Evangelização

Redes sociais e difamação: pecado moderno, culpa antiga

por Thiago Zanetti em 20/10/2025 • Você e mais 100 pessoas leram este artigo Comentar


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Tempo de leitura: 6 minutos

Vivemos na era das conexões instantâneas, onde cada opinião pode se tornar pública em segundos. As redes sociais ampliaram a voz de todos — mas também amplificaram o alcance do pecado da difamação, uma das formas mais sutis e destrutivas de ferir a caridade cristã. 

O que antes se espalhava em conversas de esquina, hoje viraliza com um clique. E embora o meio seja novo, a culpa é antiga: o pecado contra a reputação do próximo continua sendo uma das maiores feridas à comunhão humana.

1. A honra como reflexo da dignidade humana

Segundo o Catecismo da Igreja Católica, “a honra é o testemunho social prestado à dignidade humana” (CIC §2479).

Atacar a reputação de alguém — seja por calúnia, difamação ou fofoca — é atentar contra essa dignidade que vem de Deus. 

Nas redes, o que antes exigia coragem para ser dito pessoalmente agora se faz de forma anônima, fria, e muitas vezes impensada. Likes substituem a reflexão moral; comentários ácidos tornam-se “entretenimento”.

Mas para o cristão, a palavra nunca é neutra.

“Eu vos digo: no dia do juízo os homens prestarão contas de toda palavra vã que tiverem proferido” (Mt 12,36).

Cada post, comentário ou compartilhamento carrega peso espiritual. O teclado é, em certo sentido, um novo púlpito — e pode ser usado tanto para o bem quanto para o mal.

2. Difamação: o velho pecado em nova roupagem

O Catecismo define com clareza:

“da calúnia, aquele que, por palavras contrárias à verdade, prejudica a reputação dos outros e dá ocasião a falsos juízos a respeito deles” (CIC §2477).

Perceba que o pecado não está apenas em mentir — isso seria calúnia —, mas também em expor verdades que não deveriam ser reveladas.

Nas redes sociais, isso ocorre quando alguém compartilha uma “verdade incômoda” sobre outra pessoa, sem caridade, apenas para ganhar visibilidade ou satisfazer o desejo de justiça própria. 

Quantas vezes um “desabafo” no feed se transforma em uma forma pública de vingança?

A tecnologia pode mudar os instrumentos, mas não muda o coração humano.

O mesmo impulso que movia os fariseus a espalhar boatos sobre Jesus ainda vive quando alguém comenta: “só estou dizendo a verdade”.

Na prática, é o mesmo veneno, apenas servido com estética digital.

3. A gravidade espiritual da difamação online

A difamação não é apenas um erro moral — é um pecado contra a caridade e contra a verdade. 

São Tiago alerta:

“Assim também a língua, embora seja um membro pequeno, se gloria de grandes coisas. Comparai o tamanho da chama com o da floresta que ela incendeia!” (Tg 3,5).

Hoje, essa “língua” é também o teclado e a tela do celular.

Um tweet maldoso, um vídeo editado de forma tendenciosa, um comentário em grupo de WhatsApp — tudo isso pode arruinar a vida de alguém e manchar irreversivelmente sua imagem.

E como ensina o Catecismo, o dano causado à reputação exige reparação:

“O respeito à reputação das pessoas proíbe qualquer atitude e palavra capazes de causar um prejuízo injusto” (CIC §2477).

Isso significa que quem publica, compartilha ou até curte conteúdos difamatórios participa, em graus diversos, da mesma culpa moral. 

Na lógica evangélica, não basta “não ser o autor” — é preciso não ser cúmplice.

4. Quando a verdade se torna instrumento de destruição

Há quem defenda a exposição pública em nome da “verdade”. Mas a verdade sem caridade é violência.

Santo Agostinho já advertia:

“A verdade não deve ser amada de tal modo que odiemos os homens por causa dela” (De Civitate Dei, Livro XIV, capítulo 6).

Divulgar um erro de alguém, mesmo real, sem a intenção de corrigir, mas de humilhar, é desviar-se da verdade.

O cristão é chamado a corrigir em particular, não a expor em público (cf. Mt 18,15).

As redes, no entanto, incentivam o oposto: quanto maior o escândalo, maior o engajamento. 

Por isso, a virtude da prudência é o primeiro escudo moral para quem deseja viver a fé também online.

5. O exame de consciência digital

Antes de publicar algo, o cristão pode se perguntar:

  • O que vou dizer é verdadeiro?
  • É necessário dizer?
  • É caridoso?

Essas três perguntas simples — verdade, necessidade e caridade — são um guia de discernimento para qualquer comunicação. 

E quando falhamos, o caminho é o mesmo de sempre: reconhecer, confessar e reparar.

O Papa Francisco, em sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações de 2018, afirmou:

“[…] a comunicação humana é uma modalidade essencial para viver a comunhão. […] Nenhum de nós se pode eximir da responsabilidade de contrastar estas falsidades”.

Nesse mesmo documento o Papa diz:

“A expressão fake news é objeto de discussão e debate. Geralmente diz respeito à desinformação transmitida on-line ou nos mass-media tradicionais. Assim, a referida expressão alude a informações infundadas, baseadas em dados inexistentes ou distorcidos, tendentes a enganar e até manipular o destinatário. A sua divulgação pode visar objetivos prefixados, influenciar opções políticas e favorecer lucros económicos” (n. 1).

6. Reconstruindo o bem com a palavra

Assim como a difamação destrói, a boa comunicação edifica. 

Cada cristão é chamado a ser instrumento de reconciliação, inclusive no ambiente digital.

“Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus!” (Mt 5,9).

Isso significa usar as redes não para expor, mas para exaltar o bem, defender a justiça e promover a verdade.

Significa optar pelo silêncio quando o comentário não edifica. Significa resistir à cultura do cancelamento e escolher a cultura do encontro.

A penitência moderna pode começar com algo simples: não compartilhar o mal, ainda que disfarçado de “opinião”.

7. O perdão e a reparação: cura para feridas digitais

Quem difamou alguém — seja por impulso, rancor ou ignorância — deve buscar o perdão de Deus e, se possível, reparar o dano causado.

A confissão sacramental é o primeiro passo, mas não o único.

O arrependimento verdadeiro inclui o esforço para desfazer, na medida do possível, o mal divulgado.

Pode significar apagar uma publicação, pedir desculpas publicamente, ou até defender aquele que foi injustamente atacado.

“Aquele que dissimula faltas promove amizade; quem as divulga, divide amigos” (Pr 17,9).

No mundo digital, isso é literal: um único post pode separar amizades, famílias e comunidades inteiras.

Mas também pode unir, se for guiado pela caridade.

O evangelho da prudência

As redes sociais são uma extensão da vida — e, portanto, também da moral cristã. O cristão é chamado a ser sal da terra e luz do mundo também no Instagram, no X, no WhatsApp e em todos os espaços onde há pessoas. 

Cada post pode ser uma pregação ou uma pedra. 

Cada palavra pode construir pontes ou muros.

A difamação talvez seja um pecado moderno na forma, mas continua sendo antigo na essência: negar o amor ao próximo.

E só há um remédio para isso — o mesmo de sempre: a conversão do coração.

Thiago Zanetti

Por Thiago Zanetti
Jornalista, copywriter e escritor católico. Graduado em Jornalismo e Mestre em História Social das Relações Políticas, ambos pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). É autor dos livros Mensagens de Fé e Esperança (UICLAP, 2025), Deus é a resposta de nossas vidas (Palavra & Prece, 2012) e O Sagrado: prosas e versos (Flor & Cultura, 2012).
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