa misericórdia é que Vos fez esperar-me e conservar-me a vida quando me achava na vossa desgraça. A vossa misericórdia é que me esclareceu e me convidou à penitência; ela me deu a dor dos pecados e o desejo de Vos amar
e pela vossa misericórdia nutro a confiança de estar em vossa graça.

Ó meu Jesus, não cesseis de exercer misericórdia comigo. † “Para Vos mostrar a minha gratidão e para reparar as minhas infidelidades, Vos dou o meu coração e me consagro inteiramente a Vós, ó meu amável Jesus e com vosso auxílio proponho nunca mais pecar.” (3) – É esta a misericórdia que Vos peço; iluminai-me e fortalecei-me para não ser mais ingrato para convosco.

Meu amor, não pretendo que torneis a perdoar-me se eu tornar a virar-Vos as costas; isto seria um presunção que havia de impedir que usásseis de misericórdia para comigo. Que misericórdia poderia esperar ainda de Vós, se viesse novamente a desprezar a vossa amizade, separando-me de Vós? Ó meu Jesus, amo-Vos e quero sempre amar-Vos. É esta a misericórdia que Vos imploro e espero: Não permitais, não permitais que me separe de Vós. – Ó minha Mãe, Maria, rogo-vos também: não permitais que ainda me separe de meu Deus.

Referências:

(1) Ez 18, 31-32
(2) Is 43, 25
(3) Indulg. de 100 dias, quando se reza diante da imagem do Sagrado Coração

 Terça-feira da Décima Segunda Semana do Tempo Comum

7º Dia da Novena ao Sagrado Coração de Jesus
Liberalidade do Coração de Jesus

Mecum sunt divitiae… ut ditem diligentes me, et thesauros eorum repleam – “Comigo estão as riquezas… para enriquecer os que me amam e encher os seus tesouros” (Pv 8, 18 e 21)

Sumário. É próprio das pessoas de coração bem formado o querer fazer todos contentes. Mas onde acharemos quem tenha o coração mais bondoso que Jesus Cristo? Para nos comunicar as suas riquezas chegou a fazer-se homem e pobre como nós. Mais: Ele quis ficar conosco no Santíssimo Sacramento, no qual está sempre com as mãos cheias de graças e convida-nos continuamente, a que nos aproximemos para as receber. Se, pois, ficamos sempre pobres, a culpa é só nossa.

I. É próprio das pessoas de coração bem formado querer fazer todos contentes, especialmente os mais necessitados e aflitos. Mas onde acharemos quem tenha o coração mais bondoso que Jesus Cristo? Por ser a bondade infinita, tem um desejo extremo de nos comunicar as suas riquezas: Mecum sunt divitiae, ut ditem diligentes me – “Comigo estão as riquezas, para enriquecer os que me amam”. Ele se fez pobre, diz o apóstolo, para nos fazer ricos: Propter vos egenus factus est, ut illius inopia vos divites essetis (1).

Para este fim ainda quis ficar no Santíssimo Sacramento, no qual está com as mãos cheias de graça, conforme se mostrou ao Padre Balthazar Alvarez, a fim de dispensá-las aos que vierem visitar. Com o mesmo intuito se nos dá todo inteiro na santa comunhão, dando-nos a entender que não saberá negar os seus bens, a quem dá toda a sua pessoa. Quomodo non etiam cum illo omnia nobis donavit? (2) – “Como não nos deu também com Ele todas as coisas?” – No Coração de Jesus achamos, portanto, todos os bens e todas as graças que desejemos: In omnibus divites facti estis in illo,… ita ut nihil vobis desit in ulla gratia (3) – “Em todas as coisas fostes enriquecidos n’Ele (Cristo),… de modo que nada vos falta em graça alguma”.

Vê, portanto, que é ao Coração de Jesus que devemos agradecer todas as graças recebidas: a Redenção, a vocação, as luzes interiores, o perdão, a força para resistir às tentações, a paciência nas contrariedades; pois que, sem o seu auxílio nenhum bem poderíamos fazer: Sine me nihil potestis facere (4) – “Sem mim não podeis fazer nada”. E se no passado, diz o Senhor, não tendes recebido graças mais abundantes, não vos queixeis de mim; queixai-vos de vós mesmos, porque tendes descuidado de m’as pedir. Usque modo non petistis quidquam; petite et accipietis (5) – “Até agora não tendes pedido nada: pedi e recebereis”.

II. Oh! Quanto é rico, quanto é liberal o Coração de Jesus, para com os que a Ele recorrem! Oh, quão grandes graças recebem as almas que cuidam em pedir auxílio a Jesus Cristo! Davi dizia: Tu, Domine, suavis et mitis, et multae misericordiae omnibus invocantibus te (6) – “Tu, ó Senhor, és suave e brando e de muita misericórdia para todos os que te invocam”. Recorramos, portanto, sempre a este coração, peçamos com confiança e obteremos tudo.

Ah, meu Jesus, Vós não Vos dedignastes de sacrificar por mim vosso sangue e a vida, e eu me recusarei a dar-Vos o meu miserável coração? Eu Vo-lo dou todo inteiro, meu amado Redentor, eu Vos dou toda a minha vontade; aceitai-a e disponde dela segundo o vosso agrado. Não tenho nem posso nada; mas disponho de um coração que Vós me destes e que ninguém me pode roubar; podem tirar-me os bens, o sangue, a vida, mas não o coração. Com este coração Vos posso amar e Vos quero amar. Ensinai-me, ó meu Deus, o perfeito esquecimento de mim mesmo; ensinai-me o que deva fazer para obter o vosso puro amor, cujo desejo Vós mesmo me inspirastes pela vossa infinita bondade. Minha alma está resolvida a Vos agradar; mas de Vós espero e peço a graça de o fazer.

Ó Coração amantíssimo de Jesus, Vós deveis fazer que seja todo vosso o meu pobre coração, que no passado Vos tem sido tão ingrato e pela sua culpa privado do vosso amor. Suplico-Vos que meu coração seja todo amor por Vós, assim como o vosso é todo amor por mim. Fazei com que a minha vontade seja toda unida à vossa, de modo que eu não queira senão o que Vós quereis. A vossa santa vontade seja doravante a regra de todas as minhas ações, de todos os meus pensamentos e de todos os meus desejos.

Espero, ó Senhor, que não me negareis a vossa graça para executar a resolução que, prostrado a vossos pés, tomo hoje, a de aceitar com resignação tudo que queirais dispor de mim, e do que é meu, tanto na vida como na morte.

– Ó Maria Imaculada, fostes feliz por terdes sempre vosso Coração conformado em tudo ao Coração de Jesus. – Por piedade, minha Mãe, obtende-me que para o futuro eu não queira nem deseje senão o que queirais vós e Jesus.

Referências:

(1) 2 Cor 8, 9
(2) Rm 8, 32
(3) 1 Cor 1, 5 e 7
(4) Jo 15, 5
(5) Jo 16, 24
(6) Sl 85, 5

 Quarta-feira da Décima Segunda Semana do Tempo Comum

8º Dia da Novena ao Sagrado Coração de Jesus
Coração agradecido de Jesus

Omnis qui reliquerit domum, vel fratres… propter nomen meum, centuplum accipiet, et vitam aerternam possidebit – “Todo aquele que deixar por amor de meu nome a casa ou os irmãos, receberá o cêntuplo e possuirá a vida eterna” (Mt 19, 29)

Sumário. É tão agradecido o Coração de Jesus, que não pode ver qualquer obra, por pequena que seja, mas feita por seu amor, sem a recompensar nesta vida ou na outra. Apesar disso, os homens, que se mostram gratos até aos animais, são tão ingratos para com Deus, depois de receberem dele tão grandes benefícios. Parece de certo modo que os benefícios de Deus mudam de natureza e se tornam vexames, porque em vez de gratidão e amor, lhe retribuem ofensas e injúrias. Como é que nós até ao presente havemos correspondido à divina beneficência?… Como lhe corresponderemos para o futuro?

I. É tão agradecido o Coração de Jesus, que não pode ver uma obra qualquer nossa feita por seu amor, uma palavra qualquer dita para sua glória, um bom pensamento refletido para sua complacência, e não dar a cada qual a devida recompensa. Mais: Ele é tão agradecido, que dá sempre cento por um: Centuplum accipiet. – Os homens, sendo gratos e querendo recompensar um benefício recebido, recompensam-no uma vez; cumprem, como se diz, a sua obrigação e depois não pensam mais nisso. Não é assim que Jesus Cristo faz conosco; cada ação boa por nós praticada a fim de Lhe dar o gosto, é por Ele não somente recompensada ao cêntuplo na vida presente, mas ainda lá na outra vida recompensa-a infinitas vezes em cada instante da eternidade: quem, pois, não se esmerará em contentar, quanto possa, a um Coração tão agradecido?

Mas, ó céu! Como se aplicam os homens a agradarem a Jesus Cristo? Ou, digamos antes, como podemos nós ser tão ingratos para com o nosso Salvador? Se por nossa salvação ele não tivesse derramado senão uma só gota de sangue, uma só lágrima, ficar-Lhe-íamos infinitamente obrigados, porque aquela gota de sangue, aquela lágrima teriam tido aos olhos de Deus um valor infinito para nos obter toda graça. Jesus, porém, quis despender por nós todos os instantes da sua vida, deu-nos todos os seus merecimentos, todas as suas penas e ignomínias, todo o sangue e a vida, de modo que temos, não somente uma, senão mil obrigações para o amarmos.

Mas, infelizmente, nós somos gratos, até aos animais; se um cachorrinho nos faz alguma festa, parece que nos constrange a amá-lo; como podemos então ser tão ingratos para com Deus? Parece que os benefícios de Deus, quando prestados aos homens, mudam de natureza e se tornam vexames; porquanto Deus, em vez de gratidão e amor, só aufere deles ofensas e injúrias. Iluminai, ó Senhor, esses ingratos, a fim de que reconheçam o amor que lhes tendes.

II. Ó meu amado Jesus, eis aqui a vossos pés um ingrato. Tenho sido grato para com as criaturas e ingrato somente para convosco. Para convosco, digo, que morrestes por mim, e não pudestes fazer mais a fim de me obrigar a amar-Vos. O que me consola e anima é que estou tratando com um Coração de Bondade e misericórdia infinita, que promete esquecer todas as ofensas do pecador que se arrepende e o ama.

Meu querido Jesus, no passado eu Vos ofendi e Vos desprezei; mas agora amo-Vos sobre todas as coisas, mais que a mim mesmo. Fazei-me saber o que de mim desejais; estou pronto a fazê-lo com a vossa graça. Creio que sois meu Criador, que por meu amor destes vosso sangue e vida; creio também que por meu amor Vos quisestes ficar no Santíssimo Sacramento. Graças Vos sejam dadas, ó amor meu! Por piedade, não permitais que para o futuro eu seja ainda ingrato por tantos benefícios e tantas provas de vosso amor. Ligai-me, prendei-me a vosso Coração e não permitais que no tempo de vida que me resta torne a Vos desgostar e amargurar. Já basta de ofensas, ó meu Jesus, quero agora amar-Vos.

Oxalá pudessem voltar os anos perdidos! Mas, infelizmente, eles não voltam mais e breve será a vida que ainda me resta. Mas, meu Deus, quer seja breve, quer seja longa, quero empregá-la toda em Vos amar, ó Bem supremo, digno de um amor eterno e infinito. Quero empregá-la para que também os outros Vos amem. † Amado seja em toda parte o Sagrado Coração de Jesus (1). “Louvado, adorado, amado, agradecido e venerado seja a todo o instante o Coração eucarístico de Jesus em todos os tabernáculos do mundo, até à consumação dos séculos. Assim seja (2).

– Ó grande Mãe de Deus e minha Mãe, Maria, obtende-me a força para ser fiel a estes meus propósitos e não permitais que novamente eu seja ingrato para convosco e para com vosso Filho.

Referências:

(1) Indulg. de 100 dias
(2) Indulg. de 100 dias

 Quinta-feira da Décima Segunda Semana do Tempo Comum

9º Dia da Novena ao Sagrado Coração de Jesus
Coração de Jesus desprezado

Filios enutrivi et exaltavi; ipsi autem spreverunt me – “Criei uns filhos e engrandeci-os; eles, porém, me desprezaram” (Is 1, 2)

Sumário. Para um coração amante não há pena mais pungente do que ver desprezado seu amor, mormente quando as provas de amor foram manifestas e a ingratidão é grande. Vejamos, pois, qual deva ter sido a pena do Coração sensibilíssimo de Jesus que em retorno dos muitos benefícios feitos aos homens, só recebe ofensas, injúrias e desprezos, como nem se praticariam para com o mais vil dos homens. Poderemos pensar nesses tratos indignos para com Deus sem sentirmos compaixão e sem nos esforçarmos para o desagravar com o nosso amor?

I. Não há para um coração amante pena mais pungente do que ver seu amor desprezado; mormente quando as provas de amor foram manifestas é mais negra a ingratidão que se mostra. – Se alguém por amor de Jesus Cristo se privasse de todos os seus bens, fosse viver num deserto, se alimentasse só com ervas, dormisse no chão, se macerasse com penitências, se, afinal, se deixasse martirizar; que seria tudo isso em compensação do sangue e da vida que o grande Filho de Deus sacrifícios por nós? Se nós nos entregássemos cada instante à morte, de certo nada seria em compensação do amor que Jesus Cristo nos mostrou em se dando a nós no Santíssimo Sacramento. Um Deus esconder-se sob as espécies de um pouco de pão e fazer-se o sustento de suas criaturas!

Mas, ó céus! Como é que os homens reconhecem e recompensam o amor de Jesus Cristo? Como? Com ultrajes, desprezo de suas leis e doutrinas; numa palavra, com injúrias tais, que não as haviam de fazer nem a um inimigo ou escravo, nem ao homem mais abjeto do mundo. – poderemos pensar em todos os ultrajes que Jesus Cristo tem recebido e ainda recebe todos os dias, sem que nos compadeçamos dele, sem que procuremos compensar com nosso amor o amor imenso de seu divino Coração que no Santíssimo Sacramento arde do mesmo amor para conosco, desejoso de nos comunicar seus bens, de se dar todo a nós, disposto a acolher-nos em seu Coração cada vez que a ele recorramos? Qui venit ad me, non eiciam foras (1) – “O que vem a mim, não o lançarei fora”.

Estamos habituados a ouvir falar em Coração, Encarnação, Redenção, em Jesus nascido numa gruta, em Jesus morto na cruz. Ó Deus! Se algum homem nos tivesse prestado um destes benefícios, ser-nos-ia impossível não o amar. Só Deus, por assim dizer, é tão desditoso, que, apesar de não saber mais que fazer para ser amado dos homens, não pode conseguir o seu intento: em vez de amado, é ultrajado e desprezado. Tudo provem de que os homens se esquecem do amor de Deus.

II. Coração do meu Jesus, abismo de misericórdia e amor, à vista de vossa bondade comigo e de minha ingratidão, como é possível não morrer eu e consumir-me de dor? Ó meu Salvador, depois de me haverdes dado o ser, ainda me destes todo o vosso sangue e a vida e Vós entregastes por amor de mim aos opróbrios e à morte. Não contente disto, inventastes o meio de Vos sacrificar todos os dias por mim na santíssima Eucaristia, não recusando expor-Vos às injúrias que deveis receber (como de antemão o sabíeis) neste Sacramento de amor. Ó céu! Como posso ver-me tão ingrato a vosso respeito sem expirar de confusão?

Ah Senhor! Ponde termo às minhas ingratidões, feri meu coração com vosso santo amor, e fazei que seja todo vosso. Lembrai-Vos das lágrimas e do sangue que derramastes por meu amor, e perdoai-me. Não sejam para mim perdidas tantas dores. Apesar de me verdes tão ingrato e tão indigno de vosso amor, não me deixastes de amar, ainda quando eu Vos não amava, nem desejava ser amado de Vós; quanto, pois, não devo esperar vosso amor, agora que desejo unicamente Vos amar e ser de Vós amado?

Por piedade, contentai plenamente meu desejo; ou antes o vosso desejo, já que sois Vós que m´o inspirais. Seja o dia de hoje o da minha inteira conversão, começando desde já a Vos amar, ó soberano Bem, para nunca cessar de o fazer. Fazei-me morrer completamente a mim mesmo e não viver mais senão para Vós, arder sempre no vosso santo amor e reproduzir em mim as vossas belas virtudes, especialmente a humildade e a mansidão no meio dos desprezos. † Ó Jesus, manso e humilde de Coração, fazei meu coração semelhante ao vosso (2).

– Ó Maria, vosso coração foi o feliz altar em que ardeu sem cessar o fogo do divino amor.

– Minha terna Mãe, fazei meu coração semelhante ao vosso. Rogai por mim a vosso Filho, que se compraz em vos honrar, não recusando coisa alguma que lhe pedis.

Referências:

(1) Jo 6, 37
(2) Indulg. de 100 dias

 Sexta-feira da Décima Segunda Semana do Tempo Comum

Festa do Sagrado Coração de Jesus

Filios enutrivi et exaltavi; ipsi autem spreverunt me – “Criei uns filhos e engrandeci-os; eles, porém, me desprezaram” (Is 1, 2)

Sumário. Os homens prometem facilmente, mas depois faltam muitas vezes à palavra, ou porque enganaram prometendo ou porque não a podem ou não a querem guardar. Não faz assim Jesus Cristo, que, sendo Deus todo poderoso, não pode enganar nem mudar. Quanto melhor é, pois, ter que tratar com este Coração divino do que com os homens! Ponhamos, porém, a mão na consciência: somos nós fiéis a Deus, assim como ele nos é fiel? Quantas vezes temos já prometido amá-Lo e depois o temos traído!

I. Oh! Quanto o belo Coração de Jesus é fiel para com aqueles que Ele chama a seu santo amor! Fiel é aquele que vos chamou: ele também assim fará. A fidelidade de Deus nos dá ânimo para esperar tudo, se bem que nada mereçamos. Depois de expulsarmos a Deus de nosso coração, basta que Lhe abramos a porta para Ele entrar logo segundo a promessa feita: Si quis aperuerit mihi ianuam, intrabo ad illum et coenabo cum illo (1) – “Se alguém me abrir a porta, entrarei em sua casa e ceiarei com ele”. – Se desejamos graças, peçamo-las em nome de Jesus Cristo, visto que Ele nos prometeu que assim as obteremos: Se pedirdes alguma coisa a meu Pai em meu nome, Ele vo-la dará (2). Nas tentações, confiemos nos méritos de Jesus, e Ele não permitirá que os inimigos nos incomodem acima das nossas forças: Fidelis autem Deus est, qui non patietur vos tentari supra id quod potestis (3).

Oh, como é preferível tratar com Deus a tratar com os homens! Quantas vezes estes não prometem e depois faltam à palavra, quer porque enganam na promessa, quer porque depois da promessa mudam de opinião. Non est Deus quasi homo, ut mentiatur; nec ut filius hominis ut mutetur (4). Deus, assim diz o Espírito Santo, não pode ser infiel em suas promessas, porque não pode mentir, sendo a verdade mesma; nem pode mudar de opinião, porque tudo o que quer é justo e reto. Prometeu acolher todo aquele que a Ele se chega; dar auxílio ao que o pede, amar àquele que O ama, e depois não há de fazer? Dixit ergo, et non faciet?

Oxalá fôssemos nós tão fiéis a Deus, assim como Ele o é para conosco! No passado, quantas vezes não Lhe temos prometido sermos todos d’Ele, servi-Lo e amá-Lo; e depois nos tornamos traidores, e renunciando ao seu serviço, fizemo-nos escravos do demônio! Peçamos-Lhe que nos dê força para Lhe sermos fieis no futuro. – Felizes de nós, se formos fiéis a Jesus Cristo nas poucas coisas que Ele nos manda! Ele será fiel recompensando-nos copiosamente, e nos fará ouvir o que prometeu a seus servos fiéis: Euge, serve bone et fidelis! Quia super pauca fuisti fidelis, super multa te constituam; intra in gaudium domini tui (5) – “Eia, servo bom e fiel; já que foste fiel no pouco, te investirei na posse do muito: entra no que é gozo de teu senhor”.

II. Amadíssimo Redentor meu, oxalá que eu Vos tivesse sido fiel, como Vós o fostes comigo. Cada vez que Vos abri a porta do meu coração, nele entrastes para me perdoar e receber a vossa graça; cada vez que Vos invoquei, correstes em meu socorro. Vós fostes sempre fiel e eu Vos fui muitas vezes infiel: prometi servir-Vos e depois tantas vezes Vos virei as costas; prometi amar-Vos e depois mil vezes Vos recusei meu amor, como se Vós, meu Deus, meu Criador e meu Redentor, fosseis menos digno de ser amado, que as criaturas e as miseráveis satisfações pelas quais Vos abandonava. Perdoai-me, ó meu Jesus. Reconheço a minha ingratidão e a detesto. Reconheço que sois a bondade infinita, digna de um amor infinito, especialmente digna de ser amada por mim, a quem tanto tendes amado após tantas ofensas da minha parte.

Desgraçado de mim se me condenasse! As graças que me destes e as provas de amor que me prodigalizastes, seriam o inferno do meu inferno. Não seja assim, ó meu amor; não permitais que Vos abandone de novo, e que, por um justo castigo, seja precipitado no inferno para continuar a pagar com ódio e injúrias vosso amor para comigo. Ó Coração terno e fiel de Jesus, inflamai meu pobre coração, para que se abrase de amor para convosco, como Vós para comigo. Parece que de presente Vos amo, ó meu Jesus, mas amo-Vos muito pouco; dai-me que Vos ame muito e Vos seja fiel até à morte. É esta a graça que Vos peço, bem como a graça de a pedir sempre. Deixai-me morrer antes que venha novamente a trair-Vos.

“Fazei, Senhor Jesus Cristo, que nos vistamos das virtudes e nos inflamemos com os afetos de vosso Santíssimo Coração, para que mereçamos ser conformes à imagem da vossa bondade e participar do fruto da redenção.” (6) Fazei-o pelo amor de vossa e minha amada Mãe, Maria.

Referências:

(1) Ap 3, 20
(2) Jo 14, 13
(3) 1Cor 10, 13
(4) Nm 23, 19
(5) Mt 25, 23
(6) Or. Festi.

 Sábado da Décima Segunda Semana do Tempo Comum

Memória do Imaculado Coração de Maria
Coração de Maria, imagem fiel do Coração de Jesus

Mater eius conservabat omnia verba haec in corde suo – “Sua Mãe conservava todas estas palavras em seu coração” (Lc 2, 51)

Sumário. Todas as qualidades que nos dias anteriores contemplamos no Coração de Jesus acham-se, com as devidas proporções, também no Coração de Maria, sua Mãe. Durante os trinta anos que a Virgem Santíssima conviveu com Jesus, não fez senão estudar continuamente no livro do Coração do Filho. Se, pois, amamos deveras a Maria e queremos ser seus dignos filhos, estudemos igualmente o Coração de Jesus e aprendamos de Nossa Senhora a praticarmos a humildade e o amor para com Deus e para com o próximo.

I. Depois da Encarnação do Verbo, a ocupação habitual de Maria Santíssima foi estudar o grande livro do Coração amabilíssimo de Jesus e nesta escola divina fez progressos tão grandes, que se tornou uma imagem fiel de Jesus. Pelo que todos os dotes que nos dias anteriores contemplamos no Coração do Filho, acham-se também, observadas as devidas proporções, no Coração da Mãe.

Com efeito, que coração há mais amável que o Coração de Maria? Coração todo puro, santo, imaculado, perfeito; Coração, em suma, no qual Deus acha as suas delícias, as suas complacências. – Coração ao mesmo tempo tão amante dos homens, que, se todas as criaturas unissem as suas forças, nem de longe conseguiriam igualar o amor de Maria: Amat nos amore invicibili (1) – “Ela nos ama com amor inexcedível”. Este amor de Maria para com o gênero humano, rivalizando com o do Eterno Pai, levou-a a fazer o sacrifício doloroso, de entregar à morte seu Filho inocente. Leva-a continuamente a compadecer-se com ternura maternal das nossas misérias; a socorrer-nos generosamente em nossas necessidades; a ser-nos reconhecida e recompensar fielmente qualquer obra boa feita por seu amor, qualquer palavra dita para glória sua, cada bom pensamento que lhe agrada.

Como retribuição de todos os benefícios que a divina Mãe nos dispensou e ainda continuamente nos dispensa, não exige senão nosso amor; porquanto seu coração, à semelhança do de Jesus, é um coração desejoso de ser amado. – Vê, portanto, quanta aflição deve sentir vendo-se pago com desprezos. Não sejas tu do número daqueles ingratos que assim afligem a nossa terna Mãe.

II. Imitatores mei estote, sicut et ego Christi (2) – “Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo”; é o que, com mais razão do que São Paulo, nos diz a divina Mãe. Se, pois, amas a Maria, deves, à sua imitação, estudar continuamente no livro do Coração de Jesus Cristo, a fim de nele aprender todas as virtudes, especialmente as que te sejam mais necessárias como, por exemplo, o desapego da terra, a humildade, a mansidão, a resignação e sobretudo o amor para com Deus e para com o próximo. – Se não tens a coragem de estudar em tão grande livro, pede-a à divina Mãe.

Ó Coração de Maria, Mãe de Deus e Mãe nossa; Coração amabilíssimo, objeto da complacência da adorável Trindade, de toda a veneração e amor dos anjos e dos homens; Coração mais semelhante ao de Jesus, do qual sois imagem perfeita; Coração cheio de bondade e todo compassivo com as nossas misérias: dignai-vos tirar a frieza de nossos corações e fazei que sejam transformados à semelhança do Coração do divino Salvador. Infundi-lhes o amor a vossas virtudes; abrasai-os no fogo feliz, que está continuamente ardendo em vosso Coração.

Abrangei a santa Igreja, guardai-a e sede-lhe sempre doce asilo e torre inexpugnável contra todos os assaltos dos seus inimigos. Sede-nos o caminho para irmos a Jesus e o canal pelo qual nos venham todas as graças necessárias para nossa salvação. Sede nosso socorro nas aflições, nosso conforto nas tentações, nosso refúgio nas perseguições, nosso auxílio em todos os perigos, especialmente nos últimos combates de nossa vida na hora da morte, quando todo o inferno se desencadear contra nós para roubar nossas almas, naquele momento terrível do qual depende a eternidade. Ó Virgem piedosíssima, deixai-nos experimentar então a doçura do vosso coração maternal e a eficácia do vosso poder para com o Coração de Jesus, abrindo-nos nesta fonte mesma da misericórdia um abrigo seguro, no qual possamos um dia chegar a bendizê-lo no paraíso por todos os séculos dos séculos.

Conhecidos, louvados, benditos, amados, servidos e glorificados, sejam sempre e por toda parte o diviníssimo Coração de Jesus e o puríssimo Coração de Maria.

Referências:

(1) S. Petr. Dam.
(2) 1 Cor 4, 16
4ª parte

 Décima Terceira Semana do Tempo Comum

(Quarta Semana depois de Pentecostes)

Domingo: A ovelha perdida e o Pastor divino

Segunda-feira: Devemos morrer

Terça-feira: Da pureza de intenção

Quarta-feira: Para se santificar a alma deve dar-se toda e sem reserva a Deus

Quinta-feira: A santa comunhão nos faz perseverar na graça divina

Sexta-feira: Quão útil é meditar na Paixão de Jesus Cristo

Sábado: Do grande amor que nos tem Maria Santíssima

 Décimo Terceiro Domingo do Tempo Comum

A ovelha perdida e o Pastor divino

Congratulamini mibi, quia inveni ovem meam, quae perierat – “Congratulai-vos comigo, porque achei a ovelha que se tinha perdido” (Lc 15, 6)

Sumário. No Evangelho de hoje, Jesus Cristo representa-nos a sua misericórdia para com os pecadores. Com efeito, nós éramos como que ovelhas desgarradas: cada um ia errando por seu caminho. O divino Pastor, porém, solicito por nós, desceu do céu à terra, para nos reconduzir ao aprisco. Oh! que festa houve então no paraíso! Mas a festa se torna em luto, cada vez que pecamos ou caímos novamente do fervor na tibieza. Como, pois, teremos a triste coragem de fazê-lo?

I. Refere-se no Evangelho de hoje que os Fariseus e os Escribas murmuravam de Jesus Cristo, porque se chegava aos publicanos e pecadores. Então o Senhor lhes propôs esta parábola: Qual de vós possuindo cem ovelhas e tendo perdido uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto e vai em busca da que se perdeu até a encontrar? Achando-a põe-na aos ombros muito alegre e chegando à casa, convoca os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque achei a minha ovelha que se tinha perdido: Inveni ovem meam quae perierat.

Sob uma figura tão bela quis Jesus Cristo representar a sua própria pessoa e a sua misericórdia para com os pecadores. Todos nós éramos como que ovelhas desgarradas, cada um ia errando pelo seu caminho (1). Então Jesus, solicito por nossa salvação, desceu do céu à terra para nos reconduzir a seu aprisco e pôr-nos de novo no caminho que conduz à felicidade eterna. Pelo que São Pedro escreve: Eratis sicut oves errantes (2). – Vós éreis como ovelhas desgarradas; mas agora estais reconduzidos ao Pastor e Bispo de vossas almas.

Ah, meu divino Pastor Jesus! Eu também fui uma daquelas ovelhas perdidas, mas Vós me viestes buscar até me achar, como tenho a confiança. Vós me achastes e eu Vos achei. – Mas, ó Senhor, porque é que convidais vossos amigos, quer dizer, os anjos e os santos, a alegrarem-se convosco? Parece que antes lhes devíeis dizer que se alegrem com a ovelha, por Vos haver achado, seu Deus e seu tudo. É, pois, tão grande o amor que tendes à minha alma, que Vos sentis feliz por a terdes achado! E depois disso, como poderei tornar a Vos deixar, ó meu amado Senhor?

II. Dico vobis, quod ita gaudium erit in coelo. Considera como Jesus conclui a sua parábola: “Assim também vos digo, haverá mais alegria no céu por um só pecador que faz penitência do que por noventa e nove justos que não precisam de penitência”. São Gregório nos explica a razão disso, dizendo: “É mais agradável a Deus uma vida fervorosa depois do pecado, do que a vida inocente mas arrefecida pela segurança”. A alegria, porém, do paraíso converte-se em luto, quando uma ovelha, procurada com tamanha solicitude e reconduzida com tanto amor ao aprisco do divino Pastor, de novo se desvia, pela recaída no pecado mortal, ou no hábito das faltas veniais deliberadas. Diz São Francisco de Sales, que os anjos, se pudessem chorar, chorariam de compaixão ao verem tão grande miséria. E São Bernardo acrescenta: Pecccatum, quantum in se est, Deum perimit – “O pecado, pela sua natureza, causa a morte de Deus”. Como se dissesse: Se Jesus Cristo pudesse morrer, um só pecado mortal bastaria para fazê-lo morrer de pura tristeza.

Ah, meu dulcíssimo Redentor! É assim que eu também Vos tenho tratado cada vez que desprezei a vossa graça. – Oh não! Ter eu antes morrido mil vezes do que ofender-Vos, ó bondade infinita! Mas já que me viestes procurar e me achastes, uni-me a Vós, prendei-me com os felizes laços do vosso santo amor, a fim de que Vos ame sempre e não mais me afaste de Vós. Se desejais vingar-Vos das amarguras que Vos causei, vingai-Vos, eu vo-lo peço, não já expulsando-me da vossa presença, mas concedendo-me uma dor tão viva, que me faça chorar por toda a minha vida.

Ó meu Jesus, amo-Vos de todo o coração e sabei que não quero mais viver sem o vosso amor; socorrei-me com o vosso auxílio. – “Ó Deus, protetor dos que em Vós esperam, e sem o qual nada há firme nem santo, multiplicai sobre nós a vossa misericórdia, para que, por Vós dirigidos e guiados, passemos de tal modo pelos bens terrenos, que não percamos os eternos. Fazei-o pelo amor de Jesus Cristo” (3). † Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

Referências:

(1) Is 53, 6
(2) 1 Pd 2, 25
(3) Or. Dom.

 Segunda-feira da Décima Terceira Semana do Tempo Comum

Devemos morrer

Statutum est hominibus semel mori, post hoc autem iudicium – “Está decretado aos homens que morram uma vez e que depois se siga o juízo” (Hb 9, 27)

Sumário. Meu irmão, por muitos anos que tenhas a viver, sabe que para todos os homens já está escrita a sentença de morte. O que sucedeu a nossos antecessores, suceder-nos-á também. Cedo ou tarde devemos morrer, e depois da morte espera-nos um juízo inexorável e uma eternidade ou de gozos infindos no paraíso, ou de tormentos indizíveis no inferno. Que insensatez seria, pois, a nossa, se para buscarmos uma fortuna que em breve se extingue, nos descuidarmos da eternidade!

I. Para todos os homens está escrita a sentença de morte: és homem, deves morrer. Dizia Santo Agostinho que toda a nossa sorte, quer boa, quer má, é incerta; mas que só a morte é indubitavelmente certa. Cetera nostra bona et mala incerta sunt; sola mors certa est. É incerto se tal menino recém nascido virá a ser pobre ou rico, se terá boa ou má saúde, se morrerá moço ou velho; tudo isto é incerto; só é certo que deve morrer.

Vê: de quantos no princípio do século passado viviam na tua pátria, já não existe nenhum. Até os príncipes, os monarcas da terra passaram ao outro mundo; nada mais deles resta senão um mausoléu de mármore com uma bela inscrição, que tão somente serve para nos ensinar que dos grandes do mundo só resta um bocado de pó, resguardado por algumas pedras. Pergunta São Bernardo: Que foi feito dos amadores e adoradores do mundo? E responde: Nada deles restou senão cinzas e vermes. – Nihil ex eis remansit, nisi cineres et vermes.

Cada homem, pois, seja mesmo nobre ou rei, há de ser ceifado pela morte; e quando esta chega não há força que lhe possa resistir. Resiste-se ao fogo, diz Santo Agostinho, à água, ao ferro; resiste-se ao poder dos reis; mas não se pode resistir à morte. – Conta Vicente de Beauvais que um rei da França, ao chegar o fim da vida, exclamou: “Eis que com todo o meu poder não posso alcançar que a morte me espere uma hora mais.” Quando chega o termo da vida, ninguém o pode adiar por um instante sequer: Constituisti terminos eius qui praeteriri non poterunt (1) – “Tu lhe demarcaste os limites, dos quais ele não pode passar”.

Por muitos anos que tenhas a viver, meu irmão, deve vir um dia, e nesse dia uma hora, que te será a última. Para mim, que agora estou escrevendo; para ti que lês esta meditação, já está decretado o dia, o instante, em que eu deixarei de escrever e tu deixarás de ler: Quis est homo qui vivet et non videbit mortem? (2) – “Que homem há que viva e não veja a morte?” Está proferida a sentença. Nunca existiu homem tão insensato que se julgasse isento da morte. O que sucedeu a nossos antecessores, suceder-te-á também. Devemos morrer, e depois da morte espera-nos um juízo inexorável.

É preciso, por consequência, que não busquemos essa fortuna que se extingue, mas a que será eterna, já que são eternas as nossas almas. De que te serviria ser feliz neste mundo (dando de barato que a verdadeira felicidade se pode encontrar numa alma separada de Deus), se depois tivesses de ser desgraçado durante toda a eternidade? Para tua satisfação edificaste talvez uma casa; mas reflete que breve a terás de abandonar e irás apodrecer numa cova. Obtiveste talvez essa dignidade que te torna superior aos outros, mas a morte virá e te reduzirá igual aos homens mais abjetos da terra.

Ai de mim que durante tantos anos só pensei em Vos ofender, ó Deus da minha alma! Passaram-se todos esses anos, a minha morte está talvez próxima, e que acho em mim senão mágoas e remorsos de consciência? Agradeço-Vos, ó meu Jesus, o terdes esperado até agora por mim, e já que me dais o tempo de remediar o mal que está feito, arrependo-me de todo o coração de Vos ter ofendido. Com vosso auxílio proponho empregar unicamente para Vos amar todos os dias de vida que me restam. Ah! Meu Jesus, não repilais o traidor que arrependido se abraço com vossos pés, Vos ama e Vos pede misericórdia. † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas. – Ó Maria, minha Mãe, minha esperança e meu refúgio, recomendo-me a vós; rogai a Jesus por mim, e alcançai-me a santa perseverança.

Referências:

(1) Jó 14, 5
(2) Sl 88, 49

 Terça-feira da Décima Terceira Semana do Tempo Comum

Da pureza de intenção

Omne, quodcumque facitis in verbo aut in opere, omnia in nomine Domini Iesu Christi, gratias agentes Deo et Patri per ipsum – “Tudo quanto fizerdes por palavra ou por obra, tudo seja em nome do Senhor Jesus Cristo, rendendo graças por Ele a Deus Pai” (Cl 3, 17)

Sumário. Nunca deixemos de dirigir de manhã a Deus todas as ações do dia; e procuremos renovar a boa intenção ao menos no começo das ações principais. É certo que as ações, boas em si mesmas, porém feitas para granjear louvores humanos, para satisfazer ao amor próprio ou por qualquer motivo humano, são como que postas num saco furado. Ao contrário, a pureza de intenção faz preciosas as ações mais insignificantes, porquanto toda obra feita para Deus é verdadeiro ato de amor divino.

I. A pureza de intenção consiste em fazer todas as ações com o único intuito de agradar a Deus. Jesus Cristo disse: “Se o teu olho for simples, todo o teu corpo será luminoso. Mas, se o teu olho for mau, todo o teu corpo estará em trevas.” Segundo a explicação de Santo Agostinho, o olho simples significa a intenção pura de dar gosto a Deus: o olho tenebroso significa a intenção má, quando se faz uma coisa por vaidade, ou para própria satisfação. Ora, segundo a intenção for boa ou má, a obra será também aos olhos de Deus boa ou má. — Poderá haver obra mais sublime do que o dar a vida pela fé? Todavia diz São Paulo que aquele que morre com outro intuito que não a vontade de Deus, nenhum proveito tem de seu martírio. Ora, se não aproveita nada o martírio, não sendo sofrido por amor de Deus, que utilidade terão todas as pregações, todos os livros e todos os trabalhos dos operários sagrados e todas as austeridades dos penitentes, quando feitos para granjear louvores humanos ou para contentar o amor próprio?

Disse o profeta Ageu, que as obras, embora santas por natureza, mas não feitas para Deus, são postas in sacculum pertusum (1), em um saco roto, quer dizer, que se perdem todas e nada resta, Ao contrário, toda a ação, por insignificante que seja, mas feita para o agrado de Deus, tem muito mais valor do que muitas obras grandiosas feitas sem reta intenção. — Lemos em São Marcos que a viúva pobre não deitou no cofre das oferendas do templo senão duas pequenas moedas, mas o Salvador dela disse: Vidua haec pauper plus omnibus misit (2) — “Esta viúva pobre deu mais do que todos os outros”. Explica São Cypriano que ela deu mais do que os outros, porque deu as duas pequenas moedas com a intenção pura de agradar a Deus.

Para conhecer se uma ação foi feita com intenção reta, um dos melhores sinais é o não perturbar-se quando não se alcança o intento desejado. Outro sinal é se depois da obra feita se fica contente e tranquilo, posto que outros murmurem ou a desaprovem. — Pelo mais, se acontecer que o que fez bem é louvado, não deve inquietar-se pelo medo da vanglória. Se tal pensamento surgisse na mente, deveria desprezá-lo e dizer com São Bernardo: Nec propter te coepi, nec propter te desinam: “Não é para ti que comecei, nem para ti a quero interromper”.

II. A intenção de adquirirmos uma glória mais alta no céu é boa; mas a mais perfeita é a de agradar ao Senhor. É esta intenção que fere o Coração de Deus de amor para conosco, assim como disse a Esposa sagrada: Vulnerasti cor meum in uno oculorum tuorum (3) —“Feriste meu Coração com um dos teus olhos”. Pelo que o Apóstolo deu também a seus discípulos este conselho: Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, tudo fazei para glória de Deus (4). — Dizia a Venerável Beatriz da Encarnação, primeira filha de Santa Teresa: “Nenhum valor terrestre pode igualar o de qualquer obra feita para Deus, posto que mais insignificante.” Com razão, pois que todas as obras feitas para Deus são outros tantos atos de amor divino. A pureza de intenção faz preciosas as ações mais desprezíveis; como sejam: o comer, o lavrar a terra, mesmo o divertir-se, com tanto que sejam feitas por obediência e para agradar a Deus.

Devemos, portanto, desde pela manhã dirigir a Deus todas as ações do dia. E será de grande vantagem renovar essa intenção no começo de todas as ações, ao menos das mais importantes, por exemplo, antes da oração, da comunhão, da leitura espiritual; paremos um instante no começo destas ações, como fazia certo solitário, que antes de principiar qualquer ação parava um pouco e levantava os olhos ao céu. Perguntado por que razão assim fazia, respondeu: Procuro acertar o tiro.

Ó meu Jesus, quando começarei a Vos amar com todas as veras? Ai de mim! Se entre as minhas ações, mesmo boas, procuro uma feita unicamente para Vos agradar, não a posso achar. Tende piedade de mim! não permitais que eu Vos sirva tão mal até a minha morte. Ajudai-me, a fim de que o resto de minha vida seja empregado unicamente no vosso serviço e no vosso amor. Fazei com que eu suporte tudo para Vos dar gosto, e faça tudo somente para Vos agradar; eu vo-lo peço pelos merecimentos da vossa paixão. — Ó minha grande advogada, Maria, obtende-me esta graça pela vossa intercessão.

Referências:

(1) Ag 1, 6
(2) Mc 12, 43
(3) Ct 4, 9
(4) 1Cor 10, 31

 Quarta-feira da Décima Terceira Semana do Tempo Comum

Para se santificar a alma deve dar-se toda e sem reserva a Deus

Dilectus meus mihi, et ego illi – “Meu amado é para mim, e eu para ele” (Ct 2, 16)

Sumário. Certas almas são chamadas por Deus a uma alta perfeição; mas porque elas não lhe dão o coração todo e conservam afeição às coisas da terra, não se fazem, nem se farão jamais santas. Mais, correm grande risco de se perderem eternamente. Deves, pois, meu Irmão, desapegar-te de todas as criaturas e dar-te todo a Deus, sem reserva. Para alcançarmos um fim tão sublime, roguemos sempre ao Senhor que nos abrase com seu santo amor, porque este consumirá em nós todo o afeto menos puro.

I. Dizia São Filippe Neri que todo o amor consagrado às criaturas é roubado a Deus, porque, na palavra de São Jerônimo, o Salvador é cioso de nossos corações: Zelotypus est Jesus. Porque nos ama estremecidamente, quer reinar só em nosso coração e não admite êmulos que lhe roubem parte do amor que requer só para si. Desagrada-Lhe, portanto, ver em nós apego a qualquer afeto que não seja para Ele. – Exige nosso Salvador porventura, demais, depois que deu por nós todo o seu sangue e a vida, morrendo sobre uma cruz? Não merece, porventura, que O amemos com todo o nosso coração e sem reserva?

Afirma São João da Cruz que todo o apego às criaturas impede que sejamos inteiramente de Deus. “Quem”, pergunta o Salmista, “quem me dará asas como de pomba, e voarei e descansarei?” (1) Certas almas são chamadas por Deus para serem santas; mas porque elas usam de reserva e não dão a Deus todo o seu amor e conservam afeição às coisas da terra, não se fazem, nem se farão nunca santas. Querem voar para o alto, mas porque são retidas por algum apego, não voam, mas ficam sempre terrestres e se põem em grande risco da perdição eterna. – É, pois, preciso desligar-se de tudo, cada fio, diz o mesmo São João da Cruz, quer grosso quer fino, impede a alma de voar para Deus.

Certo dia Santa Gertrudes pediu ao Senhor lhe fizesse saber o que dela desejava. Respondeu-lhe o Senhor: “Não desejo senão um coração vazio.” É o que Davi pediu a Deus: Cor mundum crea in me Deus (2) – “Cria em mim, ó Deus, um coração puro”. Um coração puro ou vazio, quer dizer um coração livre de todo afeto ao mundo. – Totum pro toto, escreveu Thomas Kempis. Devemos sacrificar tudo para ganhar tudo. Para que Deus seja todo nosso, devemos deixar tudo que não é Deus. Então a alma poderá com verdade dizer a Deus: Meu Jesus, renunciei a tudo por vosso amor, dai-Vos agora todo a mim.

II. A fim de que cheguemos a ser inteiramente e sem reserva do Senhor, devemos rogar incessantemente a Deus que nos encha de seu santo amor. O amor é um fogo destruidor que consome em nossos corações todos os afetos que não sejam para Deus. Dizia São Francisco de Sales, que quando a casa está em chamas, atira-se toda a mobília pelas janelas afora. Com isso o santo quis dizer que, quando um coração está ardendo do amor divino que dele tomou posse, a pessoa não precisa mais de sermões e diretores para desprendê-la do mundo; o amor divino mesmo consumirá todo o afeto impuro.

Nos sagrados Cânticos, o amor santo é representado sob a figura de uma adega: Introduxit me rex in cellam vinariam, ordinavit in me caritatem (3) – “O rei me fez entrar em sua adega, ordenou em mim a caridade”. Nesta feliz adega, as almas, esposas de Jesus Cristo, inebriadas pelo vinho do santo amor, perdem os sentidos para as coisas do mundo e não olham senão para Deus, em todas as coisas não buscam senão Deus, não falam, nem querem ouvir falar senão em Deus. Quando porventura ouvem os outros falar em riquezas, dignidades, divertimentos, voltam-se para Deus e dizem-lhe com suspiro ardente: Deus meus et omnia – “Meu Deus e meu tudo”. Meu Deus, qual mundo! Qual prazeres! Qual dignidades! Vós sois todo o meu Bem, toda a minha felicidade.

Ó meu Jesus, meu amor, meu tudo, como Vos posso ver morto num patíbulo infame, desprezado de todos, consumido pelos sofrimentos e andar à procura de prazeres e glórias terrestres? Quero ser todo vosso. Esquecei os desgostos que Vos causei e aceitai-me. Fazei-me saber aquilo de que me devo desapegar e o que devo fazer para Vos agradar, pois estou disposto a fazê-lo. Dai-me a força para o executar e Vos ser fiel. Meu amado Redentor, quereis que me entregue sem reserva a Vós, para me unir todo a vosso Coração. Hoje mesmo me dou todo a Vós, todo sem reserva, todo, todo; de Vós espero a graça de Vos ser fiel até à morte. – Ó Maria, Mãe de Deus e minha Mãe, obtende-me a santa perseverança.

Referências:

(1) Sl 54, 7
(2) Sl 50, 12
(3) Ct 2, 4

 Quinta-feira da Décima Terceira Semana do Tempo Comum

A santa comunhão nos faz perseverar na graça divina

Qui manducat meam carnem, et bibit meum sanguinem, habet vitam aeternam – “Quem come minha carne e bebe meu sangue tem a vida eterna” (Jo 6, 55)

Sumário. Como o pão terrestre sustenta a vida do corpo, assim o pão celeste da santíssima Eucaristia sustenta a vida da alma, fazendo-a perseverar na graça de Deus. Mais, é este o efeito principal do Santíssimo Sacramento: alimentar a caridade e comunicar à alma grande vigor para progredir na perfeição e resistir a todos os inimigos. Se, pois, desejas a graça preciosa da perseverança, resolve comungar frequentes vezes com as devidas disposições e nunca deixar de fazê-lo por qualquer negócio terrestre. Que negócio pode haver mais importante do que o da salvação eterna?

I. Quando Jesus visita uma alma pela santa comunhão, lhe traz todos os bens, todas as graças e especialmente a graça da santa perseverança. O efeito principal do Santíssimo Sacramento do altar é: alimentar com este sustento da vida a alma que O recebe, comunicando-lhe grande vigor para progredir na perfeição e resistir aos inimigos que desejam a nossa morte eterna. Por isso é que Jesus escondido no Sacramento se chama pão celeste: Ego sum panis vivus qui de coelo descendi (1) – “Eu sou o pão vivo, que desci do céu”.

Como o pão terrestre sustenta a vida do corpo, assim este pão celeste sustenta a vida da alma, fazendo-a perseverar na graça de Deus. Com esta vantagem, porém: o pão material sustenta e prolonga a vida do corpo até certo ponto e detém a morte só por breve tempo; por muito que alguém se alimente, afinal há de morrer. Ao contrário, Jesus disse que, se a alma se alimentar devidamente com o pão eucarístico, vivera eternamente e nunca mais estará sujeita à morte espiritual, que consiste na perda da graça: Este é o pão que desce do céu, para que o que dele comer, não morra (2).

Numa palavra, a comunhão, como nos ensina o santo Concílio de Trento (3), é a medicina que nos livra dos pecados veniais e nos preserva dos mortais.

E Inocêncio III acrescenta que, pela sua Paixão, Jesus Cristo nos livra dos pecados cometidos e pela Eucaristia dos que podemos cometer. – Pelo que diz São Boaventura que os pecadores não se devem afastar da comunhão pela razão que forem pecadores; muito antes, por terem sido pecadores devem tomá-la com mais frequência; pois, quanto mais alguém se sente doente, tanto mais precisa de médico: Magis eget medico, quanto quis senserit se aegrotum.

II. Se desejas obter a graça preciosa da perseverança e assegurar a tua salvação eterna, resolve-te a comungar as mais vezes que te for possível, conforme o conselho de teu diretor e a nunca deixar por causa de algum negócio terrestre. Lembra-te que não há negócio mais importante que o da salvação eterna. Se não pertences a uma ordem religiosa e vives no mundo, terás ainda mais precisão de te aproximar de Jesus Cristo, porque estás exposto a tentações mais graves e corres mais risco de cair.

Não basta, porém, só o comungar: se queres tirar proveito da comunhão, mister é que a recebas com as devidas disposições. São Luiz Gonzaga empregava três dias em preparar-se para comungar e outros três dias para dar ações de graças ao Senhor; por isso é que se tornou santo.

Infeliz de mim, ó Senhor! Porque me queixo da minha fraqueza ao ver as minhas quedas tão frequentes? Como podia eu resistir aos assaltos do inferno, afastando-me de Vós, que sois a nossa fortaleza? Se me tivesse chegado mais à santa comunhão, não teria sucumbido tantas vezes diante de meus inimigos. Para o futuro não há de ser mais assim. In te, Domine, speravi, non confundar in aeternum (4) – “Em ti, Senhor, esperei, não serei jamais confundido”. Não quero mais fiar-me em meus propósitos; a minha esperança sois Vós, meu Jesus; Vós me deveis dar a força para não recair no pecado. Eu sou fraco, mas pela santa comunhão me tornareis forte contra os meus inimigos.

Meu Jesus, perdoai-me todas as injúrias que Vos fiz e que agora detesto de toda a minha alma. Antes quero morrer do que tornar a ofender-Vos e pela vossa Paixão espero que me ajudarei a perseverar na vossa graça até à morte: Em ti, Senhor, esperei, não serei jamais confundido. – É o que com São Boaventura vos digo também, ó minha Mãe Maria: Senhora, em vós ponho todas as minhas esperanças e não serei jamais confundido.

Referências:

(1) Jo 6, 51
(2) Jo 6, 50
(3) Sess. 13, c. 2.
(4) Sl 70, 1

 Sexta-feira da Décima Terceira Semana do Tempo Comum

Quão útil é meditar na Paixão de Jesus Cristo

Recogitate eum qui talem sustinuit a peccatoribus adversus semetipsum contradictionem, ut ne fatigemini, animis vestris deficientes – “Não deixeis de pensar naquele que dos pecadores suportou contra si uma tal contradição; para que não vos fatigueis, desfalecendo em vossos ânimos” (Hb 12, 3)

Sumário. Não há meio mais eficaz para alcançar a salvação eterna do que a lembrança quotidiana dos sofrimentos de Jesus Cristo: tem mais valor uma lágrima derramada pela recordação da Paixão do Senhor, do que um ano de jejum a pão e água. Foi nesta meditação que os santos acharam coragem e força para suportar as tribulações, os tormentos e a morte. Se queremos progredir na virtude, lancemos cada dia ao menos um olhar sobre a Paixão do Redentor, contemplando especialmente a pobreza, os desprezos e as dores.

I. Diz Santo Agostinho: “Não há coisa mais apropriada para nos fazer adquirir a salvação eterna do que a lembrança quotidiana dos sofrimentos de Jesus Cristo.” Ao que São Boaventura acrescenta: “Quem quiser crescer sempre em virtude e em graça, deve meditar todos os dias na Paixão de Jesus, porque não há exercício mais útil para santificar uma alma do que a consideração frequente das penas do Salvador.”

Com efeito, onde é que os santos acharam a coragem e a força para sofrer as tribulações, os tormentos, os martírios e a morte, senão nos sofrimentos de Jesus Cristo? São José de Leonissa, vendo que o queriam ligar com cordas para uma operação dolorosa que o cirurgião lhe queria fazer, tomou em suas mãos o crucifixo e disse: “Que cordas, cordas? Eis aqui as minhas cordas; meu Senhor pregado na cruz por meu amor. É Ele quem, pelas suas dores, me liga e me constrange a suportar todas as dores por seu amor. E assim sofreu a operação sem se queixar, contemplando a Jesus, que não abriu a boca qual cordeiro que cala debaixo da mão que o tosquia” (1).

Quem poderá ainda dizer que sofre injustamente quando olha para Jesus ferido pelas nossas iniquidades e dilacerado pelos nossos pecados? (2) Quem poderá ainda escusar-se de obedecer por causa de qualquer incômodo, havendo-se Jesus feito obediente até à morte e até à morte de crus? (3) Quem ousará subtrair-se às ignomínias, vendo Jesus tratado como louco, como um rei de teatro, como um malfeitor; esbofeteado, coberto de escarros e preso a um patíbulo infame? Finalmente, quem poderá amar senão a Jesus, vendo-O morrer no meio de tão grandes dores e desprezos, a fim de cativar o nosso amor? Conclui Santo Agostinho que vale mais uma só lágrima vertida na consideração da Paixão de Jesus, que uma peregrinação a Jerusalém e um ano de jejum a pão e água.

II. Com razão o Ven. Padre Baltazar Alvares afirmava que a ignorância dos tesouros que temos em Jesus é a causa da ruína dos cristãos. Pelo que o assunto predileto e mais frequente de suas meditações era a Paixão de Jesus Cristo, considerando em Jesus especialmente três sofrimentos: a pobreza, o desprezo e a dor. Exortava seus penitentes a que fizessem o mesmo, dizendo que não pensassem haver feito progresso algum enquanto não chegassem a trazer Jesus crucificado sempre gravado no coração.

Eis aqui, meu irmão, o que tu também deves fazer se desejas ser santo, como aliás tens obrigação de ser. Lança todos os dias um olhar sobre a Paixão do Redentor, meditando de preferência no que dizem os santos Evangelhos. – São muito edificantes e bonitas as meditações sobre a paixão, escritas por devotos autores; mas um cristão levará impressão mais profunda de uma só palavra das sagradas Escrituras do que mil contemplações e revelações atribuídas a certas pessoas devotas; porquanto as Escrituras são a própria palavra de Deus e nos dão a garantia de que tudo que referem tem a certeza da fé divina.

E como quem é devoto do filho não pode deixar de ser devoto igualmente da mãe; não nos esqueçamos, em nossas meditações sobre a Paixão de Jesus Cristo, de contemplar também as dores de Maria Santíssima. Pede a esta boa Mãe que te dê uma parte da compaixão que tanto a afligiu na morte de Jesus e constituiu todo o martírio de seu amantíssimo Coração.

Referências:

(1) Is 53, 7
(2) Is 53, 5
(3) Fl 53, 5

 Sábado da Décima Terceira Semana do Tempo Comum

Do grande amor que nos tem Maria Santíssima

Ego diligentes me diligo; et qui mane vigilant ad me, invenient me – “Eu amo os que me amam, e os que vigiam desde a manhã por me buscarem, me acharão” (Pv 8, 17)

Sumário. Se uma mãe não pode deixar de amar seus filhos, quanto mais não nos amará a Santíssima Virgem, que no Calvário, juntamente com Jesus Cristo, nos gerou para a vida da graça, entre as mais acerbas dores? Ah! Se fosse reunido em um só o amor que todas as mães têm a seus filhos, não igualaria o amor que Maria tem a uma só alma. É justo portanto que ao amor da divina Mãe corresponda o nosso. Sim, minha santa Mãe, depois de Deus, amo-vos de todo o coração mais que a mim mesmo, e pronto estou a fazer tudo por vosso amor.

I. A fim de compreendermos de algum modo o muito que nos ama nossa boa Mãe, Maria, consideremos as principais razões deste amor. — A primeira razão é o grande amor que ela tem a Deus. O amor para com Deus e para com o próximo, como diz São João, se contém no mesmo preceito, de sorte que, quanto cresce um, tanto o outro se aumenta. Hoc mandatum habemus a Deo: ut qui diligit Deum, diligat et fratrem suum (1) — “Nós temos de Deus este mandamento, que o que ama a Deus, ame também a seu irmão”. Pelo que, assim como entre todos os espíritos bem-aventurados não há quem ame a Deus mais do que Maria, assim tampouco temos, nem podemos ter, quem, depois de Deus, nos ame mais do que esta nossa Mãe amorosíssima.

Além disso, Maria nos ama, porque, a fim de nos gerar à vida da graça, sofreu a pena de ela mesma oferecer à morte o seu querido Jesus, consentindo em o ver morrer diante dos seus olhos, à força de tormentos. Como frutos, portanto, da oferta dolorosa da Virgem, somos-lhe excessivamente caros, porque lhe custamos tantas angústias e dores. — E mais ainda, porque o próprio Jesus Cristo, antes de expirar, nos entregou a ela por filhos, na pessoa de São João, dizendo-lhe como último adeus: Mulher, eis aí teu filho (2).

Disto nasce uma terceira e mais poderosa razão pela qual somos tão amados de Maria: vem a ser que todos nós somos o preço da morte de Jesus Cristo. Se uma mãe visse um servo remido por um seu filho à custa de trinta anos de prisão e de trabalhos, quanto estimaria o servo por esta só consideração! Quanto mais deverá então a divina Mãe estimar nossas almas, vendo que o Verbo Eterno não desceu do céu à terra e se fez seu Filho, senão para as salvar à custa de todo o seu sangue! Eu vim salvar o que estava perdido (3) — “Salvum facere quod perierat”.

II. Numquid oblivisci potest mulier infantem suum (4) — “Acaso pode uma mulher esquecer-se de seu filhinho”. Se uma mãe, assim nos diz a Virgem, não pode deixar de amar o fruto de suas entranhas, quanto menos poderei eu esquecer-me de vós, meus filhos diletíssimos, eu, que tantas razões especiais tenho de vos amar? Ah! se o amor que todas as mães têm aos seus filhos, todos os esposos a suas esposas, e todos os anjos e santos a seus devotos, se unisse em um só amor, não chegaria a igualar o amor que Maria tem a uma só alma. É pois de justiça que ao amor de Maria respondamos com o nosso.

Sim, minha Mãe amabilíssima, é mais que justo que eu vos ame! Não quero descansar, enquanto não estiver certo de ter alcançado o amor, mas um amor constante e terno para convosco, ó minha Mãe, que com tanta ternura me tendes amado, ainda quando eu vos era tão ingrato. Que seria agora de mim, se não me tivésseis amado e alcançado tantas misericórdias?

Eu vos amo, minha Mãe, e quisera ter um coração capaz de vos amar por todos aqueles infelizes que não vos amam. Quisera ter uma língua que pudesse louvar-vos por mil, a fim de fazer conhecer a todos a vossa grandeza, a vossa santidade, a vossa misericórdia e o amor com que amais aqueles que vos amam. Se eu tivesse riquezas, todas as dispenderia em honra vossa. Se tivesse súditos, quereria fazê-los todos amantes vossos. Quereria finalmente, por vosso amor e para glória vossa, dispender até a vida, se necessário fosse.

Em suma, minha Mãe, desejo primeiro aqui na terra, e em seguida no céu, ser, depois de Deus, quem mais vos ame. Se este desejo é por demais audaz, é porque vossa amabilidade e o amor especial que me haveis demonstrado, m’o inspiram. Aceitai-o, pois, ó Senhora, e em prova de que o aceitastes, obtende-me de Deus o amor que vos peço, visto que tanto agrada a Deus que se vos tem.

Referências:

(1) 1 Jo 4, 21
(2) Jo 19, 26
(3) Lc 19, 10
(4) Is 49, 15
5ª parte

 Décima Quarta Semana do Tempo Comum

(Quinta Semana depois de Pentecostes)

Domingo: A pesca milagrosa e o ministério apostólico

Segunda-feira: O desprezo do tempo e a hora da morte

Terça-feira: A sentença da alma culpada no juízo particular

Quarta-feira: Dano que causa aos religiosos a tibieza

Quinta-feira: Jesus no Santíssimo Sacramento, modelo de obediência

Sexta-feira: A cruz de Jesus e as tribulações da vida presente

Sábado: Da Saudação Angélica

 Décimo Quarto Domingo do Tempo Comum

A pesca milagrosa e o ministério apostólico

Noli timere: ex hoc iam homines eris capiens – “Não temas; já desde agora serás pescador de homens” (Lc 5, 10)

Sumário. Sob a figura da pesca milagrosa, é representada a pregação do Evangelho, pela qual o Senhor converte e santifica as almas por ele remidas. Os pescadores, porém, não são somente os pregadores, senão também todos os bons cristãos, que de qualquer modo se aplicam à salvação das almas. Seja, portanto, qual for o nosso estado, podemos exercer o ministério apostólico, ao menos pela oração e pelo bom exemplo. Roguemos sobretudo ao Senhor que envie à sua igreja operários zelosos: Mitte operarios in messem tuam.

I. Refere São Lucas que, estando Jesus nas margens do lago de Genesaré e vendo que as turbas vinham em tropel sobre Ele, entrou na barca de Simão, rogou-lhe que a afastasse um pouco da terra e começou a pregar de dentro da barca. Tanto que cessou de falar, ordenou a Simão que se fizesse ao largo e deitasse as redes para a pesca.

“Mestre“, respondeu-lhe Simão, “trabalhando toda noite nenhuma coisa apanhamos; porém sobre a tua palavra deitarei a rede“. E tendo feito isto, apanhara tão grande quantidade de peixes que encheram duas barcas. E São Pedro, vendo isto, lançou-se aos pés do Redentor dizendo: “Retira-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador“. E Jesus disse: “Não temas; Já desde agora serás pescador de homens“: Ex hoc iam homines eris capiens.

Explica Santo Ambrósio, e está mesmo claro no Evangelho, que sob a figura das redes e da pesca milagrosa são representadas “as palavras da verdade, que são, por assim dizer, a textura das pregações evangélicas“. Os pescadores são todos os pregadores e especialmente os missionários de que o Senhor se serve para a conversão de populações inteiras e santificação de milhares de almas.

Meu irmão, se tu também és um desses instrumentos escolhidos para promover a glória divina, dá graças ao Senhor; e em deitando as tuas redes, imita a São Pedro, reconhece a própria incapacidade e confia no auxílio de Deus…. “Vê”, diz o mesmo Santo Ambrósio, “quanto é vã e infrutuosa a confiança temerária nas próprias forças e quão eficaz é, ao contrário, a humildade. Os que primeiro tinham trabalhado em vão, depois, sobre a palavra de Jesus Cristo, encheram suas redes de peixes“.

Se o Senhor não te chamou ao ministério apostólico, aproveita-te ao menos da palavra de Deus pregada pelos sacerdotes: estima e reverencia a sua alta dignidade e pede a Jesus Cristo queira aumentar em sua Igreja o número dos ministros zelosos: Mittati operarios in messem suam. (1)

II. Posto que os pescadores de almas sejam principalmente os pregadores e os missionários, não o são, porém, estes só. São-no igualmente todos os bons cristãos, que de qualquer modo promovem o bem espiritual do próximo. Seja qual for o teu estado, podes fazer-te pescador de almas. Podes sê-lo, ajudando teus irmãos com exortações, com conselhos, com o bom exemplo e mais ainda com a oração feita por eles. Quem trata com os próprios pecadores sobre a sua conversão, trabalha às vezes em vão; mas quem trata da conversão dos pecadores com Deus, alcança-a sempre, contanto que o faça assim como se deve. Oh! quantas almas se convertem, não tanto pela pregação dos sacerdotes, como pelas orações dos justos – Figura-te, pois, que Jesus Cristo te diz o que disse a São Pedro: “Faze-te ao largo e deita as tuas redes para a pesca“.

Ó Salvador do mundo, ó Cordeiro divino, Vós que à força de dores perdestes a vida sobre a cruz para salvação de todos os homens, por piedade, tende compaixão de nós, e socorrei-nos no meio de tantos perigos de perdição eterna. Ó céus! De todos os que professam a verdadeira fé, quantos estão vivendo como se não cressem, como se não tivessem de morrer um dia e de dar contas de toda a vida perante o tribunal divino. Mas Vós, ó Jesus, que sabeis tirar o bem do mal, mostrai o vosso poder, não nos castigando conforme merecemos, mas subjugando as nossas vontades rebeldes. Aumentai o zelo dos vossos ministros, mandai-lhes, como outrora a São Pedro, que deitem em toda a parte a rede da palavra divina, e, abençoando-lhes o trabalho, fazei com que tenham uma pesca milagrosa de almas, resgatadas pelo vosso preciosíssimo sangue.

“Concedei-nos, ó Senhor, que os sucessos do mundo por vossa ordem corram para nós em paz e que a vossa Igreja se alegre com a tranquila devoção de seus filhos” (2). – Fazei-o pelos méritos da vossa Paixão, e pelo amor da vossa querida Mãe, Maria.

Referências:

(1) Mt 9, 38
(2) Or. Dom. Curr.

 Segunda-feira da Décima Quarta Semana do Tempo Comum

O desprezo do tempo e a hora da morte

Vocavit adversum me tempus – “Chamou contra mim o tempo” (Lm 1, 15)

Sumário. Grande é a tristeza do viajante ao ver que errou o caminho quando já caiu a noite e não há tempo para reparar o engano. Incomparavelmente maior será, na hora da morte, a tua mágoa, meu irmão, se em via não tiveres aproveitado o tempo, ou, pior ainda, tivesses dele abusado para ofenderes ao Senhor. Como fui insensato! – dirias então chorando. – Ó vida perdida! Em tantos anos, com tão grandes graças podia santificar-me e não o fiz… De que servirão então estas lamentações, quando a cena já estiver no fim e se aproximar o grande momento de que depende a eternidade?

I. Nada há mais precioso que o tempo; e nada há que seja menos estimado e mais desprezado pelos mundanos. É o que fazia São Bernardo chorar: Nihil pretiosius tempore, sed nihil vilius aestimatur. Depois ele acrescenta: Transeunt dies salutis – Passam os dias oportunos para adquirir a salvação eterna e ninguém reflete que os dias que passam lhe são descontados para nunca mais voltarem. – Vê o jogador que gasta dias e noites no jogo. Se lhe perguntares: “Que estás fazendo?” responderá: “Estou passando o tempo.” – Vê o ocioso que se entretem horas inteiras nas ruas, a ver quem passa, ou as desperdiça em conversas indecentes ou inúteis. Se lhe perguntares: “Que estás fazendo?” responder-te-á igualmente: “Procuro passar o tempo.” Pobres cegos, que desperdiçam tantos dias que não voltam mais!

Desdenhado tempo! Tu serás o que os mundanos desejarão mais na hora da morte. Desejarão então mais um ano, mais um mês, mais um dia, mas não o terão, e ouvirão dizer: Tempus non erit amplius (1) – “Não haverá mais tempo”. Quanto não daria então cada um deles para ter mais uma semana, um dia, a fim de melhor ajustar as contas da consciência? Ainda que não fosse senão para obter uma só hora, diz São Lourenço Justiniano, ele daria todos os seus bens: Erogaret opes, honores, delicias pro uma horula. Mas essa hora não lhe será dada.

– Apressa-te, lhe dirá o sacerdote que o estiver assistindo, – apressa-te em partir deste mundo; não há mais tempo para ti: Proficiscere, anima christiana, de hoc mundo.

Ó meu Deus, dou-Vos graças por me concederdes o tempo para chorar os meus pecados e compensar pelo meu amor as ofensas que Vos fiz. Ai de mim! Que seria de minha alma, se me viessem agora anunciar a chegada de minha morte!

II. Exorta-nos o Sábio a que nos lembremos de Deus e entremos em sua graça, antes que se nos apague a luz: Memento Creatoris tui, antequam tenebrescat sol et lumen (2). Que tristeza para um viajante o ver que errou o caminho quando já está cabida a noite e não há tempo para reparar o engano! Tal será, na morte, a mágoa de quem tiver vivido muitos anos no mundo sem os empregar no serviço de Deus.

A consciência recordará então àquele homem descuidado o tempo que teve e que empregou em prejuízo da sua alma: todos os convites, todas as graças que recebeu de Deus para se santificar e de que se não quis aproveitar. Depois verá que lhe faltam os meios de fazer qualquer bem. Exclamará gemendo: – Como fui insensato! Ó tempo perdido! Ó vida perdida! Ó anos perdidos, durante os quais me podia santificar e não o fiz! Agora já não é tempo de o fazer… De que servirão, porém, estas lamentações e suspiros, quando a cena já está no fim, quando a lâmpada está próxima a apagar-se e quando o mundo está próximo do momento terrível de que depende a eternidade?

Apressai-Vos, ó meu Jesus, apressai-Vos a me perdoar. Que hei de esperar? Esperarei porventura até chegar ao cárcere eterno, onde com os outros réprobos teria de lamentar eternamente, dizendo: Finita est aestas (3) – “Findou-se o estio?” Passou o tempo, e nós não nos salvámos! Não, meu Senhor, não quero mais resistir a vosso amoroso convite. Quem sabe se a presente meditação não é o último aviso que me dirigis? Ó soberano Bem, pesa-me de Vos haver ofendido e Vos consagro todo o tempo de vida que me resta. Não Vos quero mais causar desgostos; quero Vos amar sempre. Prometo-Vos que, cada vez que disto me lembrar, farei um ato de amor, a fim de remir o tempo perdido. Dai-me a santa perseverança. † Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

Referências:

(1) Ap 10, 6
(2) Ecle 12, 1-2
(3) Jr 8, 20

 Terça-feira da Décima Quarta Semana do Tempo Comum

A sentença da alma culpada no juízo particular

Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum, qui paratus est diabolô et angelis eius – “Apartai-vos de mim, malditos para o fogo eterno, que está aparelhado para o diabo e os seus anjos” (Mt 25, 41)

Sumário. Desgraçada da alma cuja vida no juízo não for achada conforme à de Jesus Cristo! Sem demora, o divino Juiz pronunciará contra ela a sentença de condenação eterna – Aparta-te de mim, maldita, para ires arder eternamente no fogo. Meu irmão, agora vivemos em segurança e com indiferença ouvimos falar do juízo; mas quantos há que assim viveram e agora estão no inferno! E quem nos assegura que o mesmo não sucederá conosco? Se a morte nos surpreendesse na primeira noite, qual seria a nossa sentença?

I. Desgraçada da alma cuja vida no juízo não for achada conforme à de Jesus Cristo! Tendo um dos cortesãos de Filipe II dito uma mentira a seu amo, este o repreendeu dizendo: “É assim que me enganas?” O desgraçado, ao voltar à casa, morreu de pesar. Que fará pois, que responderá o pecador a Jesus Cristo, seu Juiz?… Fará como aquele homem do Evangelho que, apresentando-se no banquete nupcial sem o vestido conveniente, se calou, não sabendo que responder: At ille obmutuit (1). O próprio pecado lhe fechará a boa e o cobrirá de tal forma de vergonha, que, no dizer de São Basílio, a confusão será então para o pecador um tormento mais horrível que o fogo do inferno.

O divino Juiz pronunciará sem demora a sentença inapelável: Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum – “Aparta-te de mim, maldito, e vai arder para sempre no fogo eterno.” Oh, que voz aterradora será esta! Santo Anselmo diz que, “quem não treme a uma voz tão terrível, não dorme, mas está morto”. E Eusébio acrescenta que “tamanho será o espanto dos pecadores ao ouvirem a sua condenação, que morreriam de novo, se pudessem morrer outra vez”.

Então já não há suplicar, já não há recorrer a intercessores. Com efeito, a quem recorrerão? Pergunta São Basílio. Porventura a Deus, a quem desprezaram? Aos Santos? Ou a Maria? Não, pois que então as estrelas, que são os Santos, nossos advogados, cairão do céu; e a lua, quer dizer Maria, perderá a sua luz (2). Diz Santo Agostinho: Maria fugirá da porta do paraíso. – Ó Deus, exclama Santo Tomás de Vilanova, com que indiferença ouvimos falar do juízo, como se não pudesse ser nossa a sentença de condenação, ou como se não tivéssemos de ser julgados! Oh! Que demência é viver seguro em tamanho perigo! Se a morte nos colhesse neste instante, que sorte havia de ser a nossa?

II. Meu irmão, assim te avisa Santo Agostinho, não digas: É possível que Deus me queira mandar ao inferno? Não fales assim, diz o Santo, porque tantos réprobos não pensavam que seriam lançados ao inferno; mas afinal veio a hora do castigo: Finis venit, venit finis; … nunc complebo furorem meum in te, et iudicabo (3) – “O fim vem, vem o fim; … agora satisfarei em ti o meu furor e te julgarei”. – Como observa São Boaventura, devemos imitar os negociantes prudentes que, para não abrirem falência, revistam e ajustam muitas vezes as contas. Devemos, acrescenta Santo Agostinho, ajustar as contas antes do juízo, porque agora podemos aplacar o juiz, mas não na hora do juízo. Devemos, numa palavra, dizer com São Bernardo: Meu divino Juiz, quero que me julgueis e me castigueis agora durante a vida, porque ainda é tempo de misericórdia e me podeis perdoar, mas, depois da morte, é só tempo de justiça: Volo indicatus praesentari, non iudicandus.

Ó meu Deus, reconheço, que se agora Vos não aplaco, não terei então tempo para Vos aplacar. Como, porém, Vos aplacarei eu, que tantas vezes desprezei a vossa amizade, por miseráveis prazeres? Paguei com ingratidão o vosso amor infinito. Como pode uma criatura satisfazer dignamente pelas ofensas feitas a seu Criador? Meu Senhor, graças Vos dou que a vossa misericórdia me forneceu o meio de Vos aplacar e satisfazer. Ofereço-Vos o sangue e a morte de Jesus, vosso Filho, e desde já vejo tranquilizada e superabundantemente satisfeita a vossa justiça. É preciso, porém, ajuntar a isso o meu arrependimento. Ah! Sim, meu Deus, de todo o coração me arrependo de todas as injúrias que Vos fiz.

Julgai-me agora, ó meu Redentor. Detesto, mais que todos os males, os desgostos que Vos dei. Amo-Vos sobre todas as coisas, de todo o meu coração, e proponho amar-Vos sempre e antes morrer que ofender-Vos. Prometestes perdoar a quem se arrepende; pois bem julgai-me agora e perdoai-me os meus pecados. Aceito a pena que mereço; mas restabelecei-me na vossa graça, e conservai-me nela até à morte. Assim espero. – Ó Maria, minha Mãe, agradeço-Vos tantas misericórdias que me impetrastes; dignai-vos continuar a proteger-me até o fim.

Referências:

(1) Mt 22, 12
(2) Mt 24, 29
(3) Ez 7, 6 e 8

 Quarta-feira da Décima Quarta Semana do Tempo Comum

Dano que causa aos religiosos a tibieza

Qui spernit modica, paulatim decidet – “Quem despreza as coisas pequenas, pouco a pouco cairá” (Eclo 19, 1)

Sumário. São infelizes os religiosos que, sendo chamados à perfeição, fazem as pazes com as suas faltas. Nunca se santificarão e correm mesmo grande risco de se condenarem; porquanto o Senhor ameaça vomitá-los de sua boca e abandoná-los, permitindo que das faltas leves passem às faltas graves e à perda da graça divina e da vocação. Oh! Quantos destes infelizes estão agora queimando no inferno! Meu irmão, põe a mão na tua consciência. És tu porventura uma dessas almas tíbias e imperfeitas?

I. Considera a miséria do religioso que, depois de ter deixado a pátria, os parentes e o mundo com todos os seus prazeres, e depois de se ter dado a Jesus Cristo, consagrando-lhe a sua vontade, a sua liberdade e a si próprio, se expõe em seguida ao perigo de condenação, por ter caído numa vida tíbia e negligente. Não, não está longe de se perder o religioso tíbio, que foi chamado por Deus à sua casa para se fazer santo. Deus ameaça vomitá-lo e abandoná-lo, se não se emenda: Sed quia tepidus es, incipiam te evomere (2). – Santo Inácio de Loyola, vendo um irmão leigo da sua Companhia tépido no serviço de Deus, chamou-o um dia e disse:

– Irmão, dize-me, que vieste fazer na religião?
– Eu vim servir a Deus, – respondeu.
– Ó irmão -, replicou o Santo, – se me tivesses dito que vieste servir a um cardeal, a um príncipe da terra, terias alguma desculpa; mas disseste que vieste servir a Deus, e é assim que o serves?

Diz o Padre Nieremberg que alguns são chamados por Deus a salvar-se unicamente como santos, de modo que, se depois não tratarem de se fazer santos, e quiserem salvar-se como imperfeitos, nem mesmo se salvarão. E Santo Agostinho acrescenta que estes ordinariamente ficam depois abandonados de Deus, que permite que das faltas leves passem depois às graves e à perda da graça divina e da vocação. – Santa Teresa de Jesus viu o lugar para ela preparado no inferno, se não se desprendesse de um afeto terreno, bem que não gravemente culpável. Qui spernit modica, paulatim decidet (3) – “Quem despreza as coisas pequenas, pouco a pouco cairá”.

Muitos querem seguir Jesus Cristo, mas de longe, como fez São Pedro, que, na prisão de Jesus no horto, o seguia de longe, diz São Matheus: Sequebatur eum a longe (4). Mas assim fazendo, facilmente lhes acontecerá o que aconteceu a São Pedro, que, depois exposto à ocasião, negou a Jesus Cristo. – O tíbio se contentará com o pouco que faz por Deus; mas não se dará por contente o Senhor, que o chamará à vida perfeita; e em castigo da ingratidão, não só o privará dos favores especiais, mas permitirá às vezes a perdição do tíbio. Ubi dixisti sufficit, ibi periisti! (5) – “Quando disseste: basta, começou a tua perdição”. A figueira do Evangelho foi destinada ao fogo somente porque não produzia fruto.

II. Desgraçado do religioso que, chamado à perfeição, faz as pazes com seus defeitos! Enquanto alguém detesta as suas imperfeições, há esperança dele se fazer santo; mas quando comete faltas e não as despreza, então, diz São Bernardo, está perdida a esperança. Qui parce seminat, parce et metet (6) – “Quem semeia pouco, pouco colherá”. Para fazer um santo, não bastam as graças ordinárias; mas são precisas as extraordinárias. Como há de ser liberal o Senhor com os favores para com aquele que lhe regateia o seu amor? – De mais, para a santidade precisa-se de ânimo e força para vencer todas as repugnâncias; “e não julgue alguém”, diz São Bernardo, “que poderá chegar à perfeição, se não se tornar singular entre os outros na prática das virtudes: Perfectum non potest esse nisi singulare”.

Meu irmão, reflete aqui: para que deixaste o mundo e tudo o mais: para te fazer santo. Mas a vida assim tíbia e imperfeita que levas, será ela o caminho para a santidade? Santa Teresa animava suas filhas, dizendo-lhes: “Irmãs, tendes feito o mais; só vos resta a fazer o menos para serdes santas.” O mesmo te digo a ti: Já tens talvez feito o mais: deixaste a pátria, a casa, os parentes, os bens, os divertimentos; resta fazer o menos, para te fazer santo; faze-o.

Ah, meu Deus, não me vomiteis de vossa boca, embora o mereça, porque quero emendar-me. Reconheço que a minha vida assim descuidada não Vos pode contentar; reconheço que eu mesmo, com a minha tibieza, fecho a porta a tantas graças que desejareis conceder-me. Senhor, não me abandoneis ainda; continuai a usar comigo de piedade, já que quero levantar-me de tão miserável estado. Para o futuro quero estar mais atento em vencer as minhas paixões, em seguir as vossas inspirações, em não deixar por preguiça os meus deveres, senão cumpri-los com mais diligência. Quero, em suma, de hoje em diante, fazer quanto possa para Vos agradar; não quero descuidar-me de coisa alguma que eu saiba ser do vosso gosto.

Vós, ó meu Jesus, tendes sido tão generoso comigo em conceder-me tantas graças e de boa vontade destes por mim vosso sangue e a vida. Não é justo que eu continue a ser reservado para convosco. Vós mereceis toda a honra, todo o amor; mereceis que se sofra com alegria toda a pena, todo o trabalho para Vos agradar. Mas, meu Redentor, conheceis a minha fraqueza, ajudai-me com a vossa poderosa mão; em Vós confio. – Imaculada Virgem Maria, vós, que me ajudastes a deixar o mundo, ajudai-me a me vencer a mim mesmo e a me fazer santo. Fazei-o pelo amor de Jesus Cristo.

Referências:

(1) Ap 3, 16
(2) Eclo 19, 1
(3) Mt 26, 58
(4) S. Agostinho
(5) 2 Cor 9, 6

 Quinta-feira da Décima Quarta Semana do Tempo Comum

Jesus no Santíssimo Sacramento, modelo de obediência

Humiliavit semetipsum, factus oboediens usque ad mortem – “(Jesus) se humilhou, feito obediente até à morte” (Fl 2, 8)

Sumário. São Paulo louva a obediência de Jesus Cristo, dizendo que obedeceu ao Pai Eterno até à morte. Mas no Santíssimo Sacramento vai mais longe, visto que quis fazer-se obediente até o fim do mundo e não somente ao Pai Eterno, senão a todos os sacerdotes da terra. Qualquer que seja o nosso estado, esforcemo-nos por imitar a obediência de Jesus, depositando em suas mãos a nossa vontade e pedindo-Lhe que disponha de nós conforme for do seu agrado. Animemo-nos à prática de tão bela virtude pela lembrança de que nunca uma pessoa obediente se condenou.

I. Para uma alma que se aplica à perfeição, não há coisa tão prejudicial como o reger-se pela própria vontade. Diz São Bernardo que o que se arvora em mestre de si mesmo, fazendo o que lhe dita o amor próprio, se faz discípulo de um doido. – Ao contrário, o Espírito Santo diz que o sacrifício da própria vontade em seguir a obediência, é o sacrifício mais agradável a Deus; pelo que é este o meio mais apropriado para nos elevar em breve tempo à mais alta perfeição: Melior est oboedientia quam victimae (1) – “Melhor é a obediência do que vítimas”.

Eis porque Jesus Cristo, que pelo Pai divino nos foi dado por mestre e modelo de todas as virtudes, tomou tanto a peito o ensinar-nos a virtude de obediência, protestando que veio de propósito para sacrificar a Deus a vontade própria: Descendi de coelo, non ut faciam voluntatem meam, sed voluntatem eius, qui misit me (2) – “Desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou”. Com efeito, como diz São Paulo, Jesus “se fez obediente até à morte, e até à morte de cruz”. – Não contente, porém, em nos ter dado em toda a sua vida tão belos exemplos, quer ainda continuar depois da morte a no-los dar no Santíssimo Sacramento, no qual quer obedecer não somente a seu Eterno Pai, mas também ao homem, e isto não mais até à morte, mas até o fim do mundo.

Ó prodígio! O Rei do céu desce do céu por obediência ao homem; e parece em seguida ficar sobre os altares só para obedecer aos homens. Ali fica sem movimento próprio: deixa-se ficar onde o colocam, seja que o exponham no ostensório, seja que o encerrem no cibório: deixa-se levar para onde querem leva-Lo, pelas ruas, pelas casas: deixa-se dar na comunhão a todos os que o querem, justos ou pecadores. Quando ele vivia na terra, como diz São Lucas (3), obedecia a Maria Santíssima e a São José; mas neste Sacramento obedece a tantas criaturas, quantos sacerdotes há no mundo: Ego autem non contradico (4) – “Quanto a mim, não resisto”.

II. Se tu, que lês esta meditação, vives em comunidade, para melhor imitares os exemplos de Jesus Cristo, presta obediência exata às tuas Regras e aos teus superiores. Lembra-te de que a tua predestinação está ligada à observância da Regra. – Se és secular, observa exatamente a lei de Deus, os mandamentos da Igreja e os deveres do teu estado. Escolhe, além disso, um confessor certo e consulta-o sempre, mesmo nos negócios temporais de mais importância. Assim fazendo, estarás certo de fazer a vontade de Deus; e qualquer que seja o resultado das tuas empresas, não terás de dar conta a Deus. Diz São Francisco de Sales: Nunca um obediente verdadeiro se perdeu.

Meu amabilíssimo Jesus: adoro-Vos no sacramento do altar; graças Vos dou pelos exemplos de virtude, que nele me dais, e de hoje em diante deposito nas vossas mãos todos os meus interesses. Aceitai-me, e disponde de mim, por meio dos superiores, como quiserdes. Não quero mais queixar-me das vossas santas disposições; sei que todas elas serão para meu bem, visto que todas provêm do vosso Coração amantíssimo. Basta que Vós as queirais, para eu também as aceitar no tempo e na eternidade. Fazei em mim e de mim tudo o que quiserdes; uno-me à vossa vontade toda santa, toda boa, toda bela, toda perfeita, toda amável. Ó vontade de Deus, como me sois cara! Quero sempre viver e morrer unido e estreitado convosco. O vosso agrado será o meu agrado; quero que os vossos desejos sejam os meus desejos.

Meu Deus, ajudai-me! Fazei que doravante eu viva somente para Vós; somente para querer o que Vós quereis, somente para amar a vossa bondade amabilíssima. Morra eu por vosso amor, já que morrestes por mim e Vos fizestes meu sustento. Detesto os dias em que, com grande desgosto vosso, fiz a minha vontade. Amo-vos, ó vontade de Deus, amo-vos tanto quanto amo à Deus, pois sois o próprio Deus. Amo-vos de todo o meu coração e meu dou todo a vós. – Ó grande Mãe de Deus, Maria, alcançai-me a santa perseverança.

Referências:

(1) 1 Rs 15, 22
(2) Jo 6, 38
(3) Lc 2, 51
(4) Is 50, 5

 Sexta-feira da Décima Quarta Semana do Tempo Comum

A cruz de Jesus e as tribulações da vida presente

Et baiulans sibi crucem, exivit in eum qui dicitur Calvariae locum – “Carregando sua cruz, foi ao lugar chamado Calvário” (Jo 19, 17)

Sumário. Lida que foi a sentença de morte, Jesus não espera que os algozes lhe impusessem a cruz: Ele mesmo a abraça, beija-a e põe-na sobre os ombros chagados e vai ao Calvário. Quis o Senhor ensinar-nos o modo como também devemos abraçar as cruzes que nos envia, para remédio dos pecados cometidos e para penhor da felicidade eterna. Persuadamo-nos de que, para sermos glorificados com Jesus Cristo, é mister que primeiro padeçamos com Ele, e que, exceção feita as crianças, ninguém entrou no céu senão pelo caminho das tribulações.

I. Consideremos como Pilatos, temendo perder a amizade de César e depois de tantas vezes ter declarado Jesus Cristo inocente, por fim o condena a morrer na cruz. Lida que foi a sentença, os algozes agarram violentamente o inocente Cordeiro, restituem-Lhe os vestidos próprios, e, tomando a cruz, feita de duas rudes peças de madeira, apresentam-na a Jesus. Jesus não espera que lh’a imponham; Ele mesmo a abraça, beija-a e põe-na sobre os ombros cobertos de chagas, dizendo:

“Vem, ó querida Cruz, há trinta e três anos que te busco; em ti quero sacrificar a vida por minhas ovelhas.”

Os condenados saem do tribunal e põem-se a caminho em direção ao lugar do suplício e no meio deles vai também o Rei do céu com a cruz aos ombros. Carregando sua cruz, foi ao lugar chamado Calvário. Saí vós também do céu, ó Serafins, e vinde acompanhar vosso Senhor, que vai ao monte para ser crucificado! Ó espetáculo horrível! Um Deus que vai ser crucificado por amor dos homens!

Minha alma, contempla teu Salvador que vai morrer por ti. Vê como caminha inclinado, os joelhos trêmulos, todo dilacerado de feridas e gotejando sangue; vê-o com a coroa de espinhos na cabeça e o pesado lenho sobre os ombros! Ó Deus, ele caminha com tanto custo que a cada passo parece estar prestes a expirar. – Dize-lhe: Ó Cordeiro de Deus, aonde ides? – Eu vou, responde, a morrer por ti. Quando me vires já morto, lembra-te do amor que te dediquei; lembra-te dele e ama-me também.

Ah! Meu Redentor, como pude viver no passado, tão esquecido de vosso amor? Ó pecados meus, vós amargurastes o Coração do meu Senhor, esse Coração que tanto me amou. – Meu Jesus, arrependo-me do ultraje que Vos fiz; agradeço-Vos a paciência que para comigo tivestes, e Vos amo. Amo-Vos de toda a minha alma e só a Vós é que quero amar. Por piedade, lembrai-me sempre o amor que me tivestes, a fim de que nunca mais me esqueça de vosso amor.

II. Jesus Cristo, caminhando para o Calvário com a sua cruz, convida-nos para irmos em seu seguimento e nos diz: Si quis vult post me venire, abneget semetipsum, et tollat crucem suam quotidie, et sequatur me (1) – “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me”. Compenetremo-nos bem do que diz Santo Agostinho, a saber: que “toda a vida do cristão deve ser uma cruz contínua”. – Esta cruz, como o indica a palavra quotidie, cada dia, são as tribulações quotidianas, que Deus nos manda como remédio e como motivo de esperança.

São remédio, porquanto, na frase de São João Crisóstomo, “o pecado é uma úlcera da alma, e se a tribulação não tirar os humores infectos, a alma está perdida.” Infeliz do pecador que depois do pecado não sofre castigo! – São motivo de esperança, porque, no dizer de São Gregório, “o ser atribulado na vida presente é próprio dos escolhidos, aos quais está reservada a beatitude eterna”. É incomparavelmente mais glorioso estar com Jesus pregado na cruz, do que ficar ao pé da mesma a contemplar as dores de Jesus. Pelo que São Jerônimo, escrevendo à virgem Eustochium, disse: “Investiga quanto quiseres e verás que todos os santos passaram por tribulações”, e estas tanto mais graves quanto é mais bela a sua coroa: Delicati mei ambulaverunt vias asperas (2) – “Os meus escolhidos trilharam caminhos ásperos”.

Numa palavra, assim conclui o Apóstolo: para sermos glorificados com Jesus Cristo, mister é que padeçamos com Ele e levemos após Ele nossa cruz: Si tamen compatimur, ut et conglorificemur (3).

– Ó meu Senhor, Vós que sois inocente, ides adiante de mim com a vossa cruz: caminhai, já que não Vos quero mais deixar. Imponde-me a cruz que quiserdes; eu a abraço e com ela Vos quero seguir até à morte. Quero morrer unido convosco, que morrestes por meu amor. Vós me mandais que Vos ame; e eu não quero outra coisa senão amar-Vos. Meu Jesus, Vós sois e sereis sempre o meu único amor. Ajudai-me a ser-Vos fiel. – Maria, minha esperança, rogai a Jesus por mim.

Referências:

(1) Lc 9, 23
(2) Br 4, 26
(3) Rm 8, 17

 Sábado da Décima Quarta Semana do Tempo Comum

Da Saudação Angélica

Ave, gratia plena, Dominus tecum – “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo” (Lc 1, 28)

Sumário. Entre todas as orações que a Igreja dirige à Santíssima Virgem, a Saudação Angélica, ou a Ave-Maria, é a mais excelente em si mesma, a mais agradável ao coração da divina Mãe e a mais útil para nós. A experiência demonstra que o que saúda a Maria com esta oração é logo retribuído por ela com algum favor especial. Recitemo-la, pois, frequente e devotamente durante o dia, mormente no princípio e no fim de cada ação. Felizes as ações que forem compreendidas entre duas Ave-Marias.

I. Considera que entre todas as orações que a Igreja dirige à Santíssima Virgem, a mais excelente, a mais aceita e a mais útil é a Ave-Maria.

Ela é a mais excelente considerada em si mesma; porque foi composta, por assim dizer, pela Santíssima Trindade e pronunciada a primeira vez pelo Arcanjo São Gabriel e depois por Santa Isabel, então cheia do Espírito Santo. Pelo que o Bem-aventurado Alano afirma que a Saudação Angélica, pela sua excelência, alegra todo o céu, enche a terra de prodígios, faz tremer e põe em fuga o demônio.

Em segundo lugar, ela é a mais aceita ao coração da Virgem, pois, quando dizemos Ave-Maria, parece que se lhe renova o prazer que sentiu quando lhe foi anunciado que havia sido eleita para Mãe de Deus. Mais, pela Ave-Maria mostramos que tomamos parte em sua felicidade, lembrando-lhe as suas grandezas. Disse a mesma divina Mãe a Santa Mechtildes, que nada lhe podia ser mais honroso e mais agradável do que a oferta frequente da saudação do Anjo.

Finalmente, a Ave-Maria é, depois da Oração Dominical, a mais útil para nós, porque, quem saúda Maria, será também por ela saudada. São Bernardo ouviu uma vez distintamente saudar-se por uma imagem da Virgem, que lhe disse: Ave, Bernarde; e a saudação de Maria, diz São Boaventura, consistirá numa graça especial.

“Com efeito”, pergunta Ricardo, “como poderá a divina Mãe negar a graça a quem a invoca com uma oração tão sublime?”

Em suma, Maria mesma prometeu a Santa Gertrudes tantos auxílios para a hora da morte, quantas Ave-Marias ela tivesse rezado; e são inúmeros os fatos que o confirmam.

II. A prática do obséquio tão excelente, tão aceito e tão útil, da Ave-Maria, seja: em primeiro lugar, recitar cada dia, pela manhã e à noite, ao levantar e deitar-se na cama, três vezes a Ave-Maria, com o rosto em terra ou ao menos de joelhos, acrescentando a cada Ave esta ejaculatória: Pela tua pura e imaculada conceição, ó Maria, faze puro o meu corpo e casta a minha alma. Depois, pedir a benção a nossa boa Mãe, conforme sempre praticava Santo Estanislau; e em seguida, pôr-se debaixo do manto de Nossa Senhora, pedindo-lhe que nos guarde de cair em pecado, naquele dia, ou noite que se segue. Para este fim, convém ter perto da cama uma bela imagem da Virgem.

Segundo, dizer o Angelus Domini ou o Anjo do Senhor, com as costumadas três Ave-Marias, pela manhã, ao meio dia e à noite. Os Religiosos podem nesses três tempos renovar mentalmente os seus votos, como costumava fazer São Leonardo de Porto Maurício.

Em terceiro lugar, saudar a Mãe de Deus com uma Ave-Maria quando se ouve tocar o relógio, ou cada vez que se passa por diante de uma imagem da Virgem.

Finalmente, dizer sempre uma Ave-Maria, no princípio e no fim de cada ação, quer espiritual, como a oração, a confissão, a comunhão, a leitura espiritual e outras semelhantes; quer temporal, como estudar, dar conselho, trabalhar, ir para a mesa, para a cama, etc. Felizes as ações que ficarem compreendidas entre duas Ave-Marias. – Assim digamos também a mesma oração quando acordamos pela manhã, quando adormecemos, em qualquer tentação, perigo, ímpeto de ira e semelhantes. Amado leitor, pratica isso e verás a suma utilidade que para ti resultará d’aí.

“Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco. Bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto de vosso ventre, Jesus. Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém.”
6ª parte

 Décima Quinta Semana do Tempo Comum

(Sexta Semana depois de Pentecostes)

Domingo: O vício da ira e o modo de refreá-la

Segunda-feira: O grande segredo para viver bem

Terça-feira: Grandeza da divina misericórdia

Quarta-feira: Deus é o bem que faz o paraíso

Quinta-feira: Jesus no Santíssimo Sacramento é prisioneiro de amor

Sexta-feira: Quanto agrada a Jesus a lembrança da sua Paixão

Sábado: Maria Santíssima, modelo de obediência

 Décimo Quinto Domingo do Tempo Comum

O vício da ira e o modo de refreá-la

Omnis qui irascitur fratri suo, reus erit iudicio – “Todo aquele que se irar contra seu irmão, será réu em seu juízo” (Mt 5, 22)

Sumário. É com razão que Jesus Cristo disse que, quem se encoleriza, se torna réu do juízo; porquanto a ira faz o homem cair em mil excessos, sem que lhe deixe ver o mal que faz. Roguemos ao Senhor que nos livre desta paixão, sejamos mansos para com todos; e façamos com nossa língua a convenção que nos guardaremos de falar, quando se diga contra nós alguma coisa que nos possa irar. Se por desgraça nos tivéssemos irado, não se ponha o sol sobre nossa ira.

I. Oh, quantos males nascem do vício insensato da ira! Ela é semelhante ao fogo, porque assim como o fogo é veemente na sua força destrutiva e logo que pegou impede a vista pelo fumo que despede, assim a ira faz o homem cair em mil excessos, e não lhe deixa ver o que está fazendo e assim, conforme à palavra de Jesus Cristo no Evangelho de hoje, torna-o réu do juízo: Ominis qui irascitur fratri suo, reus erit indicio.

É tão prejudicial ao homem a ira, que ainda mesmo exteriormente o desfigura. Ainda que seja a pessoa mais bela e graciosa do mundo, quando a cólera a transporta, será, como diz São Boaventura e confirma a experiência, semelhante a um monstro, a uma fera que atemoriza. Portanto, se a ira nos desfigura aos olhos dos homens quanto mais nos desfigurará aos olhos de Deus.

Ira viri; escreve São Thiago, institiam Dei non operatur (1), quer dizer que as obras de um homem iracundo não podem harmonizar-se com a justiça divina, nem, por conseguinte, estar isentas de pecado, talvez mesmo grave. Sim, porque a ira, no dizer de São Jerônimo, faz o homem perder a razão e obrar cegamente como um louco ou uma fera. Fá-lo cair em pecados de murmurações, de injustiças, de vinganças, de blasfêmias, de escândalos e de mil outras iniquidades. Numa palavra, concluí o mesmo Santo, é pela ira que entram na alma quase todos os vícios: Omnium vitiorum ianua est iracundia.

Ai, porém, dos iracundos! Ao mesmo tempo que os desgraçados se inflamam em cólera contra o próximo, Deus não somente se afasta deles pela subtração das graças, mas arma também sua mão com o açoite do castigo para puní-los neste mundo e no outro. Além disso, os iracundos, nos dias de sua vida, passam uma existência infeliz por estarem sempre agitados como numa tempestade.

II. Sendo tão numerosos e funestos os prejuízos que o vício da ira causa à alma, mister é que usemos de todo o cuidado em refreá-la, afeiçoando-nos à mansidão, que é a virtude predileta de Jesus Cristo. Dizia São Francisco de Sales: “O que se deixa levar por leves movimentos de ira, em breve se tornará furioso e insuportável”. – Devemos, portanto, conforme à exortação de São Paulo (2), vestir-nos de entranhas de misericórdia para com o próximo e suportar os seus defeitos, lembrando-nos de que ele deve também suportar os nossos, que são talvez mais graves.

Quando recebermos algum agravo, respondamos com brandura, ou, melhor ainda, abstenhamo-nos de responder, à imitação de São Francisco de Sales, que tinha feito com a sua língua a convenção que havia de ficar calada quando se dissesse alguma coisa que o pudesse encolerizar. – Quando, porém, por desgraça, a ira tivesse entrada em nosso coração, tenhamos cuidado de não a deixar descansar ali: Sol non occidat super iracundiam vestram (3) – “O sol não se ponha sobre a vossa ira”. E Jesus Cristo conclui o Evangelho de hoje com estas palavras:

“Se, estando a apresentar a tua oferenda ante o altar, te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, larga a tua oferenda ao pé do altar, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão e depois virás fazer a tua oblação”

Mas, sobretudo, para que não nos deixemos dominar por alguma paixão, e em particular pela ira, roguemos muitas vezes ao Senhor com o Eclesiástico: Não me entregues a uma alma sem pejo e sem recato: Animo irreverenti et infrunito ne tradas me (4).

Ó Pai Eterno, pelo amor de Jesus Cristo, suplico-Vos, não permitais que eu seja escravo do vício da ira; infundi em meu coração o espírito de mansidão e de doçura, a fim de que eu não ofenda a ninguém e perdoe aos que me ofendem. – “Ó Deus, que preparastes bens invisíveis para os que Vos amam, infundi em nossos corações o afeto do vosso amor, para que, amando-Vos em tudo e sobre tudo, alcancemos vossas promessas, que excedem todos os desejos” (5). Fazei-o pelos méritos de Jesus Cristo e pela intercessão de Maria Santíssima.

Referências:

(1) Tg 1, 20
(2) Cl 3, 12
(3) Ef 4, 26
(4) Eclo 23, 6
(5) Or. Dom. Curr.

 Segunda-feira da Décima Quinta Semana do Tempo Comum

O grande segredo para viver bem

In omnibus operibus tuis memorare novissima tua, et in aeternum non peccabis – “Em todas as tuas obras lembra-te de teus novíssimos e nunca, jamais pecarás” (Eclo 7, 40)

Sumário. Meu irmão, se queres viver bem, procura pensar sempre na morte. Ao veres um túmulo, ao assistires às exéquias de um parente ou amigo, ao veres um cadáver sendo levado à sepultura, contempla nisso a tua própria imagem e dize: Dentro de breves anos, talvez meses ou dias, será tal a sorte de meu corpo e, estando então perdida a alma, estará perdida para sempre. Por terem pensado na morte, quantos deixaram a morte e subiram à mais alta perfeição.

I. Meu irmão, se queres viver bem, procura, durante o tempo de vida que te resta, viver pensando sempre na morte. Ao veres um túmulo, ao assistires às exéquias de um amigo ou parente, ao veres um cadáver sendo levado à sepultura, contempla nisso a tua própria imagem e o que um dia há de ser de ti. Reflete então e dize contigo: dentro em poucos anos, talvez meses ou dias tudo acabará para mim; meu corpo será apenas podridão e vermes. Estando então perdida a alma, tudo estará perdido para mim e perdido para sempre.

Assim é que fizeram os Santos, que agora reinam no céu; é por este meio que chegaram a desprezar todos os bens desta terra, que venceram as tentações mais fortes e subiram a alta santidade. Jó dizia à podridão: Tu és meu pai; e aos vermes: Vós sois minha mãe e minha irmã (1). São Carlos Borromeu conservava sempre sobre a sua mesa uma caveira, para tê-la continuamente diante dos olhos. O cardeal Barônio fez gravar no seu anel estas palavras: Memento mori – “Lembra-te da morte”. O bem-aventurado Juvenal, bispo de Saluzzo, escrevera sobre uma caveira estas palavras: O que tu és, fui eu; o que eu sou, tu serás um dia. Outro santo solitário, perguntando na hora da morte porque estava tão alegre, respondeu: Sempre tive a lembrança da morte diante dos olhos; por isso, agora que ela vem, não vejo coisa nova.

Finalmente, para não falar de outros, São Camilo de Lelis, ao ver os túmulos, dizia consigo: Se estes defuntos voltassem ao mundo, quanto não fariam pela vida eterna! E eu, que ainda tenho tempo, que faço pela minha alma? – O Santo falava assim por humildade. Mas tu, meu irmão, tens talvez razão para temer que sejas aquela figueira sem fruto da qual disse o Senhor: Já há três anos que venho procurar fruto nesta figueira e não o acho (2). Tu que estás no mundo há mais de três anos, que fruto tens produzido? Considera, diz São Bernardo, que o Senhor não procura somente flores, mas quer também frutos; isto é, não somente bons desejos e propósitos, senão também obras santas.

II. Saibamos aproveitar o tempo que Deus nos dá na sua misericórdia e não esperemos para fazer o bem até que não haja mais tempo e se nos diga: Tempus non erit amplius… proficiscere: É tempo de partir deste mundo; vamos depressa; o que está feito, está feito.

Considera-te, diz São Lourenço Justiniano, considera-te desde já como morto, já que é certo que deves morrer. Se já estivesses morto, quanto não quererias ter feito! Diz São Boaventura que o piloto para bem governar o navio, se coloca na popa: assim o homem, para levar uma vida boa, deve considerar-se sempre como se estivesse para morrer. Foi isto que fez São Bernardo dizer: Vide prima et erubesce, considera os pecados da tua mocidade e cora; – vide media et ingemisce, considera os pecados da idade viril e geme; – vide novissima et contremisce, considera as desordens da idade atual e treme e apressa-te em os remediar.

Eis-me aqui, meu Deus, sou aquela árvore que há tantos anos mereceu ouvir a sentença: Corta-a, para que ocupa ainda a terra? Sim, porque nos muitos anos que estou no mundo, ainda não dei outros frutos senão cardos e espinhos de pecados. Mas Vós, Senhor, não quereis que eu desespere. Vós dissestes que o que Vos procurar, Vos achará: Quaerite et invenietis. Procuro-Vos, meu Deus, e desejo vossa graça. Detesto de todo o coração todas as ofensas que Vos fiz e quisera morrer de dor. Quero empregar o resto da minha vida em Vos amar e honrar. Sim, amo-Vos, ó meu soberano Bem, e, com o vosso auxílio, quero viver e morrer fazendo atos de amor a Vós, que por meu amor morrestes sobre a cruz. † Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

Referências:

(1) Jó 17, 14
(2) Lc 13, 7

 Terça-feira da Décima Quinta Semana do Tempo Comum

Grandeza da divina misericórdia

Superexaltat autem misericordia iudicium – “A misericórdia se eleva sobre o juízo” (Tg 2, 13)

Sumário. Toda a terra está cheia da misericórdia de Deus, que nos ama tanto e tão grande desejo tem de nos dispensar suas graças, que nós não o temos igual de as receber. Basta dizer que foi a misericórdia que levou o Senhor a enviar à terra o seu próprio Filho mesmo para se fazer homem, levar uma vida de trabalhos e fadigas e afinal morrer sobre uma cruz por nosso amor. Mas, ai daquele que deixa passar o tempo da divina misericórdia! De repente lhe virá o da justiça, e da justiça tanto mais inexorável, quanto maior tiver sido a misericórdia.

I. É tão grande o desejo de Deus de nos dispensar suas graças, que, no dizer de Santo Agostinho, Ele mais deseja no-las comunicar do que nós as desejamos receber. A razão é que, como explicam os filósofos, a bondade é por natureza levada a dilatar-se em benefício dos outros. Por isso, Deus, que é a bondade infinita, tem um desejo infinito de se comunicar a nós suas criaturas e fazer-nos participantes de seus bens.

Dali nasce a grande misericórdia do Senhor para com as criaturas. Davi diz que a terra está cheia da divina misericórdia. Não está cheia da divina justiça, porque Deus não exerce sua justiça para castigar os pecadores, senão quando se vê obrigado ou quase constrangido a exercê-la. Ao contrário, é generoso e liberal no uso da sua misericórdia para com todos e em todo tempo, pelo que São Tiago escreve: Superexaltat autem misericordia iudicium – “A misericórdia se eleva sobre o juízo”. Muitas vezes a misericórdia arranca das mãos da justiça os açoites aparelhados para os pecadores e obtém para eles o perdão.

Eis porque o profeta no salmo 58 dá a Deus o nome de misericórdia (1), e no 24 suplica queira perdoa-lhe pelo seu nome, por ser Ele a própria misericórdia (2). No salmo 135, no qual exorta todos a louvarem a Deus por causa da sua providência e dos benefícios conferidos a seu povo, repete vinte e sete vezes estas palavras: In aeternum misericordia eius — “A sua misericórdia é para sempre”. – Em suma, foi a sua grande misericórdia que moveu Deus a enviar a terra seu próprio Filho, para se fazer homem e morrer sobre uma cruz, a fim de nos livrar da morte eterna. Por isso Zacarias cantou: Per viscera misericordiae Dei nostri (3) – “Pelas entranhas da misericórdia de nosso Deus” (Lc 1,78). Por “entranhas de misericórdia” entende-se uma misericórdia que procede do íntimo do Coração de Deus; porquanto preferiu ver morrer seu Filho feito homem, a ver-nos perdidos.

II. Para compreendermos quão grande é a misericórdia de Deus para conosco e o desejo que Ele tem de nos fazer bem, basta a leitura destas poucas palavras suas no Evangelho: Petite et dabitur vobis (4) – “Pedi e vos será dado”. Que mais poderia dizer um amigo ao outro, para lhe provar a sua afeição? Pede-me o que quiseres e eu te darei. Ora, é isso o que Deus diz a cada um de nós; e além disso convida-nos a recorrermos a Ele para achar alívio em nossas misérias: Venite ad me omnes, qui laboratis et onerati estis, et ego reficiam vos (5).

Vendo algum pecador obstinado no pecado, Deus espera pacientemente, para usar de misericórdia com ele. Entretanto emprega todos os meios para reconduzi-lo à penitência; ora pondo-lhe diante dos olhos o castigo que lhe está reservado, se não se converte (6); ora batendo à porta do coração, a fim de que se lhe abra (7); ora gritando atrás dele: Quare moriemini, domus Israel? (8) – “Porque morrereis, ó casa de Israel?” Como se a compaixão lhe fizesse dizer: Meu filho, porque te queres assim perder? Volta, lança-te em meus braços, sou ainda sempre teu Pai. – Não contente com isso, o Senhor vai ainda mais longe, e, como escreve o Apóstolo, chega a suplicar aos pecadores que se reconciliem com Deus: Obsecramus pro Christo, reconciliamini Deo (9).

Se porém, apesar de tamanha bondade e misericórdia, alguém se obstinar no pecado, que fará o Senhor? Protesta que sempre está disposto a usar de misericórdia com ele, enquanto não o vir comparecer perante o seu tribunal divino; e ali, depois de lhe ter lançado em rosto a má correspondência à graça, condena-lo-á ao inferno, com as palavras: Perditio tua, Israel: tantummodo in me auxilium tuum (10) – “A tua perdição, ó Israel, toda vem de ti; só em mim está o teu auxílio”.

Ó Eterno Pai, em nome de Jesus Cristo e por amor de Maria Santíssima, livrai-me de tamanha desgraça e fazei com que me aproveite bem da vossa misericórdia. Se viesse a me perder, que inferno seria para mim a lembrança da misericórdia que tivestes comigo e o pensar que me quis perder em vosso despeito?

Referências:

(1) Sl 58, 18
(2) Sl 24, 11
(3) Lc 1, 78
(4) Mt 7, 7
(5) Mt 11, 28
(6) Sl 59, 6
(7) Ap 3, 20
(8) Ez 18, 31
(9) 2 Cor 5, 20
(10) Os 13, 9

 Quarta-feira da Décima Quinta Semana do Tempo Comum

Deus é o bem que faz o paraíso

Ego ero merces tua magna nimis – “Eu serei tua recompensa infinitamente grande” (Gn 15, 1)

Sumário. A formosura dos Santos, as harmonias celestiais e todas as outras delícias do céu, são os menores bens desse reino bem-aventurado. O bem que faz a alma plenamente feliz e faz propriamente o céu é o Bem supremo, é Deus, é vê-lo face a face e amá-lo. Ânimo, pois, meu irmão, visto que tão grande recompensa nos aguarda também. Mas, para o conseguirmos, mister é que abracemos de boa vontade as cruzes e tribulações da vida presente, mormente se no passado houvéssemos tido a desgraça de merecer o inferno.
I. A formosura dos Santos, as harmonias celestiais e todas as outras delícias do céu são os menores bens desse reino bem-aventurado. O bem que faz a alma plenamente feliz e que constitui propriamente o paraíso é o Bem supremo, é o Deus, é ver Deus face a face e amá-lo. – Diz Santo Agostinho que, se Deus se deixasse ver aos réprobos, o inferno com todos os seus tormentos se mudaria para ele no mesmo instante em um paraíso. E acrescenta que, se fosse dada a uma alma, ao sair desta vida, a escolha de ver a Deus ficando nas penas do inferno, ou de ser livre das penas do inferno, mas privada da vista de Deus, preferiria ver o Senhor nos tormentos do inferno.

A felicidade de ver e amar a Deus face a face, não pode ser de nós concebida nesta terra. Procuremos, porém, formar dela alguma ideia. Em primeiro lugar, sabemos que o amor divino é tão encantador, que mesmo nesta terra chegou a arrebatar não só as almas, como também os corpos dos Santos. São Filipe Neri foi certa vez arrebatado ao ar, juntamente com o banco em que estava sentado. São Pedro de Alcântara foi também elevado sobre a terra, a ponto de desarraigar a árvore à qual estava abraçado.

Sabemos, além disso, que os santos mártires, pela doçura do amor divino, se regozijavam até no meio dos tormentos. São Vicente falava de tal maneira, enquanto o atormentavam, que, na expressão de Santo Agostinho, parecia ser um que sofria e outro que falava. São Lourenço, enquanto estava na grelha em brasa, zombava do tirano nestes termos: Vira-me e come. – Que suavidade não enche a alma, quando, iluminada na oração por um raio da luz divina, vê a bondade divina e as misericórdias de Deus para com ela e o amor que lhe teve Jesus Cristo. Então a alma se sente toda abrasada e como que cair desfalecida pelo amor.

No entanto, neste mundo não vemos Deus tal qual é. Temos uma venda sobre os olhos e Deus está oculto sob o véu da fé e não se deixa ver. Que será, porém, quando se tirar a venda dos nossos olhos, se levantar o véu e virmos a Deus face a face? Veremos então como Deus é belo, quanto é grande, quanto é justo, quanto é perfeito, quanto é amável, quanto é amante!

II. Tinha razão o Apóstolo São Paulo em dizer que todos os sofrimentos da vida presente não são nada quando comparados com a futura glória que se manifestará em nós: Non sunt condignae passiones huius temporis ad futuram gloriam, quae revelabitur in nobis (1). Por isso, meu irmão, abracemos de boa vontade as cruzes e tribulações que Deus nos envia para nosso bem; e, mais ainda, se no passado temos tido a desgraça de merecer o inferno. Digamos frequentemente com São Filipe: É tão grande o bem que espero, que toda a pena me é gozo.

Meu soberano Bem, eu sou esse desgraçado que Vos voltou às costas e renunciou ao vosso amor. Não merecia mais ver-Vos e amar-Vos. Mas, Vós sois aquele que, tendo compaixão de mim, não teve compaixão de si próprio, condenando-se a morrer de dor sobre um madeiro ignominioso e infame. A vossa morte me dá a esperança de Vos ver um dia e gozar de vossa presença, amando-Vos então com todas as minhas forças. Agora, que estou ainda em risco de Vos perder para sempre, depois de já Vos haver perdido pelos meus pecados, que farei no resto da minha vida? Continuarei a ofender-Vos? Não, meu Jesus, abomino com todo o horror de que sou capaz as ofensas que Vos fiz: pesa-me extremamente de Vos haver ultrajado e amo-Vos de todo o meu coração.

Repelireis uma alma que está arrependida e Vos ama? Não, meu amado Redentor; bem sei que dissestes que não sabeis repelir aquele que arrependido volta a vossos pés. – Ó meu Jesus, eu abandono tudo e me converto a Vós; abraço-Vos, aperto-Vos ao coração; abraçai-me também e apertai-me ao vosso. Ouso falar-Vos assim; porque falo a uma bondade infinita; falo a um Deus, que quis morrer por meu amor. Meu querido Salvador, dai-me a perseverança em vosso amor. – Minha querida Mãe Maria, pelo grande amor que tendes a Jesus Cristo, obtende-me a perseverança.

Referências:

(1) Rm 8, 18

 Quinta-feira da Décima Quinta Semana do Tempo Comum

Jesus no Santíssimo Sacramento é prisioneiro de amor

Descendit cum illo in foveam, et in vinculis non dereliquit eum – “Desceu (Deus) com ele ao fosso, e não o deixou nas cadeiase” (Sb 10, 13)

Sumário. Considera que Jesus está noite e dia sobre os altares como em outras tantas prisões de amor. Bastava que ali ficasse só de dia; porém Ele quis ficar também durante a noite, a fim de que de manhã o possa achar quem o venha buscar. Só esta fineza devia excitar todos os homens a ficar sempre na presença de Jesus sacramentado; mas é o contrário que se dá. Nós ao menos procuremos dar-Lhe alguma compensação, multiplicando o mais possível nossas visitas, e ao sairmos da Igreja, deixemos nossos corações com todos os seus afetos ao pé do altar, ou encerrados dentro do santo Tabernáculo.

I. Nosso amantíssimo Pastor, que deu a vida por nós, suas ovelhas, não quis pela morte separar-se de nós. Eis-me aqui, diz Ele, eis-me aqui, sempre no meio de vós, minhas queridas ovelhas. Por vós me deixei ficar sobre a terra neste Sacramento; aqui me achareis sempre que quiserdes, para vos ajudar e consolar com a minha presença; não vos deixarei até o fim dos séculos, enquanto estiverdes sobre a terra.

Eis, pois, que Jesus Cristo está sobre os altares como em outras tantas prisões de amor. Os sacerdotes tiram-No do Tabernáculo para O exporem, ou para O darem na santa comunhão, e depois tornam a encerra-Lo. E Jesus de boa vontade aí fica dia e noite. – Mas, meu Redentor, para que ficar em tantas igrejas também durante a noite, quando se fecham as portas e os homens Vos deixam só? Bastava que ficásseis somente de dia. Não; Jesus quer ficar também de noite, embora sozinho, a fim de que de manhã o possa achar logo quem O queira procurar.

A sagrada Esposa andava procurando a seu Amado e perguntava a todos que encontrava: Não vistes porventura àquele que meu coração ama? (1) E, não o achando, prorrompia em lamentos, dizendo: Meu esposo, fazei-me saber, onde estais. Então a Esposa não o achava, porque ainda não havia o Santíssimo Sacramento; mas agora se uma alma deseja achar Jesus Cristo, basta que vá a uma igreja ou a qualquer mosteiro, e ali achará seu amado, que está à espera dela.

Não há freguesia, por pobre que seja, nem mosteiro de religiosos, onde não se ache o Santíssimo Sacramento e em todos esses lugares o Rei do céu de boa vontade se deixa ficar encerrado em uma caixinha de madeira ou pedra, onde muitas vezes fica sozinho, apenas com a lâmpada, sem visitante algum. – Mas, Senhor (diz São Bernardo), tal não convém a vossa majestade! – Não importa, responde Jesus Cristo, se não convém a minha majestade, muito convém a meu amor.

II. Só a fineza do amor de Jesus Cristo, em querer fazer-se nosso prisioneiro, devia excitar todos os homens a visitarem-No muitas vezes no santo Tabernáculo e não saírem daí senão à força. Ao retirarem-se, deviam deixar ao pé dos altares todo o seu coração com todos os afetos de amor para com o Deus humanado que fica sozinho e encerrado no tabernáculo, todo olhos para ver e remediar nossas necessidades e todo coração, ficando ali para nos amar e esperando o dia para receber as visitas das almas que o amam.

Sim, meu Jesus, quero contentar-Vos. Consagro-Vos toda a minha vontade e todos os meus afetos. Ó Majestade infinita de Deus, Vós estais presente nesse divino Sacramento, não somente para ficardes perto de nós, mas principalmente para Vos comunicar às almas que Vos amam. Mas, Senhor, quem se atreverá a chegar-se a Vós e alimentar-se com a vossa carne? Mas também, quem se animará a afastar-se de Vós? Vós quisestes ocultar-Vos na Hóstia consagrada para entrardes em nós e possuírdes nossos corações. Vós ardeis em desejo de ser recebido de nós e achais vossas delícias em estar unido conosco.

Vinde, pois, ó meu Jesus, vinde. Desejo receber-Vos dentro de mim, para que sejais o Deus de meu coração e de minha vontade. Quanto a mim, meu amado Redentor, sacrifico a vosso amor minhas satisfações, prazeres, vontade própria e todo meu ser. Ó amor, ó Deus de amor, reinai e dominai em mim; destruí e aniquilai em mim tudo que é meu e não vosso. Não permitais, ó meu amor, que minha alma, cheia da majestade de um Deus, depois de Vos ter recebido pela santa comunhão, venha a apegar-se novamente às criaturas. Amo-Vos, meu Deus, amo-Vos e só a Vós quero sempre amar. – Ó Maria, Mãe do belo amor, suplico-vos, pelo amor de vosso divino Filho, que me alcanceis a santa perseverança.

Referências:

(1) Ct 5, 1

 Sexta-feira da Décima Quinta Semana do Tempo Comum

Quanto agrada a Jesus a lembrança da sua Paixão

Gratiam fideiussoris ne obliviscaris; dedit enim pro te animam suam – “Não te esqueças da graça que te fez teu fiador, pois ele expos sua alma para te valer” (Eclo 29, 20)

Sumário. Quão agradável é a Jesus que nos lembremos da sua Paixão, conclui-se de que o Santíssimo Sacramento foi instituído exatamente para conservar em nós a memória dela. Eis porque todos os santos meditavam continuamente nos sofrimentos e desprezos que o Redentor padeceu em toda a sua vida e particularmente na morte. Procuremos dar esta satisfação ao Coração amabilíssimo de Jesus; contemplemo-lo muitas vezes, mormente na sexta-feira, moribundo por nós, lembrando-nos as penas que com tamanho amor sofreu por nós.
I. Quão agradável é a Jesus Cristo que nos lembremos frequentemente da sua paixão e da morte ignominiosa que por nós sofreu, conclui-se da instituição do Santíssimo Sacramento do altar, a qual foi feita exatamente para guardar sempre viva a lembrança do amor que nos mostrou Jesus, sacrificando-se sobre a cruz pela nossa salvação. – Já sabemos que Jesus instituiu este Sacramento de amor na véspera da sua morte e que depois de ter dado seu corpo aos discípulos, lhes disse, e na pessoa deles também a nós, que quando tomassem a santa comunhão, anunciassem a morte do Senhor (1), quer dizer, que se lembrassem do muito que por nosso amor sofreu. Por isso, a Igreja ordena que na missa o celebrante diga depois da consagração, em nome de Jesus Cristo: Haec quotiescumque feceritis, in mei memoriam facietis – “Todas as vezes que fizerdes estas coisas, as fareis em memória de mim”.

Se alguém padecesse pelo seu amigo injúrias e açoites e depois lhe contassem que o amigo, ouvindo falar disso, nem quer escutar dizendo: Falemos em outra coisa, que pena não havia de sentir de tamanha ingratidão? Que consolação teria, ao contrário, sabendo que o amigo proclama a sua gratidão eterna e dele sempre se lembra e fala com lágrimas de ternura? – Eis porque os santos, sabendo quanto agrada a Jesus Cristo a lembrança frequente da sua Paixão, se tem aplicado sempre a meditar nas dores e nos desprezos que o amantíssimo Redentor sofreu em toda a sua vida e especialmente em sua morte.

Refere-se na vida do Bem-aventurado Bernardo de Corlione, capuchinho, que, quando os religiosos, seus irmãos, queriam ensiná-lo a ler, foi primeiro tomar conselho com Jesus crucificado. Respondeu-lhe o Senhor: Que leitura! Que livros! Eu, o crucificado, quero ser teu livro, no qual poderás ler o amor que te hei consagrado. – Jesus crucificado foi também o livro predileto de São Filipe Benício. No leito da morte pediu o Santo lhe dessem seu livro. Os assistentes não sabiam qual era o livro que desejava, mas frei Ubaldo, seu confidente, deu-lhe a imagem de Jesus crucificado e então disse o Santo: “É este o meu livro”; e, beijando as chagas sagradas, exalou a sua alma bendita.

II. Visto que Jesus deseja tanto que nos lembremos da sua Paixão, procuremos, ó almas devotas, imitar a Esposa dos Cânticos que dizia: Eu me assentei debaixo da sombra daquele que é o objeto dos meus desejos (2). Representemo-nos muitas vezes, particularmente nas sextas-feiras, Jesus moribundo sobre a cruz. Detenhamo-nos com ternura na consideração prolongada das suas chagas e do amor que nos tinha quando estava agonizando sobre aquele leito de dor: Não te esqueças da graça que te fez teu fiador, porque Ele expôs por ti sua alma.

Ó Salvador do mundo, ó amor das almas, ó Senhor, objeto mais digno de todo o amor! É pela vossa Paixão que quisestes ganhar nossos corações, mostrando-nos o amor imenso que nos tendes e consumando uma Redenção que nos trouxe a nós um mar de bênçãos e a Vós Vos custou um mar de dores e de opróbrios. Com tantos prodígios de amor alcançastes que muitas almas santas, abrasadas pelas chamas do vosso amor, renunciassem a todos os bens da terra, para se consagrarem inteiramente a vosso amor, ó Senhor amabilíssimo! – Suplico-Vos, meu Jesus: fazei com que eu me lembre sempre da vossa Paixão, e que, miserável como sou, mas vencido, afinal, por tantas finezas do vosso amor, me renda a Vos amar e a dar-Vos com o meu amor alguma prova de gratidão pelo amor excessivo que Vós, meu Deus e meu Salvador, me haveis tido.

Lembrai-Vos, meu Jesus, que sou uma dessas ovelhas, por cuja salvação viestes à terra sacrificar a vossa vida. Sei que, depois de me haverdes remido pela vossa morte, não deixastes de me amar e que ainda me tendes o mesmo amor que me quisestes ter morrendo por mim. Não permitais que eu viva ainda ingrato para convosco, meu Deus, que tanto mereceis meu amor e tanto haveis feito para ser amado por mim. – É esta a graça que vos peço também, ó Maria, pelos merecimentos da dor que sentistes na Paixão de vosso Filho Jesus.

Referências:

(1) 1 Cor 11, 26
(2) Ct 2, 3

 Sábado da Décima Quinta Semana do Tempo Comum

Maria Santíssima, modelo de obediência

Ecce ancilla Domini: fiat mihi secundum verbum tuum – “Eis aqui a escrava do Senhor: faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38)

Sumário. A obediência de Maria foi incomparavelmente mais perfeita que a dos outros santos; porque, imune de todo labéo de culpa, ela era como que uma roda que pronta se movia a cada inspiração divina. Pelo mérito desta virtude Maria remediou o dano que causou Eva com sua desobediência. E tu como é que obedeces a teus superiores? Como é que observas as leis de Deus e da Igreja e os deveres próprios do teu estado? Lembra-te de que a virtude de obediência faz entrar os bem-aventurados na glória.

I. Pelo afeto que Maria consagrava à virtude de obediência, não quis, quando São Gabriel lhe veio anunciar a maternidade divina, chamar-se com outro nome senão com o de escrava: Eis aqui a escrava do Senhor. Sim, diz Santo Tomás de Villanova, porque esta fiel escrava, nem com suas obras nem com o pensamento contradisse jamais ao Senhor; mas, despida de toda a vontade própria, viveu sempre e em tudo obediente à divina vontade.

Observa São Bernardino de Sena que a obediência de Maria foi muito mais perfeita que a dos outros santos, porque todos os homens, por causa da inclinação ao mal pelo pecado original, sentem dificuldade em fazer o bem. Maria, ao contrário, imune, como era, de todo o labéo de culpa, foi como que uma roda que prontamente se movia a cada inspiração divina e outra coisa não fazia senão observar e executar o que agradava a Deus. – Dela é que foi dito: Anima mea liquefacta est, ut dilectus meus locutus est (1) – “A minha alma se derreteu, assim que meu amado falou”; porque, na explicação de Ricardo, a alma da Virgem era como que um metal derretido, disposta a tomar todas as formas que Deus queria.

Quanto era pronta para obedecer, mostrou-o claramente Maria quando, para agradar a Deus, quis obedecer também ao imperador romano, fazendo a viagem a Belém, em tempo de inverno, grávida e tão pobre que se viu obrigada a dar à luz numa gruta. – Foi igualmente pronta quando São José a avisou, que se pusesse a caminho na mesma noite, para viagem mais longa e perigosa ao Egito.

Mas, sobretudo, demonstrou a sua heróica obediência quando, para obedecer à divina vontade, ofereceu seu Filho à morte, com tão grande constância, que, como disse Santo Ildefonso, estaria pronta a crucificar o Filho se faltassem os algozes. – pelo que São Beda, o Venerável, escreveu que Maria foi mais feliz pela sua obediência à vontade divina do que por ter sido feita Mãe do mesmo Deus. E Santo Agostinho conclui dizendo que a divina Mãe com sua obediência remediou o dano que fez Eva com a sua desobediência.

II. Muito agradam a Maria aqueles que são amantes da obediência, e ela mesma repreendeu certo dia um religioso que, tocando-se o sino para certo exercício da comunidade, se demorou para terminar certas devoções privadas. – Falando a Santíssima Virgem com Santa Brígida a respeito da segurança que há em obedecer ao pai espiritual, lhe disse que é a obediência que faz entrar os bem-aventurados na glória. Acrescentou que, pelo merecimento da sua obediência, obteve do Senhor que todos os pecadores que arrependidos a ela recorrerem, obtenham perdão.

Se, pois, queres agradar a Maria Santíssima e assegurar a salvação da tua alma, faze hoje o firme propósito de imitar sempre a sua obediência e de cumprir exatamente todos os deveres do teu estado. – Entretanto, pede a seu Filho perdão das culpas que no passado cometeste contra tão bela virtude.

Ah meu Jesus! Por minha salvação fostes obediente até à morte e até à morte de cruz, e eu, ingrato, para não me privar de alguma miserável satisfação, tantas vezes Vos desrespeitei e Vos desobedeci. Meu Senhor, tende paciência comigo; não me abandoneis como merecia. Arrependo-me de todos os desgostos que Vos dei e quisera morrer de dor. Ouço vossa divina voz que me convida a vosso amor; não quero mais resistir. Eis-me aqui, entrego-me a Vós; não recuseis aceitar-me.

Dizei-me o que tenho de fazer para Vos agradar; estou pronto para tudo. (Renovo meus votos de Pobreza, de Castidade e de Obediência.) Prometo que de hoje em diante nunca mais resistirei às ordens de meus superiores. Amo-Vos, † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas, e porque Vos amo, quero fazer tudo para Vos agradar. Dai-me o vosso auxílio para executar esta resolução. – E Vós, minha Rainha e Mãe Maria, rogai a Jesus por mim, e pelo merecimento da vossa obediência, obtende-me a graça de obedecer a sua santa vontade e às ordens do meu Pai espiritual.

Referências:

(1) Ct 5, 6
7ª parte

 Décima Sexta Semana do Tempo Comum

(Sétima Semana depois de Pentecostes)

Domingo: As turbas famintas e a vaidade dos bens terrestres

Segunda-feira: Importância do último momento da vida

Terça-feira: A paz que Deus faz gozar aos bons religiosos

Quarta-feira: Quem ama a Deus, suspira por vê-lo no céu

Quinta-feira: Jesus no Santíssimo Sacramento faz as delícias das almas desprendidas

Sexta-feira: Da vida penosa de Jesus Cristo

Sábado: Maria Santíssima é a medianeira dos pecadores para com Deus

 Décimo Sexto Domingo do Tempo Comum

As turbas famintas e a vaidade dos bens terrestres

Misereor super turban: quia ecce iam triduo sustinent me, nec habent quod manducent – “Tenho compaixão da multidão; porque desde três dias já me acompanham e não têm o que comer” (Mc 8, 2)

Sumário. A fome das turbas de que fala o Evangelho, nos pode ensinar que a felicidade das riquezas, das dignidades e dos prazeres, jamais pode saciar o nosso coração. Persuadamo-nos bem de que o que possui todos os tesouros da terra, mas não possui a graça de Deus, é o homem mais pobre do mundo… Se em tempos passados tivemos a insensatez de apegar o nosso coração às vaidades, sejamos agora mais prudentes; unamo-nos à Jesus Cristo, que nos saciará espiritualmente, assim como com sete pães apenas saciou corporalmente mais de quatro mil pessoas.

I. Eram tais os atrativos do nosso divino Salvador, e tal a doçura com que acolhia todos, que se viu um dia cercado de uma multidão de cerca de quatro mil pessoas, que tendo-o seguido três dias não tinham o que comer. Movido de compaixão, disse aos discípulos: Tenho compaixão da multidão que me vem acompanhando três dias e não tem o que comer. E, sabendo que ali havia sete pães e uns poucos peixes, fez o grande milagre da multiplicação dos pães e alimentou abundantemente toda a multidão faminta.

É este o sentido literal do Evangelho de hoje; porém, o sentido místico significa que não há nenhum manjar neste mundo que possa saciar nossas almas. Todos os bens da terra, as riquezas, as honras, os prazeres, deleitam somente os sentidos do corpo; mas para o espírito são vaidade e aflição: Universa vanitas et afflictio spiritus (1), Se os bens deste mundo contentassem o homem, seriam inteiramente felizes os poderosos e os ricos; não obstante, a experiência demonstra inteiramente o contrário; ela nos faz ver que eles são os mais desgraçados, porque vivem sempre sob a opressão do temor, da inveja, da tristeza e da cobiça de possuírem mais.

Eis, diz o Espírito Santo, o justo castigo daqueles que, em vez de servirem a Deus com alegria, por causa da abundância de todos os bens que nele se encontram, querem servir ao inimigo de Deus, isto é, ao mundo, que os faz sofrer fome, sede, nudeza e miséria (2). – Tenhamos nós também, à imitação de Jesus Cristo; compaixão da multidão de mundanos, que, por lhes faltar o pão substancial, comem sem jamais se saciarem. Se nos tempos passados nós também nos deixamos enganar pelas falsas aparências, lamentemos a nossa cegueira e proponhamos ser mais prudentes para o futuro.

II. Et manducaverunt, et saturati sunt (3) – “Todos comeram e ficaram fartos”. Com estas palavras o Evangelista termina a narração do milagre. As quatro mil pessoas que acompanhavam o Senhor, comeram dos sete pães e dos poucos peixes bentos por ele, e ficaram fartas; mais ainda, encheram sete cestos de pedaços que sobraram. — Com isso quer o Senhor dar-nos a entender que, como Ele criou para si o coração do homem, assim Ele só o pode saciar. Por isso, Santo Agostinho, ensinado pela própria experiência, teve razão de exclamar: Ó mundanos insensatos! Ó homens desgraçados! aonde ides para achar a felicidade? Vinde a Jesus; só ele vos pode dar a felicidade que estais buscando: Bonum quod quaeritis, ab ipso est.

Ó meu amabilíssimo Redentor! Graças Vos dou pelas luzes que me dais agora para compreender tão importante verdade, e peço-Vos que a graveis sempre mais fundo em meu espírito, a fim de que me sirva de regra em minhas ações. É verdade, Senhor, quem possui todos os bens, mas não Vos possui a Vós, é o mais pobre do mundo; mas o pobre que Vos possui, ainda que não possua nenhum dos bens terrestres, é o mais rico e possui tudo. Por isso, ó meu Jesus, quero possuir-Vos a todo o custo. Pesa-me que no passado corri atrás das vaidades, e por elas Vos deixei, ó bondade infinita. Pesa-me, quisera morrer de dor e quero reparar o passado, amando-Vos com tanto mais ardor para o futuro.

Ó Deus, autor das virtudes e de tudo que é bom e ótimo, fortalecei-me com a vossa graça. “Suplico-Vos, pelos merecimentos do vosso preciosíssimo sangue, que instileis em minha alma o amor do vosso nome e aumenteis em mim o espírito de religião, fomentando em mim o que é bom, e conservando esse bem por um vivo amor da piedade” (4). – Peço esta graça também a vós, ó grande Mãe de Deus e minha Mãe, Maria.

Referências:

(1) Ecle 1, 14
(2) Dt 28, 47
(3) Mc 8, 8
(4) Or. Dom. Curr.

 Segunda-feira da Décima Sexta Semana do Tempo Comum

Importância do último momento da vida

Mortuo homine impio, nulla erit ultra spes, et expectatio sollicitorum peribit – “Morto o homem ímpio, não restará mais esperança alguma e a expectação dos ambiciosos perecerá” (Pv 11, 7)

Sumário. Um pagão, a quem perguntaram qual era a melhor sorte neste mundo, respondeu: Uma boa morte. Que dirá, pois, o cristão, que sabe pela fé que nesse momento começa a eterna alegria ou o eterno sofrimento? Oh! De que importância é o último momento, a última respiração, o último cair do pano sobre o teatro do mundo! Que loucura, portanto, a nossa, se, por amor aos prazeres vis e passageiros deste mundo, nos expuséssemos ao perigo de morrermos de morte desgraçada e de irmos sofrer para sempre no inferno!

I. Que loucura! Por amor aos miseráveis e breves prazeres de tão curta vida, correr o risco de uma morte desgraçada e com esta principiar uma eternidade desgraçada! De que importância é o último momento, a última respiração, o último cair do pano sobre o teatro do mundo! Vale uma eternidade, ou de todas as alegrias, ou de todos os tormentos; uma vida, ou sempre feliz, ou sempre desgraçada! – Consideremos que Jesus Cristo quis morrer de morte tão ignominiosa e amarga para nos obter uma boa morte. Tantas vezes Ele nos convida, nos dá tantas luzes e nos avisa por tantas ameaças, a fim de que nos determinemos a consumar o nosso último instante na graça de Deus!

Até um pagão, Antisthenes, a quem perguntaram qual era a melhor sorte neste mundo, respondeu: Uma boa morte. Que dirá, pois, um cristão, que sabe pela fé que então começa a eternidade, de forma que lhe cabe uma das duas sortes, ou a que traz a eterna alegria ou a que traz consigo o eterno sofrimento? – Se metessem num saco dois bilhetes, um com a palavra inferno, outro com a palavra céu e vos mandassem tirar a sorte, que precaução não tomaríeis para tirar a que vos desse direito ao céu? Como os desgraçados, condenados a jogar a vida, tremem ao estender a mão para lançar os dados, de cuja sorte depende a sua vida ou a sua morte!

Quais serão as tuas agonias, quando te aproximares desse último momento, quando tiveres de dizer: Do instante que se avizinha, depende a minha vida ou a minha morte eterna! Vai ser decidido se serei feliz para sempre ou desesperado para sempre! – São Bernardino de Sena conta que um príncipe, ao expirar, disse muito consternado: Eu que possuo tantas terras e palácios no mundo, não sei qual será a minha morada se vier a morrer esta noite! – meu Jesus, que será de mim no último instante da minha vida? Ah! Não me permitais que me perca e fique privado de Vós, meu único Bem.

II. Meu irmão, se acreditas que hás de morrer, que há uma eternidade, e que se morre só uma vez, porque não tomas a resolução de começar desde já, à hora em que lês estas reflexões, a fazer tudo que puderes para alcançares uma boa morte? Tremia um Santo André Avellino, dizendo: Quem sabe qual a sorte que me espera na outra vida? Tremia um São Luiz Bertram, e tremia de tal sorte, que não podia conciliar o sono, quando lhe vinha este pensamento: Quem sabe, se não te condenarás? – E tu, que tens talvez muitos pecados, não tremes?

Procura remediar em tempo e decide a dar-te a Deus com todas as veras; começa desde já uma vida que não te aflija, mas console na morte. Aplica-te à oração, frequenta os sacramentos, evita as ocasiões perigosas, e, se preciso for, deixa até o mundo, segura enfim a tua salvação eterna, e persuade-te de que, para segurar a tua salvação, não há precaução que seja exagerada.

Ó meu amado Salvador, quanto Vos sou obrigado! Como é que pudestes prodigalizar tantos benefícios a um ingrato, a um traidor, como eu tenho sido? Vós me criastes e, criando-me, já prevíeis as injúrias que Vos faria um dia. Morrendo por mim resgatastes-me e desde então prevíeis as minhas futuras ingratidões para convosco. Apenas entrado no mundo, voltei-Vos as costas e assim me entreguei à morte; mas Vós, por vossa graça, me restituístes à vida. Era cego, e Vós me iluminastes; tinha-Vos perdido, e Vós Vos deixastes achar por mim; era vosso inimigo e fizestes-me vosso amigo.

Ó Deus de misericórdia, fazei-me conhecer as obrigações que Vos tenho; e fazei-me chorar as ofensas que Vos fiz! Ah! Vingai-Vos de mim, dando-me uma grande dor dos meus pecados e não me castigueis privando-me da vossa graça e do vosso amor. – Ó Pai Eterno, aborreço e desteto soberanamente todas as injúrias que Vos fiz. Tende piedade de mim, por amor de Jesus Cristo. – Maria, minha Rainha e minha Mãe, ajudai-me com a vossa intercessão.

 Terça-feira da Décima Sexta Semana do Tempo Comum

A paz que Deus faz gozar aos bons religiosos

Sedebit populus meus in pulchritudine pacis, et in tabernaculis fiduciae, et in requie opulenta – “Assentar-se-á meu povo na formosura de paz, e nos tabernáculos da confiança, e num descanso opulento” (Is 32, 18)

Sumário. Vida Consagrada Por isso vemos que os bons religiosos, encerrados em suas celas, bem que mortificados, desprezados, pobres e enfermos, vivem mais contentes do que os grandes do mundo com todas as riquezas, pompas e prazeres que gozam. Se os homens refletissem bem nesta grande verdade, todo o mundo se tornaria um convento, todos se fariam religiosos.

I. A paz da alma é um bem que vale mais do que todos os reinos do mundo. De que serviria ter o domínio de todo o mundo sem a paz interior? É melhor ser o aldeão mais pobre do mundo e estar contente, do que ser senhor de todo o mundo e viver inquieto. -Mas, quem pode dar esta paz? O mundo? Não. A paz é um bem que só de Deus pode vir. Por isso ele mesmo se chama o Deus de toda a consolação: Deus totius consolationis (1).

Ora, se Deus é o único dispensador da paz, a quem pensamos que Deus a concederá senão àqueles que deixam tudo e se desprendem das criaturas, para se consagrarem inteiramente ao Criador? Por isso vemos que os bons religiosos, encerrados em suas celas, bem que mortificados, desprezados, pobres e enfermos, vivem mais contentes de que os grandes do mundo com todas as riquezas, pompas e prazeres que gozam.

Dizia Santa Escolástica que, se os homens conhecessem a paz que experimentam os bons religiosos, todo o mundo se tornaria um convento. E Santa Maria Magdalena de Pazzi acrescentava que todos haviam de tomar de escalada os conventos, se soubessem a paz que neles se goza. -O coração humano, criado para um bem infinito, não se pode contentar com todas as criaturas, que são bens finitos e caducos. Só Deus, que é o bem infinito, o pode contentar. Delectare in Domino, et dabit tibi petitiones cordis tui (2) – “Deleita-te no Senhor, e te outorgará as petições do teu coração”.

Não, um bom religioso, que vive unido com Deus, não tem inveja a todos os príncipes da terra, que possuem reinos, riquezas e honras. Ele dirá com São Paulino: “Tenham os ricos as suas riquezas e os reis os seus reinos; quanto a mim, meu reino e minha glória é Jesus Cristo”. Ele dirá o que dizia o Bem-aventurado Seraphim de Ascoli, leigo capuchinho, a saber, que não teria trocado um palmo do cordão por todos os reinos do mundo.

II. Oh! Que consolação, para quem deixou tudo por Deus, poder dizer com São Francisco: Deus meus et omnia – “Meu Deus e meu tudo!” e ver-se livre da escravidão do mundo, da sujeição do século e dos afetos da terra. Esta é a liberdade de que gozam os filhos de Deus, como são os bons religiosos. -É verdade que no princípio o desprendimento das conversações e dos passatempos do mundo, os exercícios da comunidade, as regras parecem espinhos; mas, depois, estes espinhos, a quem lhes sofrer com coragem e com amor as primeiras picadas, tornar-se-ão flores e delicias. Assim provará na terra aquela paz, que, como diz São Paulo, excede todos os gozos dos sentidos e todos os regalos dos festins, dos banquetes e dos prazeres do mundo: Pax Dei quae exsuperat omnem sensum (3).

Meu Senhor, meu Deus, meu amor, meu tudo, já compreendo que só Vós me podeis contentar nesta vida e na outra. Não quero, porém, amar-Vos para minha própria satisfação; quero amar-Vos para dar gosto a vosso divino Coração. Quero que minha paz, minha única satisfação em toda a minha vida, consista em unir a minha vontade com o vosso santo beneplácito, ainda que para isto me fosse preciso sofrer qualquer pena. Vós sois o meu Deus e eu sou a vossa criatura. E que coisa maior posso esperar do que dar gosto a meu Senhor, que se mostrou tão particularmente amoroso para comigo?

Vós, meu Jesus, descestes do céu à terra para levardes por meu amor uma vida pobre e mortificada; eu deixo tudo a fim de viver dedicado a vosso amor; todo o meu prazer será dar-Vos prazer. Amo-Vos, meu amabilíssimo Redentor, amo-Vos com todas as minhas forças. Contanto que me concedais amar-Vos, tratai-me como quiserdes. Quero contentar-Vos quanto posso.

– Ó Maria, Mãe de meu Deus, protegei-me, fazei-me semelhante a vós, não na glória, visto que não a mereço, mas em dar gosto a Deus e em seguir a sua santa vontade, assim como vós fizestes.

Referências:

(1) 2 Cor 1, 3
(2) Sl 36, 4
(3) Fl 4, 7

 Quarta-feira da Décima Sexta Semana do Tempo Comum

Quem ama a Deus, suspira por vê-lo no céu

Heu mihi, quia incolatus meus prolongatus est – “Ai de mim, que o meu desterro se prolongou” (Sl 119, 5)

Sumário. As almas que amam a Deus, são como que outras tantas nobres peregrinas, destinadas a serem eternamente esposas do Rei do céu, mas ainda estão longe d’Ele sem O poderem ver. Estão, é verdade, contentes com a sua sorte, porque se conformam com a vontade de Deus que as quer deixar no exílio; sempre, porém, suspiram para irem ao céu, onde eles sabem que o Esposo as espera. Se não sentimos o mesmo desejo de nos unirmos a Deus é porque o amamos pouco. Mas querermos ficar sempre assim? – Ah, Senhor, de hoje em diante quero amar-Vos de todo o meu coração.

I. As almas que neste mundo não amam senão a Deus, são como que umas nobres peregrinas, destinadas, pelo seu estado, a serem as esposas eternas do Rei do céu; mas que vivem longe d’Ele sem O poderem ver. Pelo que suspiram incessantemente por irem à pátria bem-aventurada onde sabem que o Esposo as espera.

Sabem que o objeto do seu amor lhes está sempre presente; mas está como escondido atrás de um reposteiro e não se deixa ver. Está, para dizer melhor, como muitas vezes o sol entre as nuvens, donde de tempo a tempo faz luzir um raio de seu esplendor, mas sem se deixar ver a descoberto. – Aquelas esposas amadas têm os olhos vendados, de sorte que não podem ver o seu amado. Vivem, todavia, contentes, conformando-se com a vontade do Senhor, que as quer deixar no exílio e longe de si; mas, apesar disso, não podem deixar de suspirar incessantemente pelo desejo de O conhecerem face a face, a fim de se abrasarem mais de amor e O amarem com mais ardor.

Por isso, cada uma delas vai frequente mas docemente queixar-se ao dileto, porque se não deixa ver, e diz: O amor único do meu coração, já que me amais tanto e me feristes com o vosso santo amor, porque é que Vos escondeis e não Vos deixais ver? Sei que sois uma beleza infinita; amo-Vos, mais que a mim mesma, ainda que não Vos tenha visto; descobri-me a vossa face formosa; quero conhecer-Vos a descoberto, a fim de não olhar mais nem para mim mesma nem para outras criaturas, e não pensar mais senão em Vos amar, meu Bem supremo: Ai de mim, porque se prolongou o meu desterro!

II. Quando as almas, assim abrasadas no amor divino, vêm brilhar algum raio da bondade de Deus ou do amor que Deus lhes tem, quereriam liquefazer-se e consumir-se pelo amor. Contudo, para elas o sol está ainda coberto pelas nuvens, a face formosa de Deus está ainda oculta atrás da cortina e as almas têm os olhos ainda vendados o que as impede de O contemplarem face a face – Qual não será então a sua alegria quando se tirar a venda e se mostrar sem véu a face formosa do Esposo, de sorte que possam contemplar na mais clara luz a sua formosura, a sua bondade, a sua grandeza e o amor que lhes tem?

Ó morte, porque é que tanto tardas a vir? Enquanto não vieres, não posso ir ver a meu Deus. Tu me deves abrir a porta, a fim de que possa entrar no palácio do meu Senhor. Ó pátria ditosa, quando chegará o dia em que me verei nos teus eternos tabernáculos! Ó amor da minha alma, meu Jesus, meu tesouro, meu tudo, quando chegará o momento feliz em que, deixando a terra, me verei todo unido a Vós!

Ó Senhor, não sou digno de tão grande ventura; mas o amor que me tendes dispensado e mais ainda vossa bondade infinita me faz esperar que um dia serei associado àquelas almas felizes, que, inteiramente unidas a Vós, Vos amam e Vos amarão com perfeito amor, durante toda a eternidade. Meu Jesus, vedes a alternativa em que me acho, ou estar sempre unido convosco, ou estar para sempre longe de Vós: tende piedade de mim; vosso sangue é minha esperança. A vossa intercessão, ó minha Mãe Maria, é meu conforto e minha alegria.

 Quinta-feira da Décima Sexta Semana do Tempo Comum

Jesus no Santíssimo Sacramento faz as delícias das almas desprendidas

Ubicumque fuerit corpus, illuc congregabuntur et aquilae – “Por toda a parte onde se achar o corpo, aí se reunirão as águias” (Lc 17, 37)

Sumário. As almas desapegadas são aquelas águias magnânimas que se elevam acima de todas as coisas criadas e têm pelo afeto sua morada continua no céu. Ainda na terra elas acham o seu paraíso na presença de Jesus sacramentado e nunca se fartam de visitá-Lo e fazer-Lhe companhia. Se nós também quisermos achar nossas delícias no divino Sacramento, desapeguemos nosso coração de nós mesmos e de todos os bens terrestres; e quando cometermos alguma falta, refugiemo-nos logo em nosso divino Salvador, a fim de que nos purifique.

I. Por este corpo os Santos entendem comumente o de Jesus Cristo, e pelas águias entendem as almas desapegadas, que se elevam, como estas aves, acima das coisas da terra e voam para o céu, para onde tendem sem cessar por seus pensamentos e afetos e onde têm a sua morada continua. Estas águias ainda na terra acham seu paraíso, onde quer que achem a Jesus sacramentado e parece que nunca se podem fartar de o visitarem e de ficarem na sua presença. — Se as águias, diz São Jerônimo, percebendo o cheiro de alguma presa logo se lançam para a tomar, com quanto maior ardor devemos nós correr e voar para Jesus no Santíssimo Sacramento, como para o mais precioso alimento dos nossos corações?

Os Santos, neste vale de lágrimas, correram sempre com avidez, como cervos sequiosos, para esta fonte celeste. A grande serva de Deus, Maria Diaz, que viveu no tempo de Santa Teresa, obteve do bispo de Ávila licença para morar numa tribuna da igreja, onde ficava continuamente na presença de Jesus sacramentado, a quem chamava seu vizinho. O venerável frei Francisco do Menino Jesus, carmelita descalço, passando diante das igrejas onde estava o Santíssimo Sacramento, não podia deixar de entrar nelas para o visitar, dizendo que não convém a um amigo passar diante da casa de seu amigo sem entrar ao menos para saudá-lo e dizer-lhe uma palavra.

Finalmente, o Padre Alvarez, qualquer que fosse a sua ocupação, dirigia muitas vezes os olhos para o lado onde sabia que repousava o Santíssimo Sacramento; frequentemente o visitava e passava algumas vezes noites inteiras na sua presença. Derramava lágrimas vendo os palácios dos grandes cheios de gente, para fazerem corte a um homem, de quem esperam algum mísero bem; e tão abandonadas as igrejas, onde reside no meio de nós, como num trono de amor, o soberano Senhor do céu, rico de bens infinitos e eternos. Dizia que são muito felizes os religiosos que na sua própria casa podem visitar, quantas vezes querem, de noite e de dia, este augusto Senhor no Santíssimo Sacramento; o que não é dado às pessoas do século.

II. Procuremos visitar frequentemente a Jesus sacramentado; e, para acharmos as nossas delícias na sua divina presença, desprendamos nosso coração de todos os bens criados, porquanto é indigno das consolações celestiais aquele que vive escravo dos prazeres dos sentidos. — Quando cometemos alguma falta, recorramos logo a este divino Sacramento, para ficarmos limpos: porque aí está a fonte predita pelo Profeta, a fonte aberta a todos, onde podemos, quantas vezes quisermos, ir purificar nossas almas de todas as manchas, que todos os dias contraímos pelo pecado: Haverá uma fonte aberta para a casa de Davi, para nela serem lavadas as manchas do pecador (1).

Sim, ó meu Jesus, assim proponho fazer; mas Vós, dai-me a força para o executar. Confesso, ó Senhor, que, à vista de minhas manchas e ingratidões, não me devia atrever a chegar-me a Vós; mas já que me convidais com tanta bondade, não quero desalentar-me por causa das minhas misérias. A Vós compete mudar-me completamente; bani da minha alma todo o amor que não é para Vós, todo o desejo que não Vos é agradável, todo o pensamento que não tende para Vós, — Meu Jesus, meu amor, meu tesouro, só a Vós quero contentar, só a Vós quero agradar. Só Vós mereceis todo o meu amor, só a Vós quero amar de todo o meu coração. Desapegai-me de tudo mais, Senhor, e ligai-me só a Vós; mas ligai-me tão bem, que não possa mais separar-me de Vós, nem nesta nem noutra vida.

Ó Maria, vós tanto desejais ver amado vosso divino Filho! Se me amais, eis aqui a graça que vos peço e que me haveis de impetrar: obtende-me um grande amor a Jesus sacramentado e fazei com que eu não ame senão a Jesus. Vós alcançais tudo o que pedis; atendei-me, pois, e rogai por mim. Impetrai-me também um grande amor para convosco, que sois a criatura mais amante, a mais amável e a mais amada de Deus.

Referências:

(1) Zc 13, 1

 Sexta-feira da Décima Sexta Semana do Tempo Comum

Da vida penosa de Jesus Cristo

Defecit in dolore vita mea, et anni mei in gemitibus – “A minha vida tem desfalecido com a dor, e os meus anos com os gemidos” (Sl 30, 11)

Sumário. O nosso amável Redentor, desde o primeiro instante da sua vida, teve sempre presentes os ultrajes e as dores que o esperavam pela vista horrível de todos os males que o deviam afligir. Quando nos sentirmos oprimidos pelas cruzes que se nos afiguram longas ou pesadas demais, lancemos um olhar para Jesus Cristo e lembremo-nos da vida penosa que ele levou. Assim de certo não nos ousaremos queixar da mão paternal que nos fere para nosso bem.

I. Deus, usando de compaixão para conosco, não nos faz conhecer, antes do tempo, as penas que nos esperam. Se a um criminoso, que expira sobre o patíbulo, tivesse sido revelado, desde o uso da razão, o suplício que o esperava, teria jamais podido experimentar alegria? Se, desde o princípio do seu reinado, tivesse sido mostrada a Saul a espada que o devia traspassar, se Judas tivesse visto de antemão o laço que o devia estrangular, quão amarga teria sido a sua vida!

O nosso amável Redentor, porém, desde o primeiro instante da sua vida, teve sempre presentes os açoites, os espinhos, a cruz, os ultrajes da sua Paixão e a morte desolada que o esperava. Quando via as vítimas sacrificadas no templo, bem sabia que eram outras tantas figuras do sacrifício que ele mesmo, o Cordeiro sem mancha, devia consumar sobre o altar da cruz. Quando via a cidade de Jerusalém, bem sabia que era ali que devia perder a vida em um mar de dores e de opróbrios. Quando lançava os olhos para a sua amada Mãe, já imaginava vê-la agonizante de dor ao pé da cruz, na qual Ele expirava.

Assim, ó meu Jesus, a vista horrível de tantos males Vos teve num tormento e numa aflição incessantes, muito tempo antes da vossa morte. E Vós aceitastes e sofrestes tudo isso por meu amor. – Ó Senhor, só a vista de todos os pecados do mundo, particularmente dos meus, fez com que a vossa vida fosse a mais aflita e penosa, de todas as existências passadas e futuras. – Mas, ó Deus! Em que lei bárbara está escrito que um Deus ame tanto a uma criatura e que depois disto a criatura viva sem amar a seu Deus; mais ainda, viva a ofendê-Lo e contrista-Lo? Ah, Senhor! Fazei-me conhecer a grandeza do vosso amor, a fim de que eu deixe de Vos ser ingrato. Se eu Vos amasse, ó meu Jesus, se eu Vos amasse verdadeiramente, quão doce me seria sofrer por Vós!

II. Jesus crucificado apareceu um dia a soror Magdalena Orsini, que havia muito tempo estava na tribulação e a exortou a sofrer com resignação. A serva de Deus respondeu: “Mas, Senhor, Vós não estivestes na cruz mais do que três horas e eu há tantos anos que sofro estas penas!” Jesus repreendeu-a, dizendo: “Ah! Ignorante, que dizes? Desde o primeiro instante que estive no seio de minha Mãe, sofri no coração tudo que sofri mais tarde na cruz.”

E eu, meu amabilíssimo Redentor, à vista de tudo que tendes sofrido por meu amor, durante toda a vossa vida, poderei ainda queixar-me das cruzes que Vós me enviais para meu bem? Agradeço-Vos por me haverdes resgatado a preço de tanto amor e de tantas dores. Para me animar a sofrer com paciência as penas desta vida, quisestes tomar sobre Vós todos os nossos males. Ah, Senhor! Fazei-me lembrar muitas vezes as vossas dores, a fim de que eu aceite e deseje sempre sofrer por vosso amor. Scitis quid fecerim vobis? (1) – Meu Jesus, já sei quanto fizestes e sofrestes por meu amor; mas Vós sabeis igualmente que eu até agora não tenho feito nada por Vós. Ajudai-me a sofrer alguma coisa por vosso amor antes que chegue a hora da minha morte.

Ó Senhor, tenho vergonha de aparecer diante de Vós, mas não quero continuar a ser ingrato para convosco, como tantos anos tenho sido. Por amor de mim Vós Vos privastes de todo o prazer, e eu, por vosso amor, renuncio a todos os prazeres dos sentidos. Por amor de mim Vós sofrestes tão grandes dores; por vosso amor quero sofrer todas as penas da minha vida e da minha morte, como Vos agradar. Vós fostes abandonado; eu consinto em que todos me abandonem, contanto que não me abandoneis, meu único e soberano Bem. Vós sofrestes perseguição; eu aceito toda e qualquer perseguição. Vós, finalmente, morrestes por mim; eu quero morrer por Vós. – Ah, meu Jesus, meu tesouro, meu amor, meu tudo, eu Vos amo; dai-me mais amor e nada mais Vos peço. – Ó minha Mãe de dores, peço-vos a mesma graça; obtemde-m’a pela Paixão do vosso Filho.

Referências:

(1) Jo 13, 12

 Sábado da Décima Sexta Semana do Tempo Comum

Maria Santíssima é a medianeira dos pecadores para com Deus

Facta sum coram eo quasi pacem reperiens – “Tenho-me tornado na sua presença como uma que acha a paz” (Ct 8, 10)

Sumário. É com razão que Maria Santíssima é comparada ao íris; porque é a medianeira e o penhor da paz entre Deus e os homens. Com efeito, quantos pecadores que agora são grandes Santos no céu, estariam talvez ardendo no inferno, se Maria não tivesse intercedido junto ao Filho para lhes obter perdão! Seja qual for o estado da nossa alma, recorramos com confiança a esta querida Mãe e seremos salvos. Lembremo-nos, porém, que para merecermos a sua proteção especial, é preciso que tenhamos ao menos a vontade de nos emendar.

I. O principal ofício que foi dado a Maria, quando veio à terra, consistiu em levantar as almas decaídas da graça divina e reconciliá-las com Deus. Eis como o Espírito Santo a faz falar nos sagrados Cânticos: Eu me tornei diante dele como uma que achou a paz. Eu sou, diz Maria, a defesa daqueles que a mim recorrem, e a minha misericórdia é, em benefício deles, como uma torre de refúgio, porque o Senhor me fez medianeira de paz entre os pecadores e Deus. — Oh, quantos daqueles que são agora grandes Santos no paraíso, estariam talvez a arder no inferno, se a Virgem não tivesse intercedido junto ao Filho para lhes obter perdão!

Por isso, os Santos Padres comparam Maria Santíssima, não só com a arca de Noé, onde acharam abrigo todos os animais, figuras dos pecadores; mas ainda com a pomba, que, saída da arca, para ela voltou, trazendo no bico o ramo de oliveira, em sinal da paz que Deus concedia aos homens.

Foi também figura expressiva de Maria o iris, que, na visão de São João, cercava o trono de Deus: Et iris erat in circuitu sedis (Apoc 4, 3). Sim, porque, na explicação de um intérprete, a Santa Virgem sempre assiste no tribunal divino para mitigar a sentença e o castigo devido aos pecadores; ou ainda, porque, segundo diz São Bernardino de Sena, como Deus à vista do arco-íris se lembra da paz prometida à terra, assim também, pelos rogos de Maria, perdoa aos pecadores as ofensas feitas, e faz pazes com eles.

Tinha, pois, São Bernardo razão de exclamar: Age gratias ei, qui talem tibi mediatricem providit — «Rende graças a Deus que te concedeu tal medianeira». Ó pecador, por muito que estejas enlodado de culpas, e envelhecido no pecado, não desconfies. Dá graças a teu Senhor, que, para usar contigo de misericórdia, não só te deu o Filho por advogado, mas para te inspirar mais ânimo e confiança, te concedeu uma medianeira, que com seus rogos obtém tudo que quer. Vai, recorre a Maria, com a vontade de te emendar, e serás salvo.

II. Dulcíssima Soberana, se é vosso ofício interpor-Vos como medianeira entre Deus e os pecadores, permiti que Vos diga com Santo Tomás de Vilanova: Advocata nostra, officium tuum imple — «Ó advogada nossa, cumpri o vosso ofício também para comigo». Não me digais que minha causa é muito difícil de ganhar; porque sei, e todo o mundo m’o afirma, que nunca uma causa, por desesperada que parecesse, se perdeu quando vos teve por defensora. Só a minha correria risco? Não, não o temo.

Sem dúvida, se não considerasse senão a multidão dos meus pecados, devera temer que vos escusásseis a me defender. Mas considerando, ó Maria, a vossa imensa misericórdia, e o extremo desejo que vive em vosso dulcíssimo Coração, de ajudar os pecadores mais perdidos, nem isso temo. Quem é que já se perdeu depois de ter recorrido a vós? Chamo-vos, pois, em meu socorro, ó minha poderosa advogada, meu refúgio, minha esperança e minha Mãe. A vossas mãos entrego a causa da minha salvação eterna; confio-vos a minha alma; ela estava perdida, mas a vós toca salvá-la. Não deixo de dar graças ao Senhor por me ter inspirado tão grande confiança em vós, a qual, não obstante a minha indignidade, me dá segurança de salvação.

Um só temor ainda me aflige, ó minha amadíssima Rainha; é perder um dia, por minha negligência, a confiança que tenho em vós. Suplico-vos, pois, ó Maria, pelo amor que tendes a vosso Jesus, conserveis e aumenteis em mim cada vez mais a doce confiança em vossa intercessão; ela com certeza me fará recobrar a amizade de Deus, que tão loucamente desprezei e perdi no passado. Uma vez recobrada esta amizade, espero conservá-la por vosso socorro, e, conservando-a, chegar ao paraíso, para vos render graças e cantar as misericórdias de Deus e as vossas, durante toda a eternidade.
8ª parte

 Décima Sétima Semana do Tempo Comum

(Oitava Semana depois de Pentecostes)

Domingo: Os falsos profetas e a necessidade das boas obras

Segunda-feira: Valor do Tempo

Terça-feira: Temos de escolher entre uma eternidade feliz e outra infeliz

Quarta-feira: Angustias do pecador moribundo

Quinta-feira: Da preparação para a Santa Comunhão e da ação de graças

Sexta-feira: A Meditação da Paixão de Jesus Cristo é uma escola do Divino Amor

Sábado: Da confiança que devemos ter em Maria, como nossa Mãe

 Décimo Sétimo Domingo do Tempo Comum

Os falsos profetas e a necessidade das boas obras

Omnis arbor, quae non facit fructum bonum, excidetur et in ignem mittetur – “Toda a árvore que não dá bom fruto será cortada e metida no fogo” (Mc 7, 19)

Sumário. Persuadamo-nos de que a fé por si sós não basta para a nossa salvação. São também necessárias as obras, porquanto, como diz nosso Senhor no Evangelho de hoje: “Toda a árvore que não dá bom fruto será cortada e metida no fogo.” Estas obras não são as mesmas para todos; diferem segundo o estado em que Deus nos colocou. Quantos cristãos, desejando fazer coisas grandes, descuidam os deveres do próprio estado e se condenam! Meu irmão, põe a mão na consciência: serás tu porventura um destes infelizes?

I. No Evangelho de hoje Jesus Cristo nos põe de sobreaviso contra os corruptores da doutrina e da moral cristã; e especialmente contra os que negam a necessidade das boas obras para se conseguir a salvação eterna.

“Guardai-vos”, diz o Senhor (1), “dos falsos profetas, que vêm a vós com vestidos de ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores. Pelos seus frutos os reconhecereis. Por ventura colhem-se uvas de espinhos, ou figos de abrolhos? Assim, toda a árvore boa dá bons frutos e toda a árvore má dá frutos maus.”

“Não pode a árvore boa”, assim prossegue o Senhor, “dar maus frutos; nem a árvore má dar frutos bons. Toda a árvore que não dá bom fruto é cortada e lançada ao fogo. Pelos seus frutos, portanto, os reconhecereis. Nem todo o que diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas o que faz a vontade de meu Pai, … esse entrará no reino dos céus.”

A fé, portanto, não basta por si só para a salvação; são necessárias também as obras, sem as quais a fé é morta (2). São em primeiro lugar necessárias aos inocentes porque Deus nos diz que no dia do juízo dará a cada um segundo as suas obras (3). Elas são mais necessárias ainda aos penitentes; porque a conversão não consiste somente na contrição do coração e na confissão oral, mas também em fazer dignos frutos de penitência (4). Àquele que não produz tais frutos, está reservada á sorte da árvore inútil: Será cortada e lançada ao fogo. – Examina agora, meu irmão, se tens a fé, que é acompanhada de frutos de boas obras; ou somente de folhas e flores de desejos vãos e propósitos ineficazes. Reflete bem, que muitos cristãos, teus semelhantes, estão agora queimando no inferno por haverem tido uma fé morta.

II. Muito embora as boas obras sejam indispensáveis para a entrada no céu, não são, todavia, iguais para todos; mas cada um deve fazer bem segundo o seu estado e a sua profissão. – É por isso que no Evangelho deste dia o Senhor nos compara a plantas, que não produzem todas os mesmos frutos, mas cada uma os da sua espécie (5) O mesmo nos é também insinuado pelas seguintes palavras: O que faz a vontade de meu Pai, este entrará no reino dos céus.

Examina aqui novamente como, no teu estado de sacerdote, de religioso ou de secular, cumpres os teus deveres para com Deus, para contigo e para com o próximo, porque, na palavra de São Francisco de Sales: “Sem o cumprimento desses deveres, ainda que ressuscitasses defuntos, serias inimigo de Deus e morrerias em estado de condenação.” – Cuida sobretudo de que não sejas do número daqueles que, pelo desejo de fazerem sempre coisas grandes, descuram de fazer bem as coisas ordinárias.

Ó Senhor, eis que eu sou aquela árvore que há tanto tempo merecia ouvir: Succide ergo illam (6) “Corta-a”. Sim, porque em todos os anos que me acho no mundo, não Vos tenho produzido outros frutos, senão espinhos e abrolhos de pecados. Mas, não quereis que eu me perca; muito ao contrário, vejo que me ofereceis o perdão, se eu me arrependo de Vos haver ofendido. Sim, pesa-me, ó bondade infinita; e prometo que nos dias que ainda me restam, procurarei reparar o passado, redobrando meu fervor em Vos amar e servir.

Vós, porém, ó meu Deus, fortalecei-me com a vossa graça; e “pela vossa providência, que não se engana nas suas disposições, apartai de mim tudo o que é danoso e concedei-me o que me possa ser útil” (7). Fazei que eu aformoseie a minha fé por meio de boas obras e, assim cumprindo sempre a vontade do Pai celestial, me torne merecedor da beatitude eterna. Concedei-mo, pelo amor de Maria Santíssima.

Referências:

(1) Mt 7, 15ss
(2) Zc 2, 26
(3) Rm 2, 6
(4) Lc 3, 8
(5) Gn 1, 12
(6) Lc 13, 7
(7) Or. Dom. curr.

 Segunda-feira da Décima Sétima Semana do Tempo Comum

Valor do Tempo

Fili, conserva tempus et devita a malo – “Filho, guarda o tempo e evita o mal” (Eclo 4, 23)

Sumário. Um só momento de tempo vale tanto como Deus, porque o homem pode a cada instante, por um ato de contrição ou de amor, adquirir a graça de Deus e aumentar a glória eterna. E tu, meu irmão, em que empregas o tempo tão precioso? Porque adias sempre para amanhã o que podes fazer hoje?… Reflete que o tempo passado já não te pertence; que o futuro não está em tua mão. Só tens o tempo presente para fazeres o bem e este é brevíssimo! Mister é, pois, que o aproveites depressa, se não o quiseres chorar depois como perdido irremediavelmente.

I. Meu filho, diz o Espírito Santo, sê cuidadoso em conservar o tempo, porque é a coisa mais preciosa e o maior dom que Deus pode dar ao homem na terra. Até os próprios pagãos sabiam o que vale o tempo. Dizia Sêneca que não há valor igual ao do tempo: Nullum temporis pretium. — Os Santos, porém, avaliaram muito melhor ainda o valor do tempo. Diz São Bernardino de Sena que um só momento vale tanto como Deus; porque o homem pode a cada instante, por um ato de contrição ou de amor, adquirir a graça de Deus e aumentar a glória eterna: Tempus tantum valet, quantum Deus.

O tempo é um tesouro que só se acha nesta vida; não se encontra na outra, nem no inferno, nem no céu. No inferno o grito contínuo dos réprobos é este: Oh, si daretur hora! — “Oxalá se nos desse uma hora!” Comprariam por todo o preço uma hora de tempo, que lhes bastaria para reparar a sua ruína; mas essa hora não a terão mais. No céu não há tristeza; mas se os bem-aventurados pudessem estar tristes, a sua única tristeza seria de terem perdido tempo nesta vida, tempo em que podiam adquirir maior glória e que não existe mais para eles.

Uma religiosa beneditina apareceu, depois da morte, com a auréola da glória, a uma pessoa e disse-lhe que estava plenamente contente; mas, se pudesse desejar alguma coisa, seria voltar à terra e sofrer para merecer mais glória. Acrescentou que de boa mente consentiria em sofrer até o dia do juízo a doença dolorosa que tinha sofrido antes de morrer, para adquirir a glória que corresponde ao merecimento de uma só Ave-Maria. — E tu, meu irmão, em que empregas o tempo? Porque adias sempre para amanhã o que podes fazer hoje?

II. Reflete que já não te pertence o tempo passado; que o futuro não está em teu poder: só tens o tempo presente para praticares o bem. Pelo que te avisa São Bernardo:

“Desgraçado! Como ousas contar com o futuro, como se Deus tivesse posto o tempo à tua disposição?”

E Santo Agostinho acrescenta: Diem tenes, qui horam non tenes? — Como te podes prometer o dia de amanhã, se nem sequer sabes se te é dada mais uma hora de vida? Em suma, conclui Santa Teresa:

“Se não estás pronto hoje para a morte, teme morrer mal”.

Ó meu Deus, agradeço-Vos o tempo que me dais para reparar as desordens da minha vida passada. Se chegasse a morte neste momento, uma das minhas maiores penas seria pensar no tempo que perdi. Ah! meu Senhor, destes-me o tempo para Vos amar e empreguei-o em Vos ofender! Merecia ser enviado ao inferno desde o instante em que Vos voltei as costas; Vós, porém, me chamastes à penitência e me perdoastes. Prometi nunca mais ofender-Vos, mas quantas vezes tornei a injuriar-Vos e Vós ainda me perdoastes! Bendita seja para sempre a vossa misericórdia! Se não fosse infinita, como poderíeis suportar-me tanto tempo? Quem poderia ter para comigo a paciência que Vós tivestes? Quanto sinto ter ofendido um Deus tão bom!

Meu amado Salvador, a vossa paciência para comigo deveria ser suficiente para me inflamar de amor para convosco. Por quem sois, não permitais que viva por mais tempo ingrato ao amor que me haveis dedicado, Desligai-me de tudo e atraí-me todo ao vosso amor. Não, meu Deus, não quero perder outra vez o tempo que me dais para reparar o mal que fiz; quero empregá-lo todo em vosso serviço e em vosso amor. Fortalecei-me, dai-me a santa perseverança. Amo-Vos, ó bondade infinita e espero amar-Vos sempre. — Graças vos dou, ó Maria! Tendes sido a minha advogada para impetrar-me o tempo que estou gozando. Assisti-me agora e fazei que o empregue sem reserva a amar o vosso divino Filho, meu Redentor, e a vós, minha Rainha e minha Mãe.

 Terça-feira da Décima Sétima Semana do Tempo Comum

Temos de escolher entre uma eternidade feliz e outra infeliz

Ante hominem vita et mors, bonum et malum; quod placuerit ei dabitur illi – “Diante do homem estão a vida e a morte, o bem e o mal; o que lhe agradar, isso lhe será dado” (Ecle 15, 18)

Sumário. Deus quer certamente que todos os homens se salvem, mas não à força. Por isso Deus põe diante de nós dois caminhos a seguir, deixando a escolha a cada um. Mas, como poderá chegar ao céu quem quiser seguir o caminho do inferno? Avivemos a nossa fé; examinemos atentamente aonde nos leva o caminho trilhado até hoje, e tomemos desde já as providências para nos assegurar a salvação eterna. Deixemos, se for necessário, o mundo: São pequenas todas as cautelas, quando corre risco a eternidade.

I. Deus quer certamente que todos os homens se salvem, mas não quer que nos salvemos à força. Deus, diz o Eclesiástico, pôs diante de cada um a vida e a morte; ser-nos-á dado o que escolhermos: Quod placuerit ei dabitur illi. Jeremias diz igualmente que o Senhor pôs diante de nós dois caminhos a seguir, o do céu e o do inferno: Ego do coram vobis viam vitae et viam mortis(1). — Por isso está escrito: O homem irá para a casa de sua eternidade. Deus diz: ibit, ele irá, para significar que cada qual se dirigirá à morada que escolher; não será levado, mas irá por sua própria vontade. Mas como poderá chegar ao paraíso, o que quer seguir o caminho do inferno?

Coisa estranha! todos os pecadores se querem salvar, e entretanto se condenam por si próprios ao inferno, dizendo sempre: Espero salvar-me. Quem seria tão louco, diz Santo Agostinho, que quisesse tomar veneno na esperança de se curar? Nemo vult aegrotare sub spe salutis. No entanto, quantos cristãos, quantos insensatos se dão à morte pelo pecado, dizendo: Mais tarde pensarei no remédio. Ó funesta ilusão, que tantas almas tem arrastado ao inferno!… Não sejamos tão insensatos; e lembremo-nos de que se trata da eternidade.

Quanto trabalho se não dão os homens para se construírem uma casa cômoda, bem arejada, num sítio salubre, pela lembrança que nela hão de passar toda a vida! Porque, pois, são tão descuidados, quando se trata da casa que lhes será morada eterna? Negotium pro quo contendimus, aeternitas est — “O negócio pelo qual trabalhamos”, diz Santo Eucherio, “é a eternidade“. Não se trata de uma casa mais ou menos cômoda, mais ou menos arejada: trata-se de habitar, ou num lugar cheio de delícias entre os amigos de Deus, ou no abismo de todos os tormentos entre a chusma infame de tantos celerados, hereges e idólatras. — E isto por quanto tempo? Não por vinte ou quarenta anos, mas por toda a eternidade. É um negócio de alta monta! Não é negócio de somenos; é tudo para nós.

II. Dizia a Venerável Madre Joana da Santíssima Trindade, religiosa carmelita, que na vida dos santos não existe o amanhã. Este só existe na vida dos pecadores, que sempre dizem: mais tarde, mais tarde, e assim se aproximam da morte. Meu irmão, se Deus nos convida hoje para praticar o bem, pratiquemo-lo hoje. Pode ser que amanhã não haja mais tempo, ou que Deus não nos faça mais ouvir o convite.

Ó céus! exclama Santa Teresa, é a falta de fé a causa de tantos pecados e da condenação de tantos cristãos.

Portanto, reanimemos, sempre a nossa fé, dizendo: Credo vitam aeternam: Creio que depois desta vida há outra que não acaba nunca. Tendo este pensamento sempre presente, tomemos as providências para nos assegurar a salvação eterna. Frequentemos os sacramentos; façamos meditação todos os dias, e pensemos na eternidade; evitemos também as ocasiões perigosas. Deixemos, se for necessário, o mundo, porque nenhuma cautela será excessiva quando se trata de pôr à salvo o grande negócio da salvação eterna: Nulla nimia securitas, ubi periclitatur aeternitas(2).

É pois verdade, meu Deus, que aqui não há meio termo: ou sempre feliz ou sempre desgraçado; ou num mar de alegrias, ou num oceano de tormentos; ou sempre convosco no paraíso, ou sempre separado e longe de Vós, no inferno. E este inferno, sei com certeza que inúmeras vezes o mereci; mas estou igualmente certo de que perdoais ao que se arrepende, e livrais do inferno o que espera em Vós. Eia, pois, Senhor, perdoai-me, já que me pesa sobre todas as coisas de Vos ter ofendido: livrai-me do inferno, porque Vos amo e confio em vossa infinita misericórdia. — Minha Rainha e minha Mãe, Maria, ajudai-me com as vossas orações; obtende-me antes mil mortes do que a desgraça de me separar do amor de vosso Filho.

Referências:

(1) Jer 21, 8
(2) São Bernardo

 Quarta-feira da Décima Sétima Semana do Tempo Comum

Angustias do pecador moribundo

Virum iniustum mala capient in interitu – “Do varão injusto se apoderarão os males na morte” (Sl 139, 12)

Sumário. Desgraçado do pecador que deixa passar o tempo das misericórdias divinas e adia a conversão até à hora da morte! Então o desgraçado se verá cercado de demônios, atormentado pelos remorsos da consciência, com o espírito escurecido e o coração endurecido. Numa palavra, visto que até então ele amou, juntamente e com o pecado, o perigo da condenação, é com justiça que o Senhor permitirá que ele pereça neste perigo, pelo peso da própria malícia. Ah, meu Jesus! Pelo amor de Maria Santíssima livrai-me de tão grande desgraça; quero a todo o custo emendar-me antes que a morte venha.
I. Não só uma, mas muitas e muitas serão as angústias do infeliz pecador moribundo. De uma parte atormenta-lo-ão os demônios. Na morte, estes terríveis inimigos empregam todos os esforços para perder a alma que vai sair deste mundo, sabendo que só pouco tempo lhes resta para se apoderarem dela, e que, escapando-se-lhes então, se lhes escapará para todo o sempre (1). E, como diz Isaías, não somente um, mas inumeráveis espíritos infernais girarão ao redor do moribundo para o perderem: Replebuntur domus eorum draconibus (2) – “As suas casas serão cheias de dragões”.

Um demônio lhe dirá: Nada receies; sararás. Dir-lhe-á outro: Pois que! Tu foste surdo à voz de Deus durante tantos anos e Ele agora há de usar de misericórdia para contigo? Mais outro dirá: Como poderás nesta hora reparar os danos que causaste e as reputações que tiraste? Outro ainda: Não vês que todas as tuas confissões foram nulas, porque feitas sem verdadeira dor, sem propósito? Como poderás remediá-las?

Por outro lado, o moribundo se verá cercado dos seus pecados: Os males cairão sobre o homem injusto no dia da sua morte. “Os pecados”, diz São Bernardo, “como outros tantos satélites, acercar-se-ão dele e lhe dirão: Opera tua sumus, non te deseremus – Somos as tuas obras, não te queremos deixar, acompanhar-te-emos à outra vida e contigo nos apresentaremos ao eterno Juiz.”

Quisera então o moribundo desembaraçar-se de tais inimigos; mas, para se livrar deles, seria preciso odiá-los, converter-se de coração a Deus, e o espírito está envolto em trevas e o coração endurecido: Cor durum habebit male in novíssimo (3) – “O coração duro será oprimido de males no fim da vida”. – Numa palavra, tendo o pecador até então amado o pecado, amou ao mesmo tempo o perigo da sua condenação. É por isso e com justiça, que o Senhor permite que ele pereça no perigo, no qual quis viver até à morte: Que amat periculum, in illo peribit (4) – “Quem ama o perigo, nele perecerá”.

II. Desgraçado do pecador que resiste aos divinos convites! O ingrato, em vez de se enternecer e de se render à voz de Deus, fica mais endurecido, assim como a bigorna enrijece mais com o bater do martelo. Para seu castigo, achar-se-á em tal estado na hora da morte, ainda no momento de passar à eternidade, e assim terminará a vida opresso pela sua malícia. – Não creias, meu irmão, que são poucos esses a quem cabe tal sorte, porquanto São Jerônimo tem para si como certo, pois pela experiência o aprendeu, que nunca terá boa morte o que até ao fim levou má vida.

Meu amado Salvador, ajudai-me e não me abandoneis. Vejo a minha alma toda chagada pelos pecados; as paixões fazem-me violência; oprimem-me os maus hábitos. Lanço-me a vossos pés; tende piedade de mim e livrai-me de tantos males. Não permitais que se perca uma alma que confia em Vós: Ne tradas bestiis animas confitentes tibi (5) – “Não entregues às feras as almas que te louvam”. Arrependo-me de Vos haver ofendido, ó bondade infinita. Fiz mal, confesso-o; quero a todo o preço emendar-me. Mas se não me socorrerdes com a vossa graça, estarei perdido.

Recebei, ó meu Jesus, este rebelde que tanto Vos ultrajou. Lembrai-Vos de que Vos custou o sangue e a vida. Pelos merecimentos da vossa paixão e morte, recebei-me em vossos braços e dai-me a santa perseverança. Já estava perdido, mas Vós me chamastes; já não quero mais resistir e consagro-me todo a Vós. Prendei-me ao vosso amor e não permitais que ainda me perca, perdendo de novo a vossa graça. Meu Jesus, não o permitais. – Maria, minha Rainha, não o permitais; fazei que eu morra antes que perca de novo a graça do vosso divino Filho.

Referências:

(1) Ap 12, 12
(2) Is 13, 21
(3) Eclo 3, 27
(4) Eclo 3, 27
(5) Sl 73, 19

 Quinta-feira da Décima Sétima Semana do Tempo Comum

Da preparação para a Santa Comunhão e da ação de graças

Praeparate corda vestra Domino, et servite ei soli – “Preparai os vossos corações para o Senhor, e servi a Ele só” (1 Rs 7, 3)

Sumário. Três coisas são necessárias para a alma colher muito fruto da santa comunhão. Primeiro, o desapego das criaturas, banindo do coração tudo que não é de Deus ou para Deus. Segundo, o desejo de receber a Jesus Cristo com o único fim de mais o amar. Terceiro, a devida ação de graças depois da comunhão; imaginando que reside na alma como num trono de graças. Oh! Que tesouros de graças perde o cristão que pouco pensa em orar depois da comunhão!

I. Pergunta o cardeal Bona: “Onde vem que tantas almas, apesar das suas muitas comunhões, fazem tão pouco progresso no caminho de Deus?” e responde: “Defectus non in cibo est, sed in edentis dispositione – Não é falta de virtude em o nutrimento, é falta de preparação naquele que o recebe.” O fogo pega depressa na madeira seca e dificilmente na verde; porque esta não está disposta para arder. Os santos tiraram grandes frutos das suas comunhões porque punham muito cuidado em se preparar.

A preparação para a comunhão exige principalmente três coisas. A primeira é o desapego das criaturas, banindo do coração tudo que não é de Deus ou para Deus. Ainda que a alma esteja em estado de graça, mas com o coração cheio de apetites terrenos, quanto mais lugar ocupar a terra, tanto menos lugar restará para o amor divino. – Santa Gertrudes perguntou um dia ao Senhor, que preparação exigia que ela fizesse para comungar. E Jesus lhe respondeu: Só esta, que venhas receber-me bem vazia de ti mesma.

A segunda coisa necessária para comungar com grande fruto, é o desejo de receber a Jesus Cristo com o único intuito de mais o amar. Diz Gerson que neste banquete não são saciados senão os que têm grande fome. – Por isso, escreve São Francisco de Sales, que a principal intenção de uma alma que comunga deve ser progredir no amor de Deus. – “Importa”, diz o Santo, “receber por amor àquele que se nos dá só por amor.” Eis porque Jesus disse a Santa Mechtildes:

“Quando fores comungar, deseja possuir todo o amor que jamais um coração teve para comigo e eu aceitarei teu amor como se fosse tal como o desejas.”

II. É necessária também a ação de graças depois da comunhão. A oração mais agradável a Deus é a que se faz depois da comunhão. A alma deve empregar este tempo em produzir algum sentimento piedoso ou oração. Os afetos devotos que a alma excita então têm mais merecimento diante de Deus, porque a presença de Jesus Cristo na alma que lhe está tão unida, exalta a dignidade dos atos. – Quanto às orações, Santa Teresa observa que depois da comunhão Jesus reside na alma como em um trono de graças e lhe diz: Quid vis ut faciam tibi – “Que queres que te faça?” Como se dissesse: Alma querida, vim de propósito do céu para te dispensar graças, pede-me o que quiseres e serás atendida.

Oh! Que tesouros de graças perdem os que pouco oram depois da comunhão!

Ó Deus de amor, Vós desejais tanto dispensar-nos as vossas graças e nós somos tão pouco solícitos em Vo-las pedir. Que remorso nos causará na hora da morte este descuido tão prejudicial! Meu Senhor, não Vos lembreis dos tempos passados; com vosso auxílio quero preparar-me melhor para o futuro, arrancando do meu coração o apego a todas as coisas que me impeçam de recebam todas as graças que Vós me quereis conceder. E depois da comunhão quero entreter-me convosco o mais possível, para obter de Vós o auxílio necessário ao progresso em vosso amor. Dai-me a graça de executar esta resolução.

Ó meu Jesus, quanto me descuidei no passado de vosso amor! O tempo de vida que pela vossa misericórdia ainda me dais é um tempo para me preparar para a morte e compensar pelo meu amor as ofensas que Vos fiz. Quero, pois, empregá-lo todo em chorar os meus pecados e em Vos amar. Amo-Vos, meu amor, amo-Vos, meu único Bem. † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas; mas tende piedade de mim e não me abandoneis. – Ó minha esperança, Maria, não deixeis nunca de me socorrer pela vossa intercessão.

 Sexta-feira da Décima Sétima Semana do Tempo Comum

A Meditação da Paixão de Jesus Cristo é uma escola do Divino Amor

Ignem veni mittere in terram; et quid volo, nisi ut accendatur? – “Eu vim trazer fogo à terra; e que quero se não que ele se acenda?” (Lc 12, 49)

Sumário. Jesus Cristo é amado de poucos, porque poucos são os que refletem nas dores que Ele padeceu por nós. O que as considera frequentemente, não pode viver sem amar a Jesus; porquanto ficará de tal modo preso pelo seu amor, que lhe será impossível não amar um Deus que chegou a morrer exausto de sangue para ganhar o nosso amor. Roguemos à divina Mãe, Maria, que nos obtenha do seu Filho a graça de entrarmos em suas chagas sagradas por meio de uma meditação contínua.

I. Ó amante das almas, nosso amantíssimo Redentor, declarou que veio à terra e se fez homem para acender em todos os corações o fogo do santo amor: Eu vim trazer o fogo à terra. Oh! De que belas chamas de caridade não tem Ele abrasado tão grande número de almas, especialmente por meio dos sofrimentos que quis suportar em sua morte, a fim de nos mostrar a imensidade do seu amor para conosco! Oh! Quantos corações felizes se inflamaram de tal modo nas chagas de Jesus, como em outras tantas fornalhas de amor, que não hesitaram em sacrificar-Lhe os bens, a vida, a si mesmo todos inteiros, vencendo corajosamente todas as dificuldades que encontravam na observância da divina lei!

Com efeito, quem pode deixar de amar a Jesus, vendo-O, em todo o correr da sua vida, atormentado e desprezado, e afinal morrer exausto de sangue sobre a cruz, a fim de ganhar o nosso amor? – Frei João de Alvernia, cada vez que lançava os olhos para Jesus coberto de chagas, não podia reter as lágrimas. Frei Thiago de Tuderto, ouvindo ler a Paixão do Redentor, não somente derramava sentidas lágrimas, mas rompia em suspiros profundos, oprimido pelo amor em que ardia por seu divino Mestre.

Finalmente, para não mencionar muitos outros, foi na doce escola do Crucifixo que São Francisco se tornou um serafim de amor. Chorava tão continuamente quando meditava nos sofrimentos de Jesus Cristo, que quase chegou a perder a vista. Um dia foi encontrado dando gritos lastimosos, e perguntou-se-lhe o que tinha. “Ah! Que posso ter?” respondeu, “choro as dores e as afrontas do meu Senhor. E minha dor”, assim acrescentou, “aumenta vendo a ingratidão dos homens que não o amam, e vivem sem pensar n’Ele.” Todas as vezes que ouvia balar um cordeiro, sentia-se movido de compaixão, pelo pensamento da morte de Jesus, o Cordeiro imaculado, imolado sobre a cruz pelos pecados do mundo. Abrasado todo em amor, este Santo não sabia recomendar outra coisa com mais empenho a seus irmãos do que a lembrança frequente da Paixão de Jesus.

II. Um piedoso solitário rogava a Deus que lhe ensinasse o que poderia fazer para o amar perfeitamente. Revelou-lhe o Senhor, que para chegar ao perfeito amor não havia exercício mais útil do que a meditação frequente de sua Paixão. É este exatamente o conselho que o Apóstolo nos deu para não desfalecermos, mas corrermos expeditamente no caminho de céu. “Para que não vos fatigueis”, escreve o Apóstolo aos Hebreus, “e não desfaleçais em vossos ânimos, não deixeis de pensar naquele que dos pecadores suportou contra si uma tal contradição.” (1) Escrevendo depois aos fiéis de Corintho, acrescenta: Caritas Christi urget nos (2) – “A caridade de Cristo nos constrange”. Como se dissesse: Jesus é amado de um pequeno número, porque é pequeno o número daqueles que meditam nas penas que Ele sofreu por nós; mas o que nelas medita muito, não pode viver sem amar a Jesus. Sentir-se-á de tal modo constrangido pelo amor divino, que lhe será impossível não amar um Deus tão amante e que tanto tem sofrido para ser amado.

É com razão que Santa Teresa se queixava amargamente de certos livros que lhe haviam aconselhado que deixasse a meditação da Paixão como um obstáculo à contemplação da Divindade. – “Ó Senhor de minha alma”, exclamava a Santa, “ó meu Jesus crucificado! É possível que Vós sejais para mim um obstáculo a um bem maior? E de onde me tem vindo todos os bens senão de Vós?” Em seguida acrescenta: “Observei que, para seu próprio contento, e para nos fazer grandes graças, Deus quer que tudo passe pelas mãos da santíssima Humanidade, na qual a divina Majestade nos assegura ter posto a sua complacência.”

Peçamos, também, à divina Mãe, Maria, que nos obtenha de seu Filho a graça de entrarmos por meio de uma meditação contínua nas sagradas chagas, estas fornalhas de amor, onde se abrasaram tantos corações amantes; a fim de que, consumidos em nós todos os afetos terrenos, possamos também arder nas chamas felizes que fazem as almas santas na terra e bem-aventuradas no céu.

Referências:

(1) Hb 12, 3
(2) 2 Cor 5, 14

 Sábado da Décima Sétima Semana do Tempo Comum

Da confiança que devemos ter em Maria, como nossa Mãe

Deinde dicit discipulo: Ecce mater tua – “Depois diz ao discípulo: Eis aí tua mãe” (Jo 19, 27)

Sumário. Se Jesus Cristo é o Pai de nossas almas, porque as regenerou à vida da graça, Maria, que é a Mãe verdadeira de Jesus, deve igualmente ser chamada nossa Mãe espiritual, porque pelas suas dores cooperou para nossa redenção. Ponhamos, pois, nela a nossa confiança e sejamos quais crianças que têm sempre o nome de mãe na boca e em qualquer perigo levantam a voz e chamam sua mãe em socorro. Para sermos, porém, facilmente atendidos, imitemos as suas virtudes, especialmente as que são próprias do nosso estado.

I. Não é por acaso, nem debalde, que os devotos de Maria a chamam Mãe e parece que não sabem invocá-la com outro nome, nem se fartam de chamá-la Mãe. Mãe, sim, porque se Jesus Cristo, reconciliando-nos com Deus, se fez Pai de nossas almas, conforme a predição do Profeta: Pater futuri saeculi (1) — “Pai do século futuro”, Maria deve ser chamada e é verdadeiramente nossa Mãe espiritual.

Segundo a explicação dos Doutores, esta grande Mãe pelo seu amor gerou-nos à graça, quando consentiu em que o Verbo Eterno se fizesse seu filho, porque, no dizer de São Bernardino de Sena, ela desde então pediu a Deus com afeto imenso a nossa salvação e de tal sorte a procurou, que bem se pode dizer que desde então nos trouxe em suas entranhas como mãe amorosíssima. Pelo que Santo Ambrósio aplica à Virgem as palavras dos sagrados Cânticos: Venter tuus sicut acervus tritici, vallatus liliis (2) — “Teu seio é como um monte de trigo, cercado de açucenas”.

O tempo em que Maria nos deu à luz, foi quando (vendo o amor do Eterno Pai para com os homens, em querer seu Filho morto pela nossa salvação e o amor do Filho em querer morrer por nós), a fim de conformar-se com este amor excessivo do Pai e do Filho para com o gênero humano, ela também consentiu com toda a sua vontade que seu Filho morresse e fez o doloroso sacrifício d’Ele no Calvário. — E isto quis exatamente dizer nosso Salvador, quando, antes de expirar, olhando para sua Mãe e acenando para o discípulo predileto, lhe disse: Mulier, ecce filius tuus (3) — “Mulher, eis aí teu filho”. Como se lhe dissesse: Eis aí o homem que em consequência da oferta que tu fazes de minha vida pela sua salvação, já nasce para a graça; eu te declaro sua mãe.

II. Alegrai-vos todos os que sois filhos de Maria; e que temor tendes de vos perder, quando esta Mãe vos defende e protege? Eis que ela nos chama e nos convida para junto de si: Si quis est parvulus, veniat ad me (4) — “Todo o que é pequeno, venha a mim”. — As crianças têm sempre na boca o nome da mãe; em qualquer perigo que se vejam, logo se lhes ouve levantar a voz e dizer: Mãe, Mãe! É isto exatamente o que a Virgem deseja de nós. Ela nos quer salvar, como já tem salvado tantos filhos seus; por isso quer que, quais crianças, nunca nos afastemos do seu lado e a invoquemos em todos os perigos: Todo o que é pequeno, venha a mim.

Ó minha Mãe Santíssima, como é possível que, tendo mãe tão santa, seja eu tão perverso; tendo mãe tão abrasada no amor de Deus, tenha eu de amar as criaturas; tendo mãe tão rica de virtudes, seja eu tão pobre? Ó Mãe amabilíssima, não mereço mais, é verdade, ser vosso filho; indigníssimo de tal me fiz por minha vida desregrada. Basta-me ser admitido no número de vossos servos. Sim, isto me basta; entretanto não me proibais de vos chamar também minha Mãe.

O vosso nome de Mãe me consola, enternece o meu coração, e me recorda a obrigação que tenho de vos amar. Este nome me inspira grande confiança em vós. Quando a lembrança dos meus pecados e da justiça divina me enchem de terror, sinto-me todo confortado ao pensar que sois minha Mãe. Permiti, pois, que vos diga: Minha Mãe, minha Mãe amabilíssima! Assim vos chamo e vos quero sempre chamar. Depois de Deus, vós deveis ser sempre minha esperança, meu refúgio e meu amor, enquanto estiver neste vale de lágrimas. Assim é que espero morrer, entregando, ao dar o último suspiro, a minha alma entre vossas mãos benditas, e dizendo-vos: Ó minha Mãe, ó Maria, minha Mãe, ajudai-me, tende compaixão de mim!

Referências:

(1) Is 9, 6
(2) Ct 7, 2
(3) Jo 19, 26
(4) Pv 9, 4
9ª parte

 Décima Oitava Semana do Tempo Comum

(Nona Semana depois de Pentecostes)

Domingo: O feitor infiel e o dia das contas

Segunda-feira: Misericórdia de Deus em chamar o pecador à penitência

Terça-feira: Remorso do condenado: Eu me condenei por um nada

Quarta-feira: A vida dos religiosos é mais semelhante à de Jesus Cristo

Quinta-feira: Santo Afonso, modelo de devoção a Jesus Sacramentado

Sexta-feira: Desejo de Jesus de sofrer por nós

Sábado: O devoto de Maria Santíssima deve imitar-lhe as virtudes

 Décimo Oitavo Domingo do Tempo Comum

O feitor infiel e o dia das contas

Redde rationem villicationis tuae; iam enim non poteris villicare – “Dá conta da tua administração; já não poderás ser meu feitor” (Lc 16, 2)

Sumário. De todos os bens que temos recebido de Deus, não somos donos, senão simplesmente administradores; e na hora da morte teremos de dar contas exatas a Jesus Cristo, o juiz inexorável. É o que nos ensina a parábola proposta no Evangelho deste dia. Examinemos, pois, que uso temos feito até hoje dos talentos recebidos e dos bens da graça, e se acharmos que estivemos em falta, tomemos a resolução de nos emendar quanto antes. Quem sabe, meu irmão, dentro de que breve tempo se nos dirá também: Redde rationem – “Dá conta“?

I. Dos bens que temos recebido de Deus, nós não somos donos, de maneira que possamos dispor deles a nosso bel prazer, mas somente administradores. Devemos, pois, empregá-los segundo a vontade de Deus e dar à hora da morte conta deles a Jesus Cristo, o juiz inexorável — É isto o que, no dizer dos santos Padres, significa a parábola que no Evangelho deste dia o Senhor propõe à nossa consideração.

“Havia um homem rico”, diz Jesus, “que tinha um administrador, do qual lhe denunciaram que dissipava seus bens. Chamando-o, disse-lhe: Que ouço dizer de ti? Dá conta de tua gestão, porque d’aqui em diante não poderás mais ser administrador.”

Pára aqui um pouco e considera o rigor do juízo divino. Os santos, posto que tivessem feito o melhor uso possível dos talentos que lhes foram confiados e os houvessem feito frutificar, uns dois por um, outro cinco, outro dez (1); posto que tivessem empregado todo o tempo da sua vida em preparar o livro das contas, todavia, quando estavam para passar desta vida para a eternidade, julgaram nada terem feito e tremiam.

Assim tremia Santa Maria Madalena de Pazzi, que respondeu ao confessor que a animava:

“Ah padre, é coisa terrível o ter que comparecer perante o tribunal de Jesus Cristo!”

Tremia Santo Agatão depois de ter passado tantos anos no deserto a fazer penitência e dizia aos que lhe cercavam o leito:

“Que será de mim quando for julgado?”

Tremia o Venerável Luiz da Ponte, e tremia tanto que fazia também tremer o quarto onde estava.

– E tu, meu irmão, que dizes? Que fazes? Se neste momento o Senhor te deixasse morrer e te citasse a seu tribunal, que havias de responder a este terrível: Redde rationem – “Da conta“?

II. Continua a parábola dizendo que o feitor infiel, vendo o grande risco que corria de cair em miséria extrema, logo pensou em reparar o mal feito. E posto que o expediente de que lançou mão fosse todo em seu proveito, com prejuízo do dono, este, contudo, o elogiou, por ter agido com prudência. – Da mesma presteza devemos nós também usar, se não quisermos merecer a repreensão que “os filhos deste século são mais precavidos que os filhos da luz.”

Por isso exorta-nos o Espírito Santo: Quodcumque facere potest manus tua, instanter operare (2) – “Obra com presteza tudo quanto pode fazer tua mão”. Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje; porque o dia de hoje passa e amanhã virá talvez a morte que te impossibilitará de fazer algum bem e de remediar o mal. Numa palavra, mister é que prepares as contas, antes que venha o dia das contas. – Entretanto, conclui o Evangelho, se puderes dar esmolas, com as riquezas iníquas fazei dos pobres os teus amigos; para que quando necessitares, te obtenham de Deus a graça de uma boa morte, e assim te recebam nos tabernáculos eternos.

Meu amabilíssimo Jesus, graças Vos dou pelas luzes e pelo tempo que agora me concedeis, para reparar as desordens da minha vida passada. Desgraçado de mim! Dos bens da alma e do corpo, que me destes a fim de que me servisse deles para Vos amar, e alcançasse a minha eterna salvação, eu abusei para Vos ultrajar e me precipitar no inferno. Senhor, detesto a minha ingratidão mais do que todos os outros males; peço-Vos perdão e prometo que não tornarei mais a ofender-Vos. Não, meu Jesus, não quero mais ofender-Vos, quero amar-Vos sempre com todas as minhas forças. – “Vós, porém, ó Senhor, concedei-me, pela vossa misericórdia, que meu espírito cogite sempre o que é reto e faça o que é justo: para que, já que não posso subsistir sem Vós, viva sempre conforme a vossa vontade.” (3) – Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

Referências:

(1) Lc 19, 16
(2) Ecl 9, 10
(3) Or. Dom. curr.

 Segunda-feira da Décima Oitava Semana do Tempo Comum

Misericórdia de Deus em chamar o pecador à penitência

Laboravi clamans; raucae factae sunt fauces meae – “Cansei-me chamando; enrouqueceram-se as minhas fauces” (Sl 68, 4)

Sumário. Depois da queda de Adão, quão pasmados não deviam ficar os anjos ao ver que Deus o ia buscando e quase chorando o chamava! O mesmo tem Deus feito para conosco chamando-nos a si por meio de suas inspirações, dos remorsos da consciência, das práticas, das tribulações, da morte dos nossos amigos, ou de inúmeros outros modos. Parece que perdeu a voz a chamar-nos. E nós, como é que temos respondido?… Ah, meu irmão, lembramo-nos de que o Deus que agora nos chama, será um dia nosso juiz e juiz inexorável.

I. Quando Adão se revoltou contra o Senhor, e depois, envergonhado do seu pecado, fugiu da presença de Deus, que pasmo deve ter causado aos anjos o verem como Deus ia à procura dele e como chorando o chamava: Adam, ubi es (1) – “Adão, onde estás?”

“Estas palavras”, comenta Pereira, “são o grito do pai aflito que procura o filho que perdeu.” Quantas vezes não tem Deus feito o mesmo por ti, meu irmão! Fugias para longe de Deus e Deus te ia chamando, ora com inspirações, ora com remorsos da consciência, ora com as prédicas, ora com tribulações, ora com a morte de teus amigos. Parece que Jesus Cristo se refere a ti quando diz: Cansei-me chamando; enrouqueceram-se as minhas fauces – Meu filho, quase perdi a voz a chamar-te. “lembrai-vos, ó pecadores”, diz Santa Teresa, “de que o Senhor que vos chama é o mesmo que um dia vos deve julgar.”

Meu irmão, quantas vezes te fizeste surdo para Deus que te chamava? Merecias que não te chamasse mais. Mas não, teu Deus não deixou de te chamar continuamente, porque queria celebrar paz contigo e salvar-te. Ó céus! Quem é que te chamava? Deus de majestade infinita. E quem eras tu, senão um verme miserável e nojento! E para que é que te chamava? Unicamente para te fazer sair da tua tibieza, para te restituir à vida da graça que tinhas perdido: Revertimini et vivite (2) – “Voltai e vivei”.

Para alcançar a graça divina, seria pouco passar no deserto a vida inteira e Deus te proporcionou a ocasião de a obter, se o quisesses, num instante, com um ato de contrição; e tu recusavas. Apesar de tudo, Deus não te abandonou, procurou-te como a chorar, e dizendo-te: Meu filho, porque é que te queres condenar? Et quare moriemini, domus Israel? (3)

II. Quando o homem comete pecado mortal, expele Deus da sua alma (4). Que faz Deus, porém? Conserva-se à porta daquela alma ingrata (5), e parece rogar que lh´a venham abrir (6). De tanto rogar até se cansa: Laboravi rogans (7) – “Cansei-me rogando”. Sim, diz São Deniz o Areopagita, Deus corre, qual amante desprezado, atrás dos pecadores, rogando-lhes que não se deixem perder. É exatamente o que exprimiu São Paulo, quando escreveu aos seus discípulos: Obsecramus pro Christo: reconciliamini Deo (8) – Em nome de Jesus Cristo vos rogamos que vos reconcilieis com Deus.

É bela a reflexão que São João Crisóstomo faz acerca desta passagem do Apóstolo. Diz que não é o pecador que se há de cansar para mover Deus a fazer paz com ele. É ele que deve fazer paz com Deus; porque é ele, e não Deus, quem evita a paz. – Ah! Como este bom Senhor vai todos os dias atrás de tantos pecadores, dizendo-lhes:

“Ingratos, não fujais mais de mim; dizei-me, porque fugis? Quero o vosso bem; meu único desejo é fazer-vos felizes; porque, pois, quereis perder-vos?”

Meu amabilíssimo Jesus, eis aqui a vossos pés um ingrato que Vos pede misericórdia. Meu Pai, perdoai-me! Pela bondade que Vos reteve de me abandonar quando Vos fugia, por esta mesma bondade recebei-me agora, que volto para Vós. Detesto mais do que todos os males as injúrias que Vos fiz; aborreço e abomino-as, e uno esta minha detestação ao horror que Vós, meu Senhor, delas tivestes no horto de Gethsemani. Prometo, além disso, nunca mais me apartar de Vós e banir de meu coração todo o afeto terreno, para só Vos amar, a Vós que sois a bondade infinita. † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas e quero sempre amar-Vos e só a Vós amar. Dai-me a força de executar esta resolução. – Ó Maria, minha esperança, vós sois Mãe de misericórdia; rogai a Deus por mim.

Referências:

(1) Gn 3, 9
(2) Ez 18, 32
(3) Ez 18, 31
(4) Jó 11, 14
(5) Ap 3, 20
(6) Ct 5, 2
(7) Jr 15, 6
(8) 2 Cor 5, 20

 Terça-feira da Décima Oitava Semana do Tempo Comum

Remorso do condenado: Eu me condenei por um nada

Gustans gustavi paululum mellis, et ecce morior – “Tomei um pouco de mel, e por isso morro” (1 Rs 14, 43)

Sumário. A consciência roerá o coração dos réprobos por muitos remorsos; mas um dos que mais o atormentarão, será a lembrança de que se perdeu por um nada. Oh! que rugidos soltará o condenado, pensando que por algumas satisfações momentâneas e envenenadas, renunciou a um reino de eterna felicidade, e está condenado a arder para sempre naqueles abismos!… Meu irmão, reflete bem que também hás de sentir um dia o mesmo desespero, se não te aproveitares agora da divina misericórdia, e lembra-te mais uma vez de que para te assegurar a eternidade nenhuma providência é demasiada.

I. A consciência roerá o coração dos réprobos por grande número de remorsos; mas um dos que mais os atormentarão será o pensar no nada das coisas porque se condenaram. Quando Esaú tinha comido o prato das lentilhas, pelas quais vendeu o direito de primogenitura, diz a Escritura que pela dor e mágoa da perda se pôs a rugir. Irrugiit clamore magno(1). Mas, oh! que uivos e rugidos mais horrorosos não soltará o réprobo, pensando que por umas satisfações fugitivas e envenenadas perdeu um reino de eterno gozo, e que está reduzido a ver-se eternamente condenado a uma morte contínua! Chorará mais amarguradamente do que Jonathas, quando se viu condenado à morte por Saul, seu pai, por ter tomado um pouco de mel: Tomei um pouco de mel, e por isso morro.

Ó céus! que pena sofrerá o condenado, considerando então a causa da sua condenação! Presentemente, o que é a nossos olhos a vida já passada, senão um sonho, um instante? Que hão de parecer pois a quem está no inferno, esses cinquenta ou sessenta anos de vida passados na terra, quando se vir no oceano da eternidade, na qual passará cem e mil milhões de anos e de séculos e sempre verá que a eternidade está ainda no seu começo?

Mas, que digo! cinquenta anos de vida! Serão porventura cinquenta anos de gozo? Gozará porventura o pecador, vivendo longe de Deus, doçuras contínuas em sua vida pecaminosa? Quanto tempo duram esses prazeres do pecado? Uns instantes apenas, e todo o resto de tempo é, para o que vive na desgraça de Deus, um tempo de mágoas e pesares. Que serão, portanto, esses curtos momentos de prazer, aos olhos do infeliz réprobo? e especialmente, como se lhe afigurará então aquele último pecado pelo qual se perdeu?

Portanto — assim dirá de si para si, — por uma miserável satisfação, que durou apenas um instante, e apenas gozada se dissipou como o vento, estou condenado a arder neste fogo, sem esperança e abandonado de todos, enquanto Deus for Deus, durante toda a eternidade!

II. Que favor não seria para o réprobo, se Deus lhe concedesse mais um ano ou mês de vida, para reparar o mal praticado, e aplacar os remorsos que de contínuo o atormentam? Ora, meu irmão, esse tempo é a ti que Deus o concede, e então em que o quererás empregar? Pensa que se trata da eternidade, e que, na palavra de São Bernardo, nenhuma providência é demasiada para a pores ao abrigo dos perigos: Nulla nimia securitas, ubi periclitatur aeternitas.

Iluminai-me, Senhor, e fazei-me conhecer a injustiça que cometi ofendendo-Vos, e o castigo que mereci. Meu Deus, sinto grande mágoa por Vos haver ofendido; mas esta mágoa me consola. Se me tivésseis enviado ao inferno, como merecia, o inferno do meu inferno seria o remorso de pensar que me perdi por tão pouca coisa. Mas, agora este remorso me consola, porque me anima a esperar o perdão que prometestes ao que se arrepende. Sim, meu Senhor, arrependo-me de Vos haver ultrajado; abraço a mágoa que sinto e peço-Vos que m’a aumenteis e conserveis até à morte, a fim de que eu chore sempre amargamente os desgostos que Vos dei.

Perdoai-me, meu Jesus! Ó meu Redentor, que, para ter piedade de mim, não tivestes piedade de Vós mesmo, condenando-Vos a morrer de dor: suplico-Vos que me livreis do inferno onde não mais Vos poderia amar. Fazei que a mágoa de Vos ter ofendido sustente em mim uma dor contínua e ao mesmo tempo me abrase todo em amor por Vós, que me haveis amado tanto, me haveis suportado com tão grande paciência, e, em vez de me castigar, me enriqueceis de luzes e graças. Graças Vos dou, ó meu Jesus, e amo-Vos mais que a mim mesmo, amo-Vos de todo o coração. — Não sabeis desprezar o que Vos ama. Amo-Vos; não me repilais de vossa presença. Recebei-me em vossa amizade, e não permitais que Vos torne a perder.— Maria, minha Mãe, aceitai-me por vosso servo e prendei-me a Jesus, vosso Filho. Suplicai-lhe que me perdoe, que me dê o seu amor e a graça da perseverança até à morte.

Referências:

(1) Gn 27, 34

 Quarta-feira da Décima Oitava Semana do Tempo Comum

A vida dos religiosos é mais semelhante à de Jesus Cristo

Quos praescivit, et praedestinavit conformes fieri imaginis Filii sui – “Os que conheceu na sua presciência, também predestinou para se fazerem conformes à imagem de seu Filho” (Rm 8, 29)

Sumário. Compenetremo-nos bem de que os religiosos, contanto que guardem suas Regras, são os homens mais felizes do mundo; porque mais do que os outros são imitadores da vida de Jesus Cristo. Os mundanos têm-nos por loucos, mas no vale de Josafá conhecerão terem sido eles os loucos, porque deixaram o caminho da verdade e assim condenaram-se para sempre. Demos graças ao Senhor pela escolha que fez de nós e sejamos fiéis à nossa vocação. Ai de nós, se tivéssemos a desgraça de a perder.

I. O Apóstolo diz que o Pai Eterno predestina ao reino dos céus só àqueles que têm uma vida conforme a do Verbo Encarnado: Os que conheceu na sua presciência, também predestinou para se fazerem conformes à imagem de seu Filho. Quanto devem, pois, estar contentes e certos do céu os religiosos, vendo que Deus os chamou a um estado de vida que entre todos é o mais conforme à vida de Jesus Cristo!

Jesus nesta terra quis viver pobre como simples aprendiz de operário, numa casa pobre, com vestidos pobres, com alimentos pobres: Propter vos egenus factus est, cum esset dives (1) – “Apesar de ser rico, ele se fez pobre por vós”. Demais, ele escolheu para si uma vida toda mortificada, apartada de todos os prazeres do mundo e sempre acompanhada de penas e tristezas, do nascimento até à morte, pelo que foi chamado pelos profetas o homem das dores: vir dolorum (2). Com isso fez ver a seus servos, qual deve ser a vida de quem o quer seguir, isto é, uma vida de abnegação e de sacrifício: Si quis vult venire post me, abneget semetipsum, tollat crucem suam, et sequatur me (3) – “Se alguém quiser vir atrás de mim, renuncie a si próprio, tome a sua cruz, e siga-me”.

Seguindo este exemplo e este convite de Jesus, os santos procuravam despojar-se de todos os bens terrenos e carregar-se de penas e de cruzes para assim seguirem seu amado Senhor. – Assim fez um São Bento, que, sendo filho dos senhores de Núrcia e parente do imperador Justiniano, renunciou às delícias e riquezas do mundo, e, jovem de 14 anos, foi viver numa gruta no monte Sublaco. Assim fez um São Francisco de Assis, que, entregando ao pai toda a porção da herança que lhe competia, até o próprio vestido, pobre e mortificado se consagrou todo a Jesus Cristo. Assim um São Francisco de Borgia, um São Luiz Gonzaga, que sendo, o primeiro duque de Gandia e o segundo príncipe de Castiglione, deixaram riquezas, vassalos, pátria, casa e parentes, e foram viver pobres num convento. E assim fizeram outros muito nobres e príncipes, mesmo de sangue real. Só na ordem beneditina se contam setenta e cinco imperadores, reis e rainhas que deixaram o mundo para viverem pobres, mortificados e esquecidos do mundo, em um pobre convento, e assim se tornarem mais semelhantes a Jesus Cristo.

II. Compenetremo-nos bem de que os religiosos, contanto que guardem as suas Regras, que os religiosos, e não os grandes do mundo, são os verdadeiros felizes, porque, mais do que quaisquer outros, são imitadores de Deus, como filhos prediletos (4). Os mundanos os têm por loucos, mas no vale de Josafá conhecerão terem sido eles os loucos. Vendo então os Santos em seus tronos, coroados por Deus, chorando e desesperados dirão: “São estes de quem nós algum tempo escarnecíamos. Nós, insensatos! Tínhamos a vida deles como uma loucura… Eis como são contados no número dos filhos de Deus e a sua sorte é entre os santos. De que nos aproveitou nosso orgulho?” (5)

Meu Mestre e Redentor Jesus, eis-me, portanto, no meio dos ditosos, que Vós chamastes para Vos seguirem. Senhor meu, graças Vos dou! Deixo tudo: desejaria ter mais que deixar para Vos seguir, meu Rei e meu Deus, que escolhestes para Vós uma vida tão pobre e tão cheia de privações por amor de mim e para me dar ânimo com o vosso exemplo. Caminhai adiante, Senhor, que eu Vos seguirei. Escolhei para mim a cruz que quiserdes e ajudai-me porque quero levá-la com constância e amor. – Pesa-me que no passado Vos abandonei para correr atrás de minhas satisfações e das vaidades do mundo; agora não quero mais abandonar-Vos. Prendei-me à vossa Cruz; e se, pela minha fraqueza, eu resistir alguma vez, atrai-me com as doces cadeias do vosso amor e não permitais que eu Vos deixe ainda.

Sim, meu Jesus, renuncio a todos os prazeres do mundo; o meu único prazer será seguir-Vos, amando e sofrendo tudo que for do vosso agrado. Assim espero achar-me um dia em vosso reino, ligado a Vós com o laço do amor eterno, com que, amando-Vos sem véu, não poderei mais temer ver-me solto e separado de Vós. Amo-Vos, meu Deus e meu tudo, e sempre Vos amarei. – Maria Santíssima, vós que, por terdes sido a mais semelhante a Jesus, sois agora a mais poderosa para alcançar as graças, protegei-me.

Referências:

(1) 2 Cor 8, 9
(2) Is 53, 3
(3) Mt 16, 24
(4) Ef 5, 1
(5) Sb 5, 3

 Quinta-feira da Décima Oitava Semana do Tempo Comum

Santo Afonso, modelo de devoção a Jesus Sacramentado

Ubi thesaurus vester est, ibi et cor vestrum erit – “Onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (Lc 12, 34)

Sumário. Foi desde criança que o Santo Doutor começou a praticar a devoção a Jesus sacramentado, visitando-o todos os dias: com o crescer dos anos cresceu também a sua devoção, de forma que a sua vida foi como que uma estada contínua na presença da santíssima Eucaristia. Procuremos imitar Santo Afonso: em toda necessidade, em toda a tentação, em todo o negócio mais importante recorramos sempre ao Santíssimo Sacramento para auxílio e conselho. Estejamos convencidos de que esta devoção é a mais agradável a Deus e a mais proveitosa para nós.

I. “É incontestável que, entre todas as devoções, a que nos faz adorar Jesus no Santíssimo Sacramento, é, depois da frequência dos sacramentos, a primeira, a mais agradável a Deus e a mais proveitosa para nós.” (1) Esta bela verdade, enunciada pelo nosso Santo, foi por ele posta em prática desde a sua mais tenra idade, e nunca mais deixou de a praticar, nem mesmo entre os multíplices afazeres do foro.

Feito em seguida sacerdote, missionário e bispo, reconhecia que era a sua devoção a Jesus sacramentado que devia a graça de ter deixado o mundo, e tendo por outro lado mais comodidade para dar expansão à sua devoção, tomou esta tão grande incremento, que a sua vida se tornou como que uma estada contínua na presença da santíssima Eucaristia. Isso, não somente para desafogar com Jesus Cristo o seu amor; mas também para o consultar em suas dúvidas, buscar junto d’Ele força para seus trabalhos, e pedir-Lhe luzes na direção das almas. – Se o santo Doutor trabalhou com tanto fruto no tribunal da penitência, se as suas pregações foram tão eficazes, se os seus escritos abundam de uma unção celeste, a causa principal é esta: Antes de entrar no confessionário, ou subir ao púlpito ou pôr-se a escrever, Afonso ia sempre inspirar-se orando horas a fio diante do sagrado tabernáculo.

Aplicava-se a celebrar a santa Missa com o máximo fervor e procurava assisti-la as mais vezes possível. Escreveu tantas e tão belas meditações sobre o Santíssimo Sacramento; diversos métodos de preparação para o divino sacrifício ou a santa comunhão e de ações de graças. Escreveu em particular o livrinho das Visitas, no qual cada palavra é uma seta de amor que ele lança a Jesus sacramentado, seu Bem.

Afligia-se o Santo vendo os ultrajes que a Jesus no Santíssimo Sacramento fazem não somente os hereges, mas também tantos católicos maus e tíbios: “Meu dulcíssimo Jesus”, exclamava, “quisera poder lavar com minhas lágrimas, até com meu sangue, todos aquele lugares infelizes nos quais o vosso amor é tão ultrajado neste Sacramento! Oxalá pudesse fazer com que todos os homens se abrasassem de amor ao Santíssimo Sacramento! Mas se não posso fazer tanto, desejo ao menos e proponho visitar-Vos freqüentemente, para Vos adorar em desagravo dos desprezos que recebeis da parte dos homens.” – Numa palavra, todos os pensamentos de Afonso, todos os afetos do seu coração, dirigiam-se a Jesus no Santíssimo Sacramento; este era o seu caminho, a sua verdade, a sua vida. Felizes de nós, se o soubermos imitar!

II. Seja o fruto da presente meditação um firme propósito de imitar os exemplos de teu Protetor e Pai. Não deixes passar um dia sem fazeres uma visita a Jesus sacramentado, e, sendo possível, visita-o cada dia mais vezes. Aproxima-te da sagrada mesa conforme o permitir teu Diretor, e quando não puderes comungar sacramentalmente, supre-o ao menos com muitas comunhões espirituais.

Além disso, ouve cada manhã a santa Missa; e, conforme a exortação do santo Doutor, “ouve o maior número de missas que puderes, porque cada missa bem assistida produz tesouros de merecimentos”. – Se és sacerdote, nunca deixes de celebrar o sacrifício divino com a preparação e ação de graças convenientes, e vê se observas as cerimônias prescritas pela Igreja. – Finalmente, à imitação de Santo Afonso, em toda a necessidade, em toda a tentação, em todo o negócio de mais importância, recorre sempre ao divino Sacramento para conselho e auxílio, faze-o, senão corporalmente, ao menos espiritualmente.

Meu santo Protetor, alegro-me convosco por estardes já no céu, onde contemplais Jesus Cristo, já não debaixo das espécies sacramentais, mas face a face, e O amais com esse amor que plenamente sacia e contenta o vosso coração, que na terra desejou tão ardentemente amá-Lo. Visto que no céu, com o incremento do vosso amor, cresceu também o vosso desejo de O ver amado, ajudai, ó meu Pai, a minha pobre alma, que deseja arder convosco de santo amor à bondade infinita, digna do amor de um número infinito de corações. – Dizei a Jesus que me comunique uma parte do amor que vós tivestes para com o diviníssimo Sacramento, a fim de que de hoje em diante me mostre pelas obras vosso digno filho. Meu, Pai, fazei-o pelo amor que tendes à vossa e minha querida Mãe, Maria.

Referências:

(1) Santo Affonso I 568

 Sexta-feira da Décima Oitava Semana do Tempo Comum

Desejo de Jesus de sofrer por nós

aptismo habeo baptizari: et quomodo coarctor, usque dum perficiatur? – “Tenho de ser batizado com um batismo: e quão grande não é a minha ansiedade até que ele se cumpra” (Lc 12, 50)

Sumário. Sendo o sofrimento suportado pela pessoa amada a prova mais patente do amor, e o que mais cativa o amor da pessoa amada, nosso Senhor suspirou em todo o correr de sua vida pelo dia em que havia de ser batizado com o seu próprio sangue. Na véspera da sua Paixão foi ele mesmo ao encontro dos seus inimigos, como se viessem para o levarem, não ao suplício, mas à posse de um grande reino. Ó amor imenso de Jesus! E todavia, este amor é tão mal correspondido pela maior parte dos homens!

I. É excessivamente terna, amorosa e constrangedora a declaração que o nosso Redentor fez acerca dos motivos da sua vinda à terra, quando disse que tinha vindo para acender nas almas o fogo do divino amor, e que tinha o vivíssimo desejo de ver esta santa chama acender-se em todos os corações dos homens: Ignem veni mittere in terram, et quid volo nisi ut accendatur? (1)

E porque o padecer pela pessoa amada patenteia melhor o amor do objeto amado, Jesus Cristo logo em seguida acrescentou que esperava ser batizado com o batismo do seu próprio sangue, a fim de lavar os nossos pecados, pelos quais tinha vindo satisfazer com as suas penas: Baptismo habeo baptizari. Para nos fazer compreender todo o ardor do desejo que tinha de morrer por nós, disse, com as mais doces expressões de amor, que experimentava vivas ânsias pela chegada do tempo em que devia cumprir-se a sua Paixão: Et quomodo coarctor usque dum perficiatur!

Mas ouçamos o que disse o Senhor na noite bem-aventurada que precedeu a sua Paixão, na véspera de ser sacrificado sobre o altar da cruz: “Desejei ardentemente comer esta Páscoa convosco” – Desiderio desideravi hoc pascha manducare vobiscum (2). São Lourenço Justiniano, meditando nestas palavras, diz que elas foram todas expressões de amor. É como se nosso amável Redentor tivesse dito: Homens, sabei que esta noite começará a minha paixão e o tempo de minha vida pelo qual tenho suspirado mais, porque é agora que pelos meus padecimentos e pela minha morte cruel vos farei conhecer quanto vos amo, e assim vos obrigarei, o mais que me é possível, a me amardes. – Um autor diz que na Paixão de Jesus a onipotência divina se uniu com o amor. O amor quis amar o homem com toda a extensão da onipotência e a onipotência quis secundar o amor em toda a extensão de seu desejo.

II. O desejo que tinha Jesus de sofrer por nós foi tão grande que, na noite que precedeu a sua morte, não somente foi por sua livre vontade ao horto, onde sabia que os judeus haviam de o vir prender; mas ainda, sabendo que o traidor Judas se aproximava acompanhado dos soldados, disse a seus discípulos: Levantai-vos, vamos; eis aí que se aproxima o que me entregará: Surgite; eamus: ecce qui me tradet, prope est (3).

Estando já pregado na cruz, Jesus disse que tinha sede: Sitio. Com esta palavra, na explicação de Santo Tomás com São Lourenço Justiniano, nosso divino Salvador quis manifestar-nos menos a sede do seu corpo, que o desejo que tinha de padecer por nós, mostrando-nos por tantos sofrimentos o seu amor, juntamente com o desejo de ser amado por nós.

Ó Deus, abrasado em amor pelos homens, que podíeis dizer e fazer mais, para me por na necessidade de Vos amar? E que vantagem podia trazer-Vos o meu amor, se para o obter quisestes morrer e tanto suspirastes pela vossa morte? Se um dos meus servos houvesse somente desejado morrer por mim, teria ele adquirido o meu amor; e poderei viver sem Vos amar de todo o meu coração, a Vós, meu Rei e meu Deus, que morrestes por mim, e tanto desejastes morrer a fim de conquistar o meu amor?

Ó meu amabilíssimo Redentor, não quero mais resistir às finezas do vosso amor; eu Vos dou todo o meu amor. Entre todas as coisas, Vós sois e haveis de ser sempre o único bem amado de minha alma. Vós vos fizestes homem para terdes uma vida a dar por mim; eu queria ter mil vidas a sacrificar por Vós. Amo-Vos, bondade infinita, e quero amar-Vos com todas as minhas forças. Quero fazer tudo quanto possa para Vos agradar. Fortalecei, ó meu Jesus, este desejo que Vós mesmo me inspirais. Fazei-o pelo amor da vossa e minha querida Mãe, Maria.

Referências:

(1) Lc 12, 49
(2) Lc 22, 15
(3) Mc 24, 52

 Sábado da Décima Oitava Semana do Tempo Comum

O devoto de Maria Santíssima deve imitar-lhe as virtudes

Nunc ergo, filii, audite me: Beati qui custodiunt vias meas – “Agora pois, filhos, ouvi-me: bem-aventurados os que guardam os meus caminhos” (Pv 8, 32)

Sumário. A Santíssima Virgem, depois que tirou alguma alma das garras de Lúcifer, quer que ela se aplique à imitação das suas virtudes, pois que, de outro modo, não poderá enriquecê-la com as suas graças, vendo-a a si contrária nos costumes. Entremos, portanto, nas vistas de nossa boa Mãe; e estejamos certos de que é este o melhor obséquio que lhe podemos fazer. Se não nos sentirmos com força suficiente, roguemo-la à Bem-Aventurada Virgem que se chama e é a dispensadora de todas as graças.

I. Diz Santo Agostinho que, para obtermos com maior certeza e abundância o favor dos Santos, é preciso imitá-los; porque, vendo que praticamos as virtudes que eles mesmos praticaram, mais se movem a rogar por nós. Pelo que a Rainha dos Santos e a nossa principal advogada, Maria, depois que livrou alguma alma das garras de Lúcifer e a uniu a Deus, quer que ela se aplique a imitá-la. De outro modo não poderá enriquecê-la com as suas graças, como desejaria, vendo-a a si contrária nos costumes. Por isso Maria chama bem-aventurados àqueles que diligenciam em imitá-la: Bem-aventurados os que guardam os meus caminhos (Prov 8, 32). “Quem ama“, diz um provérbio, “ou se acha semelhante, ou procura fazer-se semelhante à pessoa amada“.

Por isso nos exorta São Jerônimo que, se amamos Maria, é necessário que procuremos imitá-la; porque é este o melhor obséquio que lhe podemos oferecer. E Ricardo de São Lourenço acrescenta que são e podem chamar-se verdadeiros filhos de Maria somente aqueles que procuram viver conforme à vida dela: Filii Mariae imitatores eius. — Procure pois o filho, conclui São Bernardo, imitar sua Mãe, se deseja o seu favor; pois que então, vendo-se ela honrada como mãe, o tratará e favorecerá como filho.

Falando das virtudes de nossa Mãe, verdade é que poucas coisas em particular se leem registradas nos Evangelhos a este respeito; contudo, dizendo-se ali que ela foi cheia de graça, claramente se nos dá a entender que ela teve todas as virtudes em grau heroico. «De modo tal», diz Santo Tomás, “que, assim como cada um dos Santos foi excelente em alguma virtude particular, a Bem-Aventurada Virgem foi excelente em todas as virtudes, e em todas as virtudes nos foi dada por modelo“. Antes dele já tinha dito isso Santo Ambrósio: “A vida de Maria foi tal, que serve de exemplo para todos”: Talis fuit Maria, ut eius unius vita omnium disciplina sit.

II. Meu irmão, exorta-nos Santo Ambrósio: “Tem sempre diante de teus olhos a pureza, ou, para melhor dizer, a vida de Maria, como um quadro em que resplandece a perfeição das virtudes. Seja tua vida modelada pela de Maria, e aprende com ela o que deves corrigir, o que deves evitar, e o que deves fazer“. Se não te sentires bastante forte para isso, recomenda-te à Bem-Aventurada Virgem que se chama e é verdadeiramente a dispensadora de todas as graças.

Ó Mãe de misericórdia, já que sois tão piedosa e tão grande desejo tendes de nos fazer bem, a nós, miseráveis, e de atender a nossos rogos, eu, o mais miserável de todos os homens, recorro hoje à vossa misericórdia, a fim de que me concedais o que vos peço. — Que outros vos peçam o que quiserem, saúde, bens e proveitos temporais; quanto a mim, ó Maria, venho pedir-vos coisas mais conformes a vossos desejos e mais agradáveis a vosso sagrado Coração.

Fostes tão humilde! Alcançai-me então a humildade e o amor aos desprezos. Fostes tão paciente nas penas desta vida! alcançai-me a paciência nas contrariedades. Fostes toda cheia de amor a Deus! alcançai-me o dom do puro e santo amor. Fostes toda caridade para com o próximo! alcançai-me a caridade para com todos, particularmente para com os meus inimigos. Fostes sempre unida à vontade de Deus! alcançai-me uma inteira conformidade com tudo o que Deus dispuser de mim. Vós, numa palavra, sois a mais santa de todas as criaturas; ó Maria, fazei-me santo.

Não é o amor que vos falta; podeis tudo e me quereis obter todos os bens. Só uma coisa me pode impedir de receber vossas graças: é, ou minha negligência em vos invocar, ou minha pouca confiança na vossa intercessão. Mas a vós toca obter-me a fidelidade em vos invocar e a confiança em vossas orações. São duas graças especiais que vos peço e espero firmemente obter, ó Maria, minha Mãe, minha esperança, meu amor, minha vida, meu refúgio, meu socorro e minha consolação.
10ª parte

 Décima Nona Semana do Tempo Comum

(Décima Semana depois de Pentecostes)

Domingo: A ruína de Jerusalém e o fim de uma alma descuidada

Segunda-feira: Importância do último fim

Terça-feira: A morte dos Santos é preciosa

Quarta-feira: Condições da oração

Quinta-feira: Da oração feita diante do Santíssimo Sacramento

Sexta-feira: O abandono de Jesus sobre a Cruz e a pena de dano no inferno

Sábado: Maria Santíssima é o refúgio dos pecadores

 Décimo Nono Domingo do Tempo Comum

A ruína de Jerusalém e o fim de uma alma descuidada

Ut appropinquavit (Iesus) videns civitatem, flevit super illam – “Quando (Jesus) chegou perto, ao ver a cidade chorou sobre ela” (Lc 19, 41)

Sumário. Infeliz da alma que se obstina no pecado ou na tibieza. Adiando a sua conversão de dia para dia, achar-se-á na hora da morte, assim como Jerusalém, cercada de inimigos, que serão os remorsos da consciência, os assaltos dos demônios e os receios da condenação eterna. Desta sorte a sua ruína será quase certa e irreparável. Meu irmão, para que não te suceda tamanha desgraça, reconhece agora o tempo da visitação amorosa do Senhor e obedece prontamente a seu convite. Quem sabe se não é este o último?

I. Refere São Lucas que:

“quando Jesus chegou perto de Jerusalém, ao ver a cidade chorou sobre ela e disse: Ah! se ao menos neste dia, que agora te é dado, conhecesses ainda tu o que pode trazer-te a paz! Mas por ora tudo está encoberto a teus olhos. Porque virão dias para ti, em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, e te sitiarão, e te apertarão por todos os lados. E te derribarão por terra a ti e a teus filhos, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porquanto não conheceste o tempo da tua visitação: Eo quod non cognoveris tempus visitationis tuae“.

Sob a figura da Jerusalém material, os Santos Padres veem a alma do pecador obstinado ou ainda a alma do que é tíbio. Estas almas descuidadas, semelhantes aos desgraçados habitantes daquela cidade infeliz, desprezam o tempo da visitação do Senhor e se obstinam em não quererem obedecer à voz de Deus, que por meio dos superiores, dos diretores espirituais ou das inspirações interiores os excita a emendarem a sua vida desregrada.

Os desgraçados! O Redentor tem muita razão em derramar por causa deles lágrimas copiosas, porque mais cedo ou mais tarde lhes tocará a mesma sorte da ímpia cidade de Jerusalém: Circumdabunt te inimici tui vallo (1) – “Os teus inimigos te cercarão de trincheiras”. Eles vão adiando a sua conversão de dia para dia, e afinal, na hora da morte, ver-se-ão cercados pelos seus inimigos, isso é, pelos remorsos da consciência, pelos assaltos dos demônios e pelos receios da condenação eterna, de tal forma que a sua ruina será quase certa e irreparável. Infeliz, pois, de quem se obstina no pecado ou na tibieza.

II. Meu irmão, a fim de que na hora da morte não te suceda tamanha desgraça, reconhece agora o tempo da visitação amorosa do Senhor e obedece de pronto ao seu convite. Quem sabe se a leitura desta meditação não é para ti a última. Quero supor que estejas na graça de Deus; porém, olha que não sejas do número daqueles tíbios, que pelas suas negligências habituais causam a Deus tão grande náusea que começa a vomitá-los de sua boca. Quia tepidus es, neque frigidus, neque calidus, incipiam te evomere ex ore meo (2) – “Já que és tíbio, e não frio nem quente, começarei a vomitar-te de minha boca”.

Meu amabilíssimo Jesus, não quero esperar até a hora da morte para recorrer a Vós, meu Bem infinito. Reconheço que pela minha tibieza mereci ser abandonado de Vós, privado de vossa luz e desamparado de vossa graça. Mas ao ver que hoje me visitais tão amorosamente, mostrando-me as lágrimas que derramais sobre a minha ruína eterna; ao ouvir também a vossa voz, que por meio desta meditação de novo me convida ao vosso amor, não quero desanimar e volto arrependido a lançar-me em vossos braços paternais.

Perdoai-me, ó Senhor, já que abomino e detesto, acima de todos os males, as ofensas, quer grandes quer pequenas, que Vos fiz. Antes tivesse eu morrido mil vezes do que cometê-las. Proponho para o futuro amar-Vos sempre de todo o coração e cumprir em todas as coisas a vossa santíssima vontade. Dai-me a santa perseverança.

– “Rogo-Vos, ó Senhor, que os ouvidos de vossa misericórdia estejam sempre abertos às minhas preces; e, para que me possais conceder sempre o que Vos peço, fazei que eu só peça o que for do vosso agrado.” (3)

Suplico-Vos esta graça pelos vossos merecimentos e pela intercessão da minha querida Mãe, Maria.

Referências:

(1) Lc 19, 43
(2) Ap 3, 15
(3) Or. Dom. curr.

 Segunda-feira da Décima Nona Semana do Tempo Comum

Importância do último fim

Quid prodest homini, si mundum universum lucretur, animae vero suae detrimentum patiatur? – “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?” (Mt 16, 26)

Sumário. Eis aí o negócio de todos os negócios, o único importante, o único necessário: o serviço de Deus e a salvação da alma. Quem se salvar, será feliz para sempre e gozará no céu toda a sorte de bens; ao contrário, quem se condenar, será para sempre desgraçado e sofrerá no inferno toda a sorte de males. Mas, como é que este tão importante negócio é tão descuidado da maior parte dos homens?… Ah, meu irmão não sejamos nós do número desses insensatos e não imaginemos que possamos fazer acordar o céu com os pecados.

I. Contempla, meu irmão, de quão grande importância é para ti o conseguires teu último fim. É de uma importância suprema; pois que, se o alcançares e te salvares, serás feliz para sempre, gozarás na alma e no corpo toda a sorte de bens; se, porém, o errares, perderás a alma e o corpo, o céu e Deus; serás eternamente infeliz e condenado para sempre. É este, portanto, o negócio entre todos os negócios, o único importante, o único necessário: Servir a Deus e salvar a alma.

Portanto, meu irmão, não digas mais:

“Por enquanto quero viver para minhas satisfações; mais tarde me darei a Deus e assim espero salvar-me.”

Quantos não foram levados ao inferno por esta falsa esperança! Eles também falavam assim e agora foram condenados e não há mais remédio para eles. – Qual o condenado que se quis condenar? Deus, porém, amaldiçoa ao que peca com a esperança do perdão: Maledictus homo qui peccat in spe. Tu dizes: quero cometer este pecado e depois o confessarei. Mas quem sabe se haverá tempo: quem te garante que não hás de morrer logo depois do pecado? Tu perdes a graça de Deus; e que será se não a puderes mais adquirir? Deus usa de misericórdia com aquele que o teme, não com aquele que o despreza: Et misericórdia eius timentibus eum (1) – “Sua misericórdia é par aos que o temem”.

Não digas mais: com igual facilidade confesso dois pecados como três; não, porque Deus te perdoará dois pecados e não três. Deus suporta, mas não suporta sempre: ut in plenitudine peccatorum puniat (2) – “A fim de castigar na plenitude dos pecados”. Quando estiver cheia a medida, Deus não perdoa mais e castiga ou com a morte, ou com o abandono do pecador, de modo que, ruindo de pecado em pecado, se precipita no inferno. Tal abandono é castigo pior do que a morte.

– Meu irmão, repara bem no que estás lendo. Põe um termo à vida de pecado e consagra-te a Deus, receia que não seja agora o último aviso que Deus te dá. Basta de ofensas; basta de tolerância da parte de Deus. Teme que depois de mais um pecado mortal, Deus talvez não queira mais perdoar-te. Olha, que se trata da alma, que se trata da eternidade.

Este grande pensamento da eternidade – a quantos não fez desapegar-se do mundo, a quantos não fez irem viver num claustro, num deserto ou numa gruta!

II. Considera que o negócio da salvação eterna é o mais descuidado. Pensa-se em todas as coisas, exceto na salvação. Há tempo para tudo, exceto para Deus. Aconselhe-se a uma pessoa mundana que frequente os sacramentos, que faça cada dia meia hora de oração. Responde: Tenho filhos, tenho sobrinhos, tenho propriedades, tenho negócios a tratar. Ó céus! E não tens uma alma? Pois, chama tuas riquezas, chama teus filhos ou sobrinhos para virem em teu auxílio na hora da morte e te livrarem do inferno, se vieres a condenar-te.

Não imagines que possas fazer ir de acordo Deus e o mundo, o céu e os pecados. A salvação não é um negócio que se possa tratar por alto; mister é que te faças violência, mister é que empenhes todas as tuas forças, se quiseres ganhar a coroa imortal. Quantos cristãos se iludiram com a ideia de que mais tarde serviriam a Deus e se salvariam e agora estão no inferno! Que loucura, pensar sempre no que passa tão breve e pensar tão pouco no que nunca terá fim!

Ah! Meu irmão, não sejas do número daqueles insensatos. Se no passado te descuidaste da salvação, começa ao menos agora a pensar seriamente em tua sorte e dize a ti mesmo: tenho uma alma só; se a perder, terei perdido tudo. Tenho uma alma só; se à custa desta minha alma ganhasse o mundo, de que me serviria? Se me tornar uma celebridade, mas perder minha alma, de que me aproveitara? Se amontoar riquezas e engrandecer minhas casa, mas perder a alma, que proveito tirarei? De que serviram as grandezas, os prazeres, as vaidades a tantos que viveram neste mundo e agora ficaram reduzidos a pó numa cova, enquanto sua alma foi relegada ao fundo do inferno? – Se, pois, a alma é minha, se tenho uma alma só, se, perdendo-a uma vez, perco-a para sempre, devo pensar bem seriamente em minha salvação. Este negócio é supremamente importante. Trata-se de ser ou sempre feliz ou sempre infeliz.

Ó meu Deus, confesso, para minha confusão, que até agora fui cego e errei longe de Vos; não pensei em salvar a minha única alma. Ó Pai celestial, salvai-me, pelos méritos de Jesus Cristo: ficarei satisfeito perdendo todas as coisas, contanto que não Vos perca, ó Deus meu! – Maria, minha esperança, salvai-me pela vossa intercessão.

Referências:

(1) Lc 1, 50
(2) 2 Mac 6, 14

 Terça-feira da Décima Nona Semana do Tempo Comum

A morte dos Santos é preciosa

Pretiosa in conspectu Domini mors sanctorum eius – “Preciosa é aos olhos do Senhor a morte de seus Santos” (Sl 115, 5)

Sumário. A morte assusta os pecadores, que sabem que da primeira morte, do estado de pecado, passarão à segunda, que é eterna. A morte é, porém, o consolo das almas boas, que, confiadas nos merecimentos de Jesus Cristo, tem indícios suficientes para estarem moralmente certas de se achar na graça de Deus. Para estas a morte é preciosa, porque é um repouso suave depois das angústias padecidas no combate contra as tentações, ou em aplacar os temores e os escrúpulos de desagradar ao Senhor. Oh, que consolo poder dizer: Nunca mais ofenderei ao meu Deus!

I. A morte assusta os pecadores, que sabem que da primeira morte, do estado de pecado, passarão à segunda, que é eterna. Não amedronta, porém, as almas boas, que, confiadas nos méritos de Jesus Cristo, têm suficientes indícios para terem certeza moral de que se acham na graça de Deus. – Por isso aquele Proficiscere: Parte, ó alma, deste mundo, que tanto perturba os que morrem contra a sua vontade, não perturba os santos, que desprenderam o coração de todo o amor terrestre e com todas as verás sempre disseram: Deus meus et omnia – “Meu Deus e meu tudo”.

Para estes a morte não é um tormento, mas o repouso depois das angústias padecidas no combate contra as tentações e das inquietações causadas pelos escrúpulos e temores de ofender a Deus. Neles se realiza o que escreve São João:

Beati mortui qui in Domino moriuntur! Amodo iam dicit Spiritus: ut requiescant a laboribus suis (1) – “Bem-aventurados os mortos que morrem no Senhor! Desde agora diz o Espírito que descansem de seus trabalhos”.

– Quem morre no amor de Deus, não se perturba pelas dores que acompanham a morte; muito ao contrário, nelas se compraz, oferecendo-as a Deus como os últimos restos da sua vida. Oh! Que paz tão profunda goza o que morre resignado, abraçado com Jesus Cristo, que escolheu para si uma morte amargosa e desolada, a fim de nos obter uma morte suave e resignada!

Ó meu Jesus, Vós sois meu Juiz, mas sois também meu Redentor, que morreu para me salvar. Não era mais digno de Vos amar, mas, pelos vossos benefícios, me atraístes a vosso amor. Se é vossa vontade que eu morra desta doença, de boa mente aceito a morte. Sei que não mereço entrar logo no céu; contente estou de ir ao purgatório para ali padecer quanto Vos agrada. A minha pena mais grave será ver-me longe de Vós, suspirando por ir ver-Vos e amar-vos face a face. Portanto, meu amado Salvador, tende piedade de mim.

II. Não se pode viver nesta vida sem culpas. Eis o motivo porque as almas amantes de Deus desejam a morte. Este pensamento enchia o Padre Vicente Carafa de consolação na hora da morte; ele disse: “Visto que acabo de viver, acabo de ofender ao meu Deus”. Certa pessoa mandou, aos que a assistiam, que na hora da morte lhe repetissem muitas vezes estas palavras: Consola-te, visto ter chegado o tempo em que não poderás mais ofender a teu Senhor.

Com efeito, o que é para nós nosso corpo senão uma prisão, na qual a alma está encarcerada sem poder unir-se a seu Deus? Pelo que o amante São Francisco exclamou na hora da morte, com o Profeta: Educ de custodia animam meam (2) – Senhor, livrai-me a alma deste cárcere que a impede de Vos contemplar. – São Pionio Mártir, quando já estava ao pé do patíbulo, mostrou-se tão alegre, que as pessoas presentes, admiradas de tão grande alegria, lhe perguntaram, como é que podia estar tão radiante de alegria, estando tão próximo da morte. “Estais enganados”, respondeu o Santo, “eu não vou à morte, mas à vida que me fará viver eternamente.”

Meu dulcíssimo Jesus, graças Vos dou por não me terdes deixado morrer quando estava em vossa desgraça e por Vos haverdes conquistado meu coração pela grande bondade que tivestes para comigo. Quando penso nos desgostos que Vos causei, quereria morrer de dor. Em vossas mãos deposito a minha alma que já estava perdida. Lembrai-Vos, Senhor, de que a resgatastes com o preço de vossa morte: Redemisti me, Domine, Deus veritatis (3). – Amo-Vos, ó bondade infinita, e desejo sair já deste mundo para Vos ir amar com amor mais perfeito no céu. Mas, enquanto ficar ainda nesta terra, fazei-me sempre conhecer melhor a obrigação que tenho de Vos amar. Meu Deus, dignai-Vos aceitar-me: sou todo vosso, a Vós me consagro e em Vós confio pelos merecimentos de Jesus Cristo. – Ó Maria, minha esperança, confio também na vossa intercessão.

Referências:

(1) Ap 14, 13
(2) Sl 114, 8
(3) Sl 30, 6

 Quarta-feira da Décima Nona Semana do Tempo Comum

Condições da oração

Petitis et non accipitis, eo quod male petatis – “Pedis e não recebeis, porque pedis mal” (Tg 4, 3)

Sumário. Muitas pessoas rezam e não obtém nada, porque não pedem como convém. Para bem rezar é preciso, primeiro a humildade, porque Deus resiste aos soberbos. Em segundo lugar é preciso a confiança, que nos faz esperar tudo pelos merecimentos de Jesus Cristo e pela intercessão de Maria Santíssima. Mas, sobretudo, é necessária a perseverança, pois que, para nosso bem, Deus alguma vez demora em atender e quer ser vencido pela nossa importunação. Têm as tuas orações sempre estes três requisitos?

I. Muitas pessoas rezam e não obtém nada, porque não pedem como convém: Petitis et non accipitis, e o quod male petatis. Para bem rezar é preciso, em primeiro lugar, a humildade. Deus resiste aos soberbos e não lhes atende os pedidos; mas dá a sua graça aos humildes (2), e não deixa os seus pedidos sem os deferir.

“A oração do que se humilha, penetrará as nuvens e não se retirará enquanto o Altíssimo não puser nela os olhos.” (3)

E isto acontece, ainda que a pessoa tenha sido anteriormente pecador, porquanto Deus não desprezará um coração contrito e humilhado (4).

Em segundo lugar, é preciso a confiança, que nos faz esperar tudo pelos merecimentos de Jesus Cristo e pela intercessão de Maria Santíssima. Nullus speravit in Domino et confusus est (5) – “Ninguém esperou no Senhor e ficou confundido”. Ensina-nos Jesus Cristo mesmo que, quando tenhamos alguma graça a pedir, não o chamemos com outro nome, além do de Pai: Pater noster, a fim de que oremos com toda a confiança que é própria do filho para com o pai. O que pede com confiança obtém tudo. “Eu vos digo”, assim fala o Senhor, “que todas as coisas que pedirdes orando, crede que as recebereis, e ela vos acudirão.” (6)

E quem pode recear, pergunta Santo Agostinho, ser enganado no que foi prometido pela própria Verdade, que é Deus? A Escritura nos afiança que Deus não é como os homens, que prometem e depois faltam à palavra, ou porque mentem quando prometem, ou porque mudam de vontade. Dixit ergo, et non faciet? (7) Santo Agostinho ainda acrescenta: Se o Senhor não nos quisesse conceder as graças, para que nos havia de exortar continuamente a pedir-lhas? Prometendo, contraiu a obrigação de nos dar as graças que lhe suplicarmos. Promittendo, debitorem se fecit.

II. O que importa sobretudo, é ter perseverança na oração. Diz Cornélio a Lapide que o Senhor “quer que sejamos perseverantes na oração até a importunação. É o que significam os textos seguintes da Escritura: É preciso orar sempre (8); Vigiai sempre, orando (9); Orai sem cessar (10). É o que significam ainda estas repetições: Pedi e recebereis; buscai e achareis; batei à porta e ela se vos abrirá (11). Bastava ter dito: pedi, petite; mas o Senhor nos quis fazer compreender que devemos seguir o exemplo dos mendigos, que nunca deixam de pedir, de insistir e de bater à porta, enquanto não tenham recebido alguma esmola.

A perseverança final, especialmente, é uma graça que se não obtém sem oração contínua. Nós não podemos merecer a perseverança, mas merecemo-la de algum modo, diz Santo Agostinho, por meio das orações. Rezemos, pois, sempre, e não deixemos de rezar, se nos quisermos salvar. Os confessores e os pregadores nunca deixem de exortar à oração, se quiserem que as almas se salvem; porquanto o que reza certamente se salva, e o que não reza certamente se condena.

Meu Deus, tenho confiança de que já me perdoastes; mas meus inimigos não deixarão de me combater até à morte. Se não me socorrerdes, sucumbirei de novo. Suplico-Vos, pelos merecimentos de Jesus Cristo, que me concedais a santa perseverança. Não permitais que me afaste de Vós. Peço-Vos o mesmo favor para todos os que estão atualmente na vossa graça. Confiado em vossas promessas, estou certo de que me dareis a perseverança, se continuar a pedi-la. Receio, porém, que nas tentações deixe de recorrer a Vós, e assim torne a cair no pecado. Peço-Vos, pois, a graça de nunca deixar de rezar. – Fazei que nas ocasiões perigosas me recomende sempre a Vós e chame em meu auxílio os santíssimos Nomes de Jesus e Maria. É o que estou resolvido a fazer sempre, e espero fazê-lo pela vossa graça. Atendei-me pelo amor de Jesus Cristo. – Ó Maria, minha Mãe, fazei que nos perigos de perder o meu Deus sempre recorra a vós e a vosso Filho.

Referências:

(1) Sl 30, 6
(2) Tg 4, 6
(3) Eclo 35, 21
(4) Sl 50, 19
(5) Eclo 2, 11
(6) Mc 11, 24
(7) Nm 23, 19
(8) Lc 18, 1
(9) Lc 21, 36
(10) 1 Ts 5, 17
(11) Lc 11, 9

 Quinta-feira da Décima Nona Semana do Tempo Comum

Da oração feita diante do Santíssimo Sacramento

In conspectu angelorum psallam tibi, adorabo ad templum sanctum tuum – “À vista dos anjos te cantarei salmos; eu te adorarei no teu santo templo” (Sl 137, 2)

Sumário. Depois da oração feita na comunhão, a que se faz na presença de Jesus sacramentado é a mais agradável a Deus e a mais proveitosa para nós. Sim, porque o Senhor está ali presente exatamente para consolar a todos que o vêm visitar e expor-lhe as suas necessidades, e, portanto, dispensa as suas graças com mais abundância. Procuremos, pois, visitar frequentemente o Santíssimo Sacramento e fazer na sua presença as orações que temos por hábito fazer durante o dia.

I. Depois da oração feita na santa comunhão, a que se faz na presença de Jesus Cristo no Sacramento do Altar é a mais agradável a Deus e a mais proveitosa para nós. Sim, pois que o Senhor, embora esteja em toda a parte, pronto a atender ao que reza, todavia no Santíssimo Sacramento dispensa as graças com mais abundância; porque se deixa ficar de dia e de noite em nossas igrejas exatamente para consolar a todos os que o vêm visitar e recomendar-Lhe suas necessidades.

É certo que, se em toda a terra houvesse só uma igreja como residência de Jesus Cristo sobre o altar, ela estaria continuamente repleta de fiéis, ocupados em venerar nosso Salvador que se digna ficar incessantemente conosco sob as espécies de pão. Mas porque Ele quis estar presente em tantas igrejas a fim de se fazer achar pelos que O amam, eis que em muitas igrejas Ele fica só durante a maior parte do dia.

Mas, se os seculares não cuidam em visitar a Jesus sacramentado e o deixam só, ao menos os eclesiásticos e os religiosos, que formam a parte escolhida da corte de Jesus, deviam visitá-Lo constantemente. Nos palácios dos príncipes nunca falta quem os procure, especialmente os que moram no próprio palácio. Tais são os religiosos em seus mosteiros; eles têm a honra de morar no palácio que o Rei do céu se elegeu na terra, e, portanto na frase do Padre Balthazar Alvarez, podem visitá-Lo sempre quando quiserem, de dia e de noite. É isso também o que arrancava lágrimas ao grande servo de Deus: ver os palácios dos grandes cheios de gente, e as igrejas, onde reside Jesus Cristo, ermas e abandonadas.

II. O Padre Salésio, da Companhia de Jesus, só de ouvir falar no Santíssimo Sacramento, ficava transbordado de consolação e não se enfadava de O visitar. Se o chamavam à portaria, se voltava à sua cela, ou ia de um para outro lugar na casa, aproveitava sempre estas ocasiões para renovar suas visitas a seu amado Senhor. Observou-se que dificilmente passava uma hora do dia sem que o visitasse. É o que tu também deves fazer. Enquanto possível, procura fazer na presença de Jesus sacramentado todas as orações que tens por hábito fazer cada dia, como sejam: o terço, as horas canônicas, a meditação, etc.

Não deves, porém, ir à igreja para provar doçuras e consolações; mas unicamente para agradar a Deus, pedindo-Lhe que apague o ardor de tuas paixões e te enriqueça de suas virtudes. Deves sobretudo ocupar-te ali em fazer atos de amor, consagrando-te inteiramente à Jesus, e comprazendo-te, à imitação dos Bem-aventurados no céu, na felicidade infinita de que goza.

– Semelhantes atos de amor, produzidos diante do diviníssimo Sacramento, muito embora sem doçura sensível, são muito agradáveis a Deus e serão talvez mais proveitosos a ti do que os outros exercícios piedosos do dia.

Ó Serafins, vós ardeis em vivas chamas de amor diante de vosso e meu Senhor; e, contudo, não é por vosso amor que este Rei do céu quis ficar neste Sacramento, mas sim por amor de mim. Ó anjos amantíssimos, permiti que eu também arda do mesmo amor; acendei em mim o fogo que vos devora, a fim de que eu arda como vós e convosco. – E Vós, ó Senhor, que estais aí encerrado no Tabernáculo, para ouvir as súplicas dos miseráveis que Vos vêm pedir audiência, escutai agora a súplica que Vos faz o pecador mais ingrato de todos.

Conhecendo a vossa amabilidade infinita, sinto-me cativado pelo vosso amor e tenho um grande desejo de Vos amar e de Vos agradar por meio de frequentes visitas. Não tenho, porém, forças de o fazer, se Vós não me ajudardes. Conheça todo o paraíso a grandeza do vosso poder e a imensidade da vossa clemência em fazer-me, de rebelde que tenho sido, grande amante vosso. Supri a tudo que me falta, a fim de que chegue a amar-Vos muito, ao menos tanto quanto Vos ofendi. Fazei-o, ó meu Jesus, pelo amor da vossa e minha querida Mãe, Maria.

 Sexta-feira da Décima Nona Semana do Tempo Comum

O abandono de Jesus sobre a Cruz e a pena de dano no inferno

Sustinui qui simul contristaretur, et non fuit, et qui consolaretur, et non inveni – “Esperei se algum se entristecia comigo, e não houve ninguém; esperei se alguém me consolava, e não achei” (Sl 68, 21)

Sumário. O que mais atormentou Jesus, pregado na cruz, foi o abandono completo em que se viu. Não achando na terra quem o console, levanta os olhos para o Pai Celestial. Este, porém, vendo-o carregado dos nossos pecados, recusa-se a dar-lhe alívio e deixa-o morrer sem consolo. O Senhor quis padecer um abandono tão cruel, para nos livrar de outro abandono mais cruel ainda, qual é a pena de dano no inferno. Contudo, quão poucos são os que cuidam em render-Lhe graças, e em retribuir-lhe o seu amor!

I. São Lourenço Justiniani diz que a morte de Jesus Cristo foi a mais amarga e a mais dolorosa de todas, pois que o Redentor morreu na cruz sem o mais pequeno alívio. Nas outras pessoas que sofrem, a pena é sempre aliviada, ao menos por algum pensamento consolador; mas a dor e aflição de Jesus padecente foi uma dor pura, uma aflição sem alívio. Por esta razão, São Bernardo, contemplando o Salvador morto sobre a cruz, Lhe diz, suspirando: Meu amado Jesus, olhando-Vos sobre esta cruz, desde a cabeça até aos pés, não vejo senão dor e aflição.

A pena, porém, que mais atormenta o coração amante de Jesus é o abandono completo em que se acha; eis porque Jesus se queixa pela boca do Profeta: Esperei se alguém me consolava, e não achei. – Maria Santíssima conservava-se, é verdade, ao pé da cruz, a fim de lhe procurar algum alívio se pudesse; mas esta Mãe terna e aflita contribuiu antes pela dor que lhe causava a sua compaixão, a aumentar a pena do Filho que tanto a amava. São Bernardo diz que as dores de Maria contribuíam todas para afligir mais o Coração de Jesus; de tal sorte que, quando o Salvador lançava os olhos para sua Mãe aflita, sentiu o coração mais penetrado das dores de Maria que das suas, como a mesma Bem-aventurada Virgem o revelou a Santa Brígida.

Jesus, então, vendo que não achava na terra quem o consolasse, elevou os olhos e o coração a seu Pai, para lhe pedir alívio; mas o Eterno Pai, vendo seu Filho em forma de pecador, Lhe disse: Não, meu Filho, não te posso consolar agora, que estás satisfazendo à minha justiça por todos os pecados dos homens. É justo que te entregue a teus padecimentos e te deixe morrer sem algum alívio. Foi então que nosso Salvador exclamou em alta voz: “Meu Deus, meu Deus, porque me desamparaste?” – Clamavit Iesus você magna, dicens: Deus meus, Deus meus, ut quid dereliquisti me? (1) Ó abandono tão cruel para o Coração de Jesus!

II. A reflexão sobre a pena que sofreu Jesus Cristo, vendo-se abandonado de todos, chama nossa atenção sobre a desgraça terrível da alma abandonada para sempre de Deus no inferno. São grandes as outras penas daquele lugar de tormentos (2): o fogo que devora, as trevas que ofuscam, os gritos lancinantes dos réprobos que ensurdecem, o mau cheiro que infecciona, a estreiteza que oprime: todas estas penas, porém, não são nada em comparação com a perda de Deus. Foi desta perda irreparável que o Coração de Jesus nos quis livrar, aceitando tão cruel abandono sobre a cruz. E nós nem sequer pensamos em Lhe dar graças!

Ah, meu terno Jesus, queixais-Vos sem razão, quando dizeis: Meu Deus, porque me abandonastes? Porque, assim direi eu, porque Vos quisestes encarregar de pagar por nós? Não sabíeis que por nossos pecados merecíamos ser abandonados de Deus? Foi, pois, com justiça que vosso Pai Vos abandonou e Vos deixa morrer num mar de dores e amarguras. Ah, meu Salvador, vosso abandono aflige-me e me consola: aflige-me, porque Vos vejo morrer entregue a tantos sofrimentos, mas consola-me, porque me faz esperar que, pelos vossos merecimentos, não serei abandonado da divina misericórdia, como merecia, por Vos haver abandonado tantas vezes para seguir os meus caprichos.

Fazei-me compreender, ó Senhor, que, se vos foi tão penoso o ser privado por alguns momentos da presença sensível da Divindade, qual seria o meu suplício, se fosse privado de Deus para sempre. Suplico-Vos, pelo cruel abandono que sofrestes, que nunca me abandoneis, ó meu Jesus, sobretudo no artigo da morte. Quando todos me tiverem abandonado, não me abandoneis Vós, meu Salvador. Ah! Meu Senhor, abandonado de todos, sede o meu consolo nas desolações. Sei que, se eu Vos amar sem consolação, mais contentarei o vosso Coração. Mas Vós conheceis a minha fraqueza; dai-me perseverança, paciência e resignação. – Ó Maria, a Vós também peço esta graça, que espero obter pelos merecimentos da dor que sentistes, vendo vosso Filho abandonado de todos.

Referências:

(1) Mt 27, 46
(2) Lc 16, 28

 Sábado da Décima Nona Semana do Tempo Comum

Maria Santíssima é o refúgio dos pecadores

Convenite et ingrediamur civitatem munitam; et sileamus ibi – “Ajuntai-vos, e entremos na cidade fortificada, e guardemos aí silêncio” (Jer 8, 14)

Sumário. Nas cidades antigas de refúgio, não achavam abrigo todos os delinquentes, nem para toda a espécie de delitos. Mas debaixo do manto da proteção de Maria, todo o pecador acha refúgio, seja qual for o crime cometido; porquanto foi esta a vontade de Deus constituindo-a Refúgio dos pecadores. Não desanimemos, pois, meu irmão; mas, seja qual for o nosso estado, chamemos a divina Mãe em nosso auxílio e acha-la-emos sempre pronta a ajudar-nos em todas as necessidades. Invoquemo-la especialmente sob o título que ela preza tanto, de Mãe do Perpétuo Socorro.

I. Um dos títulos com que a santa Igreja nos manda recorrer a Maria, e que mais anima os pobres pecadores, é o titulo de Refúgio dos pecadores. Antigamente havia na Judéia umas cidades de refúgio, aonde iam parar os delinquentes para ficarem livres do castigo que mereciam. Agora não há tantas cidades de refúgio como então, mas há uma só, que é Maria, da qual está escrito: Gloriosa dicta sunt de te, civitas Dei (1) — “Coisas gloriosas se têm dito de ti, ó cidade de Deus”. Há, porém, uma diferença. Nas cidades antigas não havia refúgio para todos os delinquentes, nem para toda a espécie de delitos; mas, debaixo do manto de Maria todos os pecadores acham refúgio; seja qual for o delito que hajam cometido: basta que a ela recorram para se refugiarem. Pelo que São João Damasceno a faz dizer: “Eu sou a cidade de refúgio para todos aqueles que vêm a mim.” O Bem-aventurado Alberto Magno aplica à Virgem Maria estas palavras de Jeremias: Ajuntai-vos, e entremos na cidade fortificada.

Logo que alguém entrar nesta cidade mística, recuperará a graça divina. Nem sequer lhe é preciso falar para ser salvo. Et sileamus ibi — “Guardemos aí silêncio”. Sim, porque a Virgem piedosa, vendo-nos sem ânimo de pedir ao Senhor, falará por nós, e tão eficazmente, que, conforme a revelação de Jesus Cristo à Santa Brígida, ela obteria o perdão mesmo para Lúcifer, se (coisa aliás impossível) o espírito orgulhoso se humilhasse a pedir-lhe proteção.

Numa palavra, conclui São Bernardo, que Maria não tem horror de qualquer pecador, por imundo e abominável que seja. Contanto que recorra a Maria e lhe implore misericórdia, ela, o Refúgio dos pecadores, não hesitará em lhe dar a mão piedosa, a fim de o arrancar do fundo da desesperação. Oh! seja sempre bendito e louvado nosso Deus, que nos deu uma Mãe tão doce e tão benigna. — ó Maria, infeliz de quem não vos ama! Infeliz de quem não recorre a vós, não confia em vós.

II. Meu irmão, seja qual for o estado da tua alma, ouve como São Basílio te anima: “Não desanimes”, diz o Santo, “mas em todas as tuas necessidades recorre a Maria; chama-a em teu auxílio, sempre a acharás pronta a te socorrer; pois que é esta a vontade de Deus, que ela socorra a todos e em todas as necessidades.”

Invoca-a especialmente sob o título que lhe é tão caro, o de Mãe do Perpétuo Socorro. — Esta Mãe de misericórdia tem tão grande desejo de salvar os pecadores mais perdidos, que ela mesma os vai procurando para os auxiliar. Quanto mais, portanto, não auxiliará aos que a ela recorrem! Só se perde quem não recorre a Maria; mas quem jamais se perdeu depois de ter recorrido a ela e posto nela a sua confiança?

† Ó Mãe do Perpétuo Socorro, eis aqui a vossos pés um pobre pecador, que recorre a vós e em vós confia, ó Mãe de misericórdia, compadecei-vos de mim. Eu ouço como todos vos chamam refúgio e esperança dos pecadores; sede, pois, meu refúgio e esperança minha. Socorrei-me pelo amor de Jesus Cristo; estendei a mão a um pobre pecador que se vos recomenda e para sempre se consagra ao vosso serviço. Eu dou graças e louvores a Deus, que na sua misericórdia me inspirou esta confiança em vós, a qual eu considero como penhor da minha eterna salvação. Se até agora tantas vezes tenho caído, foi por não ter recorrido a vós. Sei que por meio do vosso auxílio vencerei, e também que vós me acudireis, sempre que vos invocar; mas o que temo é esquecer-me de vós nas ocasiões do pecado, e assim me perder. Eis, pois, a graça que vos peço e encarecidamente vos suplico, de recorrer sempre a vós em todos os assaltos do inferno, dizendo: Ó Maria, valei-me; ó Mãe do perpétuo socorro, não permitais que eu perca a meu Deus (2).
11ª parte

 Vigésima Semana do Tempo Comum

(Undécima Semana depois de Pentecostes)

Domingo: O Fariseu e o Publicano

Segunda-feira: Malícia do Pecado Mortal

Terça-feira: A alma culpada diante do Juiz Divino

Quarta-feira: Pena de dano que os réprobos sofrem no inferno

Quinta-feira: A Missa é um sacrifício de agradecimento proporcionado à divina beneficência

Sexta-feira: Das humilhações e desprezos que Jesus Cristo sofreu

Sábado: Maria Santíssima, modelo de humildade

 Vigésimo Domingo do Tempo Comum

O Fariseu e o Publicano

Duo homines ascenderunt in templum, ut orarent: unus pharisaeus et alter publicanus – “Subiram dois homens ao templo a fazer oração; um fariseu e outro publicano” (Lc 18, 10)

Sumário. Da parábola do Evangelho de hoje bem se conclui que, se a virtude de humildade nos é necessária sempre em toda parte, ela nos é mais indispensável ainda na oração; e especialmente quando vamos à igreja, que é casa de oração. Quem não é humilde, não espere ser atendido, pois que o Senhor protesta que “o que se exalta, será humilhado”. Lancemos um olhar sobre nós mesmos e, reprovando a altivez do fariseu, procuremos imitar sempre o procedimento tão humilde do publicano.

I. Eis aqui a bela parábola que Jesus Cristo propôs a uns que confiavam em si mesmos como se fossem justos e desprezavam os outros. “Subiram dois homens ao templo a fazer oração, um fariseu e outro publicano. O fariseu, em pé, orava, em seu interior, desta forma: Graças te dou, meu Deus, porque não sou como os demais homens, que são uns ladrões, uns injustos, uns adúlteros, nem como é este publicano. Jejuo duas vezes na semana; pago dízimo de tudo que tenho. O publicano, pelo contrário, posto lá de longe, não ousava nem sequer levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Meu Deus, sê propício a mim, pecador. – Digo-vos que este voltou justificado para sua casa, e não o outro; porque todo o que se exalta será humilhado e todo o que se humilha, será exaltado: “Omnis qui se exaltat, humiliabitur; et qui se humiliat, exaltabitur.”

Desta parábola, meu irmão, pode-se deduzir que, se a virtude da santa humildade nos é necessária sempre e em toda parte, ela nos é mais indispensável ainda quando dirigimos a Deus as nossas orações, e especialmente quando estamos na igreja, que é a Casa de oração. – Quem não é humilde, não espere ser atendido; porquanto Deus não pode suportar aqueles orgulhosos que confiam em suas próprias forças e se julgam melhores que os outros. Por isto, como escreve São Tiago (1), resiste aos pedidos dos orgulhosos, não os ouve, não os defere, antes os rejeita. Muitas vezes as próprias orações daqueles orgulhosos, segundo a expressão do Salmista, mudam-se em pecado: Et oratio fiat in peccatum (2) – “A sua oração se lhe impute a pecado”.

Ao contrário, o Senhor não sabe desprezar um coração contrito e humilhado, ainda que no passado tenha sido grande pecador; para com este é liberal de suas graças. É-lhe, por assim dizer, impossível deixar de atendê-lo; pois que, como nos assegura o Eclesiástico: “A oração do humilde penetrará as nuvens e não se consolará enquanto não chegar até o Altíssimo e não se retirará até que o Senhor ponha nele os olhos.” (3)

– Numa palavra, assim conclui Santo Agostinho: Quando alguém se humilha, Deus lhe vai ao encontro para o abraçar; mas quando alguém se exalta e se gloria da sua sabedoria, das suas ações, Deus afasta-se dele e o abandona, de sorte que infalivelmente será humilhado.

II. Eis, pois, meu irmão, o que tens de fazer, se desejas que Deus atenda a teus pedidos, te perdoe as faltas cometidas e te faça sempre progredir mais no caminho da perfeição: Ao passo que reprovas o orgulho e a arrogância do fariseu, procura imitar a humildade do bom publicano, de quem fala a parábola do Evangelho,

Vê como ele fica, o mais possível, longe do altar: a longe stans, reconhecendo-se desta maneira indigno de estar na presença de Deus e na companhia de homens de bem. – O pejo que ele tem de seus pecados, confunde-o a ponto de nem sequer se atrever a levantar os olhos ao céu: Nolebat nec oculos ad coelum levare. Finalmente, batendo nos peitos em sinal de arrependimento, repete incessantemente: Meu Deus, tende piedade de mim, pecador; palavras estas que, em contraste com o fariseu, o fazem voltar para casa justificado: Descendit hic iustificatus in domum suam.

Por este exemplo deves modelar a tua oração a fim de que seja aceita de Deus; com a única diferença, porém, de que, como o publicano, por temor reverencial, ficou longe do sagrado altar, assim, acedendo ao desejo de Jesus Cristo, te aproximes dele o mais possível, para receber a santa comunhão ou celebrar o sacrifício divino. Lembrado de tua indignidade, aproxima-te sempre, não só com amor, mas também com temor e tremor (4); admirando-te de como Deus se dignou de te admitir entre os convidados à sua mesa eucarística.

Quando tiveres recebido teu Senhor dentro de ti, humilha-te mais ainda na presença de sua Majestade divina e dize com o mesmo publicano: Ó Deus, sê propício a mim, pecador.
– “Ó meu Deus, que manifestais a vossa onipotência particularmente em perdoar e usar de misericórdia, multiplicai sobre mim a vossa misericórdia, para que, atraído pelas vossas promessas, me façais participante dos bens celestes.” (5)
– Fazei-o pelo amor de Maria Santíssima.

Referências:

(1) Tg 4, 6
(2) Sl 108, 7
(3) Eclo 35, 21
(4) Ef 6, 5
(5) Or. Dom. curr.

 Segunda-feira da Vigésima Semana do Tempo Comum

Malícia do Pecado Mortal

Tetendit enim adversus Deum manum suam, et contra omnipotentem roboratus est – “Estendeu a sua mão contra Deus e se fez forte contra o Todo Poderoso” (Jó 15, 25)

Sumário. Para nos induzir ao pecado, o demônio nos deixa ver o pecado somente à metade, mostrando-nos o deleite que nos traz e não o mal que encerra. Consideremos, porém, que esta malícia, pela injúria que faz a Deus, é tão grande que, se todos os homens e anjos se oferecessem a morrerem ou mesmo a aniquilarem-se, não poderiam satisfazer por um só pecado. Um verme da terra revolta-se contra a Majestade infinita. Ah, Senhor! Pelo amor de Jesus Cristo, iluminai-me para compreender a malícia do pecado.

I. Que faz aquele que comete pecado mortal? Injuria a Deus. Segundo Santo Tomás, a malícia de uma injúria mede-se pela pessoa que a recebe e não pela que a faz. A injúria feita a um arrieiro é um mal; feita a um nobre, é um mal maior; feita a um monarca, muito maior ainda.

Quem é Deus?

É o Rei dos reis, o Senhor dos senhores: Dominus dominantium est et rex regum (1). Deus é a Majestade infinita; perante Ele são menos que um grão de areia todos os príncipes da terra, todos os Santos e todos os Anjos do céu: Quasi stillae situlae, pulvis exiguus (2). O Profeta ainda acrescenta que diante da grandeza de Deus, todas as criaturas são de tal modo pequenas, que é como se não existissem: Omnes gentes quasi non sint, sic sunt coram eo (3). Eis aí o que é Deus.

E que é o homem?

Saccus stercorum, cibus vermium, responde São Bernardo. O homem é um vil montículo de corrupção, pasto dos vermes, que em breve o hão de devorar. O homem, continua o santo Doutor, é um verme miserável que nada pode, um pobre nu que nada tem. – E é este verme miserável que se atreve a injuriar a Deus; é este vilíssimo grão de pó que não hesita em excitar a cólera terrível da Majestade divina: Tam teribilem maiestatem audet vilis pulvisculus irritare!

Tem, pois, razão o Doutor Angélico em dizer que o pecado do homem contém de algum modo malícia infinita – Peccatum habet quamdam infinitatem malitiae, ex infinitate divinae maiestatis (4). Santo Agostinho chama o pecado, de um modo absoluto, um mal infinito: infinitum malum. – D’onde se segue que todos os homens e todos os anjos não poderiam satisfazer por um só pecado, ainda que à morte e ao aniquilamente se oferecessem. Deus castiga o pecado mortal com o grande suplício do inferno; mas, qualquer que seja o castigo, todos os teólogos são unânimes em dizer que fica abaixo do que o pecado merece: citra condignum. E que pena poderia jamais castigar, como merece, o verme que se levanta contra seu Senhor?

II. Sendo tão grande e horrorosa a malícia de um pecado mortal, como é que ele é cometido tão frequentemente até por cristãos? “Isso é devido”, responde São Leonardo de Porto Maurício, “a uma arte hábil do demônio, que nos mostra o pecado só pela metade; o que quer dizer que nos deixa ver o encanto e deleite que nos traz o pecado e não a malícia e monstruosidade que ele encerra.” Oh, se todos soubessem o que é o pecado mortal! Ao menos tu, meu irmão, a quem Deus concedeu a graça de meditar hoje na hediondez deste monstro, fica sempre longe, afastado dele. E se no passado tens ofendido o teu bom Deus, pede-lhe agora humildemente perdão.

É verdade, meu Senhor, Vós me haveis distinguido, acima dos outros, com os vossos benefícios; e eu Vos fiz objeto preferido das minhas ofensas, injuriando-Vos mais que a qualquer conhecido meu. Ó Coração angustiado do meu Redentor, que sobre a cruz fostes tão aflito e atormentado à vista de meus pecados, concedei-me, pelos vossos merecimentos, um claro conhecimento e uma viva dor dos meus pecados. Ah, meu Jesus, vejo-me cheio de vícios, mas Vós sois todo poderoso; podeis, portanto, encher-me de vosso santo amor. Tenho confiança em Vós, que sois a bondade, a misericórdia infinita. Ó meu Bem soberano, pesa-me de Vos ter ofendido. Oxalá tivesse morrido antes de Vos ofender e nunca Vos tivesse causado desgosto!

Ó Senhor, eu vivi esquecendo-me de Vós, mas Vós não Vos esquecestes de mim; prova-mo a luz que nesta hora me comunicais. Visto me haverdes dado a luz, dai-me também força para Vos ser fiel. Prometo antes morrer mil vezes do que voltar-Vos novamente as costas; mas as minhas esperanças estão em vosso auxílio: In te, Domine, speravi, non confundar in aeternum (5) – “Em Vós, Senhor, esperei, não serei confundido”.

– A vós também, ó Maria, minha Soberana, me dirijo: In te, Domina, speravi, non confundar in aeternum – “Em vós, ó Senhora, esperei; não serei nunca confundido”. Ó minha Esperança, em vós confio que nunca tornarei a ser inimigo do vosso Filho. Rogai-lhe que me deixe antes morrer do que entregar-me a esta suprema desgraça.

Referências:

(1) Ap 17, 14
(2) Is 40, 15
(3) Is 40, 17
(4) Suma Teológica 3, q. 2, c. 2 ad 2.
(5) Sl 30, 1

 Terça-feira da Vigésima Semana do Tempo Comum

A alma culpada diante do Juiz Divino

Omnes nos manifestari oportet ante tribunal Christi – “Todos nós devemos manifestar-nos diante do tribunal de Cristo” (2 Cor 5, 10)

Sumário. Têm-se visto criminosos banhados em suor frio, na presença de um juiz terrestre. Que maior terror não deve sentir o pecador diante do tribunal de Jesus Cristo? Ó céus! Verá acima de si o Juiz irritado, por baixo o inferno aberto, a um lado os pecados que o acusam, ao outro os demônios armados para o seu suplício. O Bem-aventurado Juvenal Ancina, impressionado por esta grande verdade, resolveu deixar o mundo e fez-se religioso. Meu irmão, o que farás? Continuarás a viver em teu estado de tibieza?

I. É sentimento comum entre os teólogos, que o juízo particular se faz logo que o homem expira, e que no próprio lugar onde a alma se separa do corpo, aí é julgada por Jesus Cristo, que não manda alguém em seu lugar, mas vem ele mesmo para a julgar. Qual não será o espanto daquele que, vendo pela primeira vez seu Redentor, o vir indignado!

Ante faciem indignationis eius quis stabit? (1) – “Diante da face de sua indignação quem é que poderá subsistir?” Este pensamento causava tal estremecimento ao Padre Luiz Dupont, que fazia tremer consigo a cela onde se achava. O Bem-aventurado Juvenal Ancina, ouvindo cantar o Dies irae, e pensando no terror que se há de apoderar da alma ao comparecer em juízo, resolveu deixar o mundo, o que efetivamente fez. – O aspecto do Juiz indignado será o anúncio da condenação: Indignatio regis, nuntii mortis (2). Segundo São Bernardo, será maior sofrimento para a alma ver Jesus Cristo indignado do que estar no inferno.

Têm-se visto criminosos banhados em suor frio na presença de um juiz terrestre. Pison, comparecendo no senado em traje de réu, sentiu tamanha confusão, que a si próprio se deu a morte. Que pena não é para um filho ou para um vassalo ver seu pai ou seu príncipe indignado! Que maior mágoa não deve sentir a alma à vista de Jesus Cristo, a quem desprezou durante toda a vida! Videbunt in quem transfixerunt (3) – “Verão aquele a quem traspassaram”. Esse Cordeiro, tão paciente durante a vida do pecador, então mostrar-se-lhe-á irritado, sem esperança de se deixar aplacar. Pelo que a alma pedirá às montanhas que a esmaguem e a furtem às iras do Cordeiro indignado: Montes, cadite super nos, abscondite nos ab ira Agni (4).

II. Opinam os Doutores que o divino Juiz virá julgar a alma em forma humana, e portanto com as mesmas chagas com que deixou a terra. Estas chagas serão motivo de consolação para os justos, mas que terror e espanto não inspirarão ao pecador! A vista do Homem-Deus, que, morreu para o salvar, far-lhe-á sentir mais vivamente a sua ingratidão.

Quando José do Egito disse a seus irmãos: Eu sou José, a quem vendestes, diz a Escritura, que pelo terror perderam a fala e ficaram calados (5). Que responderá, pois, o pecador a Jesus Cristo? Terá coragem de lhe pedir misericórdia, quando, primeiro que tudo, tem de lhe dar contas do abuso que fez da misericórdia? Que fará então? Pergunta Santo Agostinho, para onde fugirá o miserável, quando vir acima de si o Juiz irritado, por baixo o inferno aberto, a um lado os pecados que o acusam, a outro os demônios armados para execução do suplício e dentro de si os remorsos de sua consciência?

Ó meu Jesus, quero chamar-Vos sempre Jesus; vosso nome me consola e me anima, recordando-me que sois o Salvador que morreu para me salvar. Aqui me tendes a vossos pés; confesso que mereci o inferno tantas vezes quantas Vos ofendi pelo pecado mortal. Sou indigno de perdão, mas Vós morrestes para me perdoar. Ah, meu Jesus, perdoai-me antes de virdes a julgar-me. Então não poderei implorar a vossa misericórdia; mas agora posso pedi-la e espero-a. Então vossas chagas me inspirarão terror, agora insipiram-me confiança. Meu querido Redentor, acima de todos os males, arrependo-me de ter ofendido a vossa bondade infinita. Estou resolvido, antes, a aceitar todas as penas, todos os sacrifícios, do que vir a perder a vossa graça. Amo-Vos de todo o coração. Tende piedade de mim, segundo a vossa grande misericórdia: Miserere mei secundum magnam misericordiam tuam (6).

– Ó Maria, Mãe de misericórdia, Advogada dos pecadores, obtentede-me uma grande dor dos meus pecados, o perdão e a perseverança no amor divino. Amo-vos, ó minha Rainha, e em vós ponho minha confiança.

Referências:

(1) Na 1, 6
(2) Pv 16, 14
(3) Jo 19, 37
(4) Ap 6, 16
(5) Gn 45, 4
(6) Sl 50, 1

 Quarta-feira da Vigésima Semana do Tempo Comum

Pena de dano que os réprobos sofrem no inferno

Derelinquam eum, et abscondam faciem meam ab eo… invenient eum omnia mala – “Eu o deixarei, e esconderei dele meu rosto… todos os males virão sobre ele” (Dt 31, 17)

Sumário. Não são as trevas, a infecção, os gritos, o fogo, que constituem o inferno; o que faz o inferno é a dor de ter perdido a Deus e de não O poder amar. Aparta-te (dirá o Juiz à alma na sentença final), aparta-te de mim; não te quero mais ver. Tu não mais serás minha, nem eu serei nunca mais teu. Ó separação amarga!… Quem sabe, meu irmão, se esta pena tão terrível não nos está reservada também? Fascinados como estamos pelos bens terrestres, não a compreendemos agora, mas experimenta-la-íamos, se um dia tivéssemos a desgraça de nos perder.

I. Todos os sofrimentos dos réprobos no inferno não são nada em comparação com a pena de dano. Não são as trevas, a infecção, os gritos, o fogo, que constituem o inferno: o que faz o inferno é a dor de ter perdido a Deus e de não mais O poder ver nem amar. É o que um dia o demônio disse quando Santa Catarina de Gênova lhe perguntou quem era: “Eu sou aquele”, respondeu, “que está privado de amor de Deus”.

– Pelo que São João Crisóstomo diz que mil infernos não podem igualar esta perda; que mil infernos nada seriam em comparação com a pena de estar longe de Deus e ser odiado por Ele. Santo Agostinho acrescenta que os condenados, se gozassem a vista de Deus, deixariam de sofrer e o inferno tornar-se-ia paraíso: Ipse infernus verteretur in paradisum.

Fascinados como estamos pelos bens da terra, não podemos compreender o que seja o estar privado para sempre da presença de Deus, mas para fazermos uma leve ideia deste tormento, arrazoemos assim: Se alguém perdesse uma pedra preciosa no valor de 100 mil reis, sentiria grande mágoa; se tivesse o valor de 200 mil reis, a mágoa seria dobrada; maior ainda seria, se o valor fosse de 400 mil reis; numa palavra, a mágoa cresceria sempre em proporção do valor do objeto perdido. E qual é o bem que o réprobo perde? Um bem infinito, que é Deus; portanto, conclui Santo Tomás, a pena que esta perda lhe causa, é de algum modo infinita.

Todo o inferno está, pois, nestas primeiras palavras da sentença final: Discedite a me, maledicti – Retirai-vos, malditos, não quero que me torneis a ver a face. – Se ouvíssemos os gemidos de uma alma condenada, e lhe perguntássemos: Ó alma, porque estás gemendo tanto? Ela só teria esta única resposta: Estou gemendo, porque perdi meu Deus e nunca mais o tornarei a ver. Esconderei dele meu rosto; todos os males virão sobre ele.

II. Quando Davi condenou Absalão a não mais se apresentar diante dele, o jovem príncipe ficou tão aflito que respondeu: “Dizei a meu pai que me dê licença de o ver, ou que me mande matar.” (1) A um fidalgo de sua corte, que se tinha portado com pouco respeito na igreja, disse um dia Filipe II: “Não compareças mais em minha presença.” O cortezão retirou-se para casa tão consternado, que morreu de pesar. Que será então, quando, na hora da morte, Deus dizer ao réprobo: “Aparta-te; não te quero mais ver; nunca mais serás meu e eu nunca mais serei teu!” Voca nomem eius, non populus meus (2) – “Chama-lhe pelo seu nome: Não-meu-povo”.

Vós sois, meu Deus, o soberano Bem, o Bem infinito, e quantas vezes Vos perdi eu voluntariamente! Sabia que pelo meu pecado Vos ofendia gravemente, e no entanto o cometi! Ah, se não Vos visse pregado na cruz a morrer por mim, já não teria mais coragem para Vos pedir e esperar o perdão. A esta hora deveria estar no inferno, já há muitos anos, sem esperança de poder ainda amar-Vos e de recuperar a vossa graça perdida. Meu Deus mais do que todos os males detesto a injúria que Vos fiz, renunciando à vossa amizade e desprezando o vosso amor, por indignos prazeres da terra. Porque não morri antes mil vezes? Como pude ser tão cego e tão insensato?

Agradeço-Vos, meu Senhor, por me concederdes o tempo para reparar o mal que fiz. Já que, pela vossa misericórdia, estou ainda fora do inferno e Vos posso amar, quero amar-Vos, meu Deus. Nem por um só instante quero adiar a minha conversão. Amo-Vos, bondade infinita, amo-Vos minha vida, meu tesouro, meu tudo. Meu Jesus, lembrai-me sempre o amor que me haveis tido e o inferno em que devia estar, a fim de que este pensamento me anime incessantemente a fazer atos de amor e a dizer-Vos: eu Vos amo, eu Vos amo.

– Ó Maria, minha Rainha, minha Esperança e minha Mãe, se estivesse no inferno, já não poderia amar-Vos. Amo-Vos, minha Mãe, e em vós espero nunca deixar de vos amar, a vós e a meu Deus. Ajudai-me; rogai a Jesus por mim.

Referências:

(1) 2 Rs 14, 25
(2) Os 1, 9

 Quinta-feira da Vigésima Semana do Tempo Comum

A Missa é um sacrifício de agradecimento proporcionado à divina beneficência

Quid retribuam Domino, pro omnibus quae retribuit mihi? Calicem salutaris accipiano, et nomen Domini invocabo – “Que darei ao Senhor por todos os benefícios que me tem feito? Tomarei o cálice da salvação, e invocarei o nome do Senhor” (Sl 115, 12-13)

Sumário. A santa missa foi instituída particularmente para agradecer a Deus os benefícios que nos tem feito. Quando celebramos, e, também de certo modo, quando assistimos ao sacrifício divino, podemos dizer com verdade: Senhor, as vossas misericórdias são imensas; mas eis que vo-las retribuo por meio de uma oferenda que vale tanto como vossos dons, e infinitamente mais. Portanto, se és sacerdote, não deixes um dia de celebrar a missa com a devida preparação e ação de graças; se és simples leigo, procura ao menos assistir à missa, ainda à custa de algum proveito temporal.

I. É mais do que justo que agradeçamos ao Senhor os imensos benefícios que nos fez a sua bondade infinita. Nós ainda não existíamos, ainda não existia o mundo, e Deus já nos amava e resolvera criar-nos no tempo e cumular-nos de seus dons na ordem da natureza e na da graça. – Mais: vendo o Eterno Pai que todos nós estávamos mortos e privados de sua amizade por causa do pecado, pelo grande amor que nos tinha, como escreve o Apóstolo, mandou seu Filho amado para satisfazer por nós (1).

A estes e mais outros benefícios que o Senhor fez a todos em geral, acrescentai tantos outros, igualmente inúmeros e imensos, que fez a cada um em particular: tantas inspirações e impulsos ao bem; a remoção de tantos perigos de cair, tantos pecados perdoados; e depois dize-me: Quid retribuam Domino pro omnibus quae retribuit mihi? – “Como poderemos nós, criaturas miseráveis, agradecer dignamente a Deus? – Calicem salutaris acciptam. Eis que Jesus Cristo nos proporcionou o meio para não ficarmos aquém das nossas obrigações, e de dar-lhe dignas ações de graças. É a santa missa, que, na frase de Santo Irineu, foi instituída principalmente por Jesus para este fim, e de que ele mesmo foi o primeiro a servir-se: Et accepto calice, gratias egit – “Tendo tomado o cálice, deu graças” (2).

Com este sacrifício divino o Pai Eterno se dá por plenamente retribuído e satisfeito; porquanto a vítima que lhe é oferecida, é seu próprio Filho, em que põe as suas complacências; e, numa palavra, o sacrifício de um Deus, que na consagração e na comunhão é sacrificado, morrendo misticamente. Portanto, quando celebramos, e, de algum modo também, quando assistimos à santa missa, podemos com verdade dizer a Deus: Senhor, reconhecemos que as vossas misericórdias são imensas; mas eis que Vo-las retribuímos com uma oferenda que por si só tem um valor igual a vossos dons e infinitamente mais. Ó excelência da santa missa!

II. Se és sacerdote, procura tributar todos os dias a Deus o preito condigno de agradecimento, pela celebração devota da santa missa; e lembra-te de que então rendes mais glória a Deus, do que lhe renderam e lhe renderão em toda a eternidade todos os Anjos e Santos do céu, sem exceptuar a divina Mãe Maria.

– Se não és sacerdote, reverencia os ministros de Deus e procura ao menos assistir todos os dias ao sacrifício divino, mesmo à custa de algum proveito temporal, na certeza de que o Senhor lhe recompensará abençoando todas as tuas ações do dia. – Pela assistência devota ao divino sacrifício, também tu renderás ao Senhor dignas ações de graças, como foi revelado a Santa Teresa. Lamentando-se um dia a Santa por não saber agradecer bastante à divina bondade os favores de que se via cumulado, ouviu uma voz do céu que lhe disse distintamente: Ouve uma missa.

Ah, meu Senhor! Eu também me vejo cumulado de vossas misericórdias, visto que tudo quanto possuo na alma e no corpo me veio de Vós. Vós me destes a existência, de preferência a tantos outros que Vos teriam servido melhor que eu; adotastes-me por Filho no santo Batismo; nos outros sacramentos me abristes outros tantos canais de graças; afinal, destes-me um anjo por guarda, Maria Santíssima por Mãe, e Jesus Cristo por meu Redentor. Permite, ó meu Deus, que em agradecimento de tantos favores Vos ofereça o vosso próprio Filho, que cada dia se sacrifica tantas vezes sobre nossos altares.

Permite igualmente que, vendo meu Jesus todo sacrificado e aniquilado por meu amor no divino Sacramento, eu Vos faça o sacrifício de mim mesmo e o una ao sacrifício de valor infinito de Jesus. Consagro-Vos, ó Senhor, toda a minha alma, toda a minha vontade, toda a minha vida. Aceitai-me pelos merecimentos de Jesus Cristo, e dai-me a graça de Vos renovar este sacrifício todos os dias de minha vida, até morrer consumindo-me todo pela vossa glória.

– Peço também a mesma graça a vós, ó grande Mãe de Deus e minha Mãe, Maria.

Referências:

(1) Ef 2, 4
(2) Lc 22, 17

 Sexta-feira da Vigésima Semana do Tempo Comum

Das humilhações e desprezos que Jesus Cristo sofreu

Vidimus eum… despectum et novissimum virorum – “Vimo-lo… feito um objeto de desprezo e o último dos homens” (Is 53, 3)

Sumário. Quem pudera jamais imaginar que, tendo o Filho de Deus vindo à terra a fazer-se homem por amor dos homens, viesse a ser tratado por eles com tamanhos insultos e injúrias, como se fosse o último e o mais vil de todos? No entanto, assim aconteceu. Jesus foi traído por Judas, negado por Pedro, abandonado por seus discípulos, tratado de louco, açoitado qual escravo, e, afinal, proposto ao homicida Barrabás, foi condenado a morrer crucificado. Ah! Se este exemplo de Jesus Cristo não cura o nosso orgulho, não há remédio que o possa curar.

I. Diz Bellarmino que os desprezos causam mais pena às almas grandes do que as dores do corpo. Com efeito, se estas afligem a carne, aqueles afligem a alma, cuja pena é tanto maior quanto ela é mais nobre que o corpo. Mas quem teria jamais imaginado que o personagem mais digno do céu e da terra, o Filho de Deus, vindo ao mundo a fazer-se homem por amor dos homens, houvesse de ser tratado por estes com tamanhos desprezos e injúrias, como se fosse o último e o mais vil dos mortais? No entanto, assim aconteceu, pelo que Isaías disse: Vimo-lo desprezado e feito o último dos homens.

E que qualidade de afrontas não sofreu o Redentor em todo o tempo de sua vida, e especialmente em sua Paixão? Viu-se exposto a afrontas da parte de seus próprios discípulos. Um deles o traiu e vendeu por trinta dinheiros. Outro negou-o muitas vezes, mostrando assim que se envergonhava de o ter conhecido. Os outros discípulos, vendo-o preso e amarrado, fugiram todos e o abandonaram: Tunc discipuli eius, relinquentes eum, omnes fugerunt (1). Se Jesus Cristo foi tratado assim pelos seus próprios discípulos, faze-te uma ideia de como havia de ser tratado pelos seus inimigos mais encarniçados!

Ai, meu Senhor! No Sinédrio de Caifás vejo-Vos amarrado como um malfeitor; esbofeteado como homem insolente, declarado réu de morte como usurpador sacrílego da dignidade divina; e como homem já condenado ao suplício, vejo-Vos entregue à discrição de um canalha que Vos maltrata com pontapés, escarros e empurrões. Na casa de Herodes, Vos vejo, ó meu Jesus, feito alvo dos escárnios daquele rei impuro e de toda a sua corte; vejo-Vos coberto de um manto branco, tratado como ignorante e louco, e levado assim pelas ruas de Jerusalém. – No pretório de Pilatos, Vos vejo açoitado com milhares de golpes, qual servo rebelde, coroado de espinhos qual rei de teatro; posposto ao homicida Barrabás, e, finalmente, condenado a morrer crucificado. Por isso, vejo-Vos, por último, no Calvário, crucificado entre dois ladrões, praguejado, amofinado, insultado e feito o mais vil dos homens, homem de dores e opróbrios. Ai meu pobre Senhor!

II. As injúrias e os desprezos que Jesus Cristo quis sofrer no tempo de sua Paixão, foram tantos e tão grandes, que, no dizer de Santo Anselmo, não podia ser mais humilhado, do que realmente o foi. E o devoto Taulero diz que é opinião de São Jerônimo, que as penas sofridas por nosso Senhor, especialmente na noite que precedia a sua morte, só serão plenamente conhecidas no dia do juízo.

Mas para que tantos desprezos? É São Pedro quem no-lo diz: Jesus Cristo quis desta forma mostrar-nos quanto nos ama e ensinar-nos pelo seu exemplo a sofrermos resignadamente os desprezos e as injúrias: Christus passus est pro nobis, vobis relinquens exemplum, ut sequamini vestigia eius (2). Eis porque Santo Agostinho, falando das ignomínias padecidas pelo Senhor, conclui: “Se esta medicina não cura o nosso orgulho, não sei que outro remédio o possa curar!”

Ah, meu Jesus! Vendo um Deus tão desprezado por meu amor, não poderei eu sofrer o mais pequeno desprezo por vosso amor? Eu, pecador e orgulhoso? E d’onde, meu divino Mestre, me pode vir este orgulho? Pelos merecimentos das afrontas que tendes suportado por mim, dai-me a graça de sofrer, com paciência e com alegria, as afrontas e as injúrias. Proponho com vosso auxílio, d’aqui em diante, não me entregar mais ao ressentimento e receber com alegria todos os opróbrios de que eu possa ser alvo. Mereceria outros desprezos, porque desprezei a vossa divina Majestade e mereci os desprezos do inferno. E Vós, meu amado Redentor, me fizestes verdadeiramente doces e amáveis as afrontas, quando aceitastes tantas afrontas por meu amor. Proponho além disso, para Vos agradar, fazer todo o bem que eu puder àquele que me desprezar, ao menos dizer bem dele e orar por ele. Desde já Vos peço que acumuleis todas as vossas graças sobre os de quem tenha recebido alguma injúria. Amo-Vos, bondade infinita, e quero amar-Vos sempre com todas as minhas forças. – Ó minha aflita Mãe, Maria, alcançai-me a santa perseverança.

Referências:

(1) Mc 14, 50
(2) 1 Pd 2, 21

 Sábado da Vigésima Semana do Tempo Comum

Maria Santíssima, modelo de humildade

Respexit humilitatem ancillae suae; ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes – “(Deus) pôs os olhos na baixeza da sua escrava; eis que desde agora me chamarão bem-aventurada todas as gerações” (Lc 1, 48)

Sumário. Assim como Maria Santíssima foi a primeira e mais perfeita discípula de Jesus Cristo em todas as virtudes, assim o foi também na virtude da humildade. A Santíssima Virgem tinha sempre o conceito mais baixo de si mesma, ocultava os seus dons celestes e suportava com resignação todas as humilhações e desprezos. Que motivo de pejo para nós, que nos gloriamos de ser filhos de Maria e somos tão orgulhosos!… Ponderemos bem, que, a continuarmos assim, ficaremos sempre igualmente pobres de bens espirituais; porque a divina Mãe, imitando Jesus Cristo, resiste aos soberbos e comunica suas graças aos humildes.

I. Era desconhecida no mundo a virtude, tão bela e tão necessária, da humildade; mas veio o Filho de Deus à terra para a ensinar pelo seu exemplo. E, assim como Maria foi a primeira e mais perfeita discípula de Jesus Cristo em todas as virtudes, assim o foi também na virtude da humildade, pela qual mereceu ser exaltada sobre todas as criaturas.

O primeiro ato de humildade é o ter baixo conceito de si; e Maria teve sempre tão modesta opinião de si própria, que, posto que se visse cheia de graças, contudo, segundo foi revelado a Santa Mechtildes, não se preferiu jamais a ninguém, lembrando-se de que tudo era dom da liberalidade divina.

Outro ato de humildade é ocultar os dons celestes. Pois bem, Maria Santíssima quis encobrir mesmo a São José a graça de ter sido feita Mãe de Deus, apesar de que a manifestação parecia necessária para livrar o pobre Esposo das suspeitas, que podia formar acerca da sua pureza, vendo-a gravida, ou ao menos para o tirar da confusão que a ignorância do mistério lhe devia causar.

É, além disso, próprio dos humildes o servir; e Maria não recusou servir a Isabel pelo espaço de três meses. Quando Isabel a elogiou, chamando-a bem-aventurada, bendita entre as mulheres e a mãe de seu Senhor (1), a humilde Virgenzinha, recusando aqueles louvores e atribuindo-os a Deus só, respondeu com aquele humilde cântico: Magnificat anima mea Dominum (2) – “Minha alma engrandece o Senhor”.

Finalmente, para não falar dos demais atos, foi por amor à santa humildade que Maria teve sempre uma vida retirada; e estando no Cenáculo, quis ocupar o último lugar, depois dos apóstolos e das outras mulheres, como São Lucas dá a entender (3). A Santa Virgem foi também tão amante dos desprezos, que no tempo da Paixão de Jesus, não deixou de aparecer em público no Calvário, não obstante o desdouro de se dar a conhecer por mãe do condenado que morreu como infame de morte infamante.

– Por isso a Venerável Soror Paula de Foligno dizia: “No mundo não há humildade, nem ainda em mínimo grau, em comparação com a humildade de Maria.”

II. Não há dúvida que para a nossa natureza corrompida pelo pecado, não há talvez, como diz São Gregório Nysseno, virtude mais difícil de praticar, exceção feita da castidade, como a virtude da humildade. Não há, porém, remédio, jamais poderemos ser verdadeiros filhos de Maria e gozar suas liberalidades maternais, se não somos humildes; porquanto, imitando seu divino Filho, ela também resiste aos soberbos e dá as suas graças aos que se humilham (4). Pelo que São Bernardo nos exorta: Se não podes imitar a virgindade da humilde, imita a humildade da virgem.

Resolvamo-nos, portanto, como fruto desta meditação, a imitar a Santa Virgem no exercício da humildade, a qual consiste em nos termos por tão miseráveis como somos, incapazes de fazer coisa alguma, a não ser o pecado; e em nos comprazermos no desprezo da parte dos outros. Lembremo-nos do que costumava dizer o Padre Balthazar Alvarez: “O tempo das humilhações é o tempo de adquirirmos tesouros de merecimentos.”

Ganharemos talvez mais aceitando em paz um desprezo, do que jejuando dez dias a pão e água.

Portanto, ó minha Rainha, não poderei jamais ser vosso verdadeiro filho se não for humilde. Mas não vedes que os meus pecados, depois de me terem feito ingrato a meu Senhor, me têm tornado ainda soberbo? Ó minha Mãe, remediai isto; pelos merecimentos da vossa humildade, impetrai-me a graça de ser humilde e deste modo fazer-me vosso filho. – E Vós, ó meu Jesus humildíssimo, que, para me ensinar a suportar os desprezos e para mos tornar suaves e amáveis, quisestes ser o mais desprezado e humilhado até ser saturado de opróbrios e de Vos fazer o refúgio dos homens; remediai com a plenitude de vossas misericórdias as desordens de meu orgulho e fazei-me semelhante a Vós. † Ó Jesus, manso e humilde de coração, fazei meu coração semelhante ao vosso (5)

Referências:

(1) Lc 1, 42
(2) Lc 1, 46
(3) At 1, 14
(4) Tg 4, 6. 1 Pd 5, 5
(5) Indulgência de 300 dias
12ª parte

 Vigésima Primeira Semana do Tempo Comum

(Duodécima Semana depois de Pentecostes)

Domingo: O milagre do surdo-mudo e os espiritualmente mudos

Segunda-feira: Não se perdoa a todos igual número de pecados

Terça-feira: Pensamento da morte faz perder o apego dos bens do mundo

Quarta-feira: Os bens do céu são inefáveis

Quinta-feira: A Santíssima Eucaristia é uma fornalha de amor

Sexta-feira: Grandes penas de Jesus sobre a cruz

Sábado: Grandezas inefáveis de Maria Santíssima

 Vigésimo Primeiro Domingo do Tempo Comum

O milagre do surdo-mudo e os espiritualmente mudos

Adducunt ei surdum et mutum, et deprecabantur eum, ut imponat illi manum – “Trazem-lhe um surdo-mudo, e lhe rogaram que pusesse a mão sobre ele” (Mc 7, 32)

Sumário. Os espiritualmente mudos não são somente aqueles cristãos que calam os pecados na confissão, mas também os que não se recomendam a Deus, não descobrem todo o seu interior ao Diretor, deixam de corrigir seus súditos, ou descuidam de comunicar ao Superior as desordens ocultas da comunidade. Examinemos a nossa consciência e, se descobrirmos em nós alguma destas mudezes, roguemos ao Senhor queira renovar em nosso espírito o milagre feito a favor do mudo do Evangelho.

I. Refere o Evangelho que trouxeram para Jesus um surdo-mudo e lhe rogaram pusesse a mão sobre ele. Jesus tirou-o do meio da multidão, tomou-o à parte, pôs-lhe os dedos nos ouvidos e tocando com sua saliva a língua do surdo-mudo, levantando os olhos ao céu, suspirou e disse: Ephphetha, isto é, abri-vos. Logo os ouvidos deste homem se abriram, sua língua desatou-se e ele falava distintamente. Jesus lhes ordenou que nada dissessem a ninguém, Mas, quanto mais recomendava, mais o publicavam; e cheios da mais viva admiração diziam: “Ele fez bem tudo, fez ouvir os surdos, e falar os mudos” – Surdos fecit audire et mutos loqui.

Seria para desejar que o Senhor renovasse o milagre que fez a favor do infeliz mudo corporalmente, a favor de tantos outros infelizes que são mudos espiritualmente. Semelhantes espiritualmente mudos são em primeiro lugar os que calam pecados na confissão, ou que acusam só pela metade os pecados mais vergonhosos, que não tiveram pejo de cometer, de sorte que o ministro de Deus os não pode entender. – São em segundo lugar aqueles que deixam de descobrir ao Diretor espiritual todo o seu interior e especialmente as tentações, que talvez tivessem de cessar, se eles falassem. – São em terceiro lugar aqueles que se descuidam de admoestar ou repreender os seus súditos, ou descuram de informar os superiores acerca das desordens de uma comunidade, a fim de que as possam remediar. – Finalmente, são mudos espiritualmente todos os que nas necessidades da alma ou do corpo deixam de recorrer a Deus pela oração.

Examina-te aqui meu irmão, a fim de ver se em ti se acha uma destas mudezes espirituais, e se for este o caso, apresenta-te a Jesus Cristo, e roga lhe que te solte a língua.

II. Para cura dos espiritualmente mudos é necessário, como fez Jesus Cristo com o surdo mudo, tirá-los à parte, do meio de tantas distrações mundanas, e antes de lhes desatar a língua, abrir-lhes os ouvidos, para que compreendam os graves males que atraem sobre si.

Quem sofre a tentação de ocultar os pecados na confissão, pondere que deste modo muda em veneno o sangue de Jesus Cristo e agrava a sua alma de sacrilégios horrorosos. – Quem não abre o interior ao Diretor, virá em breve a cair em pecado; porque o Senhor retirará sua luz e a tentação irá ganhando força. Quem com seu silêncio coopera para as desordens do próximo, as quais poderia remediar falando, lembre-se de que tais desordens lhe serão imputadas e que um dia será punido com todo o rigor.

Enfim, os que descuidam de pedir auxílio a Deus pela oração, estejam persuadidos de que desta forma se expõem ao perigo certo de caírem no inferno, pois o que não reza, certamente se condena. – Numa palavra, mais cedo ou mais tarde todos aqueles mudos espiritualmente terão de dizer com o profeta: “Ai de mim, porque fiquei calado” – Vae mihi, quia tacui (1).

Ó meu amabilíssimo Jesus, Vós que restituístes o ouvido aos surdos e a fala aos mudos, dignai-Vos abrir os nossos ouvidos e desatar a nossa língua, a fim de que, compreendendo os embustes com que o demônio nos quer impor silêncio, comecemos, à imitação do mudo do Evangelho, a falar bem e digamos com a multidão cheia de admiração pelo vosso poder: Ele tudo tem feito bem: fez os surdos ouvir e os mudos falar.

– Peço-Vos também, ó meu Senhor, “que derrameis abundantemente sobre mim a vossa misericórdia; perdoai-me o que a consciência teme e acrescentai ao perdão o que por minhas orações não presumo alcançar” (2). Fazei-o pelo amor de Maria Santíssima.

OUTRA MEDITAÇÃO PARA O MESMO DIA

O Surdo-mudo e as Confissões Sacrílegas

Sumário. O surdo-mudo de quem fala o Evangelho é uma imagem daqueles pecadores que por vergonha calam os pecados na confissão e agravam a alma com sacrilégios horrorosos. Meu irmão, se, por desgraça fores do número daqueles infelizes, pede a Jesus Cristo que renove em ti o milagre; e que, para te levar a desatar a língua, te abra primeiro os ouvidos, a fim de que compreendas as ilusões do demônio. Reflete que, enquanto estás meditando, tantas pobres almas estão ardendo no inferno, por terem, como tu, calado os pecados na confissão.

I. O surdo-mudo de quem fala o Evangelho, é uma imagem daqueles pecadores que por vergonha calam os pecados na confissão e agravam a alma com sacrilégios horrorosos. Para curar semelhantes infelizes e induzi-los a fazerem uma confissão sincera, é necessário que Jesus Cristo, como fez com o surdo-mudo, os tire à parte de entre a multidão de tantos pensamentos mundanos, e que, antes de lhe desatar a língua, lhes abra os ouvidos, a fim de que compreendam bem as ilusões do demônio.

Representemo-nos uma pessoa que, cega por alguma paixão, caiu em um falta grave. A fim de que ela não procure recuperar a graça de Deus, o demônio restitui-lhe o pejo, que primeiro lhe tirou para pecar, e diz: “Que dirá o teu confessor, quando ouvir a tua queda? De certo, sabendo a tua fraqueza, t’a lançará em rosto e se irritará”. – Eis aí a primeira ilusão do demônio; eis aí como o lobo infernal agarra as ovelhas de Jesus Cristo pelo pescoço, para que não possam gritar por socorro.

Que dirá o Confessor?

Responde: Dirá que sou um infeliz, como são quantos vivem neste mundo, e que estou exposto a cair; dirá que, se pratiquei o mal, fiz também uma ação gloriosa, vencendo a vergonha e confessando sinceramente o meu pecado.

O Confessor te Insultará, te Repreenderá

– Para que insultos? Para que censuras? Dize antes, que com doçura te dará os conselhos que te convenham. Os confessores sentam-se no confessionário exatamente para este fim; não para ouvir êxtases e revelações, mas para ouvir os pecados daquele que vai confessar-se. A maior consolação que eles possam ter, é absolverem um penitente, que se acusa das suas culpas com sinceridade e verdadeira dor. – Se uma rainha fosse ferida mortalmente por um escravo, e tu a pudesses curar com um remédio, que consolação não teria em salvá-la da morte! Pois, uma consolação semelhante recebe o confessor que absolve uma alma caída em pecado. Aplicando-lhe o sangue de Jesus Cristo, qual balsamo salutar, livra-a da morte eterna, fal-a recuperar o direito de rainha do paraíso, e os merecimentos anteriormente adquiridos, mas perdidos pelo pecado.

Além disso, o confessor, fazendo a alma recuperar a graça divina, restitui-lhe também nesta terra a paz do coração, livrando-a de um inferno antecipado. Ó céus! Que inferno não está sentindo dentro de si a pessoa que sai do confessionário sem ter acusado seu pecado! Por toda parte leva consigo uma víbora, que continuamente lhe dilacera o coração.

II. Se eu acuso tal pecado, temo que se publique, que o confessor o descubra a outros… Numa palavra, tenho agora muita repugnância de me confessar, falo-ei mais tarde, na hora da morte. – Eis aqui outras ilusões do demônio; eis como o lobo infernal, tendo agarrado as ovelhas de Jesus Cristo pelo pescoço, aperta sempre mais os dentes, a fim de que não possam chamar por socorro.

Respondo: A quantos confessores tens de confessar tua culpa? Basta dizê-la a um só sacerdote, uma só vez. Tu mesmo podes escolher o sacerdote, que por ventura nem te conhece; e assim como escuta o teu pecado, escuta também muitos outros semelhantes de outras pessoas. – Nem há perigo que o confessor descubra a outros o teu pecado, visto que, ao sair do confessionário, não pode dele falar, nem mesmo contigo, sem cometer um delito muito grave. – Observa também que o sigilo da confissão é tão apertado, que, se o confessor, para não manifestar um só pecado venial ouvido na confissão, tivesse de ser queimado vivo, antes deve deixar-se queimar vivo do que manifestá-lo.

Depois, pode haver maior insensatez do que adiar a confissão e esperar até a hora da morte, como se esta não se pudesse colher de improviso? “Se uma vez“, diz Santo Agostinho, “porque não agora?“. Não vês, meu irmão, que quanto mais tardares em manifestar teu pecado, e quanto mais acumulares os sacrilégios, tanto mais aumentará a dificuldade, a vergonha e a obstinação em não te confessares? Oh! Quantas almas se habituaram a calar o pecado, dizendo: Acusá-lo-ei na hora da morte, e também, chegada que era a hora, o calaram, confessaram-se sacrilegamente, e agora choram no inferno! Quem garante que não te sucederá a mesma desgraça?

Deus onipotente e misericordioso, que pela abundância de vossa misericórdia excedeis os méritos e os desejos dos que Vos suplicam! Lançai um olhar piedoso sobre tantos infelizes pecadores. Vós, que restituístes o ouvido aos surdos e a fala aos mudos, dignai-Vos abrir-lhes os ouvidos e desatar-lhes a língua, a fim de que, compreendendo as ilusões do demônio, falem bem e confessem todos os seus pecados. “Derramai a vossa misericórdia também sobre mim; perdoai-me o que a consciência teme, e acrescente ao perdão o que por minhas orações não presumo alcançar. “(3)

– Doce Coração de Maria, sede minha salvação!

Referências:

(1) Is 6, 5
(2 e 3) Or. Dom. curr.

 Segunda-feira da Vigésima Primeira Semana do Tempo Comum

Não se perdoa a todos igual número de pecados

Omnia in mensura et numero et pondere disposuisti – “Dispuseste todas as coisas com medida e conto e peso” (Sb 2, 21)

Sumário. Apesar de ser infinita a misericórdia de Deus, não perdoa todavia a todos um número igual de pecados. A um perdoa cem pecados, a outro mil; aquele outro, porém, será condenado ao inferno depois do segundo pecado. E quantos não há a quem Deus condenou logo depois do primeiro pecado? Quando, pois, o demônio nos tenta a pecar mais uma vez, digamos: Quem sabe, se depois terei tempo para confessar bem?… Quem sabe se este novo pecado não completa o número, e então serei abandonado por Deus e perdido para sempre?

I. A misericórdia de Deus é infinita; mas apesar desta misericórdia, quantos não se condenam todos os dias! Deus cura ao que tem boa vontade. Perdoa os pecados, mas não pode perdoar a vontade de pecar. A medida dos pecados que Deus quer perdoar não é igual para todos. A um perdoa Deus cem pecados, a outro mil; aquele outro, porém, será condenado ao inferno depois do segundo pecado.

Quantos não há que o Senhor condenou logo depois da primeira queda! Refere São Gregório que um menino de cinco anos foi lançado no inferno quando dizia uma blasfêmia. A Santíssima Virgem revelou à serva de Deus Benedita de Florença, que o primeiro pecado foi a condenação de uma menina de doze anos. A mesma desgraça aconteceu a um menino de oito anos, que morreu e foi condenado logo depois do primeiro pecado. Lemos no Evangelho de São Mateus, que o Senhor, achando estéril uma figueira, cujos frutos procurava colher pela primeira vez, a amaldiçoou imediatamente, e que a árvore secou.

Por acaso algum temerário se atreva a perguntar a Deus porque quer perdoar três pecados e não quatro? Neste ponto é preciso adorar os juízos divinos e dizer com o Apóstolo: “Quam incomprehensibilia sunt judicia eius, et investigabiles viae eius!” – “Quão incompreensíveis são os seus juízos, e imperscrutáveis os seus caminhos!” (1). Replica talvez o pecador obstinado: Tantas vezes ofendi a Deus, e cada vez Deus me perdoou; por isso confio em que me perdoará mais este pecado. Respondo-lhe, todavia: porque não te castigou Deus até agora, segue-se que será sempre assim? Encher-se-á a medida e então virá o castigo. “Ne dicas, peccavi, et quid accidit mihi triste?” – “Não digas”, avisa o Senhor, “tenho cometido tantos pecados e Deus nunca me castigou”; “Altissimus enim est patiens redditor” – “O Altíssimo é um juiz paciente” (2). Quer dizer que virá um dia em que pagarás tudo, e quanto maior tiver sido a misericórdia, tanto maior será o castigo.

Afirma São Crisóstomo que há mais para receiar, quando Deus atura um pecador obstinado, do que quando o castiga sem detença. Com efeito, observa São Gregório, aqueles que Deus espera com mais paciência, são castigados depois com tanto mais rigor, se permanecem na sua ingratidão. Muitas vezes acontece, acrescenta o Santo, que os que foram tolerados por mais longo tempo, morrem de improviso, sem terem tempo de se converter. Quanto mais Deus te houver favorecido com suas luzes, tanto maior será a tua obcecação e a tua obstinação no pecado.

II. É bem terrível a ameaça que o Senhor dirige aos que são surdos aos seus convites: “Quia vocavi, et renuistis … ego quoque in interitu vestro ridebo” – “Recusastes obedecer à minha voz; pois bem, eu também me rirei quando morrerdes” (3). Notem-se bem estas duas palavras: “ego quoque” (“eu também”); significam que, assim como o pecador zombou de Deus, confessando-se, prometendo e traindo-o sempre, assim o Senhor zombará dele na hora da morte. Além disso diz o Sábio: “O imprudente que recai na sua loucura, é como o cão que torna outra vez ao que tinha vomitado” (4). O que Deniz, o Cartucho, explica dizendo: “Assim como se sente náusea e horror em presença de um cão que devora o que tinha vomitado, assim Deus detesta ao que volta a seus pecados, que na confissão tinha abominado”.

Meu Deus, eis-me aqui a vossos pés: eu sou esse animal nojento que de novo se pôs a comer os frutos que primeiro detestara. Não mereço misericórdia, Redentor meu; mas o sangue que derramastes por mim, me anima e obriga a esperar. Quantas vezes Vos ofendi, e quantas vezes me perdoastes! Prometera não Vos ofender mais, e depois voltei ao que tinha vomitado, e Vós tornastes a perdoar-me. Esperarei porventura até que me mandeis ao inferno? Ou que me entregueis ao poder de meu pecado, desgraça maior ainda do que o próprio inferno? Não, meu Deus, quero emendar-me, e para Vos ser fiel, quero depositar em Vós toda a minha confiança; nas tentações quero sempre e imediatamente recorrer a Vós.

No passado fiei-me em minhas promessas e resoluções, e descurei recomendar-me a Vós nas tentações. Daí proveio a minha ruína. De hoje em diante sereis Vós a minha esperança e a minha força, e assim poderei tudo: “Omnia possum in eo qui me confortat” – “Tudo posso naquele que me fortalece” (5). Concedei-me, pois, ó meu Jesus, pelos vossos merecimentos, a graça de me recomendar sempre a Vós e de implorar o vosso auxílio em todas as minhas necessidades. Amo-Vos, ó soberano Bem, digno de ser amado sobre todos os bens. Só a Vós quero amar, mas para isso deveis me ajudar. Vós também deveis auxiliar-me com a vossa intercessão, ó minha Mãe Maria. Guardai-me debaixo de vosso manto, e fazei que chame por vós em todas as tentações. O vosso nome será a minha defesa.

Referências:

(1) Rm 11, 33
(2) Eclo 5, 4
(3) Pv 1, 24 e 26
(4) Pv 26, 11
(5) Fl 4, 13

 Terça-feira da Vigésima Primeira Semana do Tempo Comum

Pensamento da morte faz perder o apego dos bens do mundo

Dives cum dormierit, nihil secum aufert; aperiet óculos suos, et nihil inveniet – “O rico, quando dormir, nada levará consigo; abrirá os olhos e nada achará” (Jó 27, 19)

Sumário. Oh! Quão bem aprecia as coisas e dirige as suas ações, o que as aprecia e dirige tendo em vista a morte! Lembra-te, portanto, muitas vezes, meu irmão, de que todas as fortunas deste mundo acabam com um último suspiro, com um cortejo fúnebre. Em breve terás de ceder a outrem as tuas dignidades e riquezas. O túmulo será a morada do teu corpo até ao dia do juízo, e tua alma estará ou no céu, ou no inferno, para ali ficar eternamente. Então nada acharás senão o bem ou o mal que fizeste; tudo o mais terá acabado.

I. É certa a morte. Ó céus! Sabem-no os cristãos, acreditam-no, vêem-no; como é, pois, que há tantos que vivem no esquecimento da morte, como se nunca tivessem de morrer? Se depois desta vida não houvesse nem inferno nem céu, poderiam pensar menos na morte do que atualmente pensam? E porque é que vivem tão mal como estão vivendo?

Meu irmão, se queres viver bem, procura viver o resto de teus dias sem perder a morte de vista. O mors, bonum est iudicium tuum (1) – “Ó morte, quão boa é a tua sentença!”. Quão bem aprecia as coisas e dirige as suas ações o que as aprecia e dirige tendo em vista a morte! – A lembrança da morte faz perder o amor às coisas deste mundo, diz São Lourenço Justiniani: Consideretur vitae terminus, et non erit in hoc mundo quod ametur. Com efeito; todos os bens do mundo se reduzem, na palavra de São João (2), aos prazeres dos sentidos, às riquezas e as honras. Ora, tudo isto é bem desprezível aos olhos do que reflete em que dentro em breve se tornará pó e será sepultado para servir de pasto aos vermes. Foi efetivamente à vista da morte que os santos desprezaram todos os bens da vida presente.

Que louco não seria o viajante que só pensasse em fazer figura no país que atravessa, e não se importasse que assim se reduz a viver depois vida miserável no país onde tem de ficar a vida toda? E não será igualmente insensato o que só procura ser feliz neste mundo, onde se fica apenas uns poucos dias, e se arrisca a ser desgraçado no outro, onde deverá viver eternamente? – Quem possui alguma coisa apenas por empréstimo, pouca afeição lhe tem, pensando que em breve a tem de restituir. Os bens da terra nos são dados todos de empréstimo; seria, pois, loucura ligar-se-lhes afeição, já que em breve os havemos de abandonar. A morte nos privará de tudo.

II. Meu irmão, todas as posses, todas as fortunas deste mundo terminarão com um último suspiro, um préstito fúnebre, um baixar à cova. Em breve terás de ceder a outrem a casa que construíste; o túmulo será a morada de teu corpo até ao dia do juízo, e depois irá ou ao céu ou ao inferno, para onde a alma já o terá precedido. E então nada acharemos senão o pouco que tivermos feito por amor de Deus, tudo o mais estará acabado.

Porque, pois, esperar, ó meu Senhor? Esperarei até que venha a morte e me encontre tão miserável e enlameado de pecados, como estou atualmente? Se tivesse de morrer agora, morreria bem inquieto e mal satisfeito com a vida que levei. Não, meu Jesus, não quero morrer tão descontente. Agradeço-Vos por me haverdes dado o tempo de chorar os meus pecados e de Vos amar. Quero começar, a partir de agora. Pesa-me sobre todos os males de Vos ter ofendido, ó bondade suprema, e amo-Vos mais que todas as coisas, mais que minha vida. Dou-me todo inteiro a Vós; ó meu Jesus, desde já Vos abraço, Vos aperto ao coração, e Vos entrego toda a minha alma: In manus tuas commendo spiritum meum (3). Para vô-la dar, não quero esperar até o momento em que o Proficiscere lhe intimará a ordem de partir deste mundo. Não quero esperar até então para Vos rogar que me salveis.

Iesus, sis mihi Iesus – “Ó Jesus, sêde meu Salvador”. Salvai-me agora, perdoando-me e concedendo-me a graça de vosso santo amor. Quem sabe se a consideração que estou lendo agora, não será o último apelo, a última misericórdia que me fazeis? Estendei-me a vossa mão, ó meu amor, e fazei-me sair do lodaçal da tibieza. Dai-me fervor, fazei que Vos obedeça com grande amor em tudo que pedis de mim. – Ó Pai Eterno, pelo amor de Jesus Cristo, dai-me a santa perseverança e a graça de Vos amar, mas de Vos amar muito durante o resto de meus dias. – Ó Maria, Mãe de misericórdia, pelo amor que tendes a vosso Filho Jesus, obtende-me estas duas graças: a perseverança e o amor.

Referências:

(1) Eclo 41, 3
(2) 1 Jo 2, 16
(3) Sl 30, 6

 Quarta-feira da Vigésima Primeira Semana do Tempo Comum

Os bens do céu são inefáveis

Et audivit arcana verba, quae non licet homini loqui – “Ouviu palavras misteriosas, que não é permitido ao homem referir” (2 Cor 12, 4)

Sumário. As delícias do paraíso são de tal ordem que é preciso gozá-las para delas fazer alguma ideia. Basta considerarmos que nele reside um Deus onipotente, que se empenha em fazer felizes as almas que ama. Ali não há nada que desagrade; e há tudo quanto possa agradar. Felizes de nós, se tivermos a ventura de nele entrar; mas ao contrário, qual não seria a nossa aflição, se por desgraça nos viéssemos a perder, ao pensarmos que por um nada perdemos uma felicidade eterna.

I. Façamos hoje algumas considerações a respeito do paraíso. Mas que diremos nós, se os santos mais iluminados não nos souberam dar uma ideia das delícias que Deus reserva aos seus servos fiéis? Davi não soube dizer outra coisa senão que o céu é um bem infinitamente desejável: Quam dilecta tabernacula tua, Domine virtutum! (1) – “Quão amáveis são os teus tabernáculos, ó Senhor das virtudes!” – Mas vós ao menos, ó São Paulo, vós que, num rapto sublime, pudestes contemplar o céu, dizei-nos alguma coisa do que vistes. Não, responde o Apóstolo, o que vi não se pode exprimir. As delícias do paraíso são mistérios tais que não é lícito referi-los; são tão grandes que é preciso gozá-las para as compreender. Tudo que vos posso dizer é que nunca nenhum homem na terra viu, ouviu, nem concebeu as belezas, as harmonias, os gozos que Deus preparou para os que o amam (2).

Não somos agora capazes de compreender os bens do céu, porque não conhecemos senão os bens desta terra. Se os cavalos fossem dotados de razão e soubessem que seu dono lhe preparou um magnífico banquete, imaginariam de certo que o banquete só seria composto de boa palha, aveia e cevada, porque os cavalos não têm ideia de outros alimentos. É assim que nós pensamos acerca dos bens do céu.

É belo, numa noite de verão, ver o céu semeado de estrelas; é agradável, na primavera, estar junto de um lago tranquilo e descobrir no fundo os bancos de areia recamados de ervas e os peixes que brincam; é delicioso estar num jardim cheio de flores e frutos, onde derivam alguns regatos e esvoaçam e cantam os passarinhos. Então, exclamamos: Oh, que paraíso! Como! Isso será o céu? Os prazeres do céu são totalmente diferentes. – Para deles fazermos uma leve ideia, basta considerarmos que no céu reside um Deus onipotente, todo ocupado em encher de delícias as almas daqueles a quem ama; e por isso, como diz São Bernardo, ali não há nada que desagrade e há tudo quanto agrade; Nihil est quod nolis, totum est quod velis.

II. Conta-se que Lysimacho, quando certa vez tinha grande sede, vendeu a própria pessoa, o exército e o reino, por um copo de água para matar a sede. Quando acabou de beber e viu o copo já vazio, exclamou, do fundo da alma: “Ó Deus, que loucura foi a minha! Por uma breve satisfação vendi a felicidade de todo o resto de minha vida.”

E falando assim, desatou a chorar tão copiosamente que as lágrimas podiam encher o copo esvaziado. – Meu irmão, igualmente triste, ou antes incomparavelmente pior seria a tua sorte, se tivesses a desgraça de morrer em pecado e de te perder.

Perante o tribunal de Deus, essa satisfação da paixão pela qual o ofendeste, mesmo a vida toda passada em delícias, se tal fosse possível, havia de se te afigurar menos que um copo de água. Então tu também, elevando os olhos ao céu, exclamarias em desespero: Ob brevem voluptatem summam felicitatem amisi! – Ai de mim, por uma satisfação passageira perdi o céu, que é o conjunto de todos os bens, e perdi-o para sempre! – Lembra-te que uma das penas que mais atormentam os réprobos no inferno, é exatamente o terem perdido o céu pela própria culpa e por um bem insignificante.

Meu amabilíssimo Jesus, vejo que eu também deveria sofrer esta pena, porque tantas vezes Vos ofendi pelos meus pecados. Seja, porém, sempre louvada e bendita a vossa misericórdia que me suportou, e em vez de me castigar, multiplicastes as graças, as luzes e os convites. Vejo que me quereis salvo, que me quereis junto a Vós, para Vos amar eternamente; mas antes disso quereis que Vos ame nesta terra. Amo-Vos de todo o coração, com todas as minhas forças, com toda a minha alma; e prometo, para sempre disso me lembrar, fazer continuamente atos de amor para convosco e assim desagravar-Vos de alguma maneira de todas as ofensas que Vos fiz. Vós, porém, que conheceis a minha fraqueza, fortalecei-me com a vossa graça e dai-me a santa perseverança. – Fazei-o pelo amor da vossa e minha querida Mãe, Maria Santíssima.

Referências:

(1) Sl 83, 2
(2) 1 Cor 2, 9

 Quinta-feira da Vigésima Primeira Semana do Tempo Comum

A Santíssima Eucaristia é uma fornalha de amor

Introduxit me rex in cellam vinariam, ordinavit in me caritatem – “O rei me introduziu na sua adega, ordenou em mim a caridade” (Ct 2, 4)

Sumário. É com razão que os santos sempre consideraram os santos altares como outros tantos tronos de amor, onde Jesus Cristo inflama e abrasa em santo amor as suas almas prediletas. Como será então possível que a alma, que se prepara com as devidas disposições para receber dentro de si esta fornalha de amor, não fique toda abrasada e ardente? Não tenhamos a insensatez de nos afastarmos do fogo, porque nos sentimos com frio; ao contrário, quanto mais frio sentirmos, com tanto mais frequência nos devemos chegar ao Santíssimo Sacramento, se ao menos desejamos amar a Deus.

I. Ainda que a santíssima Eucaristia seja a fonte de todas as virtudes, tem todavia eficácia particular para nos abrasar no amor de Deus, que é o ápice da santidade e da perfeição. São Vicente Ferrer diz que a alma tira mais fruto de uma só comunhão, que de uma semana de jejum a pão e água. E Santa Maria Magdalena de Pazzi acrescenta que uma só comunhão bem feita basta para fazer um santo.

O rei me introduziu em sua adega, ordenou em mim a caridade. Segundo São Gregório de Nyssa, é a comunhão aquela adega misteriosa onde a alma de tal modo se embriaga do amor divino, que esquece a terra e todas as coisas criadas; é esta propriamente a languidez produzida pelo santo amor. O Padre Francisco Olympio dizia que nenhuma coisa é capaz de nos inflamar no amor divino como a santa comunhão.

Nem pode ser de outra forma; pois que o Verbo Eterno, que é o próprio amor, assegura que, vindo à terra, não teve outro intuito senão o de acender o fogo do amor: Ignem veni mittere in terram (1). Como será, pois, possível que a alma que se prepara com as devidas disposições para receber dentro de si este fogo de amor, não fique toda abrasada e consumida? – Eis porque os santos sempre consideraram os altares sagrados como outros tantos tronos de amor, onde Jesus Cristo abrasa e inflama as suas almas diletas.

Santa Catarina de Sena viu certo dia na mão do sacerdote a Hóstia consagrada semelhante a uma fornalha de amor, e admirava-se a Santa de que os corações de todos os homens não ardessem todos e se consumissem em tão grande incêndio. Santa Rosa de Lima dizia que, quando comungava, parecia-lhe que recebia o sol, de modo que o seu rosto ficava tão radiante, que chegava a ofuscar a vida, e saía-lhe da boca tal calor, que a pessoa que lhe dava de beber depois da comunhão sentia a mão quente como se a tivesse junto de um forno. – Finalmente o santo rei Wenceslau, quando ia visitar o Santíssimo Sacramento, sentia-se mesmo exteriormente inflamado em tamanho ardor, que o criado que o acompanhava punha os pés nas pisadas do Santo para não sentir frio.

II. Grande é o engano daqueles que deixam de comungar frequentemente, porque se sentem frios no amor divino. Diz Gerson que eles são como um homem que se não quer aproximar do fogo porque não tem bastante calor. – Dizia igualmente São Francisco de Sales: “Há 25 anos que sou diretor de almas; e a experiência me ensinou a eficácia indizível da santíssima Eucaristia para proteger, fortalecer, consolar, e, numa palavra, divinizar as almas, quando comungam com fé, pureza e devoção.”

Quanto mais frio sentirmos, mais nos devemos aproximar do Santíssimo Sacramento, se ao menos desejamos amar a Deus. Se vos perguntarem porque é que comungais tantas vezes, respondei com o mesmo São Francisco de Sales: “Há duas classes de pessoas que devem comungar frequentemente: os perfeitos e os imperfeitos, os primeiros para se manterem na perfeição, os segundos para chegarem à perfeição.”

Ó meu Jesus, Vós que amais tanto as almas, já não tendes mais provas a dar-nos de vosso amor. Fazei, bondade infinita, que de hoje em diante Vos ame com todas as forças e com toda a ternura do meu coração. A quem é que meu coração deveria amar com mais ternura, do que a Vós, meu Redentor, que, depois de haverdes dado a vida por mim, Vos dais a Vós mesmo neste Sacramento? Ah! Meu Senhor, pudesse lembrar-me sempre do vosso amor, a fim de esquecer todas as criaturas e amar somente a Vós, sem interrupção e sem reserva.

Amo-Vos, meu Senhor; † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas e só a Vós quero amar. Peço-Vos que expulseis do meu coração todos os afetos que não sejam para Vós. Graças Vos dou por me concederdes tempo para Vos amar e chorar os desgostos que Vos causei. Meu Jesus, desejo que sejais o único objeto de todas as minhas afeições. Socorrei-me, salvai-me; possa a minha salvação consistir em amar-Vos de todo o coração e sempre, nesta vida e na outra. – Maria, minha Mãe, ajudai-me a amar Jesus.

Referências:

(1) Lc 12, 49

 Sexta-feira da Vigésima Primeira Semana do Tempo Comum

Grandes penas de Jesus sobre a cruz

Despectum et novissimum virorum, virum dolorum et scientem infirmitatem – “O mais desprezado e o último dos homens; homem de dores e experimentado nos trabalhos” (Is 53, 3)

Sumário. Contemplemos Jesus suspenso no madeiro infame, cheio de dores e tormentos. Por fora está dilacerado pelos açoites, pelos espinhos e cravos; cada um de seus membros tem seu sofrimento particular. Por dentro está aflito e triste, desolado e desamparado de todos, mesmo do seu divino Pai. O que, porém, o atormenta mais é a vista dos pecados a serem cometidos pelos homens, remidos ao preço de seu sangue. Ah! Meu Redentor, eu também sou um dos ingratos que então vistes. Quem me dera ter morrido e nunca mais Vos ter ofendido!

I. Jesus na cruz! Que espetáculo foi para os anjos do céu verem um Deus crucificado! Que impressão nos deve também fazer contemplarmos o Rei do céu suspenso num patíbulo, coberto de chagas, desprezado e amaldiçoado de todos, em agonia e morrendo de dor, sem consolação! Ó céus, porque é que padece tanto o divino Salvador, inocente e santo: padece para pagar as dívidas dos homens. Onde se viu jamais tal espetáculo? O Senhor morrer por seus servos! O Pastor morrer por suas ovelhas! O Criador sacrificar-se todo pelas suas criaturas!

Jesus na cruz! Eis aí o homem de dores, predito por Isaías: virum dolorum. Ei-lo sobre esse madeiro infame, atormentado exterior e interiormente. Exteriormente está dilacerado pelos açoites, pelos espinhos e pelos cravos; de toda a parte corre o sangue e cada um de seus membros tem o seu sofrimento particular. Interiormente está aflito e triste, desolado e abandonado de todos, até de seu próprio Pai. – Mas o que mais o atormenta no meio de tantas dores é a vista horrenda de todos os pecados, que ainda depois de sua morte seriam cometidos pelos homens remidos ao preço de seu sangue.

Sim: os ódios, os pecados impuros, os furtos, as blasfêmias, os sacrilégios, numa palavra, todos os pecados se apresentaram então aos olhos de Jesus Cristo e cada um deles, com a sua malícia própria, veio, qual fera cruel, dilacerar-lhe o Coração. – Queixava-se então Jesus: É assim, ó homens, que se me pagais o meu amor? Ah, se vos soubesse agradecidos, morreria satisfeito! Mas, o ver tantos pecados depois de tantas dores; tamanha ingratidão depois de tão grande amor – eis o que me faz morrer de pura tristeza. – Ah, meu Redentor! Entre esses ingratos me vistes também a mim com todos os meus pecados.

II. Meu amabilíssimo Jesus! Eu também concorri grandemente para Vos atormentar na cruz, sobre a qual estáveis morrendo por mim. Oxalá tivesse eu morrido e jamais Vos tivesse ofendido! Meu Jesus e minha esperança, assusta-me a morte pela lembrança de que então terei de dar contas de todas as injúrias com que paguei o amor que me haveis tido; anima-me, porém, a vossa morte e me faz esperar o perdão. Pesa-me de todo o coração de vos ter desprezado. Se pelo passado não Vos amei, quero amar-Vos durante todo o resto da minha vida, e quero ser e padecer tudo para Vos agradar. Ajudai-me, meu Redentor, que morrestes na cruz por meu amor.

Senhor, dissestes que, quando fôsseis exaltado sobre a cruz, havíeis de atrair-Vos todos os corações: Et ego, si exaltatus fuero a terra, omnia traham ad meipsum (1). Pela vossa morte na cruz já arrebatastes ao vosso amor tantos corações, que por Vós deixaram tudo, bens, pátria, parentes e vida. Suplico-Vos, arrebatai também o meu coração, que, pela vossa graça já suspira por Vos amar; não permitais que ainda ame o lodo da terra, como no passado tenho feito.

Quem me dera, ó meu Redentor, ver-me despojado de todo afeto terrestre, a fim de que, esquecendo tudo, só me lembre de Vós e só a Vós ame! Espero tudo da vossa graça. Conheceis a minha impotência; ajudai-me, eu vô-lo peço, pelo amor que Vos fez aceitar uma morte tão dolorosa no monte Calvário. Ó morte de Jesus, ó amor de Jesus, apossai-vos de todos os meus pensamentos, de todos os meus afetos, e fazei que de hoje em diante não pense em outra coisa senão em amar a Jesus. Amabilíssimo Senhor, atendei-me pelos merecimentos de vossa morte. – atendei-me também vós, ó Maria, que sois Mãe de misericórdia. Rogai a Jesus por mim; as vossas súplicas podem fazer-me santo e é isso o que espero.

Referências:

(1) Jo 12, 32
7x Sábado da Vigésima Primeira Semana do Tempo Comum
Grandezas inefáveis de Maria Santíssima

Ego ex ore Altissimi prodivi, primogenita ante omnem creaturam – “Eu saí da boca do Altíssimo, a primogênita antes de toda a criatura” (Eclo 24, 5)

Sumário. Assim como o divino Redentor, a Santíssima Virgem pode ser também chamada Filha primogênita de Deus. Primogênita na ordem da natureza; porque na criação do universo, depois da glória de si mesmo e de Jesus Cristo, o Senhor teve em mira a de Maria. Primogênita na ordem da graça; porque mais do que qualquer outro foi cheia de todas as graças celestiais. Primogênita na ordem da glória; por ser a Rainha de todos os Santos. Façamos um ato de fé acerca de todas estas grandezas da divina Mãe; demos graças a Deus em seu nome e pelos nossos obséquios procuremos desagravá-la de todos os ultrajes que recebe.

I. É com razão que a Igreja põe na boca da Santíssima Virgem este elogio da divina Sabedoria: Eu saí da boca do Altíssimo como a primogênita; porquanto, semelhante a Jesus Cristo, ela é verdadeiramente a Filha primogênita de Deus, na ordem da natureza, da graça e da glória.

Primogênita na ordem da natureza, não quanto ao tempo, mas, como afirma São Bernardo, quanto à intenção; porque o eterno Artífice, projetando a formação do universo, dirigiu tudo, depois da sua própria glória e depois da de Jesus Cristo, para a glória de Maria. — Por isso se diz de Maria que ela não somente escolheu as coisas mais excelentes, mas dentre as coisas mais excelentes a ótima parte; porque o Senhor a dotou, em grau supremo, de todos os dons gerais e particulares conferidos às demais criaturas: Optimam partem elegit (1).

Maria é também a primogênita de Deus na ordem da graça; porque, sendo destinada a ser Mãe de Deus, foi, desde o primeiro instante de sua imaculada Conceição, tão enriquecida de graças, que levava vantagem a todos os anjos e santos juntos. — Nem deixou o grande cabedal de graças desaproveitado; mas, como estivesse dotada do uso perfeito da razão desde o seio de sua mãe, começou desde logo e continuou sempre a fazê-lo rendoso, e mesmo, como dizem os teólogos, a duplicá-lo em cada momento de sua longa vida. De sorte que ela pode dizer com verdade: Senhor, se não Vos amei tanto como o mereceis, ao menos Vos amei quanto me foi possível.

Se é certo, como é certíssimo, que Deus retribuirá a cada um segundo as suas obras (2), segue-se que a Bem-aventurada Virgem é a primogênita de Deus também na ordem da glória; gozando, em contraste dos outros Santos, uma beatitude plena e completa sob todos os pontos de vista. “De tal modo”, diz São Basílio, “que, como o esplendor do sol, a nosso ver, excede o brilho de todas as estrelas juntas, assim a glória da divina Mãe é superior a de todos os Bem-aventurados”. — Façamos um ato de viva fé, e regozijemo-nos com Maria pela sua tríplice primogenitura; em seu nome demos graças a Deus. Ao mesmo tempo congratulemo-nos conosco, porque a grandeza de uma Mãe redunda em honra e vantagem dos filhos: Gloria filiorum patres eorum (3).

II. Apesar de ser a Filha primogênita de Deus na ordem da natureza, da graça e da glória, Maria Santíssima é pouco, muito pouco venerada pela maior parte dos homens. Nem mesmo faltam homens desnaturados que chegam ao excesso de blasfemar contra ela. — Se nos quisermos mostrar dignos filhos de tão grande Mãe, não basta que nos abstenhamos de a ofender; devemos também, quanto estiver a nosso alcance, espalhar por palavras e exemplos a sua devoção e reparar as ofensas que lhe são feitas. Digamos-lhe, portanto, com amor:

† “Gloriosíssima Virgem, Mãe de Deus e nossa Mãe, Maria, volvei o vosso olhar piedoso a nós, pobres pecadores, que, aflitos pelos muitos males que nos cercam na vida presente, sentimos dilacerar-se o nosso coração ao ouvir as injúrias e blasfêmias atrozes que muitas vezes ouvimos vomitar contra vós, ó Virgem imaculada. Oh! quanto ofendem aquelas palavras ímpias à Majestade infinita de Deus e de seu Filho unigênito, Jesus Cristo! Quanto provocam a sua indignação e nos fazem temer os efeitos terríveis de sua vingança! Se com o sacrifício de nossa vida pudéssemos impedir tantos ultrajes e blasfêmias, sacrificá-la-íamos de boa vontade, porque, ó Mãe Santíssima, desejamos amar-vos e venerar-vos de todo o coração, já que é esta a vontade de Deus. E porque vos amamos, faremos quanto nos for possível, para que de todos sejais honrada e amada.

Entretanto, ó Mãe piedosa, soberana consoladora dos aflitos, aceitai este ato de reparação que vos oferecemos em nosso nome e no de todos os nossos; também por todos aqueles que, não sabendo o que dizem, blasfemam impiamente contra vós; a fim de que, impetrando de Deus a conversão deles, torneis mais patente e gloriosa a vossa piedade, o vosso poder, a vossa grande misericórdia; e eles se unam conosco para vos proclamar a bendita entre as mulheres, a Virgem imaculada, a piedosíssima Mãe de Deus”. (4)

Referências:

(1) Off. Assumpt.
(2) Rm 2, 6
(3) Pv 17, 6
(4) Quem rezar este Ato de reparação, ajuntando-lhe três Ave Maria, ganha uma indulgência de 300 dias, e se o rezar cada dia, uma indulgência plenária uma vez por mês, debaixo das condições de costume.