Catecismo

Por que a fé não pode ficar fora da política

por Thiago Zanetti em 22/08/2025 • Você e mais 173 pessoas leram este artigo Comentar


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Tempo de leitura: 5 minutos

A separação radical entre fé e vida pública é uma das grandes tentações do nosso tempo. Muitos defendem que religião e política não devem se misturar, como se a fé fosse apenas um assunto privado, restrito ao interior das igrejas. Mas a Doutrina Católica ensina que a fé deve iluminar todos os aspectos da vida, inclusive a participação na vida social e política.

O Catecismo da Igreja Católica é claro:

“A Igreja, que, em razão de seu múnus e da sua competência, não se confunde de modo algum com a comunidade política, é ao mesmo tempo sinal e salvaguarda do caráter transcendente da pessoa humana. […] Faz parte da missão da Igreja ‘emitir juízo moral também sobre as realidades que dizem respeito à ordem política, quando o exijam os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas’” (CIC, 2245-2246).

Ou seja, a Igreja não governa, mas orienta moralmente, porque a política envolve escolhas que tocam diretamente a dignidade da pessoa e o bem comum.

Fé e política: uma exigência do amor ao próximo

Para o católico, participar da vida política não é apenas um direito, mas um dever. A Constituição Pastoral Gaudium et Spes afirma:

“A comunidade política existe, portanto, em vista do bem comum; nele encontra a sua completa justificação e significado e dele deriva o seu direito natural e próprio. Quanto ao bem comum, ele compreende o conjunto das condições de vida social que permitem aos indivíduos, famílias e associações alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição” (GS, 74).

Se a fé nos move ao amor, e o amor nos leva a buscar o bem do próximo, então a ação política — entendida como serviço ao bem comum — torna-se parte da vivência cristã.

São João Paulo II reforçou essa visão na encíclica Christifideles Laici:

“[…] os fiéis leigos não podem absolutamente abdicar da participação na « política », ou seja, da múltipla e variada ação econômica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover orgânica e institucionalmente o bem comum”. (CL, 42).

O perigo da fé confinada às sacristias

A tentativa de excluir a fé do espaço público é uma forma de laicismo que a Igreja denuncia há décadas. Bento XVI advertiu:

“A exclusão da religião da vida pública subtrai a esta um espaço vital que abre para a transcendência. Sem esta experiência primária, revela-se uma tarefa árdua orientar as sociedades para princípios éticos universais e torna-se difícil estabelecer ordenamentos nacionais e internacionais nos quais os direitos e as liberdades fundamentais possam ser plenamente reconhecidos e realizados”. (Bento XVI. Mensagem de Sua Santidade Bento XVI para a celebração do XLIV Dia Mundial da Paz: Liberdade religiosa, caminho para a paz, 2010).

A fé não é uma opinião entre outras, mas um caminho de verdade que ilumina a consciência e orienta as escolhas. Quando a fé é relegada à esfera privada, a sociedade perde uma fonte essencial de sabedoria moral.

Moral e leis: a fé como luz para a consciência

A política, para ser justa, precisa estar ancorada em princípios éticos objetivos. O Compêndio da Doutrina Social da Igreja ensina:

A Igreja encara com simpatia o sistema da democracia, enquanto assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade quer de escolher e controlar os próprios governantes, quer de os substituir pacificamente, quando tal se torne oportuno; ela não pode, portanto, favorecer a formação de grupos restritos de dirigentes, que usurpam o poder do Estado a favor dos seus interesses particulares ou dos objetivos ideológicos”. (CDSI, 406).

Isso significa que a fé fornece critérios para discernir entre leis justas e injustas. O próprio Catecismo afirma:

“A autoridade só será exercida legitimamente se procurar o bem comum do grupo em questão e se, para atingi-lo, empregar meios moralmente lícitos” (CIC, 1903).

Quando a fé é silenciada, o risco é que as leis passem a ser moldadas apenas por interesses econômicos ou ideológicos, sem considerar a lei moral natural.

Fé e compromisso social: a visão da Doutrina Social

A Doutrina Social da Igreja é clara ao afirmar que não existe oposição entre a fé e o compromisso político. Na encíclica Centesimus Annus, São João Paulo II lembra:

“A Igreja não tem modelos a propor. Os modelos reais e eficazes poderão nascer apenas no quadro das diversas situações históricas, graças ao esforço dos responsáveis que enfrentam os problemas concretos em todos os seus aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais que se entrelaçam mutuamente.” (São João Paulo II, Encíclica Centesimus Annus, n. 43).

Essa postura não significa que a Igreja imponha candidatos ou partidos, mas que ofereça critérios objetivos para que os fiéis ajam com responsabilidade, coerência e caridade.

O chamado ao testemunho coerente

Os católicos não podem viver uma fé esquizofrênica, onde creem na igreja e agem de modo oposto na praça pública. O Papa Francisco, na exortação Evangelii Gaudium, exorta:

“[…] ninguém pode exigir-nos que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos.” (Papa Francisco, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, n. 183).

E mais:

“Uma fé autêntica – que nunca é cômoda nem individualista – comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela.” (Papa Francisco, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, n. 183).

Portanto, manter a fé fora da política é contradizer o Evangelho, que nos envia a ser sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5,13-16).

A política como campo de missão

A fé não pode ficar fora da política porque ambas dizem respeito ao homem todo e à sociedade toda. Quando a política se afasta da moral, abre-se espaço para injustiças; quando a fé se fecha em si mesma, deixa de ser fermento no mundo.

O cristão, inspirado pelas palavras de São Paulo — “Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal pelo bem” (Rm 12,21) — é chamado a atuar de modo construtivo, buscando leis e políticas que promovam a vida, a justiça e a paz.

A Igreja não pede que se confunda fé e política, mas que a fé ilumine a política. Porque, como ensina o Catecismo:

“Os cidadãos devem, na medida do possível, tomar parte ativa na vida pública” (CIC, 1915).

Manter a fé fora da política não é neutralidade: é omissão. E, diante das necessidades do mundo, omitir-se não é opção para quem segue Cristo.

Thiago Zanetti

Por Thiago Zanetti
Jornalista, copywriter e escritor católico. Graduado em Jornalismo e Mestre em História Social das Relações Políticas, ambos pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). É autor dos livros Mensagens de Fé e Esperança (UICLAP, 2025), Deus é a resposta de nossas vidas (Palavra & Prece, 2012) e O Sagrado: prosas e versos (Flor & Cultura, 2012).
Acesse o Blog: www.thiagozanetti.com.br
Siga-o no Instagram: @thiagoz.escritor




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