A QUARESMA DE SÃO MIGUEL ARCANJO

por André Aloísio • Comentar


Neste dia 15 de agosto, a Igreja celebra a Solenidade da Assunção de Nossa Senhora, que no Brasil é transferida para o Domingo seguinte. Além disso, esta data marca o início de uma devoção particular conhecida como “Quaresma de São Miguel Arcanjo”, que se estende até o dia 29 de setembro, festa dos arcanjos São Miguel, São Gabriel e São Rafael. Para te ajudar a observar essa devoção, queremos apresentar quem é São Miguel, as origens da Quaresma em sua honra e orientações práticas sobre como observá-la.

Quem é São Miguel?

Como visto num artigo anterior, São Miguel é um dos três arcanjos apresentados na Bíblia. Como arcanjo, São Miguel é um “príncipe dos anjos”. Seu nome vem do hebraico “Mikael”, composto por três palavras: “mi” (“quem”), “ka” (“como”) e “el” (“Deus”). Daí o significado de seu nome: “Quem é como Deus?”.

São Miguel aparece cinco vezes na Bíblia. As primeiras menções estão na visão de Dn 10–12.

Em Dn 10, o profeta Daniel jejua por vinte e um dias, ao final dos quais um anjo em forma de homem lhe aparece para revelar acontecimentos futuros. O anjo lhe informa que sua oração foi ouvida desde o primeiro dia, quando ele veio a Daniel. Porém, o anjo continua, “O príncipe do reino dos persas resistiu-me durante vinte e um dias, mas Miguel, um dos primeiros príncipes, veio em meu socorro” (Dn 10, 13). O príncipe do reino dos persas não é o rei dos persas. Quando Dn 10–12 fala de um rei humano, usa a palavra “rei” (10, 1. 13; 11, 2. 5-9. 11. 13-15. 25. 27. 36. 40). A palavra “príncipe” aqui normalmente indica anjos, bons ou maus. Assim, o anjo enviado a Daniel sofreu resistência de outro anjo, príncipe dos persas. É, então, que aparece São Miguel. Ele é descrito como “um dos primeiros príncipes” e socorre o anjo que fala com Daniel.

Mais adiante, o anjo diz: “Agora devo voltar, para combater contra o príncipe dos persas. Eu sairei, e logo o príncipe dos gregos virá. Entretanto, eu te anunciarei o que está expresso na escritura da verdade; e ninguém me ajuda senão Miguel, vosso príncipe” (Dn 10, 20-21). Agora, Miguel é apresentado como “vosso príncipe”, isto é, príncipe do povo de Daniel, o povo de Deus, e novamente é aquele que ajuda o anjo no combate contra o príncipe dos persas e contra o príncipe dos gregos.

O anjo prossegue contando a Daniel a história do povo de Deus no período de dominação persa e grega (Dn 11), concentrando-se especialmente em Antíoco Epífanes, grande inimigo do povo de Deus entre 175 e 164 a.C., passando possivelmente pelo primeiro século da era cristã e, talvez, chegando até os finais dos tempos. Depois de descrever a derrota do inimigo escatológico do povo de Deus no final do capítulo 11, o anjo revela a Daniel: “Naquele dia se levantará Miguel, o grande príncipe, que se apresenta em favor dos filhos do teu povo. Será um tempo de angústia, tal como jamais houve, desde que as nações começaram a existir, até aquele tempo. Naquele tempo será salvo o teu povo, todo aquele que for achado inscrito no livro” (Dn 12, 1). Aqui, Miguel é descrito como o “grande príncipe” que assume a causa do povo de Deus no tempo de grande angústia que antecede a ressurreição dos mortos (Dn 12, 2).

Outra referência ao Arcanjo São Miguel aparece em Jd 9. Ao falar de falsos profetas que desprezam a Dominação e insultam os seres gloriosos, São Judas os contrapõe ao exemplo de São Miguel: “No entanto, o arcanjo Miguel, quando estava disputando com o diabo o corpo de Moisés, não ousou lançar contra ele a acusação de blasfêmia, mas apenas lhe disse: ‘O Senhor te repreenda’” (Jd 9).

São Judas alude aqui a uma história presente num livro judaico de nome “Assunção de Moisés” ou “Testamento de Moisés”. Apesar de ter chegado até nós apenas a primeira parte do livro, que não fala da morte de Moisés, sabemos por escritores antigos que a parte ausente narrava a história mencionada por São Judas. Nessa história, Moisés morre nas montanhas de Moabe (Dt 34, 5) e São Miguel vem, como representante do Senhor, para enterrar Moisés. Porém, o diabo reclama o corpo de Moisés para si, alegando que tinha direitos sobre ele, uma vez que Moisés havia pecado quando matou um egípcio injustamente (Êx 2, 11-15). São Miguel não repreende o diabo diretamente, mas apenas lhe diz, citando Zc 3, 2, “O Senhor te repreenda”. Então, o diabo foge e São Miguel enterra o corpo de Moisés com reverência e honra (Dt 34, 6).

Nessa menção a São Miguel, São Judas o chama de “arcanjo” (“príncipe dos anjos”), apresenta-o numa disputa com o diabo e o descreve como alguém que não presume usar sua grande autoridade para condenar o diabo, deixando a condenação com Deus. São Miguel, assim, demonstra o devido respeito por uma autoridade, mesmo que maligna, ao contrário dos falsos profetas contra os quais São Judas escreve.

A última alusão a São Miguel aparece em Ap 12. Depois que a mulher (a Virgem Maria como representante do povo de Deus) dá à luz (referência à cruz e ressurreição: Jo 16, 21-22; 19, 25-27) a um filho varão (o Senhor Jesus Cristo), e esse filho é arrebatado para junto de Deus e do seu trono (a ascensão do Cristo), “Houve então um combate no céu: Miguel e seus anjos combateram contra o dragão, e o dragão combateu junto com os seus anjos. Ele, porém, foi derrotado, e eles perderam seu lugar no céu” (Ap 12, 7-8). Como consequência dessa derrota, o dragão (Satanás: Ap 12, 9) é expulso do céu e lançado à terra. Aqui, São Miguel é descrito como alguém que possui um exército de anjos, assim como Satanás, e que luta contra o diabo e o vence.

Em resumo, São Miguel é um arcanjo ou príncipe dos anjos, razão pela qual é chamado de “um dos primeiros príncipes” e “o grande príncipe” e possui um exército de anjos. Ele também é o príncipe do povo de Deus e seu defensor no tempo da grande angústia final, por isso é o padroeiro da Igreja Católica. Apesar de tamanha autoridade, São Miguel sabe respeitar outras autoridades, inclusive o diabo. Mas tal respeito não o impede de ajudar outros anjos na sua luta contra anjos malignos, e ele mesmo luta contra o diabo e o vence.

Quando começou a Quaresma de São Miguel?

Uma Quaresma é um período de quarenta dias em que se faz penitência. Na Bíblia, o número quarenta é significativo. O Dilúvio, que foi um juízo contra o pecado, durou quarenta dias (Gn 7, 17). Moisés ficou quarenta dias sem comer e sem beber, quando recebeu a Lei (Ex 34, 28). Israel caminhou quarenta anos no deserto em penitência pelos seus pecados (Nm 14, 34). Elias caminhou quarenta dias sem comer até o Monte Horeb (1Rs 19, 8). Os ninivitas fizeram penitência por quarenta dias, para que Deus não destruísse sua cidade (Jn 3, 4-10). O Senhor Jesus jejuou por quarenta dias no deserto (Mt 4, 1-2). E outros exemplos poderiam ser mencionados.

A Quaresma, como preparação para a Páscoa, foi estabelecida como obrigatória no Concílio de Niceia (325), inspirada em práticas de preparação para a Páscoa que remontam ao século II e nos exemplos bíblicos acima mencionados. Durava quarenta dias, sem contar os domingos, da Quarta-feira de Cinzas até o Sábado imediatamente anterior à Páscoa.

Quanto à devoção a São Miguel, ela também é bastante antiga, estando bastante associada com uma das mais famosas aparições do Arcanjo, no monte Gargano, na Itália. No final do século V, por volta do ano 490, um pastor tentou retirar um novilho de uma caverna lançando uma flecha. A flecha, porém, foi como que agarrada no ar por uma mão invisível e voltou-se contra o próprio pastor, ferindo-o. O fato foi narrado ao bispo local, que ordenou um jejum de três dias, para que Deus revelasse o significado desse sinal. Então, o Arcanjo São Miguel apareceu ao bispo, declarou-lhe ser responsável pelo sinal e declarou que uma Igreja deveria ser edificada na caverna em sua honra. Desde então, passou-se a celebrar nesse lugar a Missa e outros ofícios litúrgicos.

A Quaresma de São Miguel, entretanto, é de origem mais recente, com São Francisco de Assis, no século XIII. Quando São Francisco se converteu, em 1206, passou a fazer parte da Ordem dos Penitentes, que faziam penitências públicas. Ele, então, começou a observar, gradativamente, quatro quaresmas por ano, com jejum, solidão e oração, no Monte Alverne: além da Quaresma em preparação para a Páscoa, uma Quaresma em preparação para o Natal, começando depois da Festa de Todos os Santos, em 1º de novembro; uma Quaresma depois da Festa da Epifania, em 6 de janeiro, que comemorava também o Batismo do Senhor Jesus; e uma Quaresma da Festa de São Pedro e São Paulo, em 29 de junho, até a Festa da Assunção de Nossa Senhora, em 15 de agosto.

Acredita-se que a devoção de São Francisco a São Miguel Arcanjo tenha surgido exatamente a partir do Santuário de Gargano, onde São Miguel havia aparecido. São Francisco visitou o local em 1216, mas não entrou, por não se achar digno. Apenas rezou na entrada da Igreja, beijou o chão e traçou o sinal da cruz em forma de Tau (“T”) em uma pedra.

Sobre essa devoção de São Francisco, São Boaventura escreve: “Um vínculo de amor indissolúvel unia-o aos anjos cujo maravilhoso ardor o punha em êxtase diante de Deus e inflamava as almas dos eleitos”; “Ao bem-aventurado Arcanjo Miguel – visto que é seu o ministério de trazer as almas diante de Deus – [São Francisco] nutriu um amor e devoção especiais”. Tomás de Celano também relata: “Dizia muitas vezes que São Miguel devia ser mais excelentemente honrado, pelo fato que este tinha o ofício de apresentar as almas a Deus. Dizia, pois, que ‘Em honra de tão grande príncipe, todos deveriam oferecer algum louvor ou dádiva a Deus’”.

Foi no ano de 1224 que São Francisco celebrou a Quaresma de São Miguel pela primeira vez, no Monte Alverne, de 15 de agosto, Festa da Assunção de Nossa Senhora, até 29 de setembro, Festa dos Três Arcanjos, acrescentando-a às quatro quaresmas já observadas por ele anualmente. Ele diz: “Para honra de Deus, da bem-aventurada Virgem Maria e de São Miguel, Príncipe dos Anjos e das almas, quero fazer aqui [no Monte Alverne] uma quaresma”. E foi exatamente durante essa primeira Quaresma que ele recebeu os santos estigmas de Cristo, no dia 17 de setembro, três dias após a Festa da Exaltação da Santa Cruz, após uma visão do Cristo Crucificado que lhe apareceu como um Serafim com seis asas.

Os franciscanos difundiram a Quaresma de São Miguel durante o século XVIII. Depois disso, ela recebeu pouca atenção. Porém, recentemente ela tem se popularizado bastante, especialmente através da Internet.

Como viver a Quaresma de São Miguel?

A Quaresma de São Miguel, como foi dito, se estende do dia 15 de agosto a 29 de setembro, excluídos os domingos, e consiste num tempo de penitência e oração. Dentro desse período se inclui a Novena em Honra a São Miguel, entre os dias 20 e 29 de setembro.

Como essa Quaresma é uma devoção particular, não é obrigatória como os tempos penitenciais da Quaresma em preparação para a Páscoa e do Advento em preparação para o Natal. Apesar disso, é uma devoção altamente recomendável, porque proporciona um tempo penitencial intermediário entre o longo período que se estende da Quaresma ao Advento.

O fato de ser uma devoção particular também implica que não há uma regra absoluta sobre como viver esse período. O que segue, portanto, são apenas sugestões, mas que têm sido recomendadas e seguidas por muitos católicos.

Providencie um altar para São Miguel com uma imagem ou estampa, e então, todos os dias:

  • Acenda uma vela abençoada por um sacerdote diante da imagem de São Miguel.
  • Ofereça uma penitência. A penitência pode estar ligada à esmola, jejum e oração. Pela esmola, desprendemo-nos das coisas; pelo jejum, dos prazeres; e pela oração, de nós mesmos. Alguns exemplos de penitência serão sugeridos ao final deste artigo.
  • Faça as orações recomendadas: o sinal da cruz, o Pequeno Exorcismo do Papa Leão XIII (Oração de São Miguel Arcanjo), a Ladainha de São Miguel Arcanjo, a Consagração a São Miguel Arcanjo e o pedido de uma graça a ser alcançada. Use o aplicativo Pocket Terço para rezar essas orações.

Além dessas práticas, é importante fazer uma boa confissão durante o período dessa Quaresma, participar da Missa em honra a São Miguel (se possível, diariamente) e rezar a Oração de São Miguel Arcanjo após a comunhão.

Alguns exemplos de penitência para esse período são os seguintes (escolha algumas delas):

Esmola:

  • Gastar dinheiro apenas com o necessário;
  • Guardar trocos para doação;
  • Dar esmolas, refeições, cestas básicas etc.;
  • Desfazer-se de bens para doá-los;
  • Fazer algum trabalho voluntário ou ajudar um projeto social;
  • Ajudar alguém de forma anônima;
  • Ajudar pessoas desconhecidas;
  • Fazer uma gentileza para alguém todos os dias;
  • Ouvir as pessoas com mais atenção;
  • Evangelizar alguém;
  • Convidar alguém para ir à Missa.

Jejum:

  • De alimentos:
    • Fazer jejum todas as sextas-feiras;
    • Fazer jejum de comida e água por um dia inteiro;
    • Retirar alguma refeição: café da manhã, almoço ou jantar;
    • Retirar refeições intermediárias;
    • Fazer abstinência de algum alimento: carne, álcool, café, refrigerante, doces, fast-food ou algo de que se goste;
    • Retirar algo dos alimentos: açúcar, sal, condimentos;
    • Diminuir alimentos: arroz, feijão, pão, macarrão;
    • Acrescentar algum condimento desagradável aos alimentos;
    • Comer algum alimento desagradável;
    • Beber apenas água, sem outros líquidos;
    • Beber água numa temperatura desagradável.
  • De outras coisas:
    • Abster-se total ou parcialmente de assistir TV, ouvir música, usar Internet, mexer no celular (desligar notificações), acessar redes sociais, assistir Netflix, jogar algum jogo, fumar;
    • Fazer coisas desagradáveis: fazer tarefas desagradáveis em casa e no trabalho sem murmurar, dormir sem travesseiro, dormir uma hora a menos, orar de joelhos, sentar-se em cadeiras duras, não encostar as costas na cadeira, cuidar da postura corporal, não usar carro próprio, elevadores ou escadas rolantes, locomover-se a pé.
  • Nos relacionamentos:
    • Não mexer no seu telefone quando estiver com outras pessoas;
    • Não se defender ao ser acusado;
    • Não reclamar ou murmurar;
    • Não gritar ou levantar a voz para as pessoas;
    • Não tentar justificar os erros;
    • Falar bem das pessoas que se gostaria de criticar;
    • Ser gentil mesmo com quem não é;
    • Ouvir as pessoas incômodas sem as interromper;
    • Sorrir sempre e para todos;
    • Pedir perdão a quem se ofendeu;
    • Dedicar mais tempo para a família.

Oração:

  • Fazer um bom exame de consciência todas as noites;
  • Acordar mais cedo para fazer oração e leitura bíblica;
  • Participar da Santa Missa diariamente;
  • Adorar Jesus no Santíssimo Sacramento diariamente;
  • Confessar-se semanalmente;
  • Rezar a Liturgia das Horas, o Rosário e/ou a Leitura Orante diariamente (Lectio Divina);
  • Fazer outras orações, como o Terço de São Miguel, ladainhas e orações diversas, salmos, textos bíblicos etc.
  • Ler um livro espiritual diariamente;
  • Rezar por uma pessoa diferente a cada dia da Quaresma;
  • Rezar mais pelos outros do que por si mesmo;
  • Agradecer mais, inclusive pelas adversidades.

Desejamos que você viva uma excelente Quaresma de São Miguel Arcanjo, de modo que, como é dito no Pequeno Exorcismo do Papa Leão XIII, ele lhe defenda no combate e seja o seu refúgio contra as maldades e ciladas do demônio! Amém.

Leia também: Os Três Arcanjos da Bíblia.

André Aloísio

Teólogo

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